PENÉLOPE

Larguei minhas bolsas aos pés da cama e olhei em volta. Josy ainda não chegara. Estava me sentindo estranha. Afinal, não foi tanto tempo assim, apenas três dias e meio, mas, para mim, a alteração fora representativa. Mudei muitas peças do meu roupeiro. E depois de uma primeira aleatória conversa numa lanchonete, decidi que preciso realizar bem mais do que simples mudanças no meu vestuário. Resolvi dar a cara a tapa e conhecer pessoas, mais especificamente, garotos. Mesmo assim. Não fiquei com nenhum outro cara durante o feriado. Chegar a tanto seria quase como abusar da minha própria capacidade de aceitar transições.

Deduzimos então que:

O cara da biblioteca não passou de simples conversa. Patrick definitivamente não era alguém que poderia ser comparado a Dean. Como então fazer uma experiência? Como saber como me sentia ao beijar alguém que simplesmente não me atraia? Mas, ao menos, o experimento me mostrara que era capaz de entabular uma conversa com alguém de outro sexo, de ser sociável... mesmo que Victória tivesse me olhado atravessado por horas depois que voltei para casa. Mesmo que ela tivesse feito, em tom mais ameno é verdade, aquele velho e batido discurso de que uma mulher que pretende ter uma vida de sucesso não pode se apegar a um homem.

Só que eu preciso saber!

E falei isso a ela. É bom minha tia ir se preparando para a possibilidade de eu arrumar um namorado. Pois, preciso mesmo saber se quero ou não um homem na minha vida. E como ter certeza se não experimentar? Ela sabe que não quer. Agora eu, ainda necessito decidir quanto a essa hipótese! Preciso, devo pensar pela minha cabeça e não pela dela como vem acontecendo desde pequena.

Me joguei na cama para tirar os tênis.

Só que não poderia ser qualquer cara.

Tinha que ser alguém diferente. Alguém que fosse legal. Que me despertasse o interesse. E definitivamente nada de jogadores, de espécie alguma. Eles literalmente não combinam comigo. Mas, como conhecer alguém que me completasse? Nas fraternidades? Talvez entre o pessoal do direito. Ou então, até alguém do meu curso. Alguém mais a frente. Um veterano. Precisava ficar de olhos bem abertos. Certo que ia aparecer uma pessoa. A universidade não era formada só por jogadores de futebol gostosos e sarados. Tinha que ter um cara legal e normal que servisse para uma garota como eu.

Empurrei as calças jeans para baixo. Tirei o suéter bege e o joguei sobre a colcha. Passei a mão no roupão tomando a direção do banheiro. Ainda teria uma hora para a aula. Uma ducha rápida e morna ia aliviar o cansaço e acomodar meus pensamentos.

Tudo o que não queria naquela primeira aula era topar com Dean e os garotos. Mas, era certo que acabaria por vê-los em algum momento, em algum lugar. Especialmente na aula de Recursos Humanos. E o semestre ainda teria vários meses.

Céus!!! Era preciso dar um jeito em alguém rapidamente. Alguém que me fizesse esquecer de vez aquele absurdo interesse por Dean. E as lembranças do beijo dele.

Só que, antes que o dia tivesse fim, descobri que não seria assim tão fácil.

Ainda naquela noite recebi um recado de Brendan. Já ia deitar quando o telefone deu sinal. Pensei que era Victória mas me enganei. Era uma mensagem rápida, pedia pra gente se encontrar debaixo do salgueiro, em frente a biblioteca, no horário em que costumávamos ter aulas.

O que aquilo queria dizer? Me perguntei com o coração aos saltos.

Primeiro: me informava que veria o quarteto muito antes da primeira aula de Recursos Humanos naquela semana. Segundo: de acordo com a aceleração do meu coração, não estava emocionalmente segura ou preparada para ver Dean novamente. Terceiro: e o melhor a fazer era recusar.

Mesmo assim, Brendan sempre foi um cara legal comigo. E quem sabe seria apenas ele a estar presente no encontro. Ergui os olhos aos céus desejando que assim fosse e enviei a resposta positiva confirmando que estaria no local indicado, no horário de sempre, como sempre.

Quando Josy chegou no quarto eu ainda estava acordada com um livro nas mãos, mas sem conseguir ler o que estava escrito. Na verdade até li, mas precisava sempre voltar ao parágrafo anterior, pois me sentia dispersa e sem concentração para ler.

— Ainda acordada? - ela me perguntou com um breve sorriso. Estava vestida de maneira mais normal para os costumeiros padrões de minha colega de quarto.

— Estou sem sono. - informei largando o livro e me acomodando melhor na cama.

— Está muito frio... - ela comentou tirando a jaqueta e colocando as botas grossas perto da porta.

— Você teve até a última aula?

Questionei apoiando a cabeça na mão.

— Sim... a senhora Smith achou que poderia estipular um trabalho sem fim para ser entregue no final da aula e eu fui uma das últimas a terminar. - esfregou as mãos uma na outra depois soprou ar quente sobre os dedos.

Josy é bem magra, bem magra mesmo, até poderia ser modelo se a altura dela não fosse próxima da minha. Na verdade acho que eu sou um pouco mais alta do que ela. Brincadeira. Ela é mais alta do que eu.

— Vou tomar uma ducha e tentar me aquecer. - me informou tranquila, nos olhamos, eu sorri. O clima estava mais agradável entre nós. - Vi que você mudou seu estilo.

Seus olhos caíram sobre as roupas que eu separara para usar no dia seguinte e que estavam em cima da minha cadeira.

— Minha tia me convidou para ir as compras. - informei – E eu aproveitei.

— Agora você tem roupas para sair.– piscou o olho de maneira camarada.

— Será? - perguntei indecisa.

— Claro! - ela falou movendo as mãos, e antes de seguir para o banheiro concluiu – A hora que quiser dar uma volta, ir ao cinema ou algo assim me avise....

— Ok... - respondei satisfeita. O convite era algo mais suave, a transição não seria direta para uma festa. Cinema ou um passeio ia ser legal. Estava ali há mais de um ano e conhecia pouca coisa fora do campus. Mas, ainda mais legal seria ter uma “amiga” para ir comigo.

Me acomodei no travesseiro colocando o livro de lado. Já não estava tão tensa quanto antes. Se Josy e eu começássemos a sair, de repente eu conheceria alguém que seria capaz de me atrair tanto quanto Dean. E não vi quando ela voltou para o quarto, já estava dormindo.

A manhã do dia seguinte, apesar de fria, tinha sol. E eu agradeci por isso. Fiz uma caminhada rápida até a biblioteca e me sentei em um banco que ficava exatamente em frente ao salgueiro, não havia como Brendan ou os garotos não me verem. Olhei em volta várias vezes mesmo sabendo que estava adiantada. E quando me distraí por alguns segundos remexendo na bolsa em busca de óculos de sol ouvi o cumprimento:

— Ei Penny!! - era Greg quem já se sentava ao meu lado.

— Oi! - falei percebendo que estava feliz em vê-lo - Como foi seu feriado? - perguntei tentando ser gentil.

— Normal, e o seu?– respondeu passando o braço por cima do banco, mas sem encostar em mim.

— Normal também. - informei e rimos juntos.

Ele me olhou com mais exatidão.

— Mudou o visual Penny? - e sua voz parecia admirada. - Ficou legal!

— Obrigada! Minha tia sugeriu que eu abandonasse as calças de moletom e eu aceitei.

Ele apertou os lábios movendo a cabeça positivamente.

— Ficou muito legal mesmo!

Passei as mãos pela jaqueta velha. Aquela era a única peça de roupa do meu antigo guarda-roupas que estava usando naquela manhã. Eu gostava dela, era quente, macia e aconchegante. E não tão grande quanto as outras.

— Obrigada! - repeti sorrindo para mim mesma e o ouvi dizer:

— Aí vem o Brendan e a Lissa...

— Lissa? - perguntei olhando na mesma direção em que Greg olhava.

— É, a namorada dele... aquele último dia a gente nem teve tempo de te contar a novidade.

Ele parecia desolado.

Brendan e Lissa se aproximavam caminhando com tranquilidade. Ela era quase tão alta quanto ele. Tinha cabelos castanhos, de um ondulado largo, perfeitos, olhos grandes, um rosto bonito, daquele jeito diferente que você as vezes acha belo e em outras não. De qualquer forma, eles combinavam. E pareciam apaixonados. Brendan a olhava com carinho. O braço dele estava sobre os ombros da garota e ela segurava a mão dele entrelaçando os dedos.

Suspirei. Eu queria aquilo ali para mim. Queria experimentar aquela sensação. De gostar de alguém que gosta de você. Que combina com você.

Eles chegaram.

— Oi Penny ele me falou – desculpa o atraso.

— Tudo bem... - já estava acostumada pensei. Se não atrasasse um pouco não seriam eles.

Ele se moveu passando o braço pela cintura da garota que sorria para mim

— Esta é Lissa... o linguarudo do Greg já deve ter dito que ela é minha namorada.

— Já. - confirmei sorrindo e olhando o rosto bonito de Gregory sentado ao meu lado.

— Tudo bem? - ela me falou com uma voz suave e bonita. Sim, ela combina com Brendan.

— Tudo... - respondi e ouvi o som de passos de alguém que vinha correndo pela calçada, nos voltamos. Era Alan.

— Super atrasado. - falou parando perto de nós com a voz ofegante. - Desculpa aí Penny, sei que você nunca atrasa... e não gosta de atrasos, mas é que eu encontrei uma...

— Ok Alan... - falei sorrindo e estendendo a mão diante dele pedindo para parar com as explicações. Estava feliz em vê-los. Sentira falta daquele clima que eles transmitem quando estão juntos.

Mas ainda faltava um, ia perguntar por Dean quando Brendan falou:

— Já que chegou todo mundo, vamos para a cafeteria?

— Vamos lá! - Greg ficou em pé batendo com as mãos nas coxas firmes, enquanto eu continuava sentada e embasbacada.

Dean não viria?

Era isso mesmo?

Desse jeito?

Além de não falar comigo, ele estava me evitando também?

Brendan pareceu compreender o que eu esperava. Tocou no meu braço de um modo gentil antes de dizer:

— A gente queria conversar sobre formar um grupo de estudos com você... - ele olhou em volta, encarei os outros garotos, todos me olhavam com a mesma expressão – mas temos um problema para resolver antes... - concluir a frase pra quê? Eu sabia, ou achava que sabia qual era o problema. E considerei Dean idiota e infantil o suficiente para não me encarar e resolver o tal “problema” de frente. Como um adulto faria. Em vez disso ele mandava os amigos.

Pronto. Estava com muita raiva dele de novo.

— Mas é melhor conversar na cafeteria. - Brendan insistiu.

Naquele horário, como era de se esperar, havia poucas pessoas por lá. Sentamos todos juntos, em uma só mesa, em um canto mais afastado. Retirei a jaqueta e percebi que Alan me olhou diferente. Seus olhos subiram e desceram pelo meu tronco. E com certeza era um olhar de admiração. Ele estava gostando do que via. Mas nada comentou, apenas sorriu fazendo um sinal de positivo. Muito a cara do Alan essa atitude.

Achei que Brendan seria a pessoa a tomar a palavra, mas foi Greg quem começou.

— Penny, a gente não é de enrolar. E sabemos que o Dean fez... - ele parecia constrangido - uma idiotice sem tamanho com você. E por causa disso você não quer mais falar com ele.

Me remexi na cadeira. Sim, eu disse a ele que não falasse comigo. Mas, não esperava que ele levasse a ordem ao pé da letra. Ele nunca leva. Mas nada retruquei, esperei calada que eles continuassem.

— E antes dessa estupidez do Dean acontecer e das aulas terem fim, a gente pensou que você poderia de repente aceitar formar um grupo de estudos com todos nós. - desta vez foi Alan quem se manifestou.

Brendan finalmente falou:

— Íamos sugerir isso naquela quarta-feira, mas você estava tão irritada, e o Dean estava tão... estranho. Que a gente achou melhor deixar passar uns dias... só que...

— Só que... - insisti

— Só que o cabeça dura do Dean decidiu que vai cumprir a promessa, ele não vai mais falar com você. - Alan informou se recostando na cadeira como se largasse uma bomba.

E qual era o problema? Me perguntei.

— Formamos o grupo de estudos sem ele. - falei mesmo sabendo que sem a presença de Dean não seria a mesma coisa. Já não fora com ele calado como uma porta da última vez.

Eles me olharam e eu entendi que essa não era uma opção. Ou Dean estava no grupo, ou não havia grupo. Logo tive certeza:

— Isso não é legal... a gente faz tudo junto. - Greg anunciou balançando a cabeça.

— Tudo mesmo? - perguntei de repente encarando o rosto bonito ao meu lado. Nem sei de onde saiu tanta coragem.

— O problema Penny – a voz de Brendan me atraiu – é que ele acha que deve isso a você. E a única maneira de tudo se resolver seria você falar com ele. E dizer que o desculpou e que ele pode falar com você...

— Ahhhh! - soltei logo depois de uma risada irritada - Agora eu vou ter de pedir desculpas a ele? Não fiz nada de errado! Ele que é um metido arrogante e cínico que acha que todas as garotas tem que cair aos pés dele. Não vou mesmo!

Mesmo que eu também estivesse no meio da queda. Não daria a ele o prazer de saber disso.

— Não... - Greg saltou na mesma hora

— Você não precisa pedir desculpas... - Alan remendou.

E pela primeira vez eu ouvi a voz de Lissa.

— O que eles querem é que você e Dean possam ser amigos. Que você o libere da promessa de não falar contigo. Só isso... assim, ele poderia participar do grupo de estudos. E o clima, - ela olhou para os garotos – que me contaram, aconteceu na quarta-feira, não aconteceria mais.

Lissa me encarou com um sorriso mínimo nos lábios. Naquele momento a considerei linda. E nossa, ela tinha uma voz suave e meiga. Combinava totalmente com Brendan.

Fiquei calada.

Eu até queria continuar a conviver com os garotos. Diria mentiras se dissesse que não senti falta deles. Senti sim. Mas, dar a Dean a oportunidade de sair por cima era outra história.

— A gente sabe que o Dean passou dos limites... ele as vezes faz isso. Mas ele é um cara legal. - Alan falou com um tom quase infantil.

— E por que ele não está aqui para resolver isso? - perguntei querendo bancar a difícil. Se eu aceitasse a proposta, ninguém diria que foi fácil.

— Porque ele não sabe que estamos falando com você. - Brendan explicou. - E é certeza que ele pediria desculpas novamente se você fizer essa exigência. Decida o que quer que ele faça pra se redimir, e eu garanto, ele vai fazer.

Encarei o grupo que em expectativa me olhava. Lembrei de ter considerado Dean um idiota por não querer me encarar. Mas, ele não sabia o que os amigos estavam fazendo.

Suspirei.

Aquilo que estava diante de mim era o exemplo de uma amizade real? Pessoas que querem ajudar as outras mesmo quando essas outras de vez em quando bancam os idiotas?

— Ele é um babaca! - falei irritada comigo mesma cruzando os braços. Já tomara a decisão. Eu faria o que eles me pediam. Mas nada falei no momento.

— A gente sabe. - Alan falou rindo.

— Nós também somos... - Greg emendou – as vezes...

E todos nós rimos.