Os Filhos da Lua escrita por Lua Chan


Capítulo 3
Segredos




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Não consegui dormir na noite passada. Tudo o que eu pensei foi na mensagem que Amur me enviou, ontem à tarde. Tinha que ser ele, não é? Talvez ele quisesse zoar com a minha cara por causa da minha "fofoca" com Tom. Talvez fosse uma questão boba de ciúmes. Mas então por que ele teria dito tantas coisas ruins sobre si mesmo?

Meus olhos estavam contornados por um par de olheiras, tentei disfarçar com um pouco de maquiagem, mas não adiantou. Eu mal consegui suportar meu corpo com os próprios pés, portanto assim que eu entrei na sala, fui direto à minha carteira, joguei a mochila na mesa e tirei um breve cochilo. Alguém, porém, começou a puxar uns fios do meu cabelo, obrigando-me a levantar. Adivinha quem era?

 — Onde você sugere que façamos o trabalho? — Amur senta-se na cadeira ao meu lado, como se nada tivesse acontecido. Não sei se era impressão minha, mas notei que ele estava sorrindo ao ver meus cabelos bagunçados.

 — Bom dia pra você também.

 — Eu não te dei bom dia. 

 — Essa é a lógica do sarcasmo, espertão. 

Ele ficou rígido em seu lugar, desta vez sem nenhum sorriso no rosto. Por algum motivo, acabei me lembrando das mensagens que "ele" me enviou ontem. Precisava saber por que fizera aquilo, afinal, Amur fora o motivo da minha insônia.

 — Qual é a das mensagens? — ele curva as sobrancelhas, como se realmente não soubesse do que eu estava falando — Ah, não me venha com essa de desentendido. Você me deixou assustada ontem.

 — Que mensagens? — ele pergunta. Não desisti de olhar pra ele. Minhas pernas já estavam tremendo só por encará-lo. Quando menos espero, Amur rende-se — Tudo bem, você me pegou. Aquele era só o meu irmão caçula. Erik só estava tentando me proteger de uma estranha e ele é muito ciumento.

 — Na verdade, acho que ele estava me protegendo de você. Por que seu próprio irmão quer que eu me afaste de você? E o que significa dizer "ele não é quem você pensa"?

Amur cerrou os punhos e manteve distância de mim, estava nervoso, pude dizer isso pelos seus olhos, estavam brilhando como nunca. Agora eu fiquei preocupada. Decidi pôr uma mão amiga em seu ombro, para talvez acalmá-lo, mas ele esquivou de mim, como se eu pudesse queimar sua pele.

 — Não me toque! — Amur falou tão alto que toda a sala se virou pra ele. O silêncio retornou, até alguém falar algo.

 — Que agressiva ela, uau! - era um garoto que usava uma jaqueta de lacrosse. Deveria ser o capitão do time — Não me toque, esquisita, ou eu vou passar meus germes pra você.

O cara, que eu descobri ser chamado de Seth, fez uma imitação ridícula de Amur, alguns dos seus amigos caíram na gargalhada. Amur começou a hiperventilar, cerrando os punhos como se de repente isso pudesse acalmá-lo. Sem mais delongas, ele se afastou de mim e bateu de raspão no ombro do jogador.

 — Ei! — gritou Seth, irritado — Quem você pensa que é, esquisito?

Amur não ligou pra ele, apenas continuou a caminhar até a porta da sala. Seth, por outro lado, parecia ser o tipo de cara que não leva desaforo pra casa. O jogador agarrou o ombro de Amur e tentou virá-lo para sua frente, mas o garoto foi mais rápido e o prendeu contra a parede. Engasguei com minha própria respiração.

 — Ei, esquisito, pare! — uma menina gritou e ele o imprensou ainda mais. 

Após alguns segundos, a ficha finalmente caiu (pelo menos é o que eu pensei). Amur soltou Seth e olhou para as próprias mãos, como se estivessem cobertas de ouro. Enquanto isso, o jogador, que ainda estava caído no chão, só o encarava admirado e assustado.

 — Que droga você é? — Seth ousou perguntar. Amur desviou seus olhos das mãos para mim e saiu correndo para fora da sala.

Tudo o que restou foram os sussurros desesperados das pessoas.

[. . .]

Resolvi segui-lo, apesar de eu ser bem desastrosa. Tentei ser paciente e cuidadosa para que ele não me notasse e, felizmente, estava funcionando. Amur estava em frente do banheiro masculino, pressionando um celular contra o ouvido. — agradeci por ele não ter entrado lá. Cheguei mais perto, para ouvir a conversa — já falei que sou curiosa?

 — Aconteceu de novo, Crystal ... — diz ele, tentando falar o mais baixo possível — Na escola ... Sei que ele não ficará contente ... Eu sei, eu sei. "Cuidado com os humanos", acha mesmo que eu esqueci do nosso lema?

Humanos? Do que ele estava falando? Isso era pra ser uma pegadinha? E afinal, quem é essa Crystal? As perguntas apenas ricocheteavam na minha mente e quase me fizeram perder parte da conversa.

 — Droga, Crystal! Eu não o machuquei. Entendo o quão frágeis eles são ... Certo, não vou me meter em mais encrencas ... É, eu sei ... Tudo bem, tchau.

Então ele desligou o celular e cheirou (ou farejou) o ar, olhando para um lado e para o outro. Tenho quase certeza que ele me viu, mas desviou o olhar e seguiu para sala. Enquanto ele caminhava pelos corredores, forcei minhas pernas a se moverem rapidamente, o plano era chegar na sala antes do garoto — seria estranho chegar atrasada na aula, ainda mais por causa dele. Chego lá e, infelizmente, noto que não consegui cumprir o planejamento: o professor já estava lá.

 — Senhorita Grant! — Daniel Grivers, professor de História, chamou minha atenção, enquanto segurava uma prancheta, provavelmente para procurar meu nome — Onde esteve?

 — Uhm... ehr... — gaguejo. Sou péssima pra mentir sob pressão — Eu...

 — Ela estava comigo. — uma voz responde com desdém, todos olham pro fundo da sala, onde ela surgiu. Era Amur. Ele mastigava algo e estava com os dedos entrelaçados — Desculpe pelo atraso, sr. Grivers. Não acontecerá novamente.

— O esquisito já arranjou uma namorada? — um dos amigos de Seth murmurou. Não sei, novamente, se era apenas impressão minha, mas ouvi um rugido saindo da boca de Amur  — Tenho pena dela.

 — Tudo bem, pessoal. Sentem-se e acalmem-se logo. Seth, isso serve pra você também. 

Obedeci às ordens do professor, sentando-me ao lado de Amur. Infelizmente, foi a primeira cadeira vazia que eu encontrei. Meu coração acelerou só por chegar perto dele, sem contar que eu senti que Amur me observava de soslaio; se era pra ser discreto, ele não teve sucesso com aquilo. Bem, pelo menos estávamos quites: eu não conseguia parar de pensar nele e isso era óbvio até demais.

. . .

O resto da aula foi, no mínimo, entediante. Vi que 4 ou 5 pessoas dormiam, enquanto o sr. Grivers falava sobre a Segunda Guerra Mundial — como se a minha família já não tivesse sofrido bastante nas mãos dos malditos nazistas —. Compartilhei uma parte do meu passado na Polônia e todos pareciam ter mais interesse em mim. Todos, menos quem eu mais esperava: Amur. O único momento em que eu fui capaz de detectar algo além de uma careta arrogante foi na aula da sra. Lowell. Ela falou sobre a classificação de alguns animais carnívoros; dentre eles, tigres, ursos e leões. Será que garotos só gostam de coisas esquisitas e nojentas ou essa era uma particularidade de Amur Gauthier Jons?

Apesar de não conseguir uma resposta certa pra isso, não me intimidei de pensar mais sobre o garoto. Não, eu não estava viciada nele e nem teria virado uma stalker. É só que Amur é peculiar até mesmo pra um adolescente. Segui até o refeitório, ainda pensando sobre isso, quando de repente sou puxada por alguém, ao passar por um corredor pouco movimentado. A pessoa cobriu minha boca com uma só mão e agarrou meus braços com a outra. Tentei gritar por ajuda, mas logo desisto ao ver de quem se tratava.

 — A-Amur? — exclamo, atônita. Ele andou me seguindo? — Mas que merda é ess-

 — Você ouviu tudo, não foi? — ele corta minha fala e por um momento, me sinto completamente perdida — Diga a verdade!

 — Você está me machucando, seu demente! — digo, puxando meus braços para longe dele. Amur me solta, sem demonstrar remorso — Qual é?!

 — A ligação. Você me ouviu falar com Crystal pelo celular.

 — E-Eu não sei do que você tá falando. 

O silêncio nos aborda e o medo não sai de mim. Amur estava lá, na minha frente, como se fosse um leão e eu, um cordeiro indefeso. O que eu tinha feito pra merecer isso? Por que razão ele me detestava? O garoto apertou os punhos e eu cerrei os olhos, deixando que a adrenalina navegasse por todo o meu corpo. Ousei abrir um pouco do olho direito e notei que ele estava perto. Apesar de ele não encostar um dedo em mim, fiquei apavorada.

 — Você vai ficar calada. — disse ele vagarosamente, só piorando tudo — Ninguém pode saber do que você ouviu hoje mais cedo. Ninguém.

Do que ele estava falando? Do fato de ele ter pronunciado a palavra "humanos" como se não pertencesse a nossa espécie ou por estar falando com uma tal de Crystal?

 — Posso não me importar com a sua vidinha patética, Summer Grant — prossegue —, mas não gostaria que alguém como você provasse das consequências.

 — I-Isso é uma ameaça?

 — Talvez. — diz ele, sem nenhuma emoção. — Foi bom falar com você, Summer.

Amur se distancia de mim lentamente e segue o caminho até o refeitório, deixando-me sozinha e vulnerável. Enquanto isso, eu me encolho no chão, abraçando minhas pernas e deixando uma lágrima idiota rolar pela bochecha.


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