Histórias do cara do balcão. escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 16
Tributo às tortas.




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Olá!

Tenho boas e más notícias.

A boa é que eu achei meu tamagotchi! Estava no laboratório da Dra Acre, numa das bancadas perto dos produtos químicos potencialmente perigosos.

Sim, eu sou um excelente pai.

Já é a segunda vez que isso acontece! Tá bom que da primeira eu perdi criancinhas da creche, não o tamagotchi... Ainda estou pensando em qual foi pior.

Por um lado, crianças são crianças. As pessoas costumam ser muito parciais quando a situação envolve crianças em perigo.

Por outro lado, meu tamagotchi morreu de fome (de novo), e nenhuma das criancinhas morreu de fome...

Bem, acho que vou deixar as duas em pé de igualdade.

Eu até entendo por que me expulsaram da creche...

A Dra Acre bem que podia tê-lo alimentado, não? Que falta de consideração da parte dela!

Pelo menos ela não derrubou acidentalmente (ou propositalmente) o Rusty/Rivet/Ramón em um pote de ácido ou algo assim. Acho que tenho que agradecer por isso.

E a má notícia... Bem... Qual era mesmo a má notícia?

Ah... Deixa eu ver...

Era que a Chef Olga bateu na minha cabeça com a colher de pau quando me pegou roubando uns bolinhos da cozinha? ... Não, acho que não.

Isso foi ruim, mas não é uma notícia má o bastante.

Aliás, a Chef Olga só estava ocupada aquele dia na reunião. Ela ainda comanda aquela cozinha com mão de ferro e colher de pau!

Má notícia... Má notícia...

Ah sim! Quase todos os andares do prédio estão um caos.

É, eu sei, bem ruim. Isso sim merece o título de "má notícia"!

Motivo? "Instabilidade política", ou, como eu prefiro chamar, "briga de princesas". Branca de Neve e Cachinhos Dourados estão a um passo de se matar...

Quando eu digo "se matar", quero dizer "matar uma a outra", não "cometer suicídio". Melhor deixar claro.

O lado bom é que praticamente nenhum desastre natural ou não natural atinge o quarto andar. Por quê? Porque ele é irrelevante mesmo.

Você precisa de um certo status até se quiser ser incomodado!

Tirando eu, todo mundo, dos estagiários aos executivos, estão tendo problemas. Motivo? Ninguém sabe a quem obedecer!

A Cachinhos Dourados e a Branca de Neve são duas mandonas...

Se bem que acho que isso é pré-requisito pro cargo.

Enfim, uma manda, a outra desmanda, a outra manda de novo e ainda reclama da demora, a segunda proíbe veementemente, a primeira ameça quem obedecer a segunda... E nem eu sei mais quem é quem aqui. Se meu exemplo já está assim, imagine a vida real!

Resumindo, ninguém mais sabe o que fazer, a quem obedecer ou por que ainda estamos em guerra. As coisas estão tão estranhas que, se um dia eu encontrar um dos colarinhos branco levando pancada da colher de pau da Chef Olga por ter sido rebaixado a cozinheiro, eu vou achar super normal.

Depois de muita discussão, muito bate papo não amigável, muitas reuniões e muitas outras coisas que as pessoas fazem para tentar e falhar em resolver problemas, o "conselho" ou seja lá quem toma decisões por aqui agora chegou a uma decisão: vai ter eleição no prédio!

Isso aí, foi a melhor alternativa que acharam. Fazer votação. Algo do tipo "Qual princesa psicótica você quer como chefe?".

Sinceramente, não faço ideia de quem vai ganhar. Não sei nem em quem eu vou votar. Não sei nem se eu vou poder votar!

Bem, vamos deixar essa coisa chata de política pra lá. Afinal, eu fiquei te devendo algo, certo?

Meu primeiro emprego "de verdade".

Aí vai então:

"Depois de muita luta, muitos sapos engolidos (não literalmente), muito servir café e muito escutar broncas, eu consegui subir na cadeia alimentar!

Isso aí! Deixei de ser estagiário!

Até pensei em comemorar roubando um pedaço de torta de chocolate, mas, se alguém descobrisse, eu estaria ferrado. E isso foi antes da guerra, eu ainda era um 'novato' no prédio e morria de medo de ser demitido. Então, não, eu não roubei a torta. E nem conhecia ninguém na época pra me pagar um pedaço de torta.

Ainda sinto falta desse torta...

A ocasião merecia!

Enfim, ganhei minha alforria e saí da estagiescravidão (sem a Lei Áurea).

Ok. E agora? O que eu ia fazer da vida?

Resposta: diplomacia!

Isso aí, virei meio que 'aprendiz de diplomata'. Topo da cadeia alimentar com terninho incluído.

Aliás, acho que foi aí que peguei trauma de ternos. Ninguém merece usar essa coisa todo santo dia! Era tortura!

Por que diplomacia? Bem... Por que não? Eu nunca fiz ideia do que queria fazer da vida e qualquer caminho era um caminho válido.

Isso é... Até eu descobrir que diplomacia envolve ternos e muita, muita, muita leitura mesmo. Acho que li mais em um mês como diplomata do que li no meu ensino médio inteiro!

Por que diplomacia envolve tanta coisa? Não podia ser mais simples?

Bem, fique de lição: não arrume um emprego no puro acaso, sem fazer a mínima ideia do que esse emprego faz.

A não ser que você esteja a fim... Pelo menos é emocionante!

Claro que tinha suas vantagens... Os jantares, por exemplo.

A única coisa que valia a pena nessa coisa de 'terno' era o status que vinha junto! Por quê? Porque status significa jantares chiques! E jantar chique quer dizer comida boa!

Teve cada jantar ótimo... Jantar de negócios, claro. Sempre negócios. Mas eu era o novato, ninguém cobrava muitos negócios de mim.

E tinha até torta! Mas não era a mesma coisa...

Não existe torta mais doce que as tortas furtadas!

Perceba que 'torta furtada' é diferente de 'torta furada'. Acho melhor deixar claro porque, por algum motivo, o corretor automático é incapaz de processar esse fato.

Mas, ei, onde eu estava?

Ah! Jantares da diplomacia!

Pois é, eram ótimos mesmo.

E eu repito isso em parte para dar ênfase e, em outra parte, por não saber mais o que dizer e estar enrolando.

Acho dois motivos muito válidos.

Até tinha gente legal na diplomacia. Por exemplo, tinha a Jade. Ou Jasper. Ou Júpiter. Eu sei que era um nome forte, meio diferente, mas não esquisito. Enfim, a Joia/Janice/Jerê era gente boa, mas nunca nos aproximamos muito. Ela era uma diplomata competente e era gentil com 'o novato'. Fim. Aprendi isso depois de ficar 'forçando amizade' e ter ela recusando educadamente e dando sinais sutis de que eu estava passando do limite da 'cordialidade'. Como qualquer sinal sutil, eu só percebi quando outra pessoa, menos sutil, jogou o fato na minha cara.

Agradeçamos ao Rogério/Romário/Renan por isso! Quem é ele? Bem, na época, um estagiescravo. Hoje em dia acho que ele está no setor de reparos... Ou nos escritórios mais baixos. Talvez na psiquiatria... Não, pensando bem, ele não parece o tipo de cara que iria para a psiquiatria. Quem sabe nos laboratórios? Enfim, eu tenho certeza que atualmente ele trabalha lá pelos andares de cima!

Opa, me perdi de novo. Do que eu estava falando?

...

Ah! O Ronaldo/Reinaldo/Rêmulo, ainda estagiário, me explicando que a Jasperita/Jennifer/Joaquina não queria ser minha amiguinha, só estava sendo educada.

Para você ver como eu nunca impus respeito a ninguém: mesmo eu sendo diplomata (mais ou menos... Novatos contam, certo?), um estagiescravo se sentiu à vontade o bastante para 'botar moral' em mim ou seja lá o que ele fez. Só sei que me senti meio idiota depois da explicação... Normal.

Fazer o quê? Você deixa a estagiescravidão, mas a estagiescravidão não deixa você! De que adiantava usar aquele terno ridículo se todo mundo ainda me via como base da cadeia alimentar?

Assim que eu fui rebaixado, meu primeiro ato foi pôr fogo nos ternos!

O que provavelmente não foi algo muito inteligente porque agora, sempre que eu preciso de um, preciso pegar emprestado...

A sensação super valeu a pena!

Tá que eu devia ter escolhido outro lugar pra atear fogo... Tipo lá fora. Isso aí, ateei fogo em ternos dentro do prédio. Alguns andares ficaram cheios de fumaça e eu ativei os extintores de incêndio sem querer.

Por curiosidade, voltei a ser estagiário.

Sacanagem com a minha pessoa? Só um pouquinho... Mas é a vida e qualquer emprego é melhor que emprego nenhum.

Aposto que muita gente riu a minha custa por eu ter voltado à escravidão institucionalizada!

Por que eu fui rebaixado? Em resumo, porque eu era um diplomata péssimo. Horrível mesmo. Acho que um macaco amestrado num terno faria menos estrago.

...Quer saber? Esquece o macaco. Uma ameba num terninho microscópico seria melhor que eu.

Mas eu me esforcei, tá? Até li um montão de livros!

Enfim, fique de lição: ler um montão de livros não garante nada na sua vida."

A não ser que você seja crítico literário. Nesse caso, ler um montão de livros provavelmente garante alguma coisa.

Ou você pode ser professor de literatura.

Não... Pensando bem, pra ser professor não basta ler, tem que saber ensinar também!

Me deu uma vontade de comer torta de repente...

Torta é uma delícia! Pena que engorda e não é nutritiva.

Bem... Essa última parte é questionável. Não sei você, mas eu me sinto nutrido depois de comer torta.

Ok, eu me sinto cheio, mas é quase a mesma coisa!

Que bom que eu nunca fui nutricionista...

Ei, já te contei da vez que eu tentei cozinhar uma torta na cozinha da Chef Olga?

...Não? Sério mesmo? Não sei por que... Eu devia ter te contado isso antes! É uma boa história! Por que não pensei nisso?

Opa, espera, foco. Vamos à história:

(De novo. Acho que estou compensando pela falta de histórias da última vez):

"Aconteceu depois de eu ser demitido como 'ajudante/estagiário de cozinha' e antes de eu trabalhar na lanchonete. Eu estava naquele limbo entre empregos, quando eu não faço a menor ideia do que fazer com o meu dia ou com a minha vida de forma geral.

Então eu decidir fazer uma torta.

Pareceu bem natural na época, tá? Algo do tipo 'puxa, que tédio... Acho que vou invadir a cozinha e fazer uma torta'.

Por que eu não fiz bolo simplesmente? Fácil, porque, em geral, todos os meus bolos não crescem, ficam muito secos ou, mais comumente, pegam fogo e ficam parecendo pedaços carbonizados de algo levemente comestível. Se eu tiver sorte, o fogão não sofre muito estrago...

E é por isso que eu decidi fazer a torta!

Afinal, eu nunca tinha feito uma torta que deu errado, mas já tinha feito muitos bolos que foram um desastre... Faz sentido, não?

É claro que eu nunca tinha feito uma torta até aquele momento.

Peguei a receita mais fácil que achei e entrei de fininho na cozinha no horário de almoço. Não o horário de almoço normal, nesse aí a cozinha é sempre um inferno movimentado, fui na hora do almoço dos cozinheiros, que é depois da hora do almoço de todo mundo e antes da hora do lanche. Se eu acho meio engraçado cozinheiros terem pausa para o almoço e abandonarem a cozinha nessa hora? Na verdade sim.

Mas quem liga? Eu tinha a cozinha toda para mim por uma hora inteira! E uma receita em mãos!

Peguei uma panela e fui misturar os ingredientes. Leite condensado, leite não condensado, gema de ovo peneirada, amido de milho, margarina e chocolate.

Tá que até hoje eu não entendi porque eu tinha que peneirar a gema do ovo, mas a meti numa peneira mesmo assim e fiquei mexendo com uma colher pra ver se passava pelos furinhos. Não passou... Acho que era a densidade ou algo assim. Eu não soube o que fazer, então taquei a gema na mistura sem peneirar mesmo.

O amido de milho também foi complicado... Eu até consultei o dicionário pra ver o significado de 'amido'! Aparentemente, amido quer dizer polvilho, então eu ralei um pouco de milho, joguei no polvilho e joguei essa mistura na panela também.

Usei polvilho doce, claro. Afinal, eu não sou idiota o bastante pra tacar algo chamado 'polvilho azedo' na minha torta! Quem quer uma coisa azeda na torta? Quer dizer, se for de limão tudo bem, mas, tirando isso, eca.

Eu também posso ou não ter errado um pouquinho na medida dos leites. Tanto o condensado quanto o líquido. Mas foi erro de principiante, completamente perdoável.

E, pra acabar, o chocolate. Acho que quando a receita diz pra pôr chocolate, ela devia especificar que o chocolate deve pertencer a você! Eu só roubei a caixa de chocolates que a tia da creche tinha ganhado do noivo de colarinho branco e joguei todos os bombons lá dentro.

Eu sei, devia ter pegado da cozinha, mas sabe como é difícil achar chocolate na cozinha da Chef Olga? Talvez por ser mais movimentada nos horários de refeição mesmo... Mas qual é? Todo mundo precisa de uma sobremesa de vez em quando! De qualquer modo, achar chocolate lá é muito difícil porque até hoje eu não sei onde diabos a Chef Olga esconde os doces. Já fui sortudo de achar o leite condensado dando sopa por lá!

Então, sim, eu furtei uma caixa de chocolates por uma boa causa.

Mas, então, não tem esse tempo todo que eu levei para pôr os ingredientes, procurar os outros ingredientes, fazer buscas no dicionário e todo esse processo culinário padrão? Eu deixei o fogo ligado. E, aparentemente, eu devia ter mexido o tempo todo... Acabou um creme empelotado meio esquisito e com uns pedaços de milho dispersos naquela massa borbulhante desigual.
Ainda era melhor que meus bolos!

Dei de ombros, joguei aquela mistura numa forma quadrada de vidro (que eu untei com óleo por puro costume, mas não sei se devia ter feito...) e fui preparar a cobertura. Mais chocolate, creme de leite, claras em neve, açúcar. Mas eu já tinha usado todo o chocolate que eu tinha em mãos... Então usei canela no lugar, porque canela é uma delícia! Não achei creme pra pôr no leite, então usei só leite mesmo. Não neva por aqui, então não deu pra bater as claras em neve como mandava. Bati em gelo no lugar porque é quase a mesma coisa (se bem que a batedeira reclamou por causa das pedras de gelo no meio da clara). E a receita dizia 'colheres de sopa de açúcar', mas eu que não ia pôr sopa na minha torta! Eca! Usei só o açúcar mesmo.

Misturei tudo com uma colher, porque o gelo fez a batedeira pifar, joguei em cima da massa e coloquei tudo no forno.

Aliás, esse foi meu erro...

Talvez seja o costume de fazer bolo, mas eu ponho tudo pra assar.

E, por mais que eu ache que torta é prima do bolo, ela não assa! Ela vai pra geladeira direto, não pro forno.

Percebi isso quando o forno começou a soltar uma fumaça duvidosa e o cheiro ficou esquisito.

Infelizmente, foi aí que a Chef Olga percebeu também...
Uma hora passa tão rápido quando a gente se diverte, não? E acho que aquela mulher sente o cheio de encrenca na cozinha dela à distância! Ela é quase um daqueles cães farejadores!

Ganhei umas colheradas na cabeça (isso aí, no plural), uma bronca de um montão de gente, tive que limpar a cozinha toda, pagar uma batedeira nova e o conserto do fogão (que eu posso ou não ter quebrado numa tentativa mal sucedida de parar o cheiro forte antes que a Chef Olga devorasse meus rins ou algo assim) e ainda fiquei sem minha torta!

Mesmo assim, foi um dia emocionante.

Será que minha torta teria ficado boa?"

Bem, acho que está bom de histórias por hoje, sim?

Não é que eu não goste de você... É só que eu estou morrendo de vontade de roubar um pedaço de torta depois de falar tanto delas.

E por que não fazer? Não é como se eu tivesse planos melhores.

Aí já posso aproveitar a ida à cafeteria e ouvir as fofocas do prédio. Se tiver alguma. Sei lá... Nessa confusão, nunca se sabe, vai que o povo está tão confuso e perdido que nem acha tempo pra fofocar?

Se bem que essa é uma hipótese bem improvável...

Aliás, não sei por que eu estava tão indeciso com essa coisa de votação. Se eu for votar, é claro que vai ser na Branca de Neve. E o resto do povo provavelmente também.

Enfim, para a torta! Minha boca já está salivando...

Nos vemos por aí.


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