Anais de Tëmallön; Os Livros Sagrados escrita por P B Souza


Capítulo 14
Capítulo 4




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Alek tremia. Naquele momento preferia ter continuado sentado porque tudo ao seu redor parecia estar desabando, como um espelho se quebrando, revelando um horizonte muito maior; muito pior!

— Eu vi o corpo, o que os Carza fizeram... — Alek engasgou nas palavras, então parou. A lembrança em sua mente, aquele trauma que preferia bloquear, que durante tanto tempo acordara de madrugada em pesadelos, relembrando o estado do corpo.

A mão de Gÿrvanza encostou no ombro de Alek que se encolheu como um cachorro acuado. Fechou os olhos e o mundo não tinha sentido algum, tentou remontar aquilo tudo, juntar os cacos. Então os abriu e encarou o homem mais velho como quem pede por razão, perdido no mar de duvidas, implorando por um norte.

— A Ordem de Hasgyz tinha dezenove dorrens no dia que eu ganhei importância o bastante para saber dessa informação, isso foi há muitos ciclos atrás. Cada livro era entregue para um membro da ordem, o Rei de Alnia-Saar guardava três em sua própria posse. Os protetores como nos chamavam... Seu pai ganhou um também, esses livros são antigos demais, não parece porque foram transcritos já que os originais começaram a se desfazer provavelmente porque nada dura três ou quatro mil ciclos. Mesmo assim, os livros são um enigma, muito já sabemos, outras páginas... Estão em outro idioma ou feita em códigos, protegidas de alguma forma, contendo magias desconhecidas, para luz ou treva, não sabemos! Nosso dever é proteger os livros, traduzir suas paginas restantes, descobrir o que elas dizem, e então transcrevê-las, ou destruí-las. Foi assim que eu deixei a ordem.

— Por que está me contando isso...

— Porque a história só fará sentido, se for dita do começo ao fim. Não quero lhe confundir ainda mais, criança. — Gÿrvanza apontou para a borda do parque, para a cidade de Tëmallön que despertava para mais um dia. Caminharam até lá — Sua Ordem sempre prezou pelo bem, pela luz, pelos bons. Nunca imaginando que apenas bondade é uma utopia intangível. Destruíram dezenas de páginas, centenas talvez. Magias que poderiam ter nos protegido dos Carza. Eu vociferei estas ideias, e mais que isso; lutei contra a destruição dessas páginas. O que pude fazer, porém, foi guardar o dorrem que me deram, escondi e fugi, e me reergui como pude, com a ajuda daqueles que, mesmo dentro da ordem, compactuavam com minhas ideias, entre eles o mais proeminente foi seu pai. Ele era singular, um homem bom, mas ciente que luz e treva são partes de algo maior, que ambas as forças coexistem, não adianta aniquilar uma ou outra, é tolice sequer tentar!

— A Ordem não quer aniquilar as trevas, a Canção da Origem nos ensina isso, o que a Ordem quer é evitar que os magos retornem às trevas, porque a magia facilmente corrompe a mente! — Alek argumentou e Gÿrvanza concordou com ele.

Neste momento os dois se encostaram na mureta sendo banhados pelo sol fraco da manhã, mas que começava a esquentar.

— É verdade, assim como beber demais causa dependência, mas existe um linear, um copo de gim me deixa bêbado, mas conheço homens que podem beber toda uma garrafa sem surtir efeito algum. A magia não é diferente, cada homem possui um limite para seu uso. A Ordem ignora isso, e definiu como limite para todos, o limite dos fracos, assim não há riscos, verdade, mas também não há avanços!

— A Ordem de Carza quem adora avanços, nós só queremos resguardar nossa cultura...

— E falhamos nisso também! Quantas vezes já não ouviu falar nas perseguições dos Carza? Quantos dorrens já não foram incinerados nas fogueiras purificadoras? Seu pai sabia disso, por isto eu e ele buscamos nossa cultura nas folhas desconhecidas, relemos e estudamos e quando as coisas começaram a fazer sentido... Tudo aconteceu! Seu pai, um justiceiro inquieto, descobriu magias novas, estava ansioso para ver como funcionavam. Toda descoberta era uma noite de aventura, eu avisei, alertei a ele diversas vezes dos riscos de suas ações, e então Remulo Cetroiqo tomou conhecimento de suas ações também. Talvez não conheça o nome...

— É um dos comandantes dos Carza. Que caçou meu pai, eu conheço a história.

— Tenho certeza que conhece, afinal, é filho de Talmer! Foi tolice minha pensar o contrário. A mesma inquietude que corria nele vejo correr em ti. — Gÿrvanza se debruçou na mureta, olhou para a cidade e então para o palácio. Alek queria entender aonde aquela conversa o levaria, mas não sabia que ângulo Gÿrvanza armava. — Bem, quando Cetroiqo começou a caçá-lo, a Ordem não lhe apoiou, Talmer havia, no fim das contas, quebrado as regras, havia não apenas aprendido como praticado as magias cinzentas das folhas que ele deveria ter entregado para serem destruídas. Seu pai foi derrubado de seu posto na ordem, e forçado a devolver o dorrem, manteve consigo uma cópia do mesmo que, creio, esteja em sua posse. Ele quase foi expulso pela sua desobediência, e perdeu toda a influência, foi quando recorreu a mim novamente.

— Isso é loucura, meu pai jamais trairia a ordem...

— E não traiu, a ordem traiu a todos nós, a ordem se cegou em seus dogmas problemáticos. Talmer e eu fundamos uma segunda ordem, que entendia a magia por inteira, mas ele não podia ter nenhuma relação com isto, ainda fazia parte dos Hasgyz e para nosso bem, era bom que ele continuasse a fazer parte, então chamei de Ordem dos Turmanos, como em meu próprio nome. Cetroiqo mesmo assim não desistiu, não queria demissões ou humilhações, os Carza queriam a cabeça de seu pai, e agora a minha, pois fundando uma nova Ordem eu retornei ao sol, voltei a ser visto, e agora todos sabiam; havia uma força para se opor aos malditos industrialistas. Infelizmente, perdemos. Eu e seu pai lutamos em frente unida de forma diplomática, mas nunca abusamos de nossas habilidades, pois tal como disse; sabemos nossos limites. A derrota custou muito para ambos. Ele se recolheu em exílio, mantendo um trabalho humilde e uma vida pacata; o preço que teve que pagar para continuar vivo. Porém eu deixei Alnia-Saar e viajei para Minas Millish e depois Nicacus, aonde me reergui novamente, longe dos Carza e a influência deles. Nesta época você começava a crescer, creio eu.

— E aonde isto termina? Qual seu ponto aqui?

— Mesmo longe, nunca abandonei minha terra natal, Alek. — Gÿrvanza disse com um tom mais sério, como se fosse possível. — Soube dos planos de Cetroiqo e mandei mensagens, as quais temi que nunca tivessem chegado, pois a cidade encontrava-se muito debilitada com as sanções dos Carza na época. Então eu retornei. Foi no dia motim, tenho certeza que ainda se lembra. Me encontrei com seu pai pela manhã, alertei-o sobre o que Cetroiqo planejava, e como meus esforços chegavam em hora tardia. Ele não teve escolha se não fugir, pois o ataque seria ainda naquele dia. O motim não passou de uma farsa para encobrir a ação deliberada de caçar um dos fundadores da ordem dos Turmanos, já que o outro, no caso; eu, estava, até então, desaparecido! Então seu pai retorna para casa, se despede e tenta fugir. Horas mais tarde o corpo chega até vocês, e enquanto por muito tempo você acreditou ter sido um motim, um ataque Carza, acaso, acidente... eu sempre soube. E sempre me culpei.

— Se isso for verdade...

— Alek, seu pai morreu na esperança que tudo isso não fosse em vão, na luta por uma ordem que entendesse a necessidade da magia em um mundo tomado por extremos. Os Hasgyz querem curar a todos, mas não estão dispostos a sacrificar. Seu pai fez o sacrifício final, deu a própria vida por isto, acredita mesmo que somos os inimigos? Acredita, realmente, que seu pai era o vilão? Se sim, vá embora agora, não lhe farei mal, ou a sua família. Mas lá fora, além desses muros altos do Pilar, lá em baixo, os Carza comandam as ruas, e ninguém acredita, mas além de Tëmallön, coisas piores que homens espreitam, e nós temos canhões e zarabatanas... Esse mundo precisa de magia, as pessoas não percebem, não sabem ou entendem, mas seu pai percebeu! Então não precisa acreditar em mim, acredite no seu pai, pense no que ele faria. Eu entendo que você não acredite de imediato, precisa de tempo para refletir, digerir isto tudo, e então compreender. O mesmo aconteceu com seu pai, infelizmente ele não teve o tempo que hoje eu lhe dou, tentando retificar meus erros! Então, criança, lute como ele lutou, honre o homem que ele foi, se torne o homem que ele o criou para ser. Salve seu povo, salve-se!


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