Efeito Borboleta escrita por deboradb


Capítulo 21
Antes da Tempestade (Bônus).


Notas iniciais do capítulo

Volteiiiiiiiii
Hoje trago um capítulo cheio de emoções e revelações sobre a amizade entre a Kat e a Johanna. :-D
O capítulo está um pouco grandinho, mas espero de coração que gostem...
Tenham uma boa leitura.



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Outubro de 2011

Como descrever Johanna Mason? Eu estou tentando encontrar as palavras certas desde que a gente se conheceu. O louco da Johanna é que eu tinha tudo pra odiá-la com todas as minhas forças. Digo, ela é uma aluna nota 10, amada por todo mundo na escola – alunos e professores, inclusive –, muito diferente da minha pessoa. Ela adora atuar, e assim como o meu ex-melhor amigo de infância, Peeta Mellark, Johanna possui um olho para imagens e artes. Considerando todo o seu desempenho escolar e o seu esforço em se tornar uma modelo, ela é uma pessoa muito ambiciosa. Recebe todo o apoio do pai promotor e da mãe dona de casa exemplar. Parece a receita perfeita de pessoa insuportável. Mas mesmo assim, Johanna consegue fugir totalmente do estereótipo de menina de ouro riquinha. Aliás, ela foge de todos os estereótipos. Ela deve ser a pessoa menos previsível que eu já conheci em toda a minha fatídica vida. E não é só porque, quando eu a conheci, ela me ajudou a acabar com uns babacas em um show de rock. É por causa da energia que ela emite. Quando você está com ela, parece que tudo é possível.

Se existe uma coisa certa sobre a vida, é que ao longo de seu corso ela irá tentar derrubar você inúmeras vezes, e em muitas delas irá conseguir. E você vai se machucar, vai se ferir gravemente. Mas chegará um ponto em que, ou você se entrega a miséria e a ruína total, ou vai aprender a aceitar que o que aconteceu no minuto anterior é passado, e que tudo o que irá acontecer dali em diante será a sua escolha de ser forte e seguir em frente. Por muitas vezes, a vida fará você acreditar que está sozinho, mas então, o universo e toda sua bondade acontecem. Um ano antes, eu havia recusado a ruína e repudiei a miséria. Aprendi que eu podia me fortalecer em meio aos tropeços do caminho novo e desconhecido pelo qual passei a andar depois que Johanna apareceu, e, como um anjo, curou parte das feridas que revertiam o meu coração. No início eu não sabia o que pensar e muitos menos como deveria agir diante a sua presença, mas sabia que ela era tudo o que eu precisava para não surtar novamente. E foi ali, naquele show de rock, enquanto seus olhos me analisavam com tanta profundidade que pareciam ler a minha alma, que nos tornarmos melhores amigas.

Johanna sempre foi muito observadora, conseguia decifrar o comportamento e os sentimentos alheios com apenas um olhar. Além de tudo era uma excelente amiga, simpática, inteligente, extrovertida; traços que chamavam atenção e resultaram em sua popularidade na escola. Porém, ao mesmo tempo, ela era uma pessoa muito difícil, facilmente irritável, principalmente quando as coisas não aconteciam da maneira que ela queria. Isso era visível nas brigas que já havíamos tido, tendo a mais recente delas acontecido a cerca de dois dias, quando fazíamos um passeio pelo Parque e avistamos o seu pai, James, aos beijos com outra mulher. No começo eu não o havia reconhecido e Johanna se irritou quando questionei sua mudança súbita de humor. Nossa briga havia sido feia e, consequentemente, acabamos magoando uma a outra. Éramos duas pessoas completamente diferentes e ao mesmo tempo muito iguais. Tínhamos o pavio curto e qualquer faísca poderia resultar em uma grande explosão. Só existia dor dos dois lados e quando isso se juntava causava surtos de loucura, raiva, felicidade, e principalmente tristeza. Tudo intenso demais, prestes a transbordar. Entretanto, por mais contraditório que pudesse ser, as discussões não nos afastavam, muito pelo contrário, elas nos aproximavam ainda mais.

Naquele mesmo dia, após nos desculparmos uma com a outra, Johanna pediu o meu isqueiro, colocando fogo em uma fotografia sua ainda criança ao lado do pai, para segundos depois jogá-la em uma lixeira. Eu nunca a tinha visto tão desolada e amargurada quanto naquele momento. Seus olhos cor de avelã brilhavam em fúria enquanto as lágrimas desciam sem controle algum por suas bochechas. Então o inesperado aconteceu. Eu nunca sabia o que esperar de Johanna Mason, e naquele momento não foi diferente. Sua fúria e fragilidade eram tantas que, após soltar um berro descontrolado, a morena chutou a lixeira onde a fotografia queimava, fazendo o vento soprar as chamas para as árvores mais próximas, dando início a um incêndio que há dois dias se alastrava pela floresta de Arcadia Bay.

— Caramba! A cara do Keaton quando você entrou no palco foi demais! — a voz eufórica de Johanna corta o ar, me trazendo de volta a realidade.

— Argh! Eu estava me borrando de medo! — faço uma careta, arrancando uma gargalhada da morena ao meu lado.

Ele estava se borrando. — pontua, e não conseguindo me conter, acabo abrindo um pequeno sorriso, apreciando bastante a forma tão relaxada e descontraída em que ela se encontrava naquele momento. Quem a via assim, nem desconfiava o quão instável Johanna Mason poderia ser.

— E agora ele está me devendo uma.

Horas antes, naquela mesma noite, eu havia ido até a Blackwell para prestigiar Johanna na adaptação da peça “A Tempestade” de William Shakespeare, onde ela interpretaria Próspera. Entretanto, Juliet, uma das protagonistas, acabou não conseguindo chegar a tempo devido ao trânsito causado pela fumaça do incêndio florestal, o que resultou em Johanna tentando – e conseguindo – convencer o senhor Keaton a me deixar assumir o papel de Ariel, um espírito com poderes mágicos, que para conseguir a sua tão sonhada liberdade, fora obrigado por Próspera a ajudá-la em seus planos. E apesar da minha relutância, fui eventualmente persuadida por minha melhor amiga.

Subir naquele palco foi uma das coisas mais assustadoras pelos quais tive que passar ao longo de toda a minha vida. Apesar de não ligar a mínima para o que os outros pensam ou falam de mim, foi extremamente desesperador ter todos aqueles olhos atentos em cada mínimo movimento que eu fazia, principalmente pelo fato de eu não ter decorado nem metade do que estava escrito no roteiro. Mas, como sempre, Johanna estava lá para me ajudar e sussurrou-me cada uma das falas que, vez ou outra, eu esquecia. Entretanto, em um certo momento da peça, para o total desespero do senhor Keaton e a minha inteira confusão, Johanna saiu completamente do script e, usando a linguagem de Shakespeare, pediu para que eu fugisse com ela. “Juntos voaremos para além desta ilha e os cantos do mundo serão um mero prólogo. Prometo fazer-te tão feliz que até mesmo a palavra liberdade será esquecida por ti. O que dizes do meu mais ardente desejo?”. Aquelas haviam sido as suas palavras, e após longos minutos de silêncio onde apenas nos encarávamos, finalmente aceitei o seu pedido; e a peça então prosseguiu, sendo ardentemente aplaudida de pé pelo publico no final.

— “Minha cara, e se eu lhe dissesse que o destino de toda a nossa produção depende inteiramente de você”? — ela tenta engrossar a voz enquanto imita o senhor Keaton, porém falha miseravelmente e isso nos causa uma grise de risos. Quando a peça chegou ao fim, decidimos dar uma volta pelas ruas de Arcadia, e naquele momento andávamos lado a lado recordando dos momentos mais divertidos daquela noite — Eu nunca tive uma experiência como essa no palco. — vira-se de frente para mim, porém seus passos continuam pela rua, mesmo que de costas.

— Pode ter certeza! Você foi... absolutamente incrível, Pequena Miss Sunshine! — ela abre um adorável sorriso ao me ouvir chamá-la pelo apelido.

— E você é única, Olhos de Tempestade. Não conheço ninguém como você. — não consigo evitar e acabo ficando sem graça com a intensidade que as palavras saíram de seus lábios, mas por sorte ela não notou, o que agradeci mentalmente — Adoro as noites depois de uma apresentação! — seu tom de voz sai algumas oitavas acima devido a sua animação.

— É sempre assim? — pergunto, sendo contagiada pela sua alegria.

— Ah, sim! É só curtição. Não tem mais aquele frio na barriga, só a adrenalina... — ela para bruscamente, quase me fazendo trombar com ela — Então, estreante, está orgulhosa da sua apresentação?

— Na verdade, estou é aliviada por ter acabado. As últimas doze horas foram intensas para caralho. — passo as mãos por meus cabelos, levando alguns fios para trás de minha orelha. 

— O dia foi bem foda para você, não foi? — seus olhos encaram os meus com atenção, e acabo soltando um longo suspiro ao recordar-me da briga que tive com Haymitch no período da manhã.

— Muito, mas no momento está tudo bem. — sorrio para dar veracidade as minhas palavras e sua expressão suaviza — E só para não ser chata, eu admito que toda a apresentação foi muito boa. — acrescento e seus olhos sorriem para mim, assim como seus lábios.

— Foi mágico, Everdeen. — ela entrelaça seu braço com o meu e voltamos a caminhar.

— Bem... tudo tem sido mágico desde que a gente se conheceu. — falo com sinceridade, recebendo em troca o mais lindos dos sorrisos antes de ela apoiar a cabeça em meu ombro.

Não falamos mais nada por longos minutos, ficando apenas apreciando a noite estrelada sobre nossas cabeças enquanto andávamos pela rua. Era extremamente reconfortante ter Johanna em minha vida, ela trazia-me uma segurança que eu só sentia com meu pai e Peeta. Depois que eles foram embora, achei que nunca mais fosse sentir-me protegida novamente, mas ali estava à morena de mechas avermelhadas para provar o quão errada eu estava.

— Vamos embora daqui, Katniss. De verdade. — murmura, erguendo a cabeça para poder me olhar.

— Ir... embora? — arregalo levemente os olhos e paro a sua frente.

— É. Você mesma disse que queria dar o fora da cidade e nunca mais olhar para trás. — ela toma minhas mãos nas suas, nos fazendo ficar mais próximas — Então eu digo: vamos embora.

— E-Eu sei... Pensei nisso o dia todo. Mas isso foi...

— Não diga que foi somente uma ideia maluca. — interrompe-me — Você estava falando sério, sei disso. Você quer dar o fora daqui tanto quanto eu.

— É, mas... não hoje. Talvez um dia. — minha voz sai baixa e um pouco falha.

— E porque não agora? A gente já não concordou lá no palco? — seus olhos encaram os meu com tanta intensidade que é como se minha alma estivesse sendo sugada por suas íris cor de avelã.

— Johanna, não dá para simplesmente...

— E por que não? — interrompe-me novamente, soltando minhas mãos de maneira um tanto rude enquanto sua expressão se torna séria.

— Porque eu tenho a Prim! Não posso simplesmente largar a minha patinha aqui junto com o merda do Haymitch e a minha mãe! E além do mais, onde a gente conseguiria chegar sem um carro? — cruzo os braços e elevo uma de minhas sobrancelhas à espera de sua resposta.

— Você e eu sabemos muito bem que a Prim adora o Haymitch, e que ele a trata como uma verdadeira filha. Poderíamos deixá-la aqui até que nos estabelecêssemos em uma nova cidade, depois poderíamos voltar para buscá-la. — ela também cruza os braços e acabo xingando-a mentalmente por ser tão persuasiva — E quanto ao nosso meio de transporte, achei que você fosse concertar aquela caminhonete no ferro-velho.

— Eu só estava vendo se conseguia. — desvio meus olhos dos seus por alguns segundos.

— E conseguiu? — questiona interessada.

— Talvez... — tento conter um sorriso, mas acabo falhando quando ela estreita os olhos em minha direção — Tudo bem, eu consegui sim.

— Ótimo! Isso quer dizer que o nosso transporte já está garantido. — ela sorri charmosamente e acabo soltando um suspiro frustrado, dando-me por vencida.

Discutir com Johanna Mason sempre seria uma perda de tempo, pois, no final das contas, ela sempre conseguia o que queria e por mais irritante que aquilo fosse, eu a admirava por ser tão boa com as palavras.

— Okay, Drama Queen... — enfatizo bem as palavras e ela revira os olhos — Para onde a gente vai?

— Me diga você. — ela dá alguns passos para trás enquanto abre os braços — Qual o cenário ideal para as novas aventuras de Katniss Everdeen e Johanna Mason?

— Hmm... — pondero por alguns instantes — Estou a fim de uma longa viagem de carro sem destino.

— Essa é a melhor ideia que alguém poderia ter. — ela sorri tão lindamente que acabo ficando meio desconcertada — Você e eu, dirigindo pelo litoral, enchendo a caminhonete com um monte de souvenir hilário, e a cada noite acharemos uma praia para caminhar e ver o pôr do sol. — seus olhos brilham com tamanho entusiasmo e ela começa a girar no meio da rua com os braços ainda abertos — Adoro essa hora da noite! Não te dá à sensação de que tudo é possível?

Uma gargalhada gostosa escapa por seus lábios enquanto eu apenas a observo. Seria loucura demais eu abandonar tudo e ir embora? Deixar Prim, minha mãe... Seria doloroso ter que ficar longe delas, mas eu estava tão cansada daquele lugar e de todas as magoas e resentimentos que ele havia me trazido. Talvez respirar novos ares fosse exatamente o que eu precisava para curar por completo todas as feridas da minha alma. Mas e se Johanna só estivesse falando aquilo da boca para fora? Criar expectativas em cima de uma coisa e ela não se concretizar era uma das dores mais amargas, e eu definitivamente não estava disposta a passar por aquilo.

— Johanna, para. — peço em um suspiro e ela prontamente o faz, lançando-me um olhar confuso e inquisidor — Eu vou acabar ficando na merda se tudo isso que você está descrevendo não acontecer. — explico, encolhendo levemente os ombros e, mais do que depressa, ela aproxima-se novamente de mim.

— Porra, Katniss! Eu nunca falei tão sério em toda a minha vida. Acredita em mim. — resalta em um tom esganiçado e quase suplicante, olhando-me diretamente nos olhos — O que eu tenho que fazer para te convencer? — questiona, comprimindo os lábios.

— Eu não... Eu não sei. — falo com sinceridade, abaixando o olhar por poucos segundos antes de voltar a encará-la — Bem... Surpreenda-me.

E ela surpreendeu, segundos depois, quando os cantos de seus lábios se erguem em um sorriso malicioso e suas mãos, de modo súbito e inesperado, logo se ocuparam em puxar-me pela cintura, fazendo o meu corpo se chorar abruptamente contra o seu. Meus olhos prontamente se arregalaram em tamanho espanto, e antes mesmo que eu tivesse a chance de questionar o que diabos ela estava fazendo, seus lábios abraçaram aos meus.

Minha mente então entrou em colapso, mandando para longe toda e qualquer veia de sanidade que pudesse em meu cérebro existir, focando-se somente no movimento de nossos lábios que se encaixavam em beijo intenso, delicado e flamejante. A aquela altura eu já me encontrava completamente a mercê de seu toque, mas foi no exato momento em que sua língua se entrelaçou a minha que todas às estrelas caíram do céu diretamente para o meu estômago e explodiram dentro de mim, chocando-se umas contra as outras, criando um universo inteiramente novo dentro do meu corpo. As minhas mãos tremiam, mas não o suficiente para que eu não notasse sua pele quente. O meu ar já se tornava escasso, mas não o suficiente para que eu não percebesse que a respiração dela estava em total descompasso. A maciez de seus lábios consumia os meus com desejo e seu gosto era incrivelmente doce, como um veneno embriagante e viciante. Não me lembrava de já ter sentindo lábios tão delicados tocando os meus. Não me lembrava de já ter sentido tantas sensações com um só beijo, mas ali estava eu, sendo beijada pela minha melhor amiga.

“Sendo beijada pela minha melhor amiga”.

O pensamente correu por minha mente, se repetindo incontáveis vezes, trazendo consigo um lapso de consciência que fora responsável por trazer-me de volta a realidade. O que diabos eu estava fazendo? O que diabos nós estávamos fazendo? Com os meus pulmões implorando desesperadamente por ar enquanto o meu coração batia a mil por hora, empurrei Johanna delicadamente pelos ombros, fazendo nossos lábios se descolarem, mas não antes de ela mordiscar e sugar o meu lábio inferior.

— E então, foi convincente o bastante? — questiona, sorrindo charmosamente para mim enquanto limpa os resquícios borrados de batom.

Senti instantaneamente o sangue subir para as minhas bochechas, não somente pelo que acabara de acontecer, mas também pela forma intensa e desejosa que seus olhos encaravam os meus.

— E-Eu... Você... — as palavras se embaralham em minha mente pelo simples fato de eu não saber o que pensar, o que deveria sentir, e muito menos como deveria agir. Céus! Eu estava fodida! — O que... O que foi isso? — arrisco finalmente perguntar.

— Foi um beijo. Um beijo muito quente por sinal. — sorri de forma maliciosa, fazendo-me xingá-la mentalmente por me deixar ainda mais envergonhada.

— Johanna, para! Você está me deixando sem graça! — reclamo, cruzando os braços enquanto bufo levemente irritada, e isso acaba arrancando uma gargalhada debochada da morena a minha frente.

— Você é tão fofa, Kat. — ela sorri com a língua presa por entre os dentes, levando as mãos até minhas bochechas para acariciá-las — Podemos repetir a dose depois, o que acha? — indaga, lançando-me uma piscadela provocante.

— Johanna! — ralho indignada e ela gargalha novamente, contagiando-me segundos depois.

Estar com Johanna Mason era exatamente isso, em um momento tudo o que você mais queria e desejava era poder socá-la por te deixar tão constrangida, já em outros, tudo o que você mais almejava era poder abraçá-la para se certificar de que tudo ficaria bem.

— E se eu dissesse para a gente ir embora hoje? — pergunta de repente, quebrando o silêncio que pairava sobre nossas cabeças desde o momento em que nossas risadas haviam sido cessadas.

— Sério? — indago meio duvidosa.

— Muito sério. E então, o que me diz? — me encara com expectativa — Podemos pegar umas roupas e outras coisas lá em casa. — sugere.

— Para você, ou para mim?

— Bom, tenho que admitir que as minhas roupas ficam bem para cacete em você, então... — ela eleva uma de suas sobrancelhas, aguardando ansiosamente pela minha resposta.

O que fazer quando de um lado a razão grita com todas as suas forças para você ficar, enquanto do outro o seu coração implora para você partir? Escolhas, sempre tão difíceis e sempre gerando tantas consequências. Mas naquele momento, por mais machucado que o meu coração ainda estivesse, decidi segui-lo.

— Tudo bem. Vamos lá. — respondo por fim, com um pequeno sorriso — E depois a gente dá o fora de Arcadia Bay. — Johanna solta um gritinho animado antes de jogar seus braços sobre os meus ombros, abraçando-me de modo apertado.

— Cuidado, mundo, Johanna Mason e Katniss Everdeen estão indo dominar você! — grita a plenos pulmões, arrancando-me uma boa gargalhada antes de seguirmos de mãos dadas pela rua. Estávamos felizes por finalmente podermos fugir daquele inferno que Arcadia Bay havia se tornado, mas infelizmente aquilo não aconteceu.

Bastou colocarmos os nossos pés na propriedade dos Mason para que todo o bom humor de Johanna simplesmente desaparecesse. O porquê disso? Simples, os seus pais estavam em casa e além de elogiarem a nossa performance no palco, ainda fizeram questão da nossa presença para o jantar. Era nítido o quão incomodada e irritada Johanna estava com toda aquela situação, principalmente pelo fato de seus pais estarem falando sem parar sobre o incêndio florestal e a teoria de ele ter sido causado propositalmente. Mas as coisas só se tornaram complicadas para valer quando James começou a resaltar a importância e responsabilidade da família. Aquilo acendeu a faísca para que a ira de Johanna explodisse e ela então gritasse a plenos pulmões o quão hipócrita, mentiroso e traidor seu pai era. 

— Por que você não me fala a porra da verdade?! — esbraveja, sua voz saindo falha por conta do choro — Para de mentir! Para de ser a merda de um político por um minuto! Não dá para ser só o meu pai?!

As lágrimas escorriam sem pudor algum pelas bochechas da morena enquanto eu a abraçava pelos ombros, tentando de algum modo passar-lhe conforto como tantas fezes ela havia feito comigo.

— Johanna, aquela mulher que você viu não era uma amante... — James começa, depois de segundos de um silêncio quase agonizante, aproximando-se minimamente de Johanna para então soltar as palavras que fizeram a morena desabar por completo em meus braços — Ela é a sua mãe.

E ali ficamos pelos próximos longos e dolorosos minutos, ouvindo James contar tudo – ou quase tudo – sobre a sua antiga vida com Sara, mãe biológica de Johanna. Eles haviam se conhecido ainda no colegial e meses após o início do namoro, Sara se viu grávida de Johanna. Aparentemente, a mulher havia ficado tão desesperada com o fato de ser mãe no auge de seus 18 anos que começou a se drogar com heroína, ficando completamente chapada para fugir das responsabilidades. James explicou que a situação chegou ao ponto de Sara começar a levar bandidos e traficantes para dentro de casa, foi quando ele tomou a decisão de fugir com Johanna ainda pequena, para mantê-la segura e longe de sua mãe irresponsável. Ele mencionou também que o beijo que havíamos presenciado entre eles no Parque era, na verdade, um beijo de despedida. Segundo ele, a mulher dissera que havia organizado a sua vida e que queria ver Johanna, tentar de algum modo recuperar o tempo perdido, mas ele não permitiu, não depois de todo o mal que ela havia causado e de todas as vidas que ela havia destruído. Sara havia recebido o maior presente do mundo, a chance de ser mãe, e havia simplesmente jogado fora.

— Então essa foi a primeira vez que vocês se viram ou se falaram em 15 anos? — Johanna questiona, tentando a todo custo conter as lágrimas após descobrir a verdade sobre a sua história.

— Não... — murmura, parecendo um tanto exasperado — Eu mando dinheiro para ela todo mês. É o nosso... acordo. — completa, suspirando pesadamente.

— Mas agora... ela quer me ver? — os olhos cor de avelã da morena estavam tristes, mas ao encararem os de James, havia um certo ar de expectativa.

— Sim, mas... isso não pode acontecer, filha. — nega enquanto passa as mãos nervosamente pelos cabelos.

— E você acha que tem o direito de decidir isso por ela? — questiono ao ver que Johanna não conseguiria se pronunciar diante a negação de James.

— Quando deixei a Sara e levei a Johanna embora, acredito ter salvado a vida da minha filha. — responde, tentando conter o tom de irritação diante a minha intromissão — E vou continuar protegendo-a, custe o que custar.

— Mas ela pode estar diferente agora. As pessoas mudam, não? — o tom de voz da morena sai um tanto esganiçado, desesperado, até.

— Talvez. Mas pense que durante quinze anos, ela preferiu o dinheiro ao invés de você. — apesar de terem sido pronunciadas calmamente, aquelas palavras saíram tão afiadas quanto a lamina de uma faca, acertando em cheio o coração da minha melhor amiga.

— Johanna... — murmuro em um tom de lamento ao ver toda a sua dor transbordar através das lágrimas. Ela estava quebrada, inteiramente destruída.

— E-Eu... Eu acho que... Acho que preciso me deitar... — avisa, sua voz não passando de um sussurro entrecortado antes de ela se levantar e seguir para o seu quarto.

Eu sabia exatamente como Johanna estava se sentindo naquele momento, afinal, eu mesma já havia passado por aquilo. Toda aquela dor, mágoa, angústia, raiva, impotência... Eram sentimentos destrutivos e corrosivos que te levavam para o fundo do poço tão rapidamente quanto um piscar de olhos. Então vinha a depressão, a autodestruição, e em hipótese alguma eu deixaria Johanna enfrentar tudo aquilo sozinha. Ela havia estado ali por mim incontáveis vezes, principalmente nos dias em que tudo o que eu menos queria era sair da minha zona de conforto. E quando o medo se tornava maior do que as minhas vontades, o seu jeito descomplicado de encarar a vida me trazia conforto, muito mais do que a familiaridade do amargor do cigarro e da acidez que a bebida alcoólica poderia me oferecer. Ao seu lado, os piores sentimentos que residiam em meu âmago se dissolviam na doçura dos seus olhos cor de avelã. Ela havia feito muito por mim, e agora seria a minha vez de fazer tudo por ela.

Assim que adentrei o quarto da morena, dei de cara com a mesma deitada em sua cama, chorando, completamente devastada enquanto encarava a parede do outro lado do cômodo pouco iluminado. O quarto de Johanna possuía um estilo bem diferente e inteiramente único, possuindo uma forte influência da arte, do drama e da astrologia. Algo que era notavelmente refletido em sua personalidade tão forte e marcante. Após dar alguns passos meio inseguros em sua direção, acabei pegando a luminária estelar que ela tanto adorava e a coloquei no centro do quarto, que logo fora preenchido pelos pequenos feixes de luz, simulando um céu estrelado.

— Hey... — toco levemente seu ombro após sentar-me ao seu lado na cama — Olhe isso. — Johanna ergue o corpo lentamente, enxugando suas lágrimas para só então passar a encarar o pequeno universo que havia se tornado seu quarto.

— É... lindo. — comenta em um sussurro quase inaudível.

— Achei que iria gostar. — sorrio minimamente, levando uma de minhas mãos até suas costas para acariciá-la levemente.

— Eu sempre adorei as estrelas... — começa, sua voz saindo mais rouca do que o habitual devido ao choro de segundos atrás — Elas estão sempre ali para nos lembrar de toda beleza que existe lá fora e que quase nunca vemos.

— Talvez não vejamos por só enxergarmos aquilo que está a nossa frente. — solto um tanto pensativa e vejo um sorriso triste surgir em seus lábios.

— Exatamente. — ela abraça as próprias pernas e suspira pesadamente logo em seguida — Mas aí eu descobri a verdade. As estrelas que vemos já morreram a milhões de anos. São todas... de mentira. — sua voz se torna embargada, porém nenhuma lágrima lhe escapa.

— Mas isso não faz com que elas fiquem menos bonitas, não é? — encaro seus olhos, vendo o quão vermelhos, opacos e sem vida eles estavam.

— Eu não sei... Se elas não são de verdade, do que adianta? — ela abaixa a cabeça e morde o lábio inferior com certa força, esforçando-se para não chorar — É tudo uma maldita mentita. Tudo! A minha vida, meu pai, minha mãe, se é que ainda posso chamá-la assim. E aquela outra lá. A minha mãe de verdade. É a maior mentira de todas... Não posso confiar em nenhum deles. — a morena joga o copo para trás, deitando-se novamente e acabo fazendo o mesmo, ficando de frente para ela — Acho que você é a única pessoa no mundo em quem eu posso confiar. — sussurra com sinceridade e acabo abrindo um pequeno sorriso, levando uma de minhas mãos até os seus cabelos para retirar algumas mechas da frente de seus olhos.

— Fico muito honrada com isso, mesmo que tenha sido por um processo de eliminação. — brinco, conseguindo arrancar-lhe uma pequena risada.

— Ótimo. — ela move o corpo, aproximando-se um pouco mais e prontamente envolvo seus ombros com meus braços, acomodando-a em meu peito — Eu usei essa pulseira a minha vida toda... — ergue levemente o pulso para que eu possa ver o objeto — Nunca perguntei o porquê, nunca sequer tinha pensado sobre isso. De alguma forma, acho que eu sempre soube, mesmo sem saber, que minha mãe me deixou. — as lágrimas voltam a fazer caminho por suas bochechas e sem saber ao certo o que dizer, opto apenas por intensificar o aperto de meus braços em torno de seu corpo, tentando confortá-la da melhor maneira — O fato é que ela está aqui agora. Ela veio até aqui. Por mim. E acho que eu preciso encontrá-la. — murmura minutos depois — Seria errado se eu fizesse isso? — questiona, afastando minimamente o rosto de meu pescoço para poder me encarar.

— Claro que não. Mas... pode ser difícil encontrá-la. — sou sincera.

— Eu sei, mas ainda bem que eu tenho a minha arma secreta. — seus olhos encaram os meus com intensidade e sorrio, inclinando-me minimamente para depositar um leve beijo na ponta de seu nariz — E se eu não conseguir achá-la? O que eu vou fazer? Não posso perguntar ao meu pai, até porque ele nunca me falaria... Droga!Nem sei por onde começar. — faz uma pequena careta, expondo todos os seus receios.

— Acho que eu sei o que fazer. — cometo um pouco pensativa e a morena ergue uma de suas sobrancelhas, instigando-me a prosseguir — O que você acha de eu ligar para o Marvel e pedir a ele para passar o contato dela? — inquiro ao recordar-me do acontecimento de ontem à tarde, onde avistei Sara saindo do trailer do Marvel.

— Você faria isso? — indaga com certa expectativa.

— Posso tentar. — sorrio mais abertamente.

— Mas... mesmo sabendo onde ela está, iremos precisar chegar até lá de algum jeito. Não posso pedir carona para os meus pais. — solta um suspiro frustrado e um tanto triste.

— Relaxa. Eu cuido dessa parte também. — tranquilizo-a.

— Sério?

— Sim. Na verdade, qualquer coisa que você precisar, é só deixar comigo. — ela sorri. Um sorriso verdadeiro e até mesmo feliz.

— Mas, ainda assim... como eu vou falar com ela? O que eu vou dizer?

— Quando meu pai morreu, eu tinha medo de não saber mais falar com ele. — começo, engolindo o nó repentino que havia se formado em minha garganta — Mas, de alguma forma, quando a gente se fala, eu sempre sei o que dizer.

— Vocês se falam? — pergunta, franzindo o cenho em confusão.

— Nos meus sonhos. Ele está presente e é muito real. É como se fosse outra parte da minha vida. — explico, e acabo fechando os olhos por poucos segundos quando minha mente é bombardeada pelas lembranças da minha utopia — Costumava ser a única parte que importava. — murmuro.

— Isso é... incrível, Katniss. — seu sorriso se torna ainda mais genuíno e ela passa a cariciar minha bochecha. Estávamos tão próximas que eu podia sentir sua respiração abraçar a minha.

 — É sim, menos na parte em que ele aparece somente para me dar bronca. — ela ri e eu a acompanho, sentindo suas caricias descerem para o meu maxilar — Eu nunca falei com ninguém sobre isso. Estranho, não?

— Não é estranho. É especial. E me sinto honrada por você confiar em mim o bastante para me falar sobre isso. — a nossa troca de olhares se torna tão intensa que vejo minha alma ser refletida através de suas orbes fascinantes.

— Você é a minha heroína imperfeita, lembra? Eu confio minha vida a você. — declaro um pouco sem graça e ela sorri com ternura, porém noto o seu olhar se tornar distante de repente — Johanna...? Johanna! — estalo os dedos em frente ao seu rosto e ela pisca algumas vezes, parecendo um tanto perdida.

— Desculpe. É que eu estava pensando e... cheguei à conclusão de que era besteira minha. — franzo levemente o cenho, confusa por não saber ao certo sobre o que ela estava falando.

— Perdão, mas eu não compreendi. O que exatamente era besteira sua?

— O fato de as estrelas que vemos já estarem mortas. — esclarece — E daí que elas já morreram? Se ainda podemos vê-las, quer dizer que elas são reais para a gente, certo?

Esperança. Era isso que eu podia ver ser refletido através de suas orbes cor de avelã. Esperança de encontrar sua mãe, de esclarecer as coisas entre elas e quem sabe até recuperar o tempo perdido. Esperança de começar uma nova história, sem mentiras, sem magoas. Esperança de um futuro onde pudéssemos viver sem a sombra dolorosa de nosso passado... E naquele momento eu não me importei com o fato de não irmos mais embora de Arcadia Bay. O que realmente importava era o fato de eu estar ali, com ela. A minha heroína. O meu anjo.

— Certo. — sorrimos uma para a outra e ela volta a se aconchegar em meus braços, fazendo-me sentir ambos os nossos corações baterem no mesmo ritmo descompassado.

Não sabíamos o que seria do amanhã, mas ele pouco importava. Desde que estivéssemos uma ao lado da outra, o mundo seria apenas um prólogo.

Johanna Mason... Tal nome fora marcado em minha vida como uma agulha pode eternizar um desenho em sua pele. Ainda recordava-me de quando ela me dissera para manter a coragem até mesmo nos dias em que não poderia ter a sua companhia; infelizmente, consegui entender o real significado daquelas palavras quando ela se tornou mais um fragmento cósmico. Vê-la totalmente sem vida, apodrecendo em nosso ferro-velho, não fora somente doloroso. Fora a dor mais excruciante, a tortura mais angustiante ao qual eu poderia ser submetida. Foi como reviver o momento em que recebi a notícia do falecimento do meu pai. Suas mortes, contudo, em nada se relacionavam além disso. O adeus que eu não pude dar macera meu coração, como uma dívida eterna que não se pode quitar. A vida me privou de ver uma última vez o seu sorriso provocante e terno, o seu cabelo brilhoso que era sempre tão esvoaçante, os seus olhos cor de avelã sempre tão cheios de sarcasmo e doçura… Isso me destrói de uma forma tão cruel, tão injusta. Você partiu cedo demais, sem ao menos ter tido a chance de se tornar uma estrela, como estava destinada a ser, e a dor da saudade de quem não se pode ter de volta é a pior. Tudo é vazio e silencioso sem você. Você faz tanta falta, Joh…

Agora, eu olho para o passado e penso que queria ter passado mais tempo ao seu lado, sei que, por mais curta que tenha sido; a intensidade da nossa história fez dela forte e indestrutível, mas queria mais páginas para o nosso pequeno livro de capa dura. Li por aí que o verdadeiro lar das pessoas que amamos sempre será nosso coração e, de alguma forma inexplicável, eu sinto que você sempre estará comigo e nenhum infortúnio será mais forte que o seu legado. Não sou capaz de dizer a quanto tempo estou aqui, chorando desesperada nos braços de Peeta, que tenta inutilmente me confortar e amenizar o meu sofrimento. Não sei como encontrarei forças para me levantar e ir fazer o que tenho que fazer, mas eu o farei. Se eu fui corajosa o bastante para subir naquele palco aquela noite, então posso ser corajosa por você. E eu vou ser. E farei Gale Hawthorne pagar por ter tirado você de mim.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam desse bônus na visão da Katniss? Não foi nada fácil escrever esse capítulo devido a carga emocional que ele carrega. Ambas eram teimosas, inseguras, quebradas, e encontraram nos braços uma da outra o conforto e a força necessária para manterem-se de pé. Infelizmente os acasos levaram Johanna a esse final doloroso e Katniss novamente se viu perdendo uma pessoa amada... :'(

Bom, por hoje foi isso. Voltarei em breve, e já vou logo avisando que que a tensão só aumentará daqui para frente. Preparem os corações kkkkk

Beijos, até o próximo.



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