Solta o som - Rota Lysandre escrita por xHamiko


Capítulo 4
Eleka Nahmen




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As cenas do acidente agora pareciam fazer parte de um sonho. A dor da queda, minhas lágrimas caindo enquanto eu tentava me levantar, a multidão à minha volta, a professora Clarice e alguns alunos me imobilizando, o barulho da ambulância... Depois que tudo escureceu era como se nada fizesse sentido.

— ...luxação patelar e do pulso sem quaisquer outras complicações. Felizmente não fraturou nenhum osso, mas os movimentos dela ficarão temporariamente limitados. Não se preocupem, nossa fisioterapeuta irá acompanhá-la.

A voz do médico soava como gongo e me dava dor de cabeça, mesmo ele falando tão ponderadamente com os meus pais. Meu corpo todo doía por conta dos vários hematomas, fora que a perna e o braço direito estavam imobilizados.

Pra piorar, esse hospital me trazia péssimas lembranças. Foi aqui que o Lysandre se internou quando estava com amnésia. Aqui eu tive uma experiência horrível envolvendo meu namorado me apagando da vida dele e se derretendo de amores pela minha melhor amiga enquanto eu me via completamente sozinha.

“Você é tão insignificante que um dia Lysandre esquecerá que lhe namora”.

Sacudi a cabeça para espantar essas ideias.

— Como se sente? - Mamãe acariciava meus cabelos.

— O susto passou, então estou melhor.

— Amanhã você vai poder voltar pra casa, minha querida. Felizmente não foi nada tão grave.

— É. - Papai estava contrariado - Mas isso não vai ficar assim. Essa escola nos deve uma explicação. Onde já se viu não verificar se o cabo estava em condições de levantar uma pessoa?

— Talvez eu precise fazer uma dieta. - Eu brinquei.

— Era pra um cabo daqueles conseguir suportar sua mãe e eu, minha filha.

— Pai, foi uma piada.

De repente a porta se abriu e a enfermeira Socorro entrou no meu quarto carregando um vaso com lírios.

— Eu trouxe aqui antes que murchem. - Ela falou colocando as flores ao lado da minha cama, fazendo aquela cara de sempre.

— Foi seu namorado que trouxe, eu vi. - Minha mãe dizia bastante alegre - Que romântico, não?

— Lysandre está aqui?!

Que estranho. A essa hora ele devia estar na fazenda da mãe.

— Sim. Você quer vê-lo?

Fiz que sim com a cabeça. Já meu pai se mostrou receoso:

— Querida, eu não sei se é sensato deixar aquele garoto a sós no quarto com uma mocinha.

— Não comece, Philipe, isso aqui é um hospital.

Mamãe pegou papai pelo braço e saiu com ele enquanto eu deixava escapar uma risada fraca.

Caramba, todo meu corpo doía. Minha aparência já esteve melhor.

Depois de alguns minutos a porta se abriu novamente.  Eu me sentei com dificuldade e olhei radiante para a pessoa que acabava de entrar:

— Meu Lysandre...

Eu o vi suspirar aliviado. Em seguida se sentou na beira da cama e me abraçou tão intensamente que senti um bem estar sem tamanho, como se eu estivesse protegida contra qualquer coisa de ruim que pudesse me acontecer. Apoiei a fronte no seu ombro e passei a mão pelas suas costas, retribuindo o gesto como podia.

Ele continuava em silêncio, acariciando meus cabelos e parecendo tentar acalmar o ritmo da própria respiração. Pude sentir seu coração batendo aceleradamente.

— Não foi nada grave... - Ele finalmente falou, e com uma voz muito fraca.

Lysandre se afastou e repousou a mão no meu rosto, mas parecia olhar para algo além de mim. O olhar estava muito perdido. Tão perdido que parecia que estava falando sozinho:

— Você poderia ter fraturado a coluna... Ou batido a cabeça...

— Mas do que está falando? Você é o primeiro a dizer que temos que procurar ver as coisas sob uma ótica positiva.

Ele tentou sorrir, mas não conseguiu. Em vez disso, só fez que sim com a cabeça.

— Estou muito feliz em te ver - Eu segurei a mão que acariciava meu rosto e nossos dedos se entrelaçaram - Mas achei que estivesse no campo.

— Eu estava, mas Rosa me contou o que aconteceu.

— Oh, meu Deus... Você deve estar exausto! Pelo menos comeu alguma coisa?

Finalmente vi um sorriso nele. E aquele sorriso terno me deixou mais aliviada.

— Não se preocupe, eu comi depois que me disseram que você estava fora de perigo. Aproveitei para trazer os lírios porque até então eu estava de mãos vazias.

A porta se abriu mais uma vez. Ninguém havia batido, então pensei que fosse uma enfermeira. Mas não. Castiel havia entrado, acompanhado da Rosalya.

— Ela tá inteira? - O ruivo se aproximou da minha cama e cruzou os braços — Você nos deu um susto, garotinha.

— Licença. - Rosalya cumprimentou nós dois. - Como você está?

— Podia ter sido pior. — Eu dei de ombros — O médico falou em luxação no pulso e no joelho ou coisa assim, mas não quebrei nada e logo vou poder voltar pra escola. Eu só espero poder continuar na peça.

Castiel e Rosalya se olharam zangados. Acho que eu nunca tinha visto essa cena antes.

— Gente? Perdi alguma coisa?

— Sim! - Castiel quase gritou, me assustando - Ambre cortou uma parte do cabo! Por isso ele não lhe sustentou! Vontade de sentar a mão nela não falta!

— A-Ambre!?

— Pois é. Nathaniel nos contou que ela quis lhe pregar uma peça. - Rosalya bufou - Você não morreria caindo daquela altura, mas seria alvo de piada por ser pesada demais para o cabo. Eu já vi ideia idiota, mas essa...

— P-peraí, como sabem que foi a Ambre?

— Ela confessou pro Nathaniel. Até ela percebeu que poderia ter feito um mal muito maior.

Eu sei que estou fora de perigo, mas não pude deixar de sentir indignação por ter passado por isso. Eu poderia ter sofrido um acidente mais grave! Olhei para Lysandre e só então percebi que ele estava furioso.

Mais uma vez a porta se abriu e pude ver a cabeça de Alexy pela fresta:

— Hei, vocês já vão sair? Nós também queremos entrar!

— Espere a sua vez, emoji! - Castiel falava aborrecido.

— Você não manda na gente! - Dessa vez era Kentin, vindo logo atrás.

— Aff. O comando em ação também veio.

Os dois foram pra perto da cama com tanta pressa que eu fiquei com medo que me sufocassem. Na verdade, o quarto agora parecia muito menor.

— Armin vem mais tarde - Alexy me esclarecia - Eu não sei o que aconteceu, mas vi que ele  tava tentando acalmar o Nath. Espero que esteja tudo bem com nosso querido representante.

— Acho que não está, Alexy. Foi por causa da Ambre que eu vim parar aqui. Ela cortou parte do cabo.

Foi como se Kentin estivesse prestes a surtar:

— Ela O QUE? Essa garota é louca!!

— Gente... - Alexy estava pasmo - Mas por que ela fez isso? É só uma peça de escola.

— Deve ter sido por causa da nossa discussão ontem, antes do show. - Respondi - O pior que se ela pode ter problemas. Já pensou se chamam a polícia?

Todos eles me olharam como se eu tivesse acabado de falar algo absurdo.

— Você bateu a cabeça por acaso? - Castiel estava no seu pior humor - Claro que vão chamar a polícia!

— Eu concordo com Castiel. - Lysandre falava incisivo - A polícia tem que ser chamada. Ambre precisa responder pelos próprios atos. Se algo tivesse lhe acontecido, eu...

A porta se abriu novamente, mas dessa foi o médico que entrou, e não estava gostando nem um pouco da multidão que se encontrava em meu quarto.

— Eu disse dois visitantes no máximo. A paciente precisa descansar.

— Está tudo bem, doutor. - Eu intervi - São meus amigos e meu namorado. Eu estou feliz em vê-los.

— Isso porque os outros ainda nem chegaram. - Alexy ria enquanto colocava as mãos para trás da cabeça - Senão poderíamos fazer uma festa aqui!

O médico olhou feio para ele:

— Amanhã ela receberá alta e vocês poderão vê-la em outro ambiente. Agora precisam sair. A fisioterapeuta virá cuidar dela.

Obedecendo à ordem, todos se despediram e saíram do quarto. O último foi o Lysandre, que me deu um delicado beijo nos lábios antes de ir embora.

O médico parecia surpreso com aquela cena. 

— Você... É namorada de Lysandre desde antes do acidente?

Que pergunta estranha. De qualquer forma, me limitei a balançar a cabeça em afirmação.

— Devia ter informado isso à equipe médica. 

— Na época eu estava nervosa. Ele não se lembrava de mim.

— Ele também não se lembrava da Nina.

Com essa frase solta, ele se retirou do quarto, me deixando perdida nos pensamentos até a fisioterapeuta chegar.

 

~o~

 

Eu consegui voltar pra escola quarta feira, usando tipoia no braço direito e imobilizadores no braço e no joelho direito. Fora a bengala pra me ajudar a andar. Como eu estava usando a bengala com o braço esquerdo, precisava jogar todo o meu peso para um lado deixando tudo mais difícil. Subir as escadas, então, era um tormento.

— Você precisa de ajuda? - Nathaniel me tirou dos pensamento - Eu posso carregar suas coisas.

— Obrigada, Nath. - Eu passei a mochila para ele - E o resultado das eliminatórias?

— Estamos classificados. Já começamos a ensaiar para as finais.

— E você sabe em qual projeto o dinheiro do prêmio vai ser usado? Porque o Alexy falou até em festa de formatura num iate.

— Eu espero que ele não saia espalhando isso por aí.

— Estamos falando do Alexy

— Bem, de qualquer forma, Peggy deve estar se divertindo fazendo a sua pesquisa. Logo vamos saber - De repente ele ficou tímido e desviou o olhar - Olhe, eu... Soube o que meus pais fizeram. Sinto muito.

— Seus pais? Você quis dizer sua irmã, não?

Ele massageou a ruga no meio dos olhos aborrecido:

— Aff, isso também. Como ela pôde? Mas meus pais deviam fazê-la assumir as próprias responsabilidades. Aposto que se fosse eu...

Nathaniel parou de falar. Ele mesmo havia tocado num ponto sensível e baixou o olhar tristonho. Me cortava o coração vê-lo assim.

— Hei, Nath, isso não tem nada a ver com você. Não tem por que se desculpar.

— Eu sei. É que... Eu não entendo.

— Seus pais tem dificuldades para enxergar o que está a um palmo diante deles, mas outras pessoas enxergam você do jeito que você é, e gostam disso. O Armin, a Melody... E eu, claro!  Vivemos muita coisa juntos e você se tornou o meu amigo querido.

Ele olhou pra mim sorridente, e um pouco corado:

— Você parece sincera quando diz que gosta de mim pelo que sou.

— Eu não bisbilhotaria a sua casa se não quisesse lhe ver feliz.

— Posso fazer uma pergunta?

— Claro.

— Como... C-como é a relação entre você e o Lysandre? Digo... Você é muito curiosa e insistente... E ele odeia as duas coisas. Vocês não brigam muito por isso?

O sinal acabou tocando, cortando a nossa conversa.

— Oh-ou, precisamos ir. — Eu comecei a mancar pelo corredor na companhia dele — Lysandre sabe como eu sou e mesmo assim nos dávamos bem desde antes de namorarmos. Acho que mesmo diferentes, a gente se entende.

Assim que entrei na sala reparei que Ambre não estava na sala, e Li se negava a me olhar. Rosalya ainda não havia chegado, nem meu namorado, mas felizmente dava para sentar ao lado do Alexy.

— Aí está a Miss Sunshine! - Meu amigo me sorria - Se entediou muito na sua casa?

— Não, eu tinha internet e jogos. Mas eu senti falta de ver seu belo rosto.

— Pare com isso! Eu gosto de rapazes!

Começamos a rir enquanto os demais alunos chegavam. Entre eles estava Lysandre, com ar bastante sonolento.

Ele ficava tão fofo quando parecia não estar completamente acordado...

— Sabe? Eu sempre me perguntei como seu namorado é quando vocês estão entre quatro paredes. - Alexy brincava.

— Eu juro solenemente que não vou lhe deixar em paz quando você arranjar um.

— Isso se eu não ficar pra titio. É muito mais difícil achar um boy pra mim.

— Achei que Kentin fazia seu tipo.

— E faz. Mas as chances que eu tenho com o Kentinho são as mesmas que a Viollete tem comigo. Nem se eu estivesse dentro de um biscoito ia adiantar.

— Você precisa conhecer outros alunos. Já experimentou não andar somente com as garotas noventa por cento do tempo?

Inesperadamente, ele começou a rir nervoso.

— O que? O que eu falei de engraçado? - Eu estranhei.

— Nada, é que a Rosa me disse a mesma coisa. Mas, sinceramente, eu não acho que isso faça diferença.

— Claro que faz! Você é atraente, charmoso, divertido... Ok, digamos que eu já tive uma quedinha por você. Os rapazes gays não se mostram, mas as chances de conhecê-los aumentariam se você tentasse se enturmar com os garotos.

— Ah, não... Você tá falando mesmo igualzinho à Rosa.

— Confesse que você só troca palavras com cinco rapazes e só conversa direito com três, sendo que um é seu irmão, o outro é o melhor amigo do seu irmão e o outro é o meu amigo de infância.

— Por favor, não fale dessa conversa com a Rosa ou ela vai fazer brotar uma lista de contatinhos!

— Oh... Eu posso usar isso pra lhe ameaçar.

— Não! Pára!

Tivemos que nos comportar quando a aula de história começou. Como sempre, os alunos começavam a conversar em voz baixa, mas eu precisava prestar muita atenção no que o professor dizia, porque fazer anotações com a mão esquerda era difícil. De vez enquanto Alexy tinha que parar o que estava fazendo para me ajudar.

Quando a aula acabou, todo mundo saiu apressadamente para conseguir um lugar decente na fila da cantina. Ou melhor, quase todo mundo.

Assim que a sala se esvaziou, senti Lysandre abraçar minha cintura por trás e dar um beijo delicado em meu pescoço.

Eu me arrepiei dos pés à cabeça.

— Sabia que eu sinto cócegas no pescoço?

— Então achei uma boa maneira de lhe provocar. - Ele me soltou para que pudéssemos ficar frente a frente. - Quer companhia para o almoço?

— Com certeza. Mas vou almoçar no jardim, meu pai preparou um lanche. Algum problema pra você?

— Nenhum. Se você me esperar, eu posso comprar algo na lanchonete.

— Hm... Se vamos sair da escola, por que não almoçamos no parque? Vai ser bom mudar de ares um pouco.

— Você aguenta essa caminhada?

— Claro! Eu não estou inválida, apenas com um pouco de restrição. Vamos, lá.

 

~ o ~

 

No caminho para a lanchonete Lysandre me deixava a par das últimas notícias. Rosalya havia lhe dito que a professora Clarice pensava em escalá-la como minha substituta se eu mostrasse não ter condições para apresentar. Eu seria avaliada hoje mesmo, na hora do ensaio, e se realmente a peça precisar de uma nova Elphaba, Leigh teria mais trabalho com os figurinos.

— Eu até entendo. — Confessei enquanto nos aproximávamos do café — Nossas medidas são muito diferentes, as minhas e as da Rosa. Leigh vai ter que refazer boa parte da roupa.

Especialmente a parte dos seios.

Lysandre me olhou com uma cara que eu nem consigo descrever direito. Uma mistura de enigmático com espirituoso. Será que ele leu minha mente?

— O q-que? Que foi? — Eu acho que fiquei nervosa.

— Eu não sei suas medidas. Muito menos as da Rosa. Mas tenho certeza que meu irmão está trabalhando em algo que ficará melhor em você do que em qualquer pessoa, então se trocar a modelo, trocam-se as ideias.

— Ah. Eu não tinha pensado nisso. Pra mim os trajes seriam os de sempre, um vestido preto de manga comprida pra Elphaba e um vestido de debutante pra Glinda. Mas é claro que Leigh não se limitaria a isso.

— Se qualquer outra pessoa lhe substituísse ele não iria se importar tanto com a troca, mas Rosa é a modelo favorita dele. Certamente desenharia um vestido inspirado unicamente nela.

— Uau… Será que a Rosa sabe disso?

— Acho que não. Senão ela já teria comentado.

Continuamos conversando sob um clima agradável e uma brisa fresca. No entanto, caminhar aquela distância estava ficando cansativo demais. Mal chegamos à lanchonete e eu me sentei numa das cadeiras enquanto Lysandre fazia o pedido.

— Seu joelho está muito fraco, não é? - Ele me perguntou assim que voltou.

— Er… Finalmente, essa não foi a minha melhor ideia. - Eu ri sem graça.

— Você aceita que eu lhe carregue?

— …! V-você me carregar!?

Eu acho que fiquei mais vermelha que o cabelo do Castiel.

Não fique envergonhada, não fique envergonhada! É apenas o seu namorado sendo gentil! Seu irresistível namorado sendo fofamente gentil.

— Q-quero sim.

Ele me entregou a sacola com o lanche, passou o braço pelas minhas costas e, no segundo seguinte, me carregou no colo, bem no estilo nupcial, com uma facilidade absurda. E fez isso de uma forma muito cuidadosa. Passei o braço em volta do seu pescoço e notei que ele não parecia fazer esforço algum.

Agora eu estava admirando-o feito uma boba.

Eu me sentia segura. Não havia aquele medo que nós dois tombássemos no chão ou que ele não aguentasse o meu peso. Eu estava... Confortável.

— Lys...? Por acaso praticou algum esporte ou coisa assim? Eu me sinto extremamente fraca ao seu lado.

— Quando eu morava na fazenda, ajudava meus pais com o trabalho pesado. Com o tempo aprendi que não era uma questão de força, mas de jeito.

Quando chegamos ao parque, perto de um banco onde poderíamos almoçar, não fiz nenhum movimento para que ele me soltasse. Na verdade eu tinha esquecido de fazer isso. Eu preferia continuar em seus braços, contemplando-lhe as feições.

Ele também olhou pra mim, e não fez menção de me deixar. Era como se estivéssemos falando tudo e nada ao mesmo tempo. Pela primeira vez compreendi que as vezes palavras eram desnecessárias quando se tratava de Lysandre.

Era como se ele tivesse saído de um poema...

Dessa vez foi ele que enrubesceu, e abriu um pouco a boca como se quisesse falar alguma coisa, mas não encontrasse as palavras certas. Sem que algo mais precisasse ser dito, nossos rostos se aproximaram e nos beijamos. Naquele instante, senti como se o tempo não passasse, e não liguei para mais nada.

Foi uma voz feminina que nos puxou pra realidade.

— Lysandre…?

Nos separamos e nos deparamos com Nina, com uma expressão chocada. Mas ao contrário de mim, Lysandre não estava surpreso com a presença dela. Com cuidado, ele me colocou no chão e a cumprimentou cordialmente.

— Oi, Nina. É bom lhe ver.

— Você... Você está com ela? Você... Nunca me disse nada.

— Eu não tive oportunidade.

— Foi ela que afastou você de mim?

— Eu não me afastei de ninguém. Do que você está falando?

Eu estava perplexa com toda aquela cena. Será que Lysandre nunca percebeu que Nina não é só uma fã? Talvez ele seja o primeiro grande amor dessa garota! Eu não sei o que fazer.

Para piorar, os olhos dela se encheram de lágrimas e ela saiu correndo.

— Nina? - Lysandre arregalou os olhos assustado - Nina!

Ele correu atrás de Nina sem pensar duas vezes e me deixou plantada ali, ainda em estado de choque. Pra piorar, eu me toquei que a cena lembrava o acidente que meu namorado sofreu. Com o coração pulsando aceleradamente eu despejei meu corpo no banco, olhando fixamente para o lugar por onde eles tinham ido. Ficaria tudo bem, certo? Depois do acidente, Lysandre tinha ficado mais cuidadoso, não?

Passaram-se alguns segundos. Nenhum som de carro freando bruscamente ou uma multidão aterrorizada. Nada. Apenas o assobio do vento e o canto dos pássaros.

A tranquilidade reinava no parque.

Com um sentimento de apatia tomando conta de mim, abri a tupperware em que meu pai colocou um sanduíche e fiquei olhando-a.

Será que Lysandre demoraria a voltar?

Esperei mais um pouco. Nada. Nem uma mensagem no celular ou uma ligação. Era como se ele tivesse se esquecido completamente que almoçaríamos juntos.

Suspirei e dei uma mordida no meu sanduíche. Aquilo estava muito longe da expectativa que criei quando sugeri almoçarmos no parque, mas ao mesmo tempo eu estava preocupada com a Nina. Ela deve estar sofrendo, e ainda saiu correndo feito uma louca. 

Bem que Lysandre poderia me mandar um sinal de vida.

Na metade do sanduíche cheguei à conclusão que perdi o apetite.

Olha só quem está aqui!

Ergui a cabeça e percebi que alguém estava andando de bicicleta.

— Dake!

— Oi. O que faz sozinha? Você sofreu um acidente, não deveria estar se poupando?

— Sim, mas achei que seria uma boa ideia almoçar no parque.

— Sem o seu namorado?

— Digamos que algumas coisas não deram certo.

— Se você fosse minha eu não lhe deixaria ir a lugar algum sem mim.

Ainda bem que não sou.

— Dake, você vai passar pela escola? Uma carona seria bem vinda.

— Claro! Sente aqui. - Ele passou a mão na garupa.

— Obrigada.

 

~ o ~

 

Foi uma sorte que Dake tivesse aparecido porque eu cheguei um pouco antes do sinal tocar. E ainda era aula da professora Delanay, o que tornava tudo pior ainda. Eu precisava subir uma escada!

O meu mal humor só crescia.

Felizmente a professora ficou sensibilizada com a minha situação e não me deu uma bronca. O resto da aula foi a monotonia de sempre, e se antes era difícil copiar o que a professora explicava, agora era impossível.

— Você chegou a ver o Lysandre? — Rosalya me perguntou quando saímos da sala — Ele não é de faltar.

— A única coisa que eu sei é que ele ta com a Nina.

— A mini-fã? O que aconteceu?

— Uma cena digna de novela mexicana. No caso, eu seria a personagem que se mete no meio do casal.

— Que!?

— Deixa pra lá. Ah, fiquei sabendo que a professora Clarice quer saber se tenho condições de participar da peça.

— Você tem condições. Você canta com a garganta, não com o joelho. Além disso eu não quero me pintar de verde. Imagina o trabalho que vai ser tirar isso da pele.

Comecei a rir. No fundo eu sabia que Rosalya só estava dizendo isso para me tranquilizar.

Mal me aproximei do ginásio e pude ouvir uma discussão. O professor Bóris, o professor Patrick, a professora Clarice e até a diretora estavam lá dentro, junto com muitos alunos, inclusive Ambre e seu olhar perdido. Era a primeira vez que eu a via depois do acidente.

Quando ela me viu, desviou o rosto constrangida (Algo que eu pensei que ia morrer sem testemunhar).

 

— Ao menos deixe-a participar da peça. - Bóris parecia em pânico - Já perdemos a nossa Elphaba...

Que!? Como assim “já perdemos a nossa Elphaba”!? Já deram o veredicto sem me ouvirem cantar?

Ok, agora eu estava ficando com muita raiva.

Ao me ver, a professora Clarice pediu silêncio aos colegas de trabalho.

— Eu estava lhe esperando. Como pode ver, precisamos saber se você está apta a executar seu papel. Quer começar agora?

— S-sim. Mas não posso me mover muito.

— Não tem problema. Isso é apenas uma peça de escola. Daremos um jeito na sua movimentação. Você já domina o Todo Bem tem Seu Preço?

— Sim.

Ela se referia à cena em que Fiyero é capturado e levado amarrado para ser executado em campo aberto. Elphaba começa a conjurar um feitiço pra torná-lo imune às lâminas, mas depois de acreditar que seu amado morreu, promete que jamais voltará a fazer o bem.

— Então se prepare. — A professora colocou o microfone de lapela na minha roupa e me entregou o grimório, que eu tinha que segurar junto com a bengala. Sorte que aquilo era leve.

Chances total de ser uma catástrofe.

A música começou a tocar. Os trompetes soaram. Então eu reparei que nunca estive tão nervosa durante o ensaio.

— FIYEROOOOOOOOOOOO!

Mas o show deve continuar.

Eleka nahmen nahmen

Ah Tum Ah Tum

Eleka nahmen

Eleka nahmen nahmen

Ah Tum Ah Tum

Eleka nahmen

Que a pele resista ao ataque que for

Ao baterem, que não sinta dor

Que seus ossos não quebrem e podem tentar destruí-lo

Mas não vai morrer

Não, não vai morrer

Eleka nahmen nahmen

Ah Tum Ah Tum

Eleka nahmen

Eleka nahmen nahmen

Ah Tum Ah Tum

Eleka...

Eleka…

Esse feitiço, já nem tem mais sentido

Já nem sei se existe salvação

Fiyero me espera!

Ou já terá morrido?

Tudo que passa pela minha mão,

Vira maldição!

Percebi que mais alunos começavam a chegar. Castiel, Nathaniel e Íris, pra ser mais exata. Entretanto procurei não me distrair.

Todo bem tem seu preço

A caridade trai seu sentimento

Todo bem tem seu preço

Hoje eu sei bem

Ser bem intencionado nunca ajudou ninguém

Todo bem tem seu preço!

Ouvi alguém dizer “ela vai cantar, então?”. Confesso que a plateia não tava me ajudando a me manter concentrada. 

Mas a questão que dói

Dói essa suspeita

Se é que eu busquei o bem

Mas só pra ser aceita?

Será que ser do bem é só um meio pra ganhar?

Se isso é ser do bem já não quero mais tentar!

Todo bem tem seu preço

Pegue seu lado bom e jogue ao vento

Todo bem tem seu preço

Tentei o bem mas só causei tormento

Pois bem então, que seja, seja assim

— Toda Oz vai saber que a bruxa má sou eu!

Fiyero sem você meu lado bom morreu

Depois de te perder,

Prometo não fazer o bem

Pra mais ninguém

Nunca mais vou fazer o bem!

Quando terminei, percebi os olhares de todos para mim. Em seguida os aplausos. Tanto dos alunos quanto dos professores e da diretora.

— Muito bem. - A professora Clarice anunciou elegantemente - Que bom que não perdemos nossa Elphaba. Você só precisa controlar a intensidade do seu timbre, querida, ou pode parecer que está brigando com a plateia.

—  Ah. S-sim.

Eu vi Armin se virar para Nathaniel e pude ouvi-lo comentar:

—  Eu disse que ela canta bem.

—  Eu já tinha uma ideia, mas nunca tinha ouvido-a executar um solo.

Castiel cruzou os braços, com o rosto um pouco vermelho:

—  Se soubéssemos disso antes ela podia ter ficado no vocal com Lysandre.

—  Se você não desse de entender que não quer tocar pra uma garota, talvez ela se candidatasse. - Nathaniel parecia injuriado.

—  Qualquer garota pode querer subir no palco, representante! Acha que eu tenho paciência pra audições?

Nathaniel abriu a boca, mas fechou-a. Eu podia apostar o meu braço bom que ele estava prestes a jogar na cara do Castiel o caso Debrah, mas pensou melhor.

Ouvi meu celular vibrar e larguei o grimório para me encostar na parede mais próxima. Assim que tirei o aparelho do bolso e vi o nome de Lysandre no visor, abri a mensagem.

“Me perdoe, eu não queria ter demorado tanto”.

Agora ele se lembrou de mim, não?

Eu não queria ser ferina ao despejar minha frustração nem falsa pra dizer que estava tudo bem, então preferi não responder.

Depois conversaríamos.


Continua


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