Anais de Tëmallön; Os Livros Sagrados escrita por P B Souza


Capítulo 17
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Se os capítulos tivessem nome, o deste seria "nenhum homem é uma ilha".
Para esse capítulo, inclusive, há duas coisas que usei muito para me inspirar, e ambas remetem diretamente ao nome que escolheria para o capítulo.
A primeira é uma música de mesmo nome, da banda The Script.
E a segunda é uma das coisas mais lindas que já li, um poema, mas eu não faria jus traduzindo ele e desconheço um livro traduzido para indicar, então no final coloco o poema para os interessados!
Nada mais, apenas espero que gostem desse capítulo!



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Foi só depois naquela noite que Alek conseguiu repensar em tudo que havia discutido com Gÿrvanza. No começo foi relutante, depois foi orgulhoso porque já sabia que estava errado, no fundo começava a concordar com Gÿrvanza, entendia seu ponto de vista agora. Ele faria qualquer coisa por sua família, por mais que no fim do dia não tivesse paciência para olhar Tessara sem se estressar e gritar com a irmã, sabia que a amava, e estava disposto a tudo para protege-la.

Nas noites seguintes, porém, sua consciência o levou a outras questões. Tentava descobrir qual era o sacrifício final. Sempre foi levado a crer que a sua própria vida era o maior e mais precioso bem que tinha, que todos tem. Mas agora entendia; era o contrário. Quando pensava em seu pai, em Gÿrvanza, no Sábio Onires, e tantos outros, via homens e mulheres dispostos a se sacrificarem pelas suas crenças, e isto lhe enchia de orgulho, que morte poderia ser melhor? Mas então pensava nas outras vidas. Naquelas que não lhe pertenciam, e se lembrava de Onires, apenas de Onires.

O sábio não tirara a própria vida, mas sim rendeu-se aos Carza após ter condenado os Capas Negras revelando aonde estes se escondiam. Onires era um verdadeiro seguidor de Hasgyz. Alek entendia agora, o peso de tirar uma vida fez com que Onires não visse mais sentido em continuar vivo ele mesmo. O sacrifício definitivo não era a própria vida, mas sim decidir se a vida alheia deve ou não findar. Esse é o verdadeiro poder, a escolha de quem fica e quem vai. Alek não queria admitir para si mesmo, mas considerava que aquele que decidia qual vida deveria findar, já estava para lá da escuridão, para lá da salvação. Não é sobre decisões difíceis, não há dificuldade alguma, é errado e apenas.

Então conforme os dias passaram, Alek precisou tomar uma decisão, foi incisivo com Gÿrvanza em seus termos, compreendia agora o que o homem almejava, e não o culpava ou julgava, mas deixou claro que ele mesmo jamais faria aquilo. Temia que chegasse tal dia em que fosse forçado, e por sua incapacidade perdesse as pessoas que mais amava, mas então tentava apenas afugentar os pensamentos.

Nessas noites de pesadelos, quando acordava suando frio com a visão da mãe morta na sua frente, Alek descia até os jardins para espairecer à luz do luar. Nas duas primeiras vezes conseguiu fazer isto sozinho, mas desde então estava tendo companhia.

— É hoje, não é?

— Se tudo der certo. — Alek respondeu para Tomiam enquanto o garoto se aproximava. Olhou para cima, Tomiam olhava para Alek e sorria, então se sentou ao lado dele no chão.

— E foi o mesmo sonho?

— Sempre o mesmo. É bobagem, elas estão bem, nos sonhos não, mas eu sinto que elas estão bem.

Tomiam sorriu de canto, e desviou o olhar, então, sem jeito, colocou a mão no ombro de Alek, apertando os dedos com pouca força.

— Elas estão bem! — Afirmou com convicção, e Alek sorriu para ele.

Os dois estavam cada vez mais próximos naqueles dias, conversavam as tardes inteira, treinavam juntos e estudavam também. Alek não tinha muito o que fazer ali, então passava o dia seguindo os passos de Tomiam, que embora fosse rico e pudesse usufruir de tudo que o pai possuía, era estranhamente solitário.

— Obrigado! — Agradeceu ao amigo que encontrara no topo daquele reino que para todos só trazia dor.

Então Alek colocou a mão no chão de terra, fechou os olhos e foi subindo os dedos conforme, fios finos de grama surgiam e da grama apareceu um broto que floresceu depressa, em segundos, numa bela flor de pétalas brancas. Alek então olhou para o menino ao seu lado.

— É um remédio, o néctar pode curar quase qualquer corte, mas essa flor esta extinta. — Ele disse. — Meu pai me ensinou uma vez, foi quando minha irmã, aquela que é especial, se cortou. Ele fez algumas dessas flores, o nosso quintal não era enorme assim, então ficou todo florido, ai ele cozinhou a poção e usou no corte, no dia seguinte já tinha cicatrizado, em dez dias não tinha sequer uma marca. Essa planta foi muito explorada, por isso hoje não existe mais. É algo raro e imprescindível para guerras, um curativo sem igual! E só magos sabem fazer ela brotar, só um número bem pequeno de magos!

— Me ensina?

— Claro! — Alek se ajeitou, abrindo a palma da mão na frente da flor, forçou seus músculos, sentiu o estimulo e então ouviu algo como um estouro abafado, baixíssimo. Uma onda varreu a planta, despedaçando-a. As pétalas se rasgaram e as folhas se soltaram do talo, apenas os restos ficaram no chão. — Mas hoje não... preciso do meu livro, feitiços de criação precisam dos elementos, e não me lembro todos de cabeça, a tabela é enorme afinal.

— Você pode me ensinar som. — Tomiam se levantou. — Em troca eu te ensino o que sei.

Alek olhou para cima, lembrou-se da sua própria fala, lembrou-se de seu pai, da Ordem. Eu não sou fraco! Levantou-se e foi com Tomiam até o meio do quintal.

Pararam um na frente do outro e Alek olhou para o chão.

— Bem, o que você sabe fazer? — Perguntou notando que Tomiam estava descalço.

— Muita coisa. — Ele respondeu mordendo o lábio como uma criança que apronta, então ergueu os braços, os dedos esticados para Alek, que sentiu-se subitamente ameaçado. — Sabe se defender?

Alek deu um passo para trás, ergueu os braços contra o corpo, seu pai havia lhe ensinado uma vez sobre isso, mas nunca usara.

— Manda ver! — Disse respirando fundo. Não devia.

Então Tomiam encolheu os braços, o peito se estufou, quando tornou a esticar os braços em direção a Alek, do chão faíscas surgiram e Alek viu dezenas de raios surgirem dos dedos de Tomiam, dos braços, do peito, serem canalizados como uma rajada direta.

Alek com os punhos fechados girou os pulsos, lembrou-se de como canalizar a energia e tentou, os raios de Tomiam acertaram a barreira invisível no primeiro instante, e no segundo acertaram Alek, jogando-o no chão.

Tomiam correu até ele em seguida enquanto Alek tremia sentindo os músculos rijos.

— Está bem? — Perguntou se jogando de joelhos ao lado dele. — Pensei que ia se defender, eu não... Alek...

Alek então sorriu e Tomiam respirou aliviado. Os músculos pararam de estremecer e ele conseguiu se recompor, soltou o corpo, se deitando por completo, suspirou.

— Eu só estou enferrujado.

— Essa coisa de nunca usar magia dá nisso! — Tomiam respondeu olhando para o rosto de Alek, olhando-o nos olhos.

— Eu não estou tão enferrujado assim! — Alek garantiu olhando com perversidade para Tomiam.

— Prove!

E aconteceu a explosão.

Alek jogou Tomiam para trás de uma só vez, a bolha de som o fez cair de costas no chão, e então os dois se levantaram de pressa, se distanciando um do outro.

Alek fechou os punhos enquanto o som, que ele dominava, era sua defesa e sua arma. Tomiam, porém, não via mais vantagem nos raios, então do gramado farelos de terra começaram a levantar, flutuando no ar, e os dois se atacaram novamente.

E mais uma vez, e repetiram. Entre defesas e ataques, um caindo e outro levantando, se machucavam um pouco, mas era mais uma brincadeira que uma briga. Assim passaram o resto da madrugada até o nascer do sol, e com o sol veio Gÿrvanza, que da sacada olhava para eles, mas eles sequer notaram.

O jardim estava destroçado, havia grama incinerada, destroçada por som, buracos aonde pedaços de terra haviam sido removidos e outros pedaços aonde grandes amontoados de terra formavam as defesas de Tomiam. Os dois estavam imundos e exaustos quando pararam e olharam para a casa.

Alek sentiu um calafrio ao ver Gÿrvanza lá em cima, olhando os dois. Mas o homem ao invés de culpa-los ou julgá-los, aplaudiu!

Pela primeira vez Alek havia dobrado suas crenças, havia treinado por horas, desgastado seu corpo, sentia o sangue ferver, os músculos queimar, o corpo estremecer, mas sentia-se bem, não era como se fosse se tornar o próximo capa negra por causa de um dia de diversão. Na verdade, nunca sentira-se tão vivo como naquele momento.

E então, quando pensou que não podia ficar melhor, da porta dos fundos veio um guarda, e atrás dele silhuetas caminhando aninhadas uma na outra, até cruzarem a porta.

Os rostos familiares demais para confundir.

Tomiam veio ao lado de Alek, colocou seu braço ao redor do pescoço de Alek e sorriu para ele, como se fossem amigos há ciclos.

— Agora os pesadelos devem acabar! — Disse.

Alek olhou para Tomiam, seus olhos cheios de lágrimas. Então olhou para as três mulheres ali, começou a andar e quase caiu de joelhos no meio do caminho, pois estava exausto, mas continuou. Pensou que jamais conseguiria aquilo, toda a demora, todos os dias de espera para o sucesso dos planos de Gÿrvanza, mas ali estavam elas. Ele não mentiu. Ele as trouxe para mim. As salvou.

 Quando chegou à varanda encarou uma por uma. Tessara, Inara, mãe.


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Notas finais do capítulo

O poema que falei: https://web.cs.dal.ca/~johnston/poetry/island.html
É curtinho, do John Donne. Só não coloco aqui porque não pode né.
...
Percebam as similaridades, da música, o poema e a história. A mensagem sempre a mesma lá acolá e cá. O pior, o poema realmente me inspirou, mas a música só conheci recentemente!
Bem, espero que tenham gostado do capítulo e do poema e da música.
Até o próximo capítulo e se puderem, deixem uma comentário :)



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