Anais de Tëmallön; Os Livros Sagrados escrita por P B Souza


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Demorei uns dias, estava viajando e só cheguei agora!!! DESCULPASSSSS!
Mas já vamos retificar essa demora né?
Agora na velocidade de uma locomotiva a vapor, capítulo novos sempre!!!
Espero que gostem, boa leitura :)



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Alek avançou contra o guarda, sua mão aberta, sentia os dedos quentes quando encostou contra o ombro do guarda do pilar. Como o remédio em excesso pode ferir, tal pode a magia.

Antes que o guarda virasse completamente para si, Alek acertou-o abaixo das costelas perto da bacia e o homem ruiu como um boneco de pano, inconsciente como se estivesse morto, caiu sem resistência alguma.

No mesmo instante ele se ajoelhou na frente da mulher e colocou sua mão em cima da ferida nas costelas, o sangue já criava grande mancha no chão, fechou os olhos e lembrou-se do que lera a vida toda, do que aprendera, lembrou-se de seu pai. Eu entendo, infelizmente entendo pai. Sentiu o próprio sangue escorrendo pela sua orelha enquanto começava a arfar e a fadiga chegava forte em sua alma.

Então uma mão apertou seu pulso. Abriu os olhos e olhou para a mulher, que segurava seu braço, os dedos dela vermelhos do próprio sangue.

— Eu... não, lá. — Ela disse pausadamente, olhando para Alek com gratidão misturada ao medo, Alek podia ver medo nos olhos dela, a mulher não conseguia encará-lo, desviava o olhar para as esquinas, então para ele e para si mesma, para suas costelas. — Você...

Mais uma que não sabe sobre nada do mundo. Então Alek olhou para trás, para a porta escancarada de onde ela havia vindo, e havia uma escada. Na escada um homem tão idoso quanto o que caíra com o susto no começo de tudo, jazia morto nos degraus, seu peito ensanguentado e um rastro vermelho escorrendo pelos degraus como um tapete de desgraças.

Se levantou e foi até a porta que tinha o trinco arrombado, olhou para o corpo, sabia que era tarde demais, não conseguiria fazer nada por ele. Sequer estava sentindo as próprias pernas agora Demais, usei demais. Pensou se aproximando, abaixou-se e olhou o idoso com mais cuidado, imagina o terror daquela cena, a criança aos prantos, o avô sendo esfaqueado, caindo escada abaixo, então a mãe sendo jogada. E o motivo... Não precisava de nada disso.

Foi quando ouviu as conversas lá fora. E então o grito.

— PARADO!

Não obedeceu.

Os guardas do Pilar eram uma força de defesa e ordem, incumbidos pelo Rei dos Reis a vigiar, sentenciar e aplicar a sentença àqueles que infringissem as leis, eram imparáveis e incontáveis, patrulhando as ruas do Pilar e do Anel dia e noite. Escapar da justiça do Rei dos Reis era um devaneio, mesmo assim, Alek correu.

Sua pressa o custou logo no começo, pois já se encontrava fragilizado pelo uso da magia que aprendera há anos no dorrem que seu pai lhe dera, e então escorregou no sangue nos degraus, segurou-se ao corrimão para não cair, tornou a se erguer, lançou um olhar para trás e os dois guardas começavam a persegui-lo da soleira.

No andar de cima a casa era simples, apenas dois cômodos e um banheiro com janelas para o beco no fundo da construção. Alek pulou por uma dessas janelas para a saída de emergência, o metal da estrutura grunhiu e ele subiu depressa, pois não havia escadas para descer e ele não acreditava que fosse conseguir pular do segundo andar ao chão.

Mais dois andares até o topo da construção, os encanamentos pareciam ferver ali, via vapor saindo por chaminés e o horizonte da cidade estava coberto por densas nuvens negras. Para onde olhava via as luzes de Tëmallön iluminando as ruas, via as torres cuspindo torrentes negras e cinzas de fumaça, funcionando incansáveis, via uma cidade inquieta, que sangrava toda noite pelas mãos de todos. Era como se cada ser vivo ali estivesse disposto a matar para conseguir o que desejava, a matar em nome do que acreditava, e ninguém quisesse resistir o bastante para viver, ali em cima olhando a cidade Alek se perguntava se realmente valia a pena viver.

Naqueles segundos de solidão no topo da construção, ouviu gritos vindos de becos mais distantes, ouviu gatos miando no telhado ao lado, ouviu passos subindo depressa a estrutura de metal que ele havia acabado de subir. Estou acabado, não tem para onde ir. Pensou arfando, então olhou seu pulso, o sangue dos dedos da mulher já seco em sua pele, assim como seu próprio sangue que escorria pela orelha até o começo do pescoço já secava também. Até quando vamos sangrar?

— De joelhos! — Berrou o guarda em seu uniforme. Alek se virou para olhar o homem, viu mais que apenas isto.

O Guarda do Pilar vestia um pesado colete com chapas de aço nas costelas, proteção contra projeteis, por baixo havia tecido e o acabamento da gola e mangas era em veludo negro com desenhos em fio de prata. O Pilar estava desenhado nas ombreiras, que possuíam pequenos compartimentos metálicos, as armas eram a adaga e uma espada curta, mas nas costas, presa a um coldre especial, estava a besta de pressão e a aljava com seus dardos. Havia poucos guardas que usavam arcabuz, e no geral eles não vinham ao Anel.

Enquanto isto, Alek vestia sua calça de couro comum, já puída e com manchas, a camiseta era igualmente velha, e o colete que usava por cima aparentava ser mais novo, mas na verdade era de seu pai, apenas começara a servir nele ultimamente, pois começara a ganhar corpo com todo o exercício de derrubar árvores.

— Não o matei. — Disparou em própria defesa encarando a cidade pelo seu outro lado. Tëmallön era a maior e mais populosa cidade, a única cidade daquele lugar inteiro, para onde se olhava do Anel aos limites, se viam prédios, fábricas, casas... mas se olhassem do Anel para o Pilar, como Alek olhava agora, via-se a elevação de terra e pedra fortificada com colunas de metal fundido, elevadores e cordas, elevando a parte da cidade aonde morava o Rei dos Reis. Era como um planalto no coração de Tëmallön, e a verdadeira beleza daquele mundo estava lá em cima, as luzes eram azuladas e convidativas, as histórias diziam que havia música e felicidade, esbanjavam comida, esbanjavam bebidas, esbanjavam a vida, a mesma que abaixo do Pilar ninguém tinha.

— Calado. — O guarda disse puxando sua espada da bainha e Alek olhou a lâmina sentindo seu coração palpitar. Não pode ser assim. Olhou para o Pilar, para as luzes. Nunca havia subido ali.

— Não matei o guarda, apenas o derrubei. A mulher iria morrer...

— Zeno. — Chamou um segundo guarda, surgindo pela escada de acesso. — Ele esta vivo, a mulher também.

Alek então olhou para o guarda que se chamava Zeno, este baixou a espada, mas sua expressão não se tornou mais agradável.

— E o que faremos com este então?

— Ele assaltou um Guarda. — Disse o outro indo até Alek, o colocou de pé e revistou-o, enfiando as mãos dentro de suas botas, calças, bolsos, tirou tudo que encontrou, inclusive as cédulas do pagamento pela quinzena de trabalho.

— Por favor, é para minha família. Tenho uma irmã que precisa do dinheiro, ela é especial...

— Você não precisa mais se preocupar com isso. — Zeno disse para ele, guardando a espada, não parecia estar feliz ou triste, apenas disse como se não significasse nada. Alek sentia-se oprimido, constrangido e debilitado, queria reagir, mas temia por sua própria segurança e integridade, tal como temia deixar sua família desamparada, além do que, sentia-se fraco ainda para tornar a agir, e agora eram dois guardas novamente, mais o que estava inconsciente lá em baixo, que já deveria estar acordando. — Você nunca mais vai ver sua irmãzinha. Faz bem em esquecer-se dela! — Disse por fim pegando as cédulas e guardando-as no próprio bolso de sua calça.

Alek se propeliu para frente ao ver o guarda lhe roubar, uma ação quase involuntária, não aceitaria perder o dinheiro, sabia que sua família precisava daquilo, Tessara precisava. Mas assim que seu corpo se moveu para frente, a mão fechada de Zeno lhe acertou o nariz e Alek recuou, sentindo o gosto de sangue na garganta, titubeou e levou a mão ao próprio rosto. Sua mão estava suja com sangue da mulher, quando tentou curá-la.

— Não podem... — Entre todos os pensamentos que lhe perturbavam naquele instante, o que mais lhe causava pesar era pensar em sua família esperando-o. Trabalhava toda uma quinzena longe de casa, nos acampamentos a noroeste de Tëmallön, retornava para passar um, no máximo dois dias em casa, trazia consigo dinheiro sempre. Sem aquelas cédulas assinadas sua família pareceria, tal como ele. E se eu não voltar para o acampamento... Ninguém irá atrás de mim, vão entregar meu machado para alguém, e será como se nada tivesse mudado. Sentia-se irrelevante, era como se sua vida não significasse nada se não para sua família, e havia falhado com as únicas pessoas que se importavam com ele. Então o que resta?

— Descendo! — O outro guarda empurrou Alek, que começou a caminhar escada abaixo, aceitando sua incapacidade frente à situação.

Ele não tentou voltar a falar, seria inútil. Sabia que não adiantaria e pior, sabia que ninguém interferiria. Havia apenas um grupo no Anel que ousaria fazer frente a Guarda do Pilar, e para seu azar o resgate pelos Carzanistas significaria sua morte tanto quanto continuar nas mãos dos guardas.

Retornaram pela casa invadida, e desceram a escada com o corpo do idoso executado ainda jogado nos degraus, e quando chegaram no térreo, Alek fechou os olhos sentindo-se enojado.

— Vocês são monstros. — Disse para Zeno e os outros dois guardas.

A mulher pela qual arriscara e perdera tudo estava no chão, sua garganta aberta e uma poça duas vezes maior de sangue.

Na rua uma carruagem automatizada passava e de dentro dela uma mulher lançava um olhar de nojo pelas lentes que usava na frente dos olhos. Ao redor o povo agora em maior quantidade observava sem sinais de interferência. Eram quase vinte os espectadores da tragédia. Mais que o suficiente para sobrepujar o poder de três guardas pérfidos ao dever de proteger.

E fora como previsto.

Abaixou sua cabeça, deixou-se guiar para o Pilar, imaginava que fosse para lá que o levassem. Havia falhado e condenado não uma, mas quatro mulheres a desgraça. Alek pensou ter entendido o que seu pai ensinara; que a magia era usada para atacar a maldade, para encerrá-la, mas ali estava, esgotado e derrotado, e seus esforços anulados. Sua ação em nada mudara o desfecho daquela família, apenas condenara sua própria.

Lembrou-se de seu pai, e do que ele havia lhe dito “Homens ruins às vezes precisam ser parados, ou muitos mais morrem pela sua maldade”. E então olhou para o guarda que havia atacado, mas não matado. Eu lhe poupei, e você a matou mesmo assim.

Alek então ergueu sua cabeça, encarou o pilar.

Era como uma parede vista de perto, erguendo-se há trezentos metros do chão até o começo da muralha que circundava seu topo e a luz saindo pelo cume na promessa de um lugar aprazível. Ali de baixo qualquer um andava de distrito em distrito, mas lá de cima, só se entrava e saia passando pela muralha, pelos guardas, pelos elevadores.

Alek então foi colocado no elevador junto do menino cuja mãe sangrara até a morte, junto de Zeno e um guarda. A porta de ferro rangiu quando fechada e as engrenagens pareceram travadas, mas depois de alguns instantes, estralaram e o elevador começou a se mover lentamente e eles começaram a subir.

— Meu pai um dia me disse que homens ruins devem morrer, para que não matem mais inocentes. — Alek contou para Zeno, então olhou pra o menino, colocou a mão no ombro dele, a criança tremia, catatônica, sem dizer nada, olhar fixo no chão, pernas cruzadas. Alek olhou para Zeno e continuou — Eu tinha essa idade, e não entendi. Eu sou de Alnia-sar, criado para proteger a vida, mas falhei, falhei porque não compreendi o que meu pai me disse. Porque quis proteger a vida quando deveria tê-la tirado, tal como seu amigo fez, talvez se eu tivesse matado ele, ele não teria matado ninguém hoje.

— Perdeu sua chance. — Zeno retorquiu sem esboçar interesse no que Alek dizia.

Alek via-o de costas para ele, podia pegar a besta e alvejá-lo, podia enforca-lo, podia puxar a adaga e estoca-lo, mas embora sentisse o ódio, conhecia o amor e a clemência, e por mais que dissesse as palavras, no fim não queria fazê-lo, não podia.

Tornou a abaixar a cabeça, fora tudo em vão.

Não mataria. Não era capaz, e no fundo sabia o que isto lhe custava, mas não se arrependia também.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam do capítulo?
Sobre as viagens "no tempo", não serão recorrentes, vai ter vez ou outra, mas não é intercalado com muita frequência! E como deu pra notar, vou usar como "trigger" para certas situações, para mostrar porque o personagem agiu de X maneira.
Sobre a magia, vai ser MUITO bem explicada mais pra frente, afinal, nada é por acaso! Esperem mais e mais surpresas na grande, primeira e única megalópole!!
Obrigado por lerem e até o próximo capítulo pessoal :)



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