Crônicas de uma gordinha escrita por Roberta Dias


Capítulo 13
Para conhecer o mar, é preciso mergulhar nele


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♡



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Não me surpreendi por Nicolas ser o primeiro a chegar. Ester sofria de atraso crônico e Erick  avisou que ajudaria Elisa a arrumar a casa antes de vir. Na mesa da biblioteca eu estava me distraindo com um livro sobre o reino animal. Criaturas marinhas para ser mais exata; o reino marinho era incrível - pode ver os corações saindo dos meus olhos? A biblioteca da escola ficava aberta para quem quisesse ir e se você fizesse um cadastro podia levar os livros para casa e devolver duas semanas depois. Felizmente, dona Sofia era muito minha amiga e me deixava ficar por mais tempo com os livros. 

 

Combinamos de voltar para escola à tarde a fim de estudar um pouco e os meninos se ofereceram para nos ajudar. Daniel e Matheus preferiram jogar bola com as três espiãs demais ao invés de tentarem melhorar as tragédias que chamavam de notas. Mas como sou responsável — ok, nem tanto, mas me esforço — resolvi estudar um pouco. Nicolas era esperto e Erick não ficava atrás, por isso aceitamos ajuda dos dois. Pior do que estávamos era difícil ficar, viu? 

 

— E aí, Nicolas? Primeiro a chegar, ein, animado para instruir mentes inferiores? — Brinquei enquanto ele se sentava de frente para mim. Do jeito folgado dele, seus pés bateram nos meus. 

 

— Estou fugindo da minha irmã. Amo ela, mas é complicado ser irmão mais velho de uma garota. Eu tenho cuidar e fazer praticamente tudo o que ela quer. Até um tempo atrás eu tinha que brincar de boneca como se minha vida dependesse disso! — Ele riu, exasperado.

 

— Meu irmão se vestia de fada para brincar comigo. Uma vez os amigos dele chegaram lá e o viram vestido com um tutu rosa, uma tiara de estrelas e uma varinha. Mas ele nem ligou, na verdade, os meninos tiveram de brincar também. Acabou sendo divertido. — Apertei os lábios diante da lembrança do meu Fada Tomás. — Você é irmão mais velho? Não sabia. 

 

Na verdade, Ester até podia ter comentado sobre, mas com certeza não prestei muita atenção. 

 

— Tenho uma irmã de treze anos, o nome dela Alice, e um menor de 2, o Bruno. Sou uma babá em tempo integral. — Ele deu os ombros. — Acho que já posso ser pai. Estou preparado. 

 

— Já pensa nisso? — Arregalei os olhos, surpresa. 

 

— Não por agora, bonitinha. Mas na verdade penso sim. Gosto de crianças e quero uma família grande. — Isso foi uma surpresa de verdade. Nicolas parecia ser do tipo de cara que queria construir uma vida sozinho, e se uma garota legal aparecesse daí sim pensar em talvez construir uma família. — E você? 

 

Sorri. Adoro crianças e sempre quis uma família grande também. Meu primeiro trabalho foi de babá, aos onze anos e até o fim do ano passado eu cuidava de três crianças que eram uns amorzinhos. Pena que a mãe deles parou de trabalhar e não precisou mais dos meus serviços. Até que levo jeito com crianças e às vezes até penso em como serão meus filhos e como vou criá-los. Incrivelmente, eu só pensava nas crianças e nunca no pai. Enfim, de qualquer forma eu era muito nova para pensar nisso. 

 

— Quero uma família grande também. Talvez com uns cinco filhos. — Dei os ombros. 

 

Nicolas apenas sorriu. 

 

— Cinco é um bom número. Quase um time de vôlei. — Ele praticamente jogou sua bolsa na mesa. — Espero encontrar alguém que esteja disposta a encarar meu time. O time Koga. 

 

— Seu sobrenome é Koga? — Apoiei o cotovelo na mesa e a cabeça nas mãos. 

 

— Nicolas Eduardo Koga Martins. 

 

— Nicolas Eduardo? Esse nome é lindo. Acho que vou pegar esse nome emprestado para um do meu time de filhos. — Ele deu um sorrisinho estranho, como se tivesse planejando algo, mas só balançou a cabeça. — O que foi? 

 

— Não, nada. — Ele abriu sua bolsa e tirou de lá uma barra de chocolates, coincidentemente  o meu favorito. — Seu nome Elizabeth Alonzo Lourenço, certo? 

 

— Como sabe? — Peguei o chocolate que ele me ofereceu. 

 

— Ester. Uma vez ela estava te dando uma bronca no telefone. "Elizabeth Alonzo Lourenço, se não fizer isso..." — Ele tentou imitar a voz dela. — É incrível como não ninguém consegue ter medo dela. — Concordei; ter medo dela era como ter medo de uma flor. — Então, qual matéria tem mais dificuldade? Podemos começar. 

 

— Tirando artes, sou péssima em tudo. 

 

— Você desenha, não é? — Dei os ombros, como se dissesse mais ou menos. Não sou nenhuma profissional, mas também não sou de todo ruim. — Uma vez tentei, mas eu descobri que minha vocação é mesmo para videogame. Mas sou bom desenhando bonecos de palito. 

 

— Claro, porque isso é de muita utilidade. E além do videogame, do que mais você gosta? 

 

Nicolas pegou meu livro de criaturas marinhas e começou a folheá-lo. 

 

— Sou bem chato. Não gosto de nada. Tirando ir para igreja, claro. Toco guitarra, tento compor músicas, mas... assisto séries antigas, porque as atuais são uma tragédia. E também gosto de séries infantis, tipo Max Steel — sorri, me identificando com ele. — Gosto de videogame, jogos de aventura principalmente. Gosto de escrever poesias. Gosto de praticar esportes, e de correr toda tarde. Estando chuva ou sol. Gosto de brincar com meus irmãos, menos de barbie. — Revirou os olhos. — E acho que só. Na verdade, nem sei do que gosto. — Minhas mãos estavam em cima da mesa e do nada ele pegou minha mão  esquerda, ficou olhando para ela um tempo em silêncio. — Alguém já disse que você tem mãos de boneca? 

 

— Sim. Minha mãe vive dizendo que quando estava grávida de mim ficava admirando a mão de uma boneca que tinha comprado. Tanto, que acabei nascendo com as mãos iguais. — Nicolas tinha mãos quentes e grandes, e por alguma razão se polegar estava acariciando as costas da minha mão. Vou mentir se disser que não fiquei constrangida. — E como vai seu lance com a Sara? — Puxei minha mão e coloquei uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. 

 

Ele arregalou os olhos pequenos. 

 

— Lance com a Sara? Que lance? 

 

— Ah — fiz uma cara desentendida. — Rola um clima entre vocês. 

 

— Isso é brincadeira, não é? — Nicolas ficou sério. 

 

— Ela muito bonita, Nicolas. Tem confiança e determinação, uma pretendente em potencial. 

 

— Eu gosto de outra pessoa. Já disse. — E com isso queria encerrar o assunto. — Alguém que é completamente diferente da Sara. 

 

— Quem? — Tentei não mostrar que estava curiosa, mas como você mesmo viu não consegui. Essa questão já tinha sido levantada, sem resposta nenhuma como resultado. Ele só sorriu. Ok, parecia que eu ia continuar curiosa. — Tudo bem, mas um dia vou descobrir seu segredo. — Puxei o caderno dele e o abri, pegando meu lápis em cima da mesa. — O que quer que eu desenhe? 

 

— O Steven Universo e Rose. — Ele me olhou com desafio e eu retribui o olhar, aceitando seu desafio. 

 

Diferentemente das outras pessoas que procuram afinidades, pontos em comum nas outras, eu gosto do diferente. O igual é chato. Se eu já sou de uma maneira, por que vou procurar alguém igual à mim? E, na verdade, Nicolas era bem diferente do que eu imaginava. Parece que sempre que conversávamos eu acabava descobrindo algo totalmente novo sobre ele. Era meio que estar diante do mar. Que de longe parece ser verde, de perto azul e por dentro tem a água transparente. Parecia ser uma coisa, mas quando se conhecia ele de verdade você descobria que era diferente. Era legal ser amiga dele, e que bom que ele preferiu sentar comigo no ônibus ao invés de ir para o fundão. 

 

— O que foi isso no seu braço? — Perguntei quando ele tirou a blusa. Acho que nunca o vi sem estar com uma jaqueta e camisas de super-heróis com mangas compridas. Realmente, foi a primeira vez que o vi só de camiseta. Teria notado a cicatriz enorme no seu braço esquerdo; fosse que fosse, tinha sido feio. 

 

— Eu caí de Skate. — Nicolas olhou para cicatriz em sua pele. Era grande e bem visível. — Caí em cima do meu braço ele bateu no skate, para depois bater no chão. Mas eu juro que não chorei. Só que infelizmente essa marca ficou. 

 

— Acabou de subir um nível na escala dos caras descolados. — Ele revirou os olhos. — Caras com cicatrizes são tão, tão, tão maneiros. — Falei, impressionada. Mas só falei para aliviar o clima, aquele assunto provavelmente chateava ele. 

 

— Ah, se soubesse das coisas maneiras que realmente faço... 

 

— Adoraria saber. — Eu disse, sem desviar os olhos do desenho. Não ficaria tão bacana por conta da falta de material para os detalhes, mas daria para o gasto. 

 

— Primeiramente, saiba que saio de casa sem avisar minha mãe. 

 

— Não brica! Subiu três posições com essa. 

 

— Um dia desses, fui ao mercado e comprei um suco que dizia "abra aqui". Fui para casa e o abri lá, porque sou rebelde demais. — Céus, quase bati palmas. — Vivo a vida perigosamente. 

 

— Uau. Você é muito mais descolado do que imaginei. — Virei o caderno em sua direção. — O que acha? 

 

Ele analisou o desenho. 

 

— Está fantástico! Você tem talento. Pretende trabalhar com algo da área? 

 

— Não sei. Não sei nem o que quero da vida. O que eu fizer tá bom. 

 

— Sério não tem nenhuma ambição? Tipo, faculdade ou cursos? 

 

— Não exatamente. Eu nunca quis muito. Nem uma casa grande ou carros chiques, diplomas ou coisas extravagantes. Uma casinha pequena, mesmo que alugada, um emprego que eu consiga ganhar o suficiente, um cachorro e alguém que me faça rir é o suficiente. — Quase mordi a língua na última parte. Mas tudo era verdade, nunca almejei muito para minha vida. Sempre me contentei com pouco, e aprendi a ser feliz com pouco e muito. Pessoas passam a vida inteira correndo atrás de bens materiais  e nunca se satisfazem com nada. Sempre querem mais e mais. Eu não; queria o suficiente e agradeceria a Deus todos os dias por isso. — Não preciso de muito para ser feliz. E você, o que quer fazer? 

 

— Minha mãe quer que eu curse medicina. Meu pai, história. E eu... francamente não sei. Ainda tenho uns meses para decidir o que vou fazer, nem quero pensar nisso. — Só o assunto parecia fazê-lo ficar exausto. — Você quer um cachorro, ein? — Ele perguntou, como se essa fosse a parte importante. Conversar com ele era muito fácil. — Eu também queria, mas meus irmãos são alérgicos. 

 

— Eu tenho um pitbull. Que é muito bobão. Você não o viu quando foi lá em casa porque ele fica preso de dia. Como o portão fica aberto... acredita que ele aprendeu a abrir o portão sozinho? Quando ele foge causa terror na vizinhança, porque corre atrás das pessoas  para brincar. 

 

Por alguma razão Nicolas ficava fora do ar as vezes. Parava, me olhava, sorria e não falava nada. Sempre ficava perdida nessas situações. Uma coisa é te olharem sem você perceber, outra muito diferente é fazerem isso descaradamente. Já estava pronta para pedir licença e ir para o banheiro, apenas para fugir, quando vi Erick e Ester entrando juntos. Caraca, ela estava usando batom! Nem preciso dizer que isso é chocante, né? 

 

— Quando vai pintar esse cabelo, Ásia? — Erick sentou ao lado do Nicolas e bagunçou seus cabelos. A raiz já estava bem grande.

 

— Não por tão cedo. Dá muito trabalho. 

 

— Por que não deixa ele natural? Deve ficar uma gracinha. — Falei para minha vergonha. Ester caiu na gargalhada e Erick soltou um "hm" bem puxado. Felizmente, Nicolas só deu um sorriso. 

 

— Vamos começar pela geografia? — Esther tirou seu caderno da bolsa. — Ou história? Por mim tanto faz, tô bombando em tudo mesmo... 

 

— Vamos começar pelo mais fácil. História não. Nicolas não se dá bem com história. Sabe como é, ele não nasceu nesse honolável país. — Nicolas olhou feio para ele. — Ah, você sabe — Erick puxou a pele do lado dos olhos para deixá-los mais puxados. — Flangoqueso... 

 

— Primeiramente, eu sou mais brasileiro que você... Não riam! Isso é racismo. — Foi o que ele disse quando Ester e eu começamos a rir.

 

Desculpa, Nicolas, mas a do "flango" foi demais. Amigos faziam isso, pegavam no pé uns dos outros porque se amavam. Erick quem o diga! Desde o começo os dois já estavam destinados a serem amigos e que bom que eu os uni. Que bom que Nicolas se adaptou bem. Que bom que ele apareceu. Esperava, sinceramente, que ele ficasse por muito tempo em nossas vidas. Quem sabe quantos segredos ele ainda me revelaria? 


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