Os Filhos da Lua escrita por Lua Chan


Capítulo 5
Erik Gauthier




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O ar saiu dos meus pulmões assim que eu vi tudo. Eu estava paralisada e engasguei com o próprio vento que eriçava os pelos da minha nuca. Quando o lobo virou para mim, meu coração afundou. Seus olhos cor de âmbar me fitavam como se eu fosse um bife suculento. Me afastei dele, até tropeçar na raiz erguida de uma árvore. O lobo rosnou para mim e eu me levantei pra correr.

Senti o calor em meu sangue e, apesar de ter corrido bastante, ainda sentia a presença nada amigável de Amur. — era estranho dizer isso — Parei ao alcançar uma árvore larga e empurrei as costas contra seu caule, mal percebendo que eu estava chorando. As lágrimas caíram, manchando minha camisa preferida.

 — Isso não pode estar acontecendo. — sussurrei para mim mesma, tentando acalmar meu coração extasiado — Eu estou sonhando. Daqui a pouco Yakob irá me acordar. É só um...

Antes que eu pudesse finalizar meu discurso nada convincente, vejo na minha frente o lobo. Ele ainda estava rosnando, portanto cerrei os olhos e esperei pelo pior. O animal se aproximou demais, até eu sentir sua respiração em minha pele. Quando menos espero, o barulho perturbador de seu rosnado cessa, dando lugar a um ruído humano. Ao abrir os olhos, vejo um garoto lindo, de olhos gelados e com uma expressão furiosa. Me perdi por alguns segundos, nervosa demais para dizer algo. Amur me lançava um olhar estonteantemente assustador.

 — P-Por favor, me deixe em paz. — imploro, gaguejando e deixando mais lágrimas saírem — Eu não vi nada.

 — O que está fazendo aqui? — pede ele, sem abandonar a postura aterrorizante.

 — Eu não vi nada, é sério!

 — Essa não foi a minha pergunta, garota estúpida! — ele observa, agachando-se para ficar à minha altura. Sua testa estava a poucos centímetros da minha — E eu não gosto de pessoas mentirosas e fofoqueiras como você.

Seu dedo deu um peteleco fraco em meu nariz. Qual era o problema dele? O que Amur era? As perguntas ricocheteavam em minha mente, enquanto ele ainda me observava. Antes que um de nós pudesse dizer algo, ouvimos um ruído ensurdecedor. Era inconfundível, por sinal: o barulho de uma espingarda. Os olhos de Amur vidraram num ponto específico e eu esperei alguma reação. Por fim, ouvimos um uivo estridente do outro lado da floresta. 

Amur correu para longe de mim sem dizer nada. Ele havia se transformado novamente no lobo mesclado e fugiu. Éramos agora somente eu e meu celular. Pensei em discar algum número, mas o que eu diria? Para quem eu ligaria nesse momento?

— Garoto estúpido! — murmurei, ao decidir segui-lo pela terceira vez em dois dias. 

Amur, com certeza, virou minha perdição.

Corri o mais rápido que as minhas pernas aguentavam, sem abandonar o rastro do lobo. Ele farejava o ar com avidez e uivava de vez em quando. Um uivo fininho era emitido como resposta, pela floresta. Após muito tempo de ação, finalmente parei ao observar Amur na forma de lobo perto de uma rede. Era uma armadilha e dentro dela havia um lobo um pouco menor do que ele, suas pelagens eram semelhantes. Amur farejou o equipamento que aprisionava o outro animal e começou a mordiscar as cordas que a suspendiam. Eu fiquei olhando aquela cena de longe.

Tudo estava relativamente calmo, até uma figura humana aparecer no meio da vegetação com uma espingarda. Pude notar que a arma estava carregada de tranquilizantes e, inocentemente, fiquei um pouco mais calma. Amur rosnou para o homem, que aparentava ser um exímio caçador — ele vestia uma roupa bem peluda, tecida da pele de outro animal. O caçador sorriu de soslaio e apontou a arma para Amur, que não recuou. Preocupada demais para que algo pudesse acontecer, corri para perto dele e me posicionei entre o lobo e o caçador.

 — Pare! — vociferei, sem reconhecer a própria voz — Deixe-os em paz e vá embora.

O homem riu como se eu acabasse de contar a piada mais engraçada de todas. Ele não deixou de apontar a arma para o garoto lobo. 

 — Saia logo da minha frente, princesa. Volte pra sua casa e me deixe trabalhar. Este aqui vale ouro!

Princesa? Por que raios todos estavam me chamando daquele jeito? É uma forma de me irritar? Sem hesitar, Amur voou para cima dele, derrubando-o em segundos. Infelizmente, de alguma maneira estranha, o homem conseguira disparar um tranquilizante na fera, que caiu sonolenta para o outro lado. A arma caíra no chão e eu a peguei bravamente, porém sem nehuma intenção de atingi-lo. O caçador se rendeu e se afastou de mim.

 — E não volte mais aqui, — gritei para ele com um sorrisinho vitorioso no rosto  — princesa.

Ele correu e nos deixou a sós, com uma grande bagunça. Amur estava no chão, seus olhos vítreos ainda estavam abertos e eu logo os fechei, me certificando de que ele ainda estava respirando. Voltei minha atenção ao lobo preso na rede. Ele era mais magro que Amur e estava assustado. Aproximei minha mão nele, mas o lobo recuou.

 — Não se preocupe. — sussurro para não assustá-lo ainda mais — Só quero te ajudar.

Então procurei por uma pedra pontiaguda e comecei a serrar a corda. Com muito esforço, finalmente consegui cortá-la. Ouviu-se um baque forte quando o lobo caiu no chão. Ao se recuperar do susto, ele atirou seus olhos escuros sobre mim, mas não como Amur fizera. Desta vez, ele parecia demonstrar gratidão. Encostei minha mão em sua cabeça com um pouco de medo e me limitei a fazer um cafuné. De repente, o mesmo raio de luz que surgiu em Amur apareceu nele. As partículas de poeira saíam de seu corpo e flutuavam pelo ar. Em segundos, o lobo havia se transformado num garoto corpulento.

Apesar do susto, permaneci quieta. O garoto deveria ser 1 ou 2 anos mais jovem que eu, mas era tão atraente quanto Amur. Falando nele, o lobo arrogante ainda estava caído no chão, respirando pesadamente. O menino olhou para ele com tristeza e se encolheu para seu lado. 

 — Por favor, Amur. Acorde. — disse ele, num sussurro deprimente. Fiquei surpresa por ele conhecê-lo, mas não fiz questionamentos sobre isso. Tenho que confessar: estava com pena.

 — Ele vai ficar bem? — pergunto, sem entender a origem da minha preocupação. Amur, afinal, não passava de um garoto carrancudo para mim.

 — Sim. Mas preciso levá-lo pra casa agora. — o garoto fez uma breve mesura e pôs o punho cerrado contra o peito — Obrigado, humana. Que algum dia eu possa pagar a minha dívida com você.

 — Não tem nenhuma necessidade disso. Só... salve Amur. Por favor.

Ele sorriu para mim e segurou minha gélida mão. Meu coração voltou a bater aceleradamente quando ele me tocou.

 — Sou Erik, irmão de Amur. — diz ele, fazendo-me lembrar da minha conversa com Amur sobre as mensagens que "ele" me enviara ontem — Como se chama?

 — Summer Grant. 

 — Bem, Summer Grant, — fala ele, hesitando — preciso cuidar de Amur, mas vou precisar da sua ajuda.

 — Mas eu preciso ir. Já está ficando tarde...

 — Por favor. Fique.

Fiquei encarando suas mãos, elas ainda tocavam nas minhas. Será que era certo seguir um estranho que acabei de conhecer? Será que ele queria... me devorar?

 — Não vou deixar que ninguém te machuque. — insistiu. O fato de ele ter dado certa ênfase ao "ninguém" arrancou um arrepio da minha espinha.

Pensei uma, duas, três vezes. Era pra ajudar alguém, certo? Por que eu deveria negar?

 — Tudo bem. Para onde estamos indo?

Ele sorriu mais uma vez, amistosamente.

 — Para nossa alcateia.


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