Ônibus escrita por Bruninhazinha


Capítulo 1
Ônibus


Notas iniciais do capítulo

Tentei fazer algo mais descontraído. Sou péssima com essas coisas, mas espero que gostem.



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Nessa manhã, antes de pegar o ônibus, decido que é uma excelente ideia comprar um salgado na lanchonete que fica logo em frente a minha casa. Se minha mãe sonhar com o que estou prestes a fazer, no mínimo, encherá meu saco pelas próximas cinco décadas. Digamos que ela acha que estou acima do peso – o que não é mentira, mas isso a gente releva. 

Tudo bem, confesso que me importo um pouquinho, só que nem minha consciência pesada é capaz de me fazer negar um salgado logo pela manhã.

Entrego o dinheiro contado ao balconista e retorno ao ponto para esperar o transporte. Ao meu lado, um casal está afundado numa bolha de amor – uma visão bem deprimente para uma manhã de segunda-feira. Suspiro, evito olhá-los e quando o ônibus para, atravesso a catraca e sento em um dos bancos no fundo.

Felizmente o transporte ainda está vazio. Mas é aquele velho ditado: felicidade de pobre dura pouco e a minha acabou em exatos quatro segundos, quando o casal sentar nos bancos vagos a minha frente.

É uma garota e um garoto.  

Suponho que tenham dezenove anos, vinte no máximo.  

Jade e Louis.

Não sei se esse é o nome verdadeiro, mas esses joguinhos me ajudam a passar o tempo da viagem sem morrer de tédio.

Jade parece ser criativa, extrovertida. As roupas dela são muito coloridas e o cabelo rosado contrasta de forma bizarra com os olhos esmeraldas e, pelo visto, ela tem bom gosto para sapatos. Jade é bonita. Parece uma modelo e constatar isso, definitivamente, não melhora o meu humor.

Fito minhas mãos, que ainda seguram com firmeza o salgado excessivamente engordurado, e dou a última mordida sentindo uma pontinha de arrependimento.

Tento afastar o remorso retornando minhas observações.

Louis é meio esquisito. Aliás, não. Ele não é esquisito. Esta mais para quieto, na dele. Percebo que Louis não está muito feliz e se contenta em passar longas horas em silêncio escutando a namorada tagarelar.   

Jade enrosca os braços no pescoço do rapaz, que tenta, a todo custo, se soltar.  

É claro que ele só está se fazendo de inalcançável. Sou mulher e reconheço caras assim a um raio de distância. Na verdade, ele nem se esforça para afastá-la. Mesmo com a feição indiferente, há um brilho naqueles olhos escuros. Um brilho que, tenho certeza, era direcionado somente a ela.

— Me solta, Sakura. — falou em um fio de voz, tentando se desvencilhar. Ela ignorou, afundando o nariz na cabeleira negra.

Louis revirou os olhos e disse algo sobre ela ser cabeça dura. Ela, no entanto, não pareceu abalada com o comportamento frio. Continuou na mesma posição.

— Senti saudades, Sasuke-kun.

— Nós nos vimos ontem. — murmurou, com uma evidente irritação fingida. No fim, apenas envolveu a cintura feminina e os dois se abraçaram.

Então esses são os nomes... Sasuke e Sakura. Que filhos de uma mãe sortudos.

Eles parecem ser o tipo de casal que acorda aos beijos, trocam mensagens fofas no decorrer do dia e jantam à luz de velas nos fins de semana.  

Por outro lado, meus dias são resumidos em pequenas tragédias.  

Essa manhã mesmo, resolvi ignorar o som do despertador e isso resultou em uma catástrofe. Minha mãe praticamente gritou para toda a vizinhança que não criou uma filha irresponsável e que se eu quiser ter futuro, no mínimo, devo ir a faculdade. Assim, acordei. O quarteirão inteiro também.  

Logo após um banho frio e depois de ser, novamente, ignorada pelo meu gato, sai correndo de casa para pegar o ônibus.  

Agora, vendo esses dois, tirei a conclusão de que não passo de uma universitária pobre, deprimida e com problemas de autoestima.  

Esse, definitivamente, não é o melhor dos meus dias.  

Afundo no assento e resolvo observar os arredores. Um idoso lê o jornal daquela manhã, sentado nos assentos preferenciais. Mais a direita, um rapaz dorme com a cabeça tombada para o lado, babando no vidro da janela.

Para piorar tudo, um velho tarado, em pé, se recusa a parar de me encarar.

Felizmente, uma idosa se coloca na frente do tarado. Agora não consegue me enxergar, tanto que tenta olhar além dos ombros da senhora, na ponta dos pés, mas ela é muito alta e no fim ele desiste.  

Sinto-me estranha.  

Detesto olhares invasivos. A hora do rush pode ser um inferno, ainda mais em uma capital. Pessoas se espremem, não há qualquer respeito e alguns conseguem feder às seis da manhã. Seis da manhã!  

Além disso, conseguir um lugar vazio é um milagre.  

A mulher ao meu lado conversa alto para padrões socialmente aceitos. Quando ela finalmente resolve calar a boca todos suspiram, aliviados.   

Alguns rolam os olhos, outros se acomodam e os sonhadores encaram a paisagem urbana pela vidraça da janela. Faço o mesmo, ignorando o fato de estar em um local que é a perfeita mistura de um circo com o inferno.

Mesmo sendo impossível caber mais gente, o motorista para no próximo ponto. Uma mulher, querendo dar passagem para os novos passageiros, se afasta e a bunda dela vem de encontro ao meu rosto. Cutuco-a e ela se afasta, pedindo mil perdões.    

Ninguém está sorrindo. Muito menos eu. A situação toda é desconfortável e minha única vontade é fugir pela janela.  

Vislumbro os novos integrantes do comboio e meus olhos pousam em algo que até então não percebi: um rapaz alto segurando uma das barras de apoio, com a mão livre digitando algo no celular.    

Ele é lindo. Lindo mesmo.  

Sabe quando a pessoa é tão bonita que você simplesmente não consegue parar de encarar? É vergonhoso admitir, mas foi mais forte que eu. Apesar do casaco, consigo enxergar seus músculos bem definidos e o cabelo loiro contrasta a pele bronzeada.

Ele parece ser legal. Aquele tipo de pessoa capaz de tornar tudo leve e confortável. Quero passar os dedos na barba por fazer, talvez enroscá-los no emaranhado de fios dourados na nuca.  

Ele repuxa os lábios e o vejo sorrir para o celular. Um sorriso enorme que revelava dentes brancos e perfeitamente alinhados.    

Deve ter namorada. Não é possível que um rapaz tão bonito esteja solteiro.  

Quando o ônibus breca, ele segura a barra com força e, nesse instante, nossos olhares se cruzam.

Me senti em um filme Hollywoodiano, em um daqueles momentos em que a mocinha encontra o homem de sua vida. Para combinar eu devia ser loira, alta e ter olhos verdes, mas isso não vem ao caso.

O loirinho tenta se recompor e não consigo encará-lo por mais tempo. Não sou descarada a esse ponto. Tudo bem, ele é maravilhoso, minha avó sempre diz que o que é bonito foi feito para ser admirado, mas tenho bom senso – e timidez de sobra –, por isso resolvo fitar outro canto.   

É óbvio que não consegui me segurar mais do que cinco minutos. Foi meio que automático.

Que vergonha.  

Mas uma olhadinha não faz mal, não é?

Observei-o e me arrependi no segundo seguinte. As safiras azuis praticamente me atravessam.  

Agora não tem para onde correr.

Droga, sou mesmo uma covarde. Engulo seco e sinto vontade de correr ou fazer qualquer coisa que me levasse para longe.

Preciso ter coragem. Se existe algo que eu não tenho esse algo se chama oportunidade para conhecer gente nova. No sentido romântico, quero dizer.

De qualquer forma, se der errado nunca mais vou ver ele na vida. Que mal há em se arriscar um pouco?

Encaro-o de volta e, para meu total espanto, ele sorri. Para mim. Pisco algumas vezes para ter certeza de que não é a minha mente fantasiando. Ele realmente está sorrindo. O que se faz numa hora dessas? Quer dizer, eu –  logo eu, a provável pessoa mais tímida do universo – consegui flertar. Mais do que isso, consegui flertar sem parecer uma completa idiota.

Não me resta opções além de retribuir o sorriso.

Respiro fundo...  e tento não surtar.

“Qual o seu nome?”  balbucio, sem soltar qualquer som e ele abre o sorriso ainda mais, entendendo.

Mas meu momento vai totalmente por água abaixo quando a mulher do meu lado enfia, outra vez, a bunda na minha cara. Dou uma cotovelada nela e dessa vez, ao invés de pedir desculpas, ela me encara feio.

O loirinho tapa a boca com a mão, soltando uma risada engasgada e minha única vontade é cavar um buraco. De preferência um buraco bem fundo para caber meu corpo e o resto do que um dia foi a minha dignidade.

Bem que as coisas estavam boas demais para ser verdade.

Ainda rindo, ele balbucia de volta.

“Naruto, e o seu?” 

 “Hinata.”  

Por um segundo meu coração para e suspiro de forma que consideraria ridícula.

Ok, hoje é o melhor dia da minha vida. Muito obrigada, mãe, por insistir tanto em me levantar da cama! Nem acredito que isso está mesmo acontecendo.  

Pela primeira vez na minha vida o ônibus virou um mundo-cor-de-rosa e, se querem saber, nem mesmo o odor forte de suor e cecê me fará pensar o contrário.

Só depois de longos minutos que percebo que havíamos passado do meu ponto.

MERDA!

Pego minhas coisas e grito que nem uma louca, pedindo para parar o transporte. Sem me importar com a educação que recebi na infância, empurro todo mundo e, quando o motorista freia, caio em cima de Naruto. Ele me olha assustado, eu fico sem saber o que fazer, mas infelizmente sei que só há algo que possa ser feito.  

O motorista me encara feio, alguns reclamam ao fundo e me xingam, mas não me importo. Enfio o celular no bolso e desço, ofegante, sem me despedir.

O ar fresco acaricia meu rosto e respiro com dificuldade, com o peito pesado. Droga. Nem sei porque me importo tanto. É óbvio que não daria certo. Nunca dá, então porque agora seria diferente? Caminho com passos lentos pela calçada em direção aos portões que levavam ao campus, escutando o ônibus cantar pneu antes de partir. Nem me dou o trabalho de dar uma última olhadela melodramática.

Já está sendo trágico demais.  

Agora só me resta focar nos estudos. É isso ou passar o dia todo deprimida, recordando aquelas safiras azuis. Ajeito a mochila nas costas e tento misturar com a multidão de universitários, procurando por algum rosto conhecido ou qualquer amigo.

Não encontro ninguém.

Sento-me em um banco e sinto o frio do concreto atravessar meu jeans. Desembaraço o cabelo com a ponta dos dedos, o olhar fixo nos pés.  

Céus, que dia merda.

— Ei, Hinata! 

Ótimo, era exatamente o que eu precisava. Quando penso que não pode piorar a vida me prova o contrário. Não basta ser iludida, agora estou escutando vozes do além.

Olho para os lados, tentando identificar ou ao menos lembrar de quem seria essa voz, mas a verdade é que nunca a escutei.

Só posso estar enlouquecendo.

— Hinata! 

O grito ecoa outra vez. Procuro outra vez e me deparo com uma cabeleira dourada.

É. Eu estou mesmo enlouquecendo.

Demorou um pouco para aceitar que aquilo realmente estava acontecendo. Naruto corria em minha direção como nos filmes românticos, só que ao invés de me pegar no colo e me beijar fervorosamente, ele parou a uma distância curta e esticou a mão direita em minha direção.

A mão que segurava meu celular.    

— Você deixou cair do bolso antes de sair.

— Mas o que...? — tateio os dedos no bolso da calça e não sinto nada, nem um volume sequer.   

Ele deve pensar que eu sou idiota.

Apanho o aparelho, com uma sensação esquisita na altura do estômago.

— Ah, obrigada. 

Como se a situação já não fosse estranha o suficiente, o silêncio reina entre nós. Fito-o sem saber como agir e ele me encara, igualmente sem graça.   

Vejo que ele não tem nada a dizer.  

— Foi um prazer, Naruto. — ajeito a mochila. — Nem sei como agradecer pelo celular.  

— Igualmente, Hinata. 

Dou as costas e caminho alguns passos, contudo, a voz dele me faz baquear no lugar. Viro-me e ele se aproxima rapidamente. Havia um brilho travesso em seus olhos.    

— O que você acha de sair comigo um dia desses? — pergunta. — Talvez hoje, mais tarde? Ou agora, se você quiser. 

— Mas você não tem outro compromisso? 

— Eu tinha, mas perdi meu ônibus. 

Ah, droga, é verdade. O celular. Sinto-me culpada. 

— Desculpe. — Que. Vergonha.

— Não se preocupe. Não era nada importante. — ele sorri com a boca e com os olhos e meu estômago congela. — No fim, valeu a pena. Sabe, te ver de novo.  

Não sei bem dizer que expressão fiz, mas deve ter sido bem boba já que ele riu de mim, achando graça.

— Me empresta seu celular. — entrego sem pestanejar. Naruto o vira na minha direção e pede para eu colocar a senha e o faço. Ele digita alguma coisa antes de me devolver. — Meu número caso queira me ligar. E, só para constar, quero muito que você me ligue. 

Não posso evitar um sorriso. É impossível. Minhas bochechas até doem e imagino que eu deva estar muito estranha com esse sorriso enorme, mas não é como se eu conseguisse controlar. Aceno a cabeça em sinal de confirmação e guardo o celular no bolso – dessa vez me certifico de que ele realmente está lá, seguro.

Eu realmente não esperava o que veio a seguir. Foi muito rápido, nem tive tempo de assimilar o que aconteceu. Naruto me puxou gentilmente e beijou meu rosto. Seus lábios são quentes e firmes.

— Você vai me ligar?

Oras, mas que raio de pergunta é essa? É óbvio que...

— Sim! — acho que soei desesperada; ao menos serviu para arrancar uma gargalhada dele.  

Estou nas nuvens. Meu interior se contorce, tamanha felicidade.

Nunca pensei que diria isso, mas agora o ônibus é, definitivamente, meu lugar favorito na face da terra.


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Notas finais do capítulo

O que acontece depois deixo para a imaginação de vocês, haha.



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