Crônicas de uma gordinha escrita por Roberta Dias


Capítulo 1
O garoto bonito que sentou ao meu lado


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♡



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Há dias em que você acorda e está com disposição para enfrentar o mundo e conquistá-lo com um sorriso no rosto; há dias em que você acorda, acha que sua aparência não está muito boa e que nada na sua vida vai dar certo; e há dias em que você não quer saber de nada. Não está nem aí para absolutamente nada: nem suas roupas, nem seus amigos, ter ou não dinheiro, estar ou não bonito, ser ou não alguém... um unicórnio pode surgir diante de você que você não vai se impressionar.

Hoje eu estava assim.

Acordei e coloquei qualquer roupa. Comi qualquer coisa no café da manhã. Não retruquei as piadinhas sobre o meu peso que meu irmão fez. Não prestei atenção nas broncas que minha mãe estava me dando por ter deixado os chinelos no meio da cozinha. Saí para pegar o ônibus da escola e percebi que tinha esquecido meu celular em casa, mas não voltei para pegá-lo. Sentei em um dos bancos da frente e apoiei a cabeça no vidro, me arrependendo de não ter voltado para pegar o meu celular e no instante seguinte não estava nem aí de novo. Nem me importei com o fato de ter duas aulas de educação física no dia.

E antes que você me pergunte, não, não aconteceu nada. Só acordei assim. E se um unicórnio surgir na minha frente vou estar tão concentrada em não estar nem aí que é muito provável que eu vá convidá-lo para almoçar em minha casa.

Ah, claro, vou me apresentar, afinal a história é minha e você não pode passar o tempo todo sem saber quem sou. Meu é Elizabeth, mas você pode me chamar de Lizzy, é como todos me chamam. Tenho dezesseis anos, estou no segundo ano do ensino médio e não sei o que vou fazer quando terminar a escola. Especialmente hoje, que não estou nem aí para nada. Não sou popular e nunca me importei com isso; sou muito tímida e quanto menos atenção eu atrair, melhor.

Também estou um pouco acima do peso. Um pouco. E isso as vezes é bem chato. Parece que nada me caí me bem e encontrar roupas do meu agrado é praticamente impossível. Na maior parte do tempo eu me conformava em estar apresentável. Mas sou linda de qualquer jeito, então... De vez em quando até pensava em fazer dieta, mas meu peso não me incomoda tanto, por isso estou sempre tranquila. Além do mais, acordar cedo e fazer academia é muito inconveniente. E a tarde também. E a noite... Em especial no calor. Não gosto de calor, mas amo o frio. De resto eu estava satisfeita com minha aparência; sou um pouco alta, meus cabelos vão até metade das costas e tem um tom chocolate claro, raramente tenho uma espinha e por isso minha pele é divina — humildade, pra que te quero? — e meus olhos são castanhos bem escuros, de longe a parte que eu mais gostava em mim.

Também acho que você deva conhecer um pouco das pessoas que cercam minha vida. Mas não vou entrar em detalhes chatos, só essenciais — você já vai conhecê-los. Tenho vários conhecidos, mas só três amigos de verdade. Ester, uma garota loira muito fofinha e preguiçosa, que adorava irritar os outros e vivia economizando explicações — ela com certeza era a pessoa mais reservada desse mundo, a não ser que estivesse comigo, daí se soltava de verdade. Daniel, um cara alto, de cabelo raspado e aparelho nos dentes que vivia atrás do amor, mas que não conseguia conquistar ninguém — quer dizer, vez ou outra aparece uma garota, mas nunca a "certa". Mas é bem raro de se aparecer. E o Matheus, o carinha moreno de cabelos negros e muito mais alto que o Daniel. Também sabia muito mais das mulheres do que qualquer um poderia saber, isso fazia parte do seu arsenal de táticas para conquistar a mulher perfeita — ele era um gênio em todos os aspectos, menos no acadêmico. Falávamos com outras várias pessoas, mas nós quatro éramos insuportavelmente inseparáveis.

Também irá conhecer minha mãe, Tereza, ou dona Tereza como eu a chamava, que é muito moderninha para o meu gosto. Sim, tenho ciúmes dela. Uma mulher de quarenta anos conservada e que gostava muito de falar sozinha. E o meu irmão, Tomás, que já estava faculdade e se gabava muito por isso. Tanto, mas tanto, que eu precisava implorar para que parasse de falar. Meu pai havia morrido há alguns anos, e fazia muito falta.

Minha vida não é muito empolgante, não. Ainda mais agora que as aulas recomeçaram. Dois meses de férias são tão pouco para tantos meses estudados. E eu ainda tinha dois anos pela frente. Dois anos! Por que será que simplesmente não acordo com meu diploma de faculdade, um milhão na minha conta — na verdade ainda não tenho conta no banco, mas você entendeu — e com uns quilos a menos? Do resto eu correria atrás com prazer.

Gosto dos bancos da frente do ônibus escolar porque ninguém gosta deles. O povo gosta da bagunça do fundão, e geralmente se espremem nos bancos de lá. Quando alguém quer falar comigo, vem ao banco da frente, fala e volta para o fundão. E eu gostava assim. Ninguém do meu lado no percurso de 20 minutos até a escola. Não sou antisocial, mas gosto de sossego. Só.

Quando o ônibus parou e alguém entrou, vindo se sentar ao meu lado, nem me importei em ver quem era. Não estava ligando para nada, lembra? Mas tive de olhá-lo quando ele cutucou meu braço e me estendeu algo. Um chaveiro. Chaveiro que vivia se soltando da minha bolsa, dos meus outros chaveiros. Uma miniatura de uma pirâmide. Havia sido um presente do meu pai, que sabia que eu adorava coisas do tipo.

Caramba. Que coisa, você não acha? Devia ter caído no banco.

— Sinto muito — eu disse. Coloquei a pirâmide junto com meus outros chaveiros, torcendo para que não se soltasse outra vez. Tive que revirar a casa para achá-lo da última vez que o perdi e o encontrei debaixo do sofá. Imagina se eu o perdesse na rua? Por via das dúvidas, o guardei no bolso. — Mais uma vez desculpa. E obrigado. Se eu o perdesse...

— Relaxe. Prometo te devolver sem que o encontrar. — Disse o garoto bonito que sentou ao meu lado no ônibus da escola.

Ele era novo, disso eu tinha certeza. Me lembraria dele se não fosse. Não que ele fosse excepcionalmente lindo, mas é que não havia muitos asiáticos na escola. Especialmente com um estilo tão revoltado — sabe, estilo calça rasgada, jaqueta de couro, camiseta de estampa de super herói e cabelo azul. Mas ele era bonito. Não lindo, apenas bonito. A pele dele era branca e lisa, os cabelos azuis bem claros caíam sobre os olhos puxados. Imediatamente fiquei curiosa: qual seria a cor de verdade do cabelo daquela criatura? Ele era bem alto, até mais alto que o Matheus e magro, mas não demais. As maçãs do rosto eram saltadas e o sorriso era muito fofo. Também tinha uma pintinha na bochecha.

Ele era bem descolado.

Por um momento fiquei encantada. Mas só por um momento. Acabei percebendo que estava encarando ele, e ele, me encarando de volta. Foi bem constrangedor, para ser sincera.

— Cabelo legal. — Falei sem pensar. Era um azul muito bonito, tipo um azul piscina claríssimo. E tinha sido pintado recentemente porque a raiz não dava nenhum indício de que cor era antes.

— Valeu. — Ele deu um sorrisinho e continuou me olhando. — Sou Nicolas, sou novo por aqui.

— Elizabeth. Eu percebi, eu com certeza me lembraria de você se já tivesse o visto — ele deu um sorriso, o que deu a entender que achava que isso foi uma espécie de cantada minha. — Porque minha memória é excelente.

— Entendi. Espero que possamos ser amigos, Elizabeth. É muito chato chegar em um lugar e não conhecer ninguém, sabe?

— Acho que sei. Quem sabe temos algumas aulas juntos, daí posso te apresentar alguns amigos e você já se enturma com algum grupinho. — Disse isso enquanto ainda olhava pela janela. Só virei a cabeça quando ele cutucou meu braço outra vez, me estendendo um papel branco dobrado. Amassado, aliás. Acho que ele tinha feito uma bolinha dele ou algo assim. Eram os horários dele. — Ah, você é do terceiro ano. Sou do segundo. Não teremos aulas juntos.

— Poxa, que pena. Queria alguém para me ajudar a não ficar perdido...

— Erick! — Gritei e ri quando Nicolas se assustou. No mesmo instante a figura loira e desajeitada — porém sempre estilosa — de Erick apareceu ao nosso lado.

— Fala, bolinha.

— Se me chamar de bolinha outra vez... — Amecei, mas não era sério. Era difícil se irritar com Erick. Sério, muito difícil. — Esse é o Nicolas. Ele também é do terceiro e quer companhia. Acho que vocês podem se dar bem, já que são descolados e tudo mais.

Os dois trocaram olhares.

— E por que você mesma não mostra a escola para ele? — Erick ergueu as sobrancelhas sugestivamente. O que estava sugerindo sinceramente não sei.

— Vocês são do terceiro, com certeza vão ter aulas juntos. Podem ser amigos e tudo mais. Por favor, quebra essa.

— Ah, tudo bem, me espere para sairmos juntos, cara. — Erick voltou para seu lugar sem dizer mais nada.

— Está com preguiça de me mostrar a escola? — Nicolas deu uma risadinha.

— Tipo isso.

Ele ficou quieto por alguns segundos.

— Parece que seremos só colegas de ônibus, então. — Nicolas se afundou ainda mais no banco. Caramba, até o jeito que ele sentava era descolado. Ele devia ser o garoto mais descolado que já vi. Até hoje, Erick ocupava esse lugar. Só tinha um probleminha nesse jeito largado dele; ele estava se encostando demais em mim. Já sou um pouco espaçosa, e ele ainda fazia questão de ocupar parte do meu banco também.

— Sei que teremos várias oportunidades fora daqui, relaxe. — Sorri e quando o ônibus parou nós dois fomos os primeiros a descer. Como sempre o meu ônibus era o último a chegar e todos os alunos já estavam lá, aglomerados no portão de entrada. — Acho que você e o Erick vão se dar muito bem.

— Por que nós dois somos do terceiro ano e somos igualmente descolados?

— Isso. O grupo dele todo é descolado. Talvez vocês possam mesmo se tonar amigos. Deixo ele sobre seus cuidados — eu disse quando Erick pulou do ônibus com três de seus amigos descolados. — Sejam gentis com ele.

— Certo, bolinha, cuidaremos do seu amigo. — Fechei a cara e Erick logo começou a se afastar. — Você não está com raiva, né?

— Eu nunca fico. — Revirei os olhos.

— Ótimo. Eu amo você.

— Certo. Eu também amo você. — Esperei ele se afastar ainda mais para sussurar: — Bolinha é a senhora sua mãe.

Nicolas virava toda hora para me olhar enquanto ignorava as explicações de Erick. Fingi que não notei isso, mas só consegui pensar o que em mim estava tão engraçado para ele não tirar aquele sorrisinho da cara. Bem, isso não tinha importância. Se tudo desse certo ele passaria a sentar no fundão com seus novos amigos descolados e eu ficaria de boa com meu sossego.

Entrei para escola, certa de que meus amigos já estavam lá. Primeiro dia, alguém tinha que escolher os lugares. Só que infelizmente tive que cruzar com Sara e suas amigas. Sara é linda: tem o cabelo preto e curto, o corpo de academia que todas as mulheres desejam, lindos olhos verdes e vive com a cara cheia de maquiagem. Era linda de verdade, e para o meu azar adorava pegar no meu pé. Fazia piadinhas sobre mim e de tudo para me irritar. Mas eu não ligava: logo nem nos veríamos mais e quando nos víssemos ela estaria cansada demais, de tanto trabalhar, para ficar me provocando. E eu igualmente cansada para me importar.

Sem perder a chance de tirar uma com a minha cara, Sara deu uma risadinha enjoada e acenou para mim:

— Lizzy, minha querida, aproveitou as férias para comer bastante?

— Claro. Cinco fatias de pizza todas as noites. Foram férias excelentes! — exclamei, fingindo estar realmente animada e passei reto por ela e suas amiguinhas.

— Acho que essa era a meta esperada para você. — E mais risadinhas detestáveis.

Mas essas últimas eram falsas. No fundo, Sara odiava quando não conseguia me provocar, me deixar para baixo, deprimida. Adquiri alguns anticorpos ao longo dos anos. Era legal deixá-la irritada secretamente. Seu ódio sem motivo por mim parecia só aumentar. Mas o que eu podia fazer?

Segui pelos corredores até a sala de biologia, minha primeira aula do ano. Daniel, Ester e Matheus estavam em uma das fileiras do meio, o que significava que o fundão já havia sido todo ocupado, e a mesa ao lado da de Ester já estava reservada para mim. Quem mais passaria as respostas das provas para ela? Francamente, não sei como Daniel e Matheus conseguiram chegar ao segundo ano; pela inteligência certamente não foi.

— Meus avós não pararam de me dar comida e carinho. Na casa deles eu me sentia um rei! Nem sei porque voltei — como sempre, Matheus gesticulava muito.

Ester deu um sorrisinho estranho.

— Meus avós nem gostam dos netos. Quer dizer, gostam do jeito deles. E a única comida que como quando vou na casa deles é a que eu cozinho. — Ela fingiu um falso entusiasmo. — Lizzy, sente-se aqui, ao meu lado.

Não disse?

— Tenho uma pergunta importante. Se vocês ganhassem na loteria, o que fariam? — Perguntou Daniel, animado demais.

— Uma lipoaspiração. — Respondi.

— Abriria minha própria rede de sorveterias. — Ester deu os ombros.

— Lançaria minha própria linha de roupas. — Matheus falou ao se sentar.

— Sério isso? — o olhar de Daniel se alternava entre nós três.

— Por que está perguntando isso? — Ester sentou de lado em sua cadeira.

— Tenho planos de ganhar na loteria. Espero, de verdade, abrir uma agência de organização de casamentos. Daí, vou ver a felicidade dos outros até planejar o meu próprio casamento. Além de comprar o amor de alguém, claro.

— Daniel, não importa quanto dinheiro você tenha, seu destino é ficar trancado em um quarto, luxuoso ou não, se entupindo de chocolate e assistindo "Como se fosse a primeira vez" — Ester revirou os olhos.

— Ah, só foi uma vez. — E Daniel olhou em volta, como se alguém se interessasse por nossas conversas idiotas.

Conversas idiotas que eu adorava. Apesar de nos vermos quase todos os dias, eu vivia ansiosa para encontrá-los, porque sabia que sempre acabava rindo e alegre. Os melhores amigos que alguém poderia querer. Só eles para me fazer aguentar a rotina da escola, as provocações de Sara e as duas aulas de educação física do dia. Educação física... ainda bem que eu não estava nem aí.

Mas nada podia ser perfeito, não é?


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