Efeito Borboleta escrita por deboradb


Capítulo 26
Crisálida.


Notas iniciais do capítulo

Volteiiiiiii
Esse é o penúltimo capítulo pessoal, espero que gostem... Tenham uma boa leitura.



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Minha consciência fora trazida de volta à realidade quando algo pequeno e gélido tocou a superfície da minha face, seguido de outro e mais outro. Eram gotículas suaves de água que iam ganhando força e intensidade, fazendo minhas pálpebras serem abertas de modo quase veloz. E, naquele instante, senti como se meu corpo inteiro houvesse levado um surto de adrenalina. Vibrações de energia percorreram cada centímetro de meus músculos, enquanto tinha a respiração ofegante e os batimentos cardíacos acelerados. Eu não conseguia respirar direito e tudo só piorou quando meus olhos capturaram a imagem daquela monstruosidade a quilômetros à frente. Minhas pernas fraquejaram em consequência ao frio, e por mais apavorado que eu estivesse; nada fez meu coração bater tão aceleradamente contra a minha caixa torácica quanto o fato de Katniss estar a apenas a alguns paços de distância, de costas para mim, enquanto sua atenção estava inteiramente voltada para o tornado que seguia desenfreado em direção a Arcadia Bay. Eu não conseguia recordar-me de nenhum evento iminente ao momento em que havia pegado a fotografia com Delly, mas tudo o que fiz – de modo quase desesperado – fora forçar meus pés sobre a fina camada de areia até alcançar o corpo da morena, envolvendo-a em um forte e caloroso abraço.

— Vejo que o Peeta verdadeiro retornou. — brinca, presenteando-me com um pequeno sorriso ao virar-se totalmente para mim — Então, como foi sua viagem, Conquistador?

— Oh... Céus! Você está viva! Você realmente está viva! — seguro seu rosto por entre minhas mãos, admirando cada mínimo pedacinho de sua face tão bela. Era inexplicável a sensação de felicidade que eu sentia por tê-la ali, bem a minha frente — Eu fiz tanta coisa para te trazer de volta, Marrentinha... e funcionou. Finalmente funcionou! — minha visão já se encontrava parcialmente prejudicada pelas lágrimas, que escorriam sem pudor algum por minhas bochechas.

— Parece que até o destino não quer nos separar. — profere ao jogar os braços sobre os meus ombros, apertando meu corpo carinhosamente contra o seu — Você viajou por múltiplas realidades para salvar minha ingrata bunda várias vezes. Espero ter valido a pena... — seu sussurro veio carregado de emoção, e ali eu soube que ela também chorava — Mas eu não lhe culparia se me quisesse fora da sua vida, não depois de todo o meu drama. — completa, obrigando-me a afastar minimamente nossos corpos, somente para deparar-me com suas orbes acinzentadas carregas de tristeza.

— Hey... Não diga isso, nunca mais. — peço de modo repreensor, colando nossas testas — E só para constar, eu sou o Rei e Rainha oficial de drama de Arcadia Bay dessa semana. — ela acaba rindo com minhas palavras e sinto-me feliz por esse feito — Agora falando sério. Veja o que meus poderes causaram em tão pouco tempo. Tipo, eu sou um ninguém...

— Não. — interrompe-me prontamente — Você é Peeta Mellark, Guerreiro do Tempo. E mesmo se não fosse, você é gentil e carinhoso. Eu não poderia ter amigo e namorado melhor. — seus lábios capturam os meus rapidamente, arrancando-me um suspiro — Você não pediu para que nada disso acontecesse, mas aconteceu. E você é incrível! Nunca pense o contrário.

— Talvez eu tenha desejado subconscientemente, ou algo assim. — seus olhos tempestuosos encaravam-me tão intensamente que eu sentia como se minha alma estivesse sendo sugada para dentro deles — Sempre quis que minha vida fosse especial. Uma aventura. Mas não sem você. Não era especial até eu me mudar para cá, então, sem você, meus poderes nem existiriam. — concluo, piscando algumas vezes para espantar as lágrimas.

— Então... por qualquer razão científica, ou mística, da qual obviamente nunca iremos descobrir, nós deveríamos estar juntos neste exato momento na história. — pondera, enquanto seus dedos trabalham em minha nuca, fazendo uma leve caricia.

— Acredito que sim. — sorrio-lhe ternamente, sendo retribuído da mesma forma — Agora, diga-me tudo o que aconteceu. Você... Você se lembra, certo?

— Sim, claro... — ela leva uma das mãos até os fios escuros para retirá-los da frente do rosto antes de prosseguir — Bem, nós... saímos da festa e seguimos até o hotel onde o Haymitch estava hospedado. Depois de lhe contarmos tudo, ele seguiu com uma patrulha até o celeiro, pegando o Seneca em flagrante enquanto fotografava uma Glimmer completamente dopada. Então a tempestade piorou e... e você disse que estaríamos seguros no farol. — explica resumidamente.

Parte de mim encontrava-se aliviada por saber que Seneca não machucaria mais ninguém, no entanto, por outro lado, ainda havia aquele peso em minha consciência em relação aquele tornado devastador. Para toda ação, sempre haveria uma reação. Todas às vezes que eu havia revertido ou alterado algum momento no tempo, talvez tivesse causado uma reação em cadeia, afetando até mesmo o ambiente. Então, como se algo estalasse em meu interior, rapidamente emiti um som agudo e desesperador, afastando-me inconscientemente de Katniss para observar com mais atenção àquela tempestade desenfreada. Culpa. Eu odiava sentir aquilo. Odiava aquele sentimento que nos corroía de dentro para fora, que em segundos tinha a capacidade de levar tudo de bom que existia em nosso ser, dando lugar ao inquietante e devastador vazio.

Minha mente trabalhava de modo tão desordenado sobre aquela situação, que me vi obrigado a fechar os olhos, respirando vagarosamente enquanto tinha o coração apertado dentro do peito, parecendo que o ar não passava por minhas vias respiratórias. Aquilo estava sendo torturante demais para meu psicológico suportar.

— Peeta... — despertei de minhas lamentações com o chamado da morena, e ao abrir os olhos, deparei-me com a mesma aproximando-se devagar, como se estivesse insegura sobre os passos que estava dando — Você está se sentindo bem?... Fala comigo.

— Eu... — engulo em seco, olhando mais uma vez para o tornado, tentando organizar meus pensamentos e ao mesmo tempo regular a respiração — Droga! A tempestade está aumentando, Katniss. Está se aproximando cada vez mais. Eu... Eu não quero acreditar que isso seja mesmo real, mas está acontecendo por minha causa.

— Pare! Pare de ficar se culpando, okay? Nós dois já sofremos o bastante por isso. — repreende-me seriamente, para logo em seguida passear seus olhos enigmáticos pelo ambiente a nossa volta — Veja! O farol está livre do caminho do tornado. Vamos para lá! — seus dedos se entrelaçam aos meus, mas antes que consigamos dar qualquer passo, sou atingido por uma forte tontura, fazendo-me cambalear, até ser amparado pelos braços da morena — Irei proteger você, meu amor. Eu prometo. — seu sussurro ao pé de meu ouvido fora tudo o que consegui escutar antes de ser levado pela escuridão.

[...]

Como se minha alma houvesse retornado ao corpo após algum evento atordoante, meus olhos foram abertos de modo súbito, somente para serem arregalados logo em seguida ao capturarem a imagem do ambiente a minha volta. Mas que porra era aquela? Eu havia simplesmente retornado para a aula de fotografia.

Aquilo não fazia o menor sentido, pois eu não me recordava de ter utilizado meus poderes em momento algum, pelo menos não no período em que estive na praia com Katniss. A não ser que... Não. Todos aqueles momentos vivenciados ao longo da semana não poderiam ter sido apenas fruto da minha imaginação. Era real demais para ser somente um sonho. Então qual a razão de tudo aquilo? Era exaustante ter que reviver os mesmos momentos do passado; claro que, se tratando de momentos bons, era mais do que agradável, mas quando se tratava de momentos dolorosos, se tornava torturante demais. Era como estar preso em um loop temporal infinito, desesperador, frustrante. O tempo havia se tornado uma completa e desastrosa bagunça.

Ainda sem reação diante minha atual realidade, encarei o homem de mente psicopata a minha frente, que gesticulava com as mãos enquanto explicava sobre o processo do chiaroscuro, e, por um segundo, cheguei até mesmo a cogitar a hipótese de tapar meus ouvidos, pois ter de ouvi-lo era o mesmo que estar sendo condenado ao inferno. Mas, ao invés disso, apenas fechei os meus olhos, respirando vagarosamente, em uma tentativa de fazer meus batimentos cardíacos se tornarem ritmados. No entanto, quando voltei a abri-los, a sala encontrava-se completamente vazia.

— Mas que porra...? — minhas palavras foram interrompidas por algo se chocando bruscamente contra a janela, assustando-me. E se antes mantinha minha respiração de modo regular para acalmar meu coração, naquele momento meus esforços foram todos pelos ares, pois no exato instante em que meus olhos pousaram sobre a mancha de sangue localizada na região do impacto, um nó fora formando em minha garganta, enquanto meus pulmões pareciam recusar o ar bombeado para eles — Droga! — cumpri meus lábios quando, novamente, algo se chocou contra a janela. Mas para a minha surpresa, ou completo pavor, não era algo, mas sim corvos, um atrás do outro, até que a vidraça fosse inteiramente preenchida pelo liquido vermelho e pegajoso.

Uma vez que cada célula de meu corpo havia sido consumida pelo horror daquela imagem, direcionei meus passos mais do que depressa até a saída da sala. Mas o universo parecia ter tirado o dia somente para brincar com a minha cara, pois, no instante em que abri a porta, dei de cara com o corredor do dormitório.

Peeta, porque você me impediu de me jogar?

Foi inevitável o sobressalto quando a voz chorosa de Madge surgiu as minhas costas, e acabei engolindo em seco quando me virei para encará-la. Por um segundo desejei que seus olhos azuis estivessem fixos em qualquer outro canto que não fossem os meus. O peso que eles carregavam era devastador demais, até mesmo para ser colocado em palavras.

Que tipo de amigo você é? Você nunca me compreendeu, muito menos entendeu o que aconteceu comigo. Agora minha família nunca irá me deixar em paz. E isso significa que ficarei sempre sozinha... graças a você!

— Mad, isso não é verdade! Eu sempre fui o seu amigo. — defendo-me, sentindo meu coração ser comprimido dentro do peito em consequência a suas acusações tão duras e frias. Mas tão rápido quando um piscar de olhos, sua figura desapareceu diante os meus olhos — Tudo bem, Peeta, não enlouqueça... Não agora. — murmuro para mim mesmo repetidas vezes, como um mantra, para tentar manter a minha sanidade.

Após uma profunda tomada de ar, engoli dolorosamente o bolo que havia se formado em minha garganta, olhando mais uma vez para o local onde Madge residia segundos atrás, para então dar continuidade aos meus passos por meio do corredor pouco iluminado. Uma vez que eu me encontrava parado em frente à porta do meu quarto, não perdi tempo e logo adentrei o mesmo. Mas ao invés de encontrar minha cama e objetos pessoais como de costume, fui surpreendido novamente pelo corredor do dormitório, agora parecendo mais sombrio e obscuro. Aquilo estava se tornando insano demais. Era como estar preso em um labirinto, dando voltas e mais voltas sem nem mesmo sair do lugar. Uma situação completamente desesperadora, ainda mais quando um coro de vozes começou a ecoar pelo ambiente. Algumas não passavam de sussurros incompreendidos, já outras pareciam raivosas e descontroladas demais.

Manter o meu condicionamento psicológico intacto com toda aquela situação havia se tornado uma tarefa quase impossível; por esse motivo, passei a reorganizar meus pensamentos confusos a fim de encontrar uma solução. E ela veio, no instante em que passei a observar com mais atenção os números anotados nas planilhas distribuídas ao lado das portas. Era uma espécie de sequencia que me levava até o quarto de número 219. Então, de modo quase veloz, adentrei o mesmo, dando de cara agora com um dos corredores principais da Academia Blackwell. Foi impossível segurar o suspiro aliviado quando avistei a quantidade relativamente grande de alunos que transitavam por ali. Mas como nenhuma situação parecia normal naquela linha paralela, rapidamente tive os meus músculos tencionados ao notar que, ao invés de progredirem com suas ações de um modo geral, todos os alunos estavam regredindo. E por mais que eu quisesse parar e analisar minuciosamente cada um daqueles acontecimentos inusitados, minha atenção fora totalmente desviada para algo anormal que acontecia a alguns metros de distância. Um cervo, mas precisamente o mesmo cervo que apareceu para mim no ferro-velho e posteriormente em minha visão da tempestade, seguia tranquilamente pelo corredor, até adentrar o banheiro masculino. O mesmo banheiro onde Katniss havia sido assassinada por Gale em uma outra realidade.

Eu não sabia como definir meu estado de espírito naquele momento, mas era como se eu estivesse agindo no modo automático quando resolvi seguir os paços do animal. Por alguma razão inexplicável, eu me sentia conectado a ele de algum modo. Era como se, através do olhar, ele me dissesse para tentar algo novo, para que eu não tivesse vergonha de chorar e deixar transparecer os meus medos, para que eu tivesse mais compaixão, para que eu amasse incondicionalmente. Loucura? É. Talvez eu estivesse realmente ficando louco.

Após uma terceira e profunda tomada ar; balancei a cabeça algumas vezes para espantar aqueles pensamentos, finalmente tomando coragem para abrir aquela porta. Em primeiro momento, tudo o que consegui fazer fora fechar os olhos com certa força, para impedir minhas retinas de serem prejudicadas pela forte luz que vinha do local, mas quando esta se dissipou e minhas pálpebras voltaram a se abrir, senti tantas coisas que nem conseguia nomear corretamente. Ali, a minha frente, encontrava-se uma espécie de caixa cósmica, onde residiam todas as minhas memórias com Katniss.

As coisas finalmente começavam a fazer sentindo para mim. Todas aquelas incontáveis manipulações haviam causado um tipo de colapso no espaço-tempo, responsável por me levar a uma permanência temporária no meio de várias realidades paralelas. Realidades que eu mesmo havia criado ao voltar em algum momento do passado para alterar os acontecimentos, trazendo sérias consequências à minha vida no presente, além de sobrecarregar meu cérebro com a constante criação e substituição de memórias, levando-me a ter graves danos e hemorragias.

 A Física Quântica poderia ser bastante complexa, mas eu compreendia o suficiente para saber que todas aquelas manipulações do tempo poderiam ser salvas por um conceito ainda mais polêmico que o da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, e esse conceito era conhecido como a Interpretação de Mundos Múltiplos, do físico Hugh Everett III. Em termos simples, aquela teoria argumentava que, para cada efeito possível de cada decisão já tomada, existia uma realidade alternativa. Essas realidades alternativas formavam o que Everett chamou de multiverso. Por exemplo, enquanto assistia a um filme, você poderia resolver fazer um lanche. Procuraria no armário e encontraria pipoca e batata frita. Pegaria a pipoca. Esta seria uma realidade. Ao mesmo tempo, outra realidade passaria existir, na qual, em vez da pipoca, você pegaria a batata frita. Uma terceira realidade também seria criada, na qual você pegaria tanto a pipoca quanto a batata. E, seria desnecessário dizer, sobre o surgimento de uma quarta realidade, na qual você mudaria de ideia e decidiria não comer nada. Logo, para cada volta minha ao passado, por mínima que fosse; uma nova realidade havia surgido. E ali estava cada uma delas, sendo transportadas através de fragmentos cósmicos.

O tempo, para mim, sempre fora algo fascinante e extraordinário. Ele poderia ser o seu pior inimigo, mas, simultaneamente, também poderia ser o seu melhor amigo. Irônico, não? O tempo poderia envelhecer uma pessoa, mas também torná-la mais sabia e madura. Porém, neste caso, ele não era nem um, nem outro; somente o rumo natural das coisas. Um estágio natural pelo qual todos um dia iríamos passar. Ele poderia carregar tudo; mágoas, alegrias, pessoas, coisas. Mas se havia algo que ele não poderia carregar, esse algo era a beleza de alguém, não de corpo, mas de alma. Isso era a única coisa que não podia ser levada com o tempo. Essa beleza era transcendente. E eu podia enxergá-la em cada uma daquelas memórias que passavam como um filme diante os meus olhos. Memórias felizes, tristes, nostálgicas; que iam desde a nossa infância até o momento da minha partida para Seattle. No entanto, foram as recordações mais recentes que fizeram meu coração ser comprimido dentro do peito e as lágrimas subirem aos meus olhos. O exato instante em que Katniss apareceu no estacionamento e me livrou de levar uma surra do Gale. O momento em que ela me deu de presente a câmera do Thomas. A manhã em que contei a ela sobre os meus poderes. Nossos momentos como “criminosos” ao invadimos a Blackwell. Nosso primeiro beijo. Seu corpo preso a uma cadeira de rodas enquanto fazíamos um passeio pela praia. Seu pedido angustiado para que eu a matasse com uma overdose. A primeira vez que nos amamos de corpo e alma. A descoberta sobre a morte da Johanna. Seu corpo ensanguentado, jogado sobre o chão após Seneca matá-la... Minha mente recebia todas aquelas imagens como socos no estômago; então apenas deixei que as lágrimas levassem consigo o amargor do desespero que eu sentia naquele momento. O ar já não mais passava para os meus pulmões, e tudo o que fiz foi fechar os meus olhos, sentindo meu corpo convulsionar com os soluços descontrolados que escapavam por meus lábios. Ali, diante as anomalias que aconteciam em consequência as minhas atitudes egoístas, aprendi que não podia controlar o tempo. Se a tempestade não passasse, eu tinha que dançar na chuva mesmo.

— Mas que belo bebê chorão você é, hein, Mellark? — o tom debochado fez-me levar a mão ao peito tamanho espanto, espanto esse que se tornou ainda maior quando tive minhas pálpebras abertas. O baque fora tão grande diante a figura parada a minha frente que senti meu coração chocar-se bruscamente contra a minha caixa torácica.

Mas que porra era aquela?!

— Quem... Quem é você? — a pergunta não passou de um sussurro entrecortado quando saiu por meus lábios. E me vi obrigado a piscar algumas vezes para ter certeza de que aquela situação horrenda era mesmo real.

— Puta merda! É sério isso? — a figura de cabelos loiros tinha as sobrancelhas arqueadas e as orbes intensamente azuis cerradas em minha direção, enquanto um sorriso desdenhoso enfeitava sua face — Eu sou você, idiota... Ou uma das várias versões do Peeta que você deixou para trás. — aponta para o ambiente a nossa volta, e quando faço uma rápida analise do local, solto um riso sem humor, levando as mãos aos cabelos em um ato de puro desespero.

A situação somente parecia piorar a cada instante. Agora, ao invés de me encontrar em uma espécie de caixa cósmica com fragmentos de memórias, eu me via diante a vários remanescentes espalhados pelo restaurante Winchester. Minha mente fervilhava com incontáveis perguntas que surgiam a cada milésimo de segundo, mas para manter o pouco de sanidade que eu ainda possuía, optei apenas por respirar fundo e deixar para me preocupar com aquelas questões quando fosse preciso.

— Você pode me tirar daqui? — questiono, mordiscando meu lábio inferior ao encarar novamente o olhar gélido daquele remanescente sentado a minha frente.

— Oh! Então você quer ajuda? — ele arregala teatralmente os olhos, para em seguida soltar uma risada beirando a ironia — Achou que poderia controlar tudo e todos, não é? Brincar com o tempo sem ligar para as consequências.

— Eu tentei ajudar, está bem? Eu só queria fazer a coisa certa. — argumento, sentindo um bolo ser formado em minha garganta.

— Não, você só queria ser popular. E depois de conseguir esses incríveis poderes, o seu grande plano era fazer com que todos achassem você “o maioral”. — acusa, apoiando o cotovelo na mesa e o queixo na mão.

— Eu me importo! É por isso que estava tentando fazer amigos. — rebato, sentindo meus músculos tencionarem devido à exaustão.

— Dizendo às pessoas o que elas querem ouvir? — contra-ataca — Você só estava procurando um atalho porque não consegue fazer amigos por conta própria.

— Isso não é verdade. — nego veementemente. Suas palavras duras estavam acabando comigo — Tenho ótimos amigos, e eu usei os meus poderes para o bem.

— Por favor, pare de bancar o inocente. Você é hipócrita para caralho. — o remanescente revira os olhos de modo tedioso — Você deixou um rastro de morte e sofrimento para trás. — despeja sem dó nem piedade, causando-me um mal estar agonizante.

— A culpa não foi minha, seu filho da puta! — esbravejo, tomando uma respiração longa, enquanto tenho minha visão embaçada por conta das lágrimas.

— Não? E quanto àquela série de horrores? Espere, deixe-me adivinhar... — ele faz uma pausa para soltar um riso debochado — Você fodeu o tempo e o espaço por causa da sua preciosa namoradinha punk, certo? Você acha que ela vale tudo isso?

— Todos nós valemos a pena. Isso não é sobre a Katniss, ou até mesmo eu. — respondo sem pestanejar, sentindo-me angustiado com aquela situação.

— Nossa! Você é tão altruísta, Mahatma Peeta. — ironiza — Uma pena você ter desperdiçado o seu poder em drama colegial. Agora terá de aprender da maneira mais difícil. Como a Johanna...

— Só cala a merda da sua boca! — rosno, dando um soco na mesa, e o movimento brusco faz com que uma lágrima solitária escape de meus olhos — Você não me assusta mais! — tento segurar o choro, mas toda a raiva, angústia, tristeza e culpa trasbordava por meu peito.

— Ah, qual é? Vamos lá, você realmente acha que ela tem algum sentimento por nós? Você é apenas outro fantoche, Peeta. Um completo idiota. É uma vergonha termos o mesmo nome. — balança a cabeça de forma negativa — E, algum dia, a Katniss destruirá tudo, como sempre faz. Espero que esteja ciente disso. — conclui no exato instante em que a mesma adentra o restaurante com todo o seu entusiasmo — Oh, infernos! Falando no diabo... — ele ri de modo zombeteiro, acomodando-se no banco enquanto a morena aproxima-se para sentar a sua frente, engatando uma conversa animada. E, de repente, era como se a minha presença já não fosse mais notada.

— Hey... — uma mão afaga meu ombro, e quando direciono minha atenção para o dono da mesma, dou de cara com outro remanescente. Este, porém, sorria-me com ternura, bem diferente do outro que só tratava-me com desprezo — Não ligue para o senhor esquentadinho ali. Talvez você tenha errado sim em suas atitudes, mas eu sei que fará a coisa certa desta vez.

— Como? — pergunto um tanto confuso, enquanto sou guiado até a entrada do restaurante pelo loiro de sorriso genuíno.

— Apenas... seja forte, Peeta. — ele abre a porta de uma só vez, e quase tenho minhas retinas queimadas devido a forte luz que emanava do local — E não esqueça... Aqueles que não aprendem com a história, estão fadados a repeti-la.

E com aquelas palavras fui empurrado porta afora, sendo consumido pela luminosidade quase cegante daquele vasto nada, enquanto questionava-me sobre onde eu poderia estar desta vez. Mas assim como havia feito minutos atrás, resolvi deixar as perguntas que sondavam minha mente para depois, e a passos incertos, segui em meio ao desconhecido.

“Vamos, Peeta, estamos quase lá.”

O timbre melodioso com resquícios de agonia chegou como um sopro distante aos meus ouvidos, no entanto, por mais que eu forçasse minha visão, nada se via além da claridade delirante daquele desconhecido lugar.

“Peeta, vamos!... Não se preocupe, ficaremos bem.”

A voz soou um pouco mais nítida desta vez, permitindo-me reconhecer a dona da mesma, que por sinal, tratava-se de uma certa morena de olhos tempestuosos que me deixava completamente sem fôlego. Diante a percepção de sua presença, eu até já podia sentir o alivio tomar posse de meu corpo. E, como um insight perfeito, o nada a minha volta começou a ganhar forma, dando-me a visão do farol a poucos metros à frente.

— Peeta...? Peeta, está me ouvindo? Por favor, fale alguma coisa. — pisco diversas vezes, atordoado, até que finalmente consigo focar minha atenção em Katniss, que encarava-me com preocupação enquanto tinha meu corpo apoiado no seu.

— Eu... Eu devo ter desmaiado... Desculpe. — as palavras saíram tão arrastadas que a voz nem parecia ser a minha.

— Graças a Deus. — suspira aliviada — Eu fiquei tão preocupada. Nunca mais faça isso! — adverte, intensificando o aperto de seus braços em torno de meu tronco, e com o seu auxílio, consigo dar alguns passos cambaleantes até estarmos próximos a encosta do penhasco.

A tempestade parecia ter se tornado ainda mais feroz e destrutiva, enquanto seguia de modo desenfreado em direção à cidade. E, por um segundo, um milésimo de segundo, me permitir pensar em todas as pessoas e coisas que elas perderiam por eu ainda não estar preparado para lidar com os acasos da vida, ou por ainda ter muita relutância em simplesmente aceitar que nada no mundo era permanente; nem pessoas, nem estrelas, nem planetas, nem galáxias. Tudo era finito. Inteiramente e completamente finito.

— Essa é a minha tempestade. Eu causei tudo isso. — sussurro, fechando os olhos por breves segundo enquanto respiro devagar. Meu peito estava apertado e parecia que o ar não passava por minhas vias respiratórias — Eu mudei tanto o destino que... acabei alterando o curso de tudo. E no fim, a única coisa que realmente fiz foi criar morte e destruição. — solto de modo angustiado, deixando as lágrimas caírem.

— Foda-se tudo isso, okay?! — Katniss esbraveja, puxando-me pelos ombros para que ficasse de frente para ela — Foi lhe dado um poder. Você não pediu por isso, e ainda me salvou! Tudo o que tinha que acontecer, aconteceu, exceto o ocorrido com a Johanna. Mas sem o seu poder, nunca a teríamos encontrado. — seus olhos estavam mais intensos, hipnotizantes, enquanto encaravam os meus de forma séria — Ok, então você não é a porra do Mestre do Tempo. Mas você é o Peeta Mellark... e você é incrível!

Eu queria dizer algo, eu tentei dizer algo, mas infelizmente nada saía; então apenas engoli em seco, desviando o olhar do seu, que havia se tornado profundo demais para que eu pudesse suportá-lo. Suas palavras haviam me atingido de modo tão exorbitante que optei apenas pelo silêncio, deixando que o mesmo tomasse a frente da situação instável em que nos encontrávamos naquele momento. E, por incontáveis minutos, o único som que preencheu o ambiente foram os ruídos e trovoadas da tão caótica tempestade.

— Peeta, esse é o único jeito. — a voz de Katniss soou quebradiça e rapidamente levantei o olhar para encará-la. Suas orbes estavam avermelhadas e seu lábio inferior encontrava-se preso por entre os dentes, parecendo esforçar-se ao extremo para conter o choro. E, só então, notei que a mesma tinha uma fotografia estendida em minha direção. Mas não era qualquer fotografia. Era a Polaroid que eu havia tirado da borboleta azul no início daquela semana.

— Parece que tirei essa foto há mil anos... — comento em tom baixo, ao segurar cuidadosamente a fotografia por entre meus dedos.

— Você... Você poderia usar essa foto para voltar até aquele dia... — meus olhos voltaram-se prontamente para os seus, confusos, tanto por suas palavras quanto pelo soluço que lhe escapou — E então deixar que as coisas tomem o rumo que deveriam. Sem interferir. Apenas deixar que eu... eu... — suas palavras foram rompidas pelo choro doloroso e ela logo levou as mãos ao rosto, tentando encobrir sua fragilidade.

— O quê...? — pisco algumas vezes, atônito, até que finalmente consigo reagir diante sua fala, aproximando-me com rapidez para tomá-la em meus braços. O aperto em meu peito se tornou quase insuportável quando, com muito custo, retirei as mãos de seu rosto, podendo a olhar de perto. Aquela imagem era torturante — Não! De jeito nenhum! Você é a minha prioridade número um agora, Katniss. Você é tudo o que importa para mim. — decreto com veemência, apertando-a ainda mais contra mim. Aquela ideia era absurda em tantos níveis que eu nem mesmo conseguia nomear em palavras.

— Eu sei. Você provou isso várias vezes, mesmo eu não merecendo. — admite por entre o choro, agarrada a minha camisa — Eu sou tão egoísta. Bem diferente da minha mãe... Olhe tudo que ela teve que deixar para trás para viver. E ela conseguiu. — soluça, colocando para fora todas as suas amarguras — Ela e Prim merecem muito mais do que morrer por uma tempestade na porra de um restaurante! Até a merda do meu padrasto merece mais. Todos merecem viver bem mais do que eu!

— Katniss, não... Não diga isso. — suplico, sendo embalado pelas minhas próprias lágrimas. A cada palavra sua, meu coração se quebrava mais um pouquinho — Eu não trocarei você. — mordo meu lábio inferior para conter um soluço.

— Você não estará me trocando. Talvez tenha estado apenas atrasando o meu verdadeiro destino. — balanço a cabeça de modo negativo, relutante diante suas palavras. Foi então que tive meu rosto tomado pelas mãos da morena, que focou suas orbes acinzentada nas minhas. Elas estavam tão ambíguas, opacas, tristes, porém continham um brilho intenso de determinação — Olhe quantas vezes eu quase morri, ou de fato morri. Olhe o que aconteceu em Arcadia Bay desde que você me salvou pela primeira vez. — ela fecha os olhos por poucos segundos, tomando uma longa respiração — Eu sei que tenho sido egoísta, mas, pelo menos uma vez, acho que devo aceitar o meu destino. O nosso destino.

— Katniss... — seu nome não passou de uma suplica agoniada ao sair por meus lábios.

— Peeta, você finalmente voltou para mim essa semana e não fez nada além de me mostrar todo o seu amor e amizade. — sorri tristemente, enquanto temos nossas lágrimas misturadas às gotas de chuva, que banha nossos corpos com toda a sua intensidade — Você me fez sorrir e rir como eu não fazia há anos. E seja lá onde eu vá acabar depois disso, em qualquer realidade, todos os momentos entre nós foram reais e sempre serão nossos momentos. — cola nossas testas ao passar os braços por meus ombros, e tomo a liberdade de passear a ponta de meus dedos sobre sua face tão bela, contornando seus lábios carnudos e entreabertos — Não importa o que você escolha, saberei que tomou a decisão correta.

— Katniss... Eu não... Eu não posso tomar essa decisão... — engasgo com o meu próprio choro. A dor era tanta que eu sentia-me sufocar, agonizar. Era uma sensação desesperadora, que percorria cada mínima célula de meu corpo, atrofiando meus músculos e levando-me a ruína total.

— Não, Peeta. Você é o único que pode. — afirma em tom ameno, e só então noto que os seus olhos não estavam mais vagos, eles lembravam-me uma tempestade cinzenta, daquelas que acompanhavam os ventos e que levavam embora o brilho vivido do sol. Exatamente como naquele momento, onde o mundo era consumido pela obscuridade de um tornado devastador.

Como descrever sobre uma perda, uma dor angustiada, o inevitável, um sentimento de saudade já anunciado? Ninguém está preparado para tragédias, para aceitar perdas, para aceitar o fato de a vida ser tão frágil, ver a incapacidade de evitar isso. A impotência que grita em nosso interior, que tortura nossa mente, que dilacera nossa alma. Eu não estava em mim, não naquele momento. Era como se eu fosse apenas um telespectador, assistindo tudo de fora, de longe. E o meu corpo, este era como se fosse apenas uma casca projetada para receber as facadas que a vida, o destino, e o universo estavam preparados para dar. Era difícil aceitar e entender, a vontade de acordar e pensar que foi somente um pesadelo. As lembranças de ontem, de um tempo atrás, de muito tempo, seriam agora apenas lembranças. Mas, se tudo na vida tinha um motivo, se nada era por acaso, que acontecesse então. Eu havia lutado com todas as minhas forças para salvar a vida da garota que eu amava, mas no fim, a sua sina sempre fora aquela. Ela havia nascido simplesmente para morrer. E como qualquer outro mero mortal, eu teria que aprender a lidar com a sua dolorosa ausência.

— Peeta... Está na hora. — seu aviso vem em um sussurro entrecortado.

— Katniss... E-Eu sinto muito... Não queria fazer isso... — ela me interrompe com um abraço apertado, quase fundindo nossos corpos.

— Eu sei, Peeta. Mas temos que fazer isso. Precisamos salvar a todos, okay? E você fará aqueles merdas pagarem pelo que fizeram com a Johanna. — apenas assinto e, novamente, ela toma meu rosto por entre suas mãos — Estarmos juntos essa semana foi o melhor presente de adeus que eu poderia receber... Você é meu herói, Peeta.

E após aquelas palavras nós nos beijamos. Beijamos-nos com todo o amor, paixão, intensidade, carinho e cumplicidade que sentíamos um pelo outro. Tendo o gosto salgado de nossas lágrimas se misturando ao beijo. O último beijo. O último abraço. O último suspiro. O último sorriso. A última vez em que sentia seu cheiro. A última vez em que eu tinha o prazer de admirar suas orbes tempestuosos e extraordinariamente únicas. A última vez em que ouvia a melodia doce e suave de sua voz. A última vez em que sentia a maciez de seus lábios carnudos sobre os meus.

— Eu te amo. — confidencio, emocionado.

— Eu também te amo, Conquistador. Sempre amei. — sorri genuinamente, os olhos marejados, porém tão intensos como nunca estiveram antes — Agora vá embora, por favor, antes que eu enlouqueça. — ela solta um riso nervoso enquanto dá alguns passos para trás, tomando uma distância segura — E, Peeta Mellark, não se esqueça de mim.

Nunca. — devolvo, esforçando-me para retribuir seu belo sorriso, enquanto sentia um vazio tomar conta de meu coração. Não havia adeus mais difícil do que aquele que sabíamos que seria para sempre.

E ali, após perder-me por alguns segundos na contemplação do tamanho fascínio que sua beleza possuía, tomei uma longa respiração, tão profunda que senti meus pulmões queimarem, antes de finalmente focar toda a minha atenção na fotografia residente por entre meus dedos. E então voltei. Voltei para o exato momento onde tudo começou. E que agora seria o momento onde tudo terminaria. 

Quando o clique da câmera foi-se ouvido, eu abri os meus olhos, vendo o bater cintilante das asas daquela linda borboleta levá-la para longe. E, a partir daquele momento, tudo aconteceu exatamente como da primeira vez. Mas eu estava alheio a tudo aquilo, enquanto encarava fixamente a fotografia jogada sobre o chão a minha frente, lutando contra as malditas lágrimas que insistiam em forçar o caminha por minhas bochechas. Foi então que o barulho ensurdecedor do tiro ecoou por todo o ambiente, fazendo meu coração ser fortemente esmagado pela angústia, tristeza, impotência. Meu estado já não era mais saudável, as lágrimas misturavam-se a tudo que derramava sobre o meu rosto. Era como se a dor ganhasse uma forma líquida e escorresse por meu corpo. Eu chorava desesperadamente em silêncio, apertando os dedos em torno de meus braços, em uma tentativa agonizante de expressar a dor física e mental que sentia dilacerar cada mínimo pedaço de meu ser. Eu havia a perdido. E desta vez para sempre.

Aquela havia sido Katniss Everdeen. A garota que eu amei. Um pouco bagunçada, um pouco arruinada, um belo desastre... assim como eu.


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Notas finais do capítulo

E foi isso pessoal, espero de coração que tenham gostado. Volto em breve com o último capítulo (infelizmente).
Beijos ♥



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