“And so long as men die, liberty will never perish”
O cigarro estava nos lábios secos e entreabertos. A fumaça parecia ser a única coisa que aquecia seu corpo naquela noite fria e cinzenta. Os céus pareciam armar uma enorme tempestade, mas isso não o impedia de estar ali, no terraço enquanto mais um cigarro ruia aos poucos, tragada após tragada enquanto os pulmões se permitiam intoxicar. A nicotina mentolada não trazia menos estragos, apenas um novo sabor ou dissabor.
A fumaça tão bem envolvia-se ao vento noturno somado ao dióxido de carbono que por si só já transformava o ar em algo que se enxergava. Mais um poluente não faria mal, não quando era ele a sair ferrado.
Tocou os lábios secos quando retirou o cigarro da boca, soprou a fumaça concentrado no horizonte de luzes acesas nos prédios próximos, que se faziam tão distantes pela falta de foco. Mais um, ficaria ali por apenas mais um cigarro. Era tudo o que precisava, ao menos era tudo o que poderia ter ali.
A guimba fora descartada no cinzeiro que mantinha ali próximo ao parapeito, onde agora debruçava-se olhando para baixo. Tão alto… tão distante de tudo. Ali parecia que seus problemas não poderiam lhe alcançar. Nada parecia grande o suficiente para tirá-lo da graça. Então fechou os olhos, sentindo o vento tocar o rosto de modo diferente, alertando-o que logo a chuva viria, e não seria pouca. Ainda assim permaneceu calmo, tateando os bolsos da jaqueta e da calça, por fim achando o maço de cigarros e o isqueiro que ficava na capa plástica.
Não era preciso os olhos abertos para fazer algo que, de dias para cá, era tão fiel à seu cotidiano. Colocou o cigarro novo entre os lábios, ainda debruçado no parapeito, uma perna cruzada sobre o tornozelo da outra. Pegou o isqueiro levando-o frente ao rosto enquanto a mão livre ocupava-se agora num bloqueio frente à chama que fazia arder a pele da palma. Uma tragada e então moveu a mão fechando o isqueiro, apagando a chama que trazia certo alento.
Ainda não era hora, ainda não! Por isso por mais que sentisse os olhos arderem, não se permitiu trazer a eles a solução que cabia. Apenas soprou a fumaça e jogou a cabeça para trás enquanto guardava o isqueiro na capinha plástica do cigarro, e então levava o combo ao bolso, mantendo-o próximo e seguro. Ao menos algo tinha de ser mantido em segurança, não? Algo ele teria que conseguir cuidar.