Crônicas de uma gordinha escrita por Roberta Dias


Capítulo 11
O que parece ser nem sempre é


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♡



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Marina conseguia ser o centro de tudo. Pensei que ao encontrar Rafael pessoalmente entre nós ficaria um clima estranho, de amigos virtuais que só tem assuntos atrás da tela. Mas graças a Marina tudo estava indo muito bem. Jonas era um amorzinho, além de muito fofo e todos estavam se divertindo e se dando muito bem. Nos encontramos no shopping e fomos logo para sala de cinema — os meninos já haviam comprado os ingressos. O filme foi demais, com certeza de acordo com nossas expectativas e saímos da sala extasiados. Se minha adorável prima não estivesse aqui, não sei se conseguiria me soltar tanto. 

 

Ela chegou cedo em casa e jogamos conversa fora até dar a hora de nos arrumarmos. Em menos de quinze minutos ela já estava parecendo um diva de televisão e pronta para se dedicar a mim. Depois de quase uma hora e meia — sim, uma hora e meia — eu estava com o cabelo solto e brilhante, com a tiara segurando a franja. Com vestido que me caiu muito bem, com sapatilhas que só usei no último natal e com um colar simples. Maquiada de maneira perfeita, quase profissional e... poxa vida, acho que nunca me senti tão linda na vida. Marina tinha futuro no ramo da beleza. 

 

— O que comemos agora? — Marina parou, pois estava andando na frente com Jonas. — Vocês são vegetarianos, né? Eu realmente não  sei o que vocês comem além de frutas e legumes... 

 

— Sushi. — Sugeri, parando também. 

 

— Sushi não é carne de peixe? 

 

— Alguns vegetarianos comem carne de peixe. Outros não. Depende bastante. — Disse Rafael. — Felizmente, nós dois somos adoramos sushi. 

 

— Sushi, então. Mas antes eu quero voltar e comprar aquele casaquinho. Vocês se importam? — Ela olhou para nós três, esperançosa. 

 

— Ah não. — Me sentei em um banco que ficava em frente ao fliperama. — Pode ir, eu te espero aqui. Essas sapatilhas estão acabando  com meus pés. Me lembrei porque escondi ela no fundo do armário... 

 

— Eu vou com você, Marina. — Jonas, que parecia ter acabado de pular de um cormecial de roupas masculinas (ele também caprichou), saiu com Marina enquanto Rafael se sentou ao meu lado. 

 

Não pensei que seria tão fácil falar com ele. Durante três semanas conversamos por mensagens e ele era exatamente o mesmo, era exatamente o que eu imaginava que era. Se esforçava para puxar assunto e parecia nunca parar de sorrir, o que era uma qualidade  e tanto. Não fiquei nervosa ao vê-lo, pois parecia que nos conhecíamos há anos, que sempre fomos amigos. 

 

— Acha que tem futuro? — Ele perguntou, indicando Jonas e Marina com um gesto de cabeça. 

 

— Vai saber. Só sei que ela está super na dele. 

 

— Sei que Jonas curtiu ela também. Ele vive dizendo que quer encontrar alguém, mas nunca saí e não quer ir falar com outras pessoas. Quem sabe agora ele sossega, não é? — Rafael sorriu, exibindo  dentes branquíssimos.

 

— Ainda não te perguntei, o que meus amigos te disseram naquele dia, na pizzaria? — Virei o corpo em sua direção. 

 

— Bom — ele também virou em minha direção — o cara de aparelho anotou seu número em guardanapo e pediu o meu, e daí eu só passei. Pensei que tinha ido ao banheiro por estar com vergonha e seus amigos tomaram a iniciativa por você. — Fechei os olhos e balancei a cabeça, tentando não rir da situação. — Eu teria pedido seu número, de qualquer forma.

 

— Não se teria sido uma boa ideia. 

 

— Por quê? Você me diria não? 

 

— Provavelmente. E não teria muito legal, sorte sua o Daniel ter tomado a frente da situação. — Dei um soquinho no braço dele. 

 

— Sorte à minha mesmo... 

 

Nos olhamos em silêncio por um tempo. Talvez esse fosse o momento em que devêssemos nos beijar ou qualquer coisa do tipo, e não me surpreendi quando ele de fato se aproximou para me beijar. Até então não sabia se queria mesmo beijá-lo, e essa duvida durou até que ele estivesse bem próximo de mim. No último momento me afastei. Ok, aparentemente eu não queria beijá-lo e apesar dele ser muito legal, não dava para forçar esse tipo de coisa. Tentei não rir diante da confusão no rosto dele, por isso apertei os lábios e me endireitei no banco. 

 

— Não me leve a mal, você é um cara muito bacana, mas eu meio que não estou pronta para me envolver com ninguém. — Encolhi os ombros. — Não fique chateado.

 

— Não, tudo bem. É que... pensei que tivesse rolado um clima, sei lá. — Ele riu, sem graça. 

 

— Acho que rolou, não sei... é que eu... 

 

— Tudo bem, Lizzy. Mas eu não costumo desistir fácil, saiba disso. — Ele deu os ombros. O constrangimento havia acabado. — Quer um café? — E levantou as sobrancelhas. 

 

— Café? Ah, eu aceito. Mas vou ficar por aqui. É essa sapatilha vai acabar comigo antes que eu volte para casa. — A vontade de tirá-las era grande, mas fazer isso no meio do shopping seria estranho. 

 

Rafael piscou e saiu para buscar café, provavelmente em uma lojinha de bolos que vimos perto do cinema. Assim como eu, ele era louco por café e o cheiro daquele lugar parecia ótimo. E foi ótimo ele ter ido dar uma volta, para aliviar a tensão que ficaria entre nós dois. Acha que não? Pois saiba que fiquei altamente constrangida. Mas não me arrependi de não beijá-lo. Além de não querer, ou não estar pronta, sei lá, eu já devia estar voltando a ser bv. O que foi? Já faz anos que não beijo ninguém e não sinto falta nenhuma. E se cometesse alguma besteira? Eu provavelmente infantaria de vergonha... não quero nem pensar nisso. 

 

Ei, já te falei que faço caretas quando estou pensando sozinha? Pois é, eu faço. Não consigo parar e na maioria das vezes faço isso em público. Mas meu queixo quase caiu quando vi Ester se aproximar junto com Erick e Nicolas. Sabe o que mais me impressionou? Ester estava usando uma saia. Uma saia! Ela detestava saias. Estava mais produzida do que eu já tinha visto na vida; de cabelo solto — normalmente ela só usava preso em coques ou rabos de cavalo —, de regata branca, saia florida e com um saltinho. Só faltava a maquiagem para parecer uma modelo... uau, mas o que tinha acontecido com ela? 

 

— Você está incrível! — Dissemos juntas e rimos. Me levantei logo, ignorando a dor nos pés. — O que fazem aqui? 

 

— Viemos ver o filme do Flash. Foi meio que de última hora — Erick deu os ombros. 

 

— Caramba, se tivessem me dito eu teria esperado vocês! — Cruzei os braços. Olhei para Nicolas e vi que ele me encarava, quieto, mas parecia querer dizer algo. — O que foi, Nicolas? 

 

Ele deu um sorriso fofo. 

 

— Você está... 

 

— Diferente? — Completei, sorrindo também. 

 

— Linda. — Meu sorriso se desfez, mas só por um segundo. Acho que ele nunca tinha me elogiado assim, sendo tão direto. — Você está linda. — Ele baixou a cabeça, coisa que eu nunca tinha visto ele fazer. 

 

— Qual sessão vocês pegaram? — Perguntei, interrompendo o que quer que fosse que Erick e Ester estavam cochichando. 

 

— Das quatro e meia. E então, como está o seu... Não encontro? — Ester abriu um sorriso grande demais. 

 

— Muito esquisito, para ser sincera. — Coloquei os braços para trás, como faria uma criança, enquanto olhava para o chão e pensava no grau de esquisitice. É, bem esquisito. — Enfim, acho que Marina finalmente encontrou o amor. 

 

— Outra vez? — Ester não se impressionou. 

 

— O que posso dizer, ela não desiste. 

 

— Marina? Aquela sua prima que tentou me paquerar no natal passado? — Erick ficou pensativo, provavelmente pensando nas duas  loiras que estavam na festa com minha tia. 

 

— Essa mesmo. Acho que não tem amigo meu que já ficou ileso das investidas dela. — Dei os ombros. 

 

— Na verdade — Ester deu um sorriso malandro — Daniel não sofreu com isso. Acho que até queria, mas coitado... 

 

— Você está quieto, Nicolas, o que foi? — Olhei para ele, que ainda não havia desviado os olhos de mim. — Sei que estou linda, mas não é pra tanto, não é? — Brinquei e ele deu risada,  mas nem por isso deixou de me olhar. Certo, já estava ficando um pouco constrangedor. 

 

— Por que está sozinha? — Perguntou Erick, provavelmente para quebrar o silêncio. 

 

— O Rafa foi pegar um café para gente, e a Marina e o Jonas... foram as compras. Enfim, estou louca para voltar para casa. Descobri que não gosto de sair de casa. 

 

— Sei como é. Em casa não precisamos nos arrumar, falar com conhecidos, interagir com as pessoas. Nem sei porque saímos de casa... 

 

— Lizzy — Ester parou de falar quando Rafael se aproximou com dois copos plásticos grandes de café. Peguei o meu de imediato; simplesmente amo café, mesmo com toda agitação que surgia depois de duas xícaras. — Oi. Me lembro de você. — Ester riu quando ele apontou para ela: nem ela resistia ao charme dele. — Mas vocês dois... 

 

— Esses são Erick e Nicolas, meus amigos. Esse é o Rafael, também meu amigo. — Os três se cumprimentaram com apertos de mão. Meu celular vibrou no bolso do vestido e o peguei, dando um gole no meu café, enquanto os meninos trocavam algumas palavras. 

 

Marina: Estamos na praça de alimentação, esperando vocês ♥ 

 

Típico da Marina não conseguir controlar os emoticons. 

 

Comprou o que queria?

 

Marina: Comprei! Mas encontrei um sapato que é divino!!! Só que estou sem grana, paciência, um dia chego lá ;-)

 

— Vamos para praça de alimentação? Já estão nos esperando. — Olhei para Rafael e depois para os três. — Querem ir conosco? Vamos comer sushi. 

 

— Ah, não. Nosso filme, lembra? Nos vemos depois. — Ester me abraçou do nada, apenas para sussurar meu ouvido: — Quero os detalhes depois. 

 

— Não tem detalhe nenhum. — Sussurei de volta. Ela se afastou. — Até depois, meninos. 

 

Erick piscou para mim, mas Nicolas apenas nos deu as costas sem dizer ou fazer nada. Na verdade, ele mal falou com Rafael direito e o motivo para ele ter fechado a cara de repente não vou saber te explicar. Minha mãe sempre me disse que presto atenção no que é inútil. Se você me perguntar como era a roupa da primeira pessoa que vi na rua, logo que saí de casa, vou saber descrever perfeitamente. Se me perguntar quantas pessoas tinham no ônibus, vou te saber te dizer. Se quiser saber quais são os filmes em cartaz, pode falar comigo. Agora o que deixou o Nicolas chateado? Não vou saber te dizer. Acho que Dona Tereza estava certa ao dizer que eu tinha de prestar mais atenção nas pessoas e não no que acontecia a minha volta. 

 

Na praça de alimentação fizemos nossos pedidos e sentamos em uma mesa um pouco escondida. Sabe por que não gosto de comer em público? Simples, muitas pessoas, pessoas que eu nem conhecia, olhavam para mim de um jeito estranho. Como se com os olhos dissessem, ao me ver comer qualquer coisa (até uma salada), "é por isso que está gorda". Tipo a mulher que está sentada na mesa lado, comendo apenas uma saladinha e... sei lá, uma sopa, talvez? Mas ao invés de me abalar, ficar chateada e parar de comer, eu olhei para ela com um sorriso e comi um delicioso sushi. "Pois é, está uma delícia." 

 

Se eu fosse me deixar abalar por essas coisas... 

 

Percebi que entre Marina e Jonas estava rolando mesmo um clima, pareciam se dar super bem. Por alguns instantes quis ser como ela; já quebrou a cara tantas vezes, por assim dizer, e ainda se mantinha firme e forte, destemida e sem medo. Me lembrei quando Rafael tentou me beijar e me senti envergonhada novamente, mas ainda não arrependida. Acho que meu coração ainda precisava de mais um tempo para voltar a querer alguém, de verdade. E com a mesma facilidade de sempre, troquei de pensamentos... Nicolas. Normalmente eu não ficaria pensando tanto no assunto — embora eu fosse profissional no nisso —, mas fiquei realmente curiosa com sua mudança de humor repentina. 

 

No que será que ele estava pensando? 


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