Histórias do cara do balcão. escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 5
Razões para estudar geografia.




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Ah, oi, você voltou.

Legal.

...

...

...

Desculpe se não estou tão tagarela hoje.

Uau... Nunca pensei que precisaria dizer essa frase para alguém um dia.

Aliás, eu devia me desculpar por isso? Acho que metade das pessoas que eu conheço estaria comemorando esse marco histórico.

Mas você nunca foi bem como eles, certo?

A outra metade perguntaria se eu me sinto bem e, se você for esse tipo de pessoa, já adianto logo: não, eu não estou doente, mas agradeço a preocupação.

É só que eu fui a um funeral ontem...

Ah, não faça essa cara, está tudo bem. Não era ninguém da família nem nada disso. Foi um cara que eu conheci por, sei lá, uns 10 dias? Duas semanas no máximo. E nunca mais nos falamos... Acho que eu não tinha notícias dele há uns oito ou nove meses, talvez um ano... É nessas horas que eu queria ter alguma noção de tempo.

Enfim, o Capitão morreu, já era, pendurou as chuteiras, virou presunto, foi pro saco, passou dessa pra melhor ou seja lá como você gosta de se referir ao fato.

Quem é o Capitão, você pergunta? Bem, já disse que eu adoro essa curiosidade em você?

Ele foi meu comandante quando eu fui agente de campo, e ele odiava quando eu o chamava de "Capitão" em vez de "Comandante", dizia que eu não era um pirata e não estávamos num navio. Obviamente, eu continuei, porque, quando um apelido pega, eu não consigo mais largar, até que chegou um momento no qual o Capitão nem me corrigia mais, só me olhava de lado e dava uma risada do tipo "vou deixar passar porque não tem mais jeito".

Aliás, eu já te contei que fui agente de campo?

Não? Ah... Que cabeça a minha. Bem, não foi tão emocionante quanto você imagina, talvez por eu ter ficado nessa função, no máximo, por duas semanas... Ou por ninguém me levar a sério. São duas ótimas hipóteses.

Bem, isso foi mais ou menos um mês depois de eu ser demitido de "tio da limpeza" e quase imediatamente após eu ser demitido de "recepcionista" (essa é outra história, só digo que não prestou). Por que me confiaram um cargo do "topo da cadeia alimentar" e de alto prestígio? Simples:

Me queriam morto.

É, simples assim, não precisa fazer alarde. Fala sério, você devia esperar algo assim a essa altura do campeonato, não?

A única coisa que me surpreende é terem esperado tanto para isso.

Mas, ei, eu não fui rápido demais, fui? Se você não entendesse minhas tagarelices, qual seria o sentido disso?

Só para garantir, vou dar uma explicação rápida: apesar de ser uma das funções mais glamorosas, também é uma das com mais riscos envolvidos (isso é, se você realmente sai das fronteiras para missões de verdade) e não é incomum agentes não voltarem ou voltarem num caixão. Eu garanto que muita gente adoraria me ver desaparecido ou morto, então foi a ideia perfeita.

E, para deixar óbvio o quanto eles me queriam morto: recrutas normais recebem pelo menos um mês de treinamento básico (atirar, defesa pessoal, geopolítica, princípios de pensamento estratégico para batalha...), eu recebi cinco dias e olhe lá. Nem uma semana completa foi! Se isso não é um sinal claro que querem minha morte ou desaparecimento em missão, não sei o que é.

Eu aceitei esse absurdo claramente ilegal e abusivo? Claro!

Ei, não me olhe assim, eu já estava há uns quatro anos quase sem sair do prédio (andar só pela zona segura ao redor do prédio quase não conta como sair...) e eu garanto: se você estivesse há tanto tempo sem sair do seu bairro, por exemplo, você aceitaria uma excursão suicida para outro Estado.

Ou talvez não, vai saber? Talvez você tenha mais juízo que eu. Só sei que eu já estava me coçando para dar uma volta no mundo "de verdade"! O bastante para me desventurar voluntariamente nesse atentado contra minha vida e segurança.

Foi muito divertido, se quer saber.

Me colocaram junto com alguns outros novatos nos primeiros dias, mas, na primeira missão perigosa que apareceu, eu era o primeiro da lista! E foi assim que eu acabei na equipe do Capitão. Sim, eu era o único novato.

Assim que eu cheguei, o Capitão perguntou se eu estava perdido porque, óbvio, ele tinha um cérebro decente o bastante para saber que novatos não deviam estar nesse tipo de missão. Foi mais ou menos assim:

"O Capitão me olhou de cima a baixo com um ar de curiosidade.

'Está perdido, garoto?' Ele sorriu de um modo meio arrogante, se quer minha opinião.

Aliás, duvido que ele fosse muito mais velho que eu para me chamar de 'garoto'... Ele devia ter uns dez ou doze anos a mais que eu. Quinze no máximo... Ok talvez ele tivesse o direito de me chamar de garoto, mas ainda não gostei.

'Não, eu estou no seu time' Eu sorri do modo mais irritantemente feliz possível, ao menos eu acho... Algo como uma criança no primeiro jogo de basquete, vôlei, futebol ou outro esporte da sua preferência.

Que foi? Se ele ia me chamar de 'garoto', eu ia fazer jus à alcunha.

'Pra começar, não tem 'times', isso não é brincadeira. Em segundo lugar, você não pode estar na minha tropa, garoto, ninguém colocaria um novato nesse tipo de missão' Ele explicou tudo como se falasse como uma criança.

O que, eu admito, não estava muito longe da verdade.

E, como você deve ter notado, eu copiei boa parte da minha explicação da explicação dele. Aliás, acho que eu só repeti para você o que ele me disse.

'Mas colocaram, Capitão' E assim nasce o apelido! Insira a musiquinha do Rei Leão aqui porque esse nascimento merece!

'Não sou seu capitão, sou seu comandante. Aliás, nem seu comandante eu sou, porque de jeito nenhum eu vou levar uma criança para essa expedição!'

'Ei! Eu tenho mais de vinte anos!' Eu exclamei numa voz ligeiramente aguda e cruzei os braços no melhor estilo 'criança de doze anos' que eu consigo fazer.

E é claro que o Capitão foi falar com os superiores dele sobre esse absurdo e tentar me tirar dessa missão e me pôr numa tarefa boba como vigiar as fronteiras ou algo assim.

Qualquer alfinetada ao Agente Chihuahua é puramente intencional.

Os superiores devem ter explicado mais ou menos a situação, ou talvez só tenham dito 'ele vai, aceita, são nossas ordens', eu não sei bem como essa coisa de diálogo funciona entre os militares, só sei que eu acabei indo na "tropa" dele.

Que divertido.

O cara pegou no meu pé a viagem inteira! Sério, parecia até que era um aspirante a pai ou algo assim.

Tá que eu não ajudei muito perguntando 'já chegamos?' a cada quinze minutos...

Vou dar uma dica: não tínhamos chegado em nenhuma das duzentas vezes que eu perguntei.

Também teve o acampamento à noite... Não bastava carregar aquela tralha pesada na mochila, eu ainda tive que montar! Mas acho que isso era melhor que dormir ao relento...

O Capitão ficou uma fera comigo porque eu acendi uma fogueira sem permissão e assei marshmallows. Ele disse algo sobre 'irresponsabilidade' e 'risco de o fogo ser visto por alguém', mas, às vezes, acho que ele só ficou bravinho porque eu não ofereci um pra ele.

Ou talvez não, ele era profissional afinal.

Foi o acampamento mais chato da minha vida e nós acordamos antes de o sol nascer para continuar nossa 'missão'. Fala sério, quanto tempo as expedições duram?!

Mesmo assim, era mais divertido que ficar em 'prisão domiciliar' no prédio.

Isso é, até que o Capitão inventou de tentar ativamente fazer o papel de pai:

'Hey, garoto' Ele cumprimentou de um jeito estranho... Aliás, fica o conselho, se você normalmente não é simpático, não tente forçar, é assustador. 'Tudo bem com você?'

Minha vontade sincera foi responder 'Não, meu Capitão durão que me acha um peso morto está vindo para cima de mim com um discurso paterno tentando fingir que se importa comigo!'

Mas isso seria dramático demais e eu posso até ser infantil, mas nem tanto, então sorri o melhor que pude e respondi:

'Depende, Capitão, estamos chegando?'

'Não me chame assim, e não, não estamos'

Depois dessa conversa sincera e profunda, eu jurava que ele ia me deixar em paz e ir ver os soldados 'de verdade' dele, mas ele continuou ao meu lado por razões desconhecidas.

'Quer que eu leve sua mochila um pouco?' Ele continuou com aquele tom estranho gentil e eu cogitei que a 'razão desconhecida' pudesse ser que eu era, obviamente, o mais fraco de lá. Mas, ei, me dá um desconto, eu tive cinco dias de treinamento para 'entrar em forma' e eu nunca fui realmente muito ativo.

'Não, obrigado, eu carrego minhas coisas, Capitão' Sim, eu sou irritante.

'Deixa de ser teimoso e me deixa te ajudar, garoto!' Ele usou uma voz mais 'de comando', o que foi bem menos perturbador que o tom gentil, e eu acabei deixando porque resistir parecia burrice.

Isso é, mais burrice que minha média de burrices.

'Você tem mesmo mais de vinte, garoto? Eu mal acreditaria se você dissesse que tem dezoito.'

E começamos o interrogatório! Será que não valia a pena ter resistido? Pelo menos ele não teria desculpa para ficar perto de mim! Por outro lado, era muito bom não ter o peso da mochila... Só não sei se valeu a pena.

'Tenho sim'

'Hm'

Depois dessa conversa super esclarecedora, o silêncio voltou.

'Por que você está aqui, garoto?' Ele voltou ao questionário incessante.

Eu sou chato assim quando não calo a boca?

'Porque meus pais se amavam muito e decidiram ter uma criança'

'Não aqui no mundo' Ele pareceu se esforçar muito para não gritar comigo 'Aqui nessa missão, não tem como terem colocado um novato comigo sem motivo'

'Ah, isso' Eu sorri 'Vai ver acham que eu sou bom o bastante para isso' Fiz uma pose meio esnobe com o queixo erguido e recebi um olhar de descrença em retorno.

Que foi? Não se deve dizer a estranhos que muitas pessoas querem te ver morto. Não é educado.

Depois disso, ele parou o interrogatório, o que me deixou muito satisfeito, e continuamos em silêncio (isso é, se ignorar que ele gritava ordens aqui e ali...). Por que ele continuou me acompanhando de perto, eu não sei dizer, mas pode ter algo a ver com minha propensão a acidentes envolvendo ou não fogo... Aquela fogueira de acampamento o irritou mesmo.

Quando, finalmente, chegamos para a missão de reconhecimento, eu já estava pensando se prisão domiciliar era tão ruim assim.... Motivo? Tínhamos que mapear a área para pontos estratégicos e possíveis inimigos e, vou te contar um segredo, eu não fazia ideia de como atirar se eu encontrasse um inimigo.

Por sorte (ou azar) o Capitão decidiu me deixar debaixo das asas como se eu fosse um filhote indefeso e me proibiu de me afastar demais dele. Obviamente, como a palavra 'proibir' estava na jogada, eu escapei de fininho na primeira oportunidade.

E, ironicamente, encontrei um monstro.

Ô sorte a minha...

Sério, quais as chances de eu entrar no único prédio abandonado que não estava abandonado? E foi aí que eu decidi correr pela minha vida! Não que eu corra muito rápido... E eu também posso ou não ter gritado pateticamente por socorro.

Eu fui ouvido! Infelizmente, foi pelo Capitão.

Às vezes eu penso se ter me rendido aos monstros não seria menos humilhante.

O Capitão me salvou, viva! Exceto que eu levei um puxão de orelha literal na frente dos outros recrutas, e, vamos combinar, humilhação devia ter limites! Não que o Capitão pensasse assim.... Ele estava muito ocupado gritando comigo por 'ser um inconsequente tentando se matar' ou algo assim.

Admito, dessa vez meu sangue gelou!

Fala sério, eu entrei num prédio abandonado para explorar, só isso. Como eu ia saber que tinha inimigos lá?! A missão era explorar, certo? Então eu só estava cumprindo ordens!

Algo me diz que meus superiores ficaram decepcionados por eu ter escapado dessa.

Depois de puxar minha orelha e gritar comigo, o Capitão decidiu que só me vigiar não era o bastante, então, além de manter um olho em mim o tempo todo, ele me deu uma tarefa bem chata e longa para me deixar ocupado.

E foi assim que eu passei uma missão de exploração inteira aprendendo geografia. Se eu me senti excluído ou tratado como uma criança inconveniente? Imagina... Mas eu aceitei de bom grado por causa dos riscos consideravelmente menores de me deparar com um ou mais inimigos.

O que o Capitão me mandou fazer afinal? Basicamente uma aula de geografia prática: eu tinha que analisar o relevo, o solo, até o clima se duvidar. Quase precisei memorizar os mapas do entorno do 'quartel general' na área segura, pensar em como usar estrategicamente o relevo em caso de combate direto, saber as diferenças no clima dos locais e atualizar os mapas com novas informações que conseguíamos nas missões.

Acho que aprendi mais geografia nesses dias em campo que no ensino médio inteiro. O Capitão fez questão de me dar muita lição teórica e me manter bem longe da exploração 'arriscada'. Admito que não fiquei muito ressentido, foi legal da parte dele me dar um treinamento 'de verdade' e evitar que eu fosse morto durante um reconhecimento de área, já que esse é um modo meio idiota de morrer.

Sem ofensas com quem morreu assim, mas missões de reconhecimento não tem o glamour dos combates nem são valorizadas como missões de resgate.

Quando voltamos para a base, os mapas estavam mais atualizados e precisos, os soldados estavam loucos por uma cama de verdade porque dormir no chão enjoa rápido, o Capitão estava aliviado, provavelmente por ter evitado muitas perdas (aparentemente, o prédio que eu entrei não era o único habitado por monstros... O soldado não teve tanta sorte quanto eu. E, sério, eles bem que podiam pôr uma placa na sacada, algo como 'prédio não abandonado, fique longe, grato')

Por que tem monstros em prédios abandonados, você pergunta? Não faço ideia, você devia perguntar pra eles... Pode ter algo a ver com a neutralidade. Sabe, depois do início da guerra, já que a população humana diminuiu drasticamente, cidades inteiras ficaram desertas e alguns monstros simplesmente não são engajados o bastante para se dar ao trabalho de lutar a guerra, então eles ficam nesses lugares vazios e só atacam se alguém invadir seu território. Ou pode ser uma mera questão estratégica de emboscada, vai saber? Qualquer teoria é válida.

Enfim, a volta pra casa, melhor terminar isso logo antes que eu comece a devanear e falar mil e uma bobagens. Acho que foi um retorno padrão de missões: gente empoeirada, com necessidade de um banho e saudades de uma cama quente. Poucas baixas, o que é meio surpreendente, já que muita gente pode 'sumir' explorando território inimigo, e eu sabia consideravelmente mais geografia do que quando parti.

Assim que voltamos, a primeira coisa que o Capitão fez foi reclamar de mim para os superiores. Não tenho certeza se foi pelos milhares de 'já chegamos?', pela fogueira ou por quase ser morto... Talvez os três? Ele queria me dispensar porque eu ainda era muito imaturo ou algo assim, ou talvez ele tenha dito que ser militar não era pra mim, o que eu super concordo aliás.

Obviamente, não quiseram me dispensar, que é um nome bonito para demitir.

Felizmente, eu tenho experiência no quesito 'ser demitido'.

Acho que já iam ver outra missão arriscada para me despacharem, mas não deu tempo. Foi uma mistura de pouca disposição a encontrar monstros de novo, nenhuma vontade de sair por dias e dormir no chão e, eu admito, uma pontinha de consideração pelo Capitão. Afinal, o cara fez questão de me trazer de volta vivo, o que é mais do que muita gente faria, além do mais, se eu saísse em outra missão com ele, tenho medo do que eu teria que estudar/se ele puxaria minha orelha/dos sermões que ouviria.

O que eu fiz para ser demitido? Fácil: uma fogueira!

Curiosidade interessante: por algum motivo, envolver fogo na história aumenta exponencialmente suas chances de ser expulso imediatamente.

Eu não tinha mais marshmallows para assar... Por sorte, eu passei na cozinha antes e 'peguei emprestado' uns pães de queijo congelados. Não é a mesma coisa, mas foi divertido assar na fogueira.

Ah, eu comentei que acendi a fogueira com a papelada no general?

Não faça essa cara, ele com certeza tinha cópias em algum lugar, ninguém deixa papéis importantes sem cópia... Eu espero. Se bem que isso explicaria por que ele ficou tão bravo.

E, para completar, eu curti a fogueira ao lado do meu ursinho de pelúcia o qual eu optei por não nomear. Quando o general viu o circo que eu estava fazendo, eu fiz questão de dar um beijo na boca do ursinho na frente dele. Eu estou ciente do quão idiota isso soa, obrigado.

Pra que tudo isso? Fácil: furto era crime, e eu furtei os pães de queijo; destruir a papelada oficial provavelmente era crime também; 'atos libidinosos' em ambiente militar eram crime, e eu acho que provocar com o ursinho, dado o momento de raiva do general, foi uma provocação válida; acender a fogueira tão perto da capela (inflamável) que fica perto do prédio, se não for crime, foi burrice mesmo... Resumindo, era certeza que eu acabaria demitido (ou morto pelo general ali mesmo, mas, ei, valia a pena arriscar).

Para o alívio do Capitão e de todos os outros militares que vieram antes e depois de mim, eu fui despedido na hora e sem chances de retorno. Êêê!

Depois dessa eu raramente via o Capitão, afinal, ele tinha as expedições e missões dele, eu voltei à 'prisão domiciliar trabalhista' (como chama quando você fica preso no ambiente de trabalho?) e continuei mudando de profissão mais que de roupa.

Enfim, essa é a história do curto período que eu fui agente de campo"

Emocionante, não?

Bem, eu tenho quase certeza que estávamos falando de algo antes dessa história toda que eu contei...

Ah sim, o Capitão morreu.

É, é uma pena, mas, na profissão dele, nem tão surpreendente.

Vou sentir falta dele mesmo assim, mesmo que não tenhamos tido exatamente uma boa ou longa convivência.

O Capitão me ensinou coisas úteis, pelo menos. Ok, ele me ensinou geografia e só para me manter quieto, mas tá valendo! Afinal, pelo menos ele fez questão que eu aprendesse cada detalhe. Ele era um professor melhor do que eu fui!

Por que isso é importante afinal? Bem, não é exatamente importante, é mais curioso mesmo... Quando trouxeram o corpo, disseram que ele foi morto por monstros bem ao sul daqui, numa das zonas mais perigosas e desvantajosas para nós, eu a chamo de "floresta", porque é um lugar meio selvagem num sentido bem literal.

E daí? Esse é um questionamento bastante válido, deixe-me explicar: quando o Capitão chegou as botas e a calça 'militar' dele (pra que calça camuflada o tempo todo? Nunca entendi esse uniforme...) estavam sujos de terra avermelhada. Aquela que é quase barro, meio úmida e vermelha meio marrom, uma cor esquisita, boa para misturar com um pouco d'água e fazer uma guerra de bolinhos de lama com os amiguinhos...

Enfim, um ponto positivo de o Capitão ter me feito estudar tanta geografia física: eu sei que a 'floresta' e a área mais ao sul, onde os monstros estão mais concentrados, não tem esse barro avermelhado, a terra lá é mais escura, seca e compacta... Por outro lado, a área entre o leste e o sudoeste é rica nessa terra, é uma área mais perto do que sobrou do meio rural e, embora seja bem afastada da 'zona segura', em geral não tem monstros, apenas uns fazendeiros e, claro, o povo do exército/agentes de campo que patrulham as coisas por lá.

Mas por que iriam querer se livrar do Capitão, não é? Ele era um cara legal, que se preocupava com o bem estar dos seus subordinados acima da eficiência da missão, que era meio certinho demais pro meu gosto, admito, mas com um senso de moral bem forte e princípios sólidos. Por que alguém se livraria de um homem assim, não é?

Não é como se alguém aqui tivesse algo a esconder, como por exemplo dois andares subterrâneos secretos, nem algo moralmente duvidoso, como treinar crianças como soldados devido à falta de pessoal... Não, isso é ridículo. Deve ser coisa da minha cabeça...

Afinal, o que eu sei? Eu sou só o cara do balcão.

Bem, obrigado pela companhia hoje. É sempre um prazer te ter por aqui.

Espero não ter mexido demais com sua cabeça com essas histórias e teorias da conspiração malucas. Não me leve muito a sério.

Te vejo outro dia, se ainda nos esbarrarmos por aqui.

Até lá!

 


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