Narração Sarah

A dor que percorreu todo meu corpo, como se fosse passada pelas minhas veias, era algo que eu nunca havia sentido antes. Eu sentia o frio do ambiente colidindo contra o calor de todo meu corpo. Minha garganta parecia se fechar, como se recusasse a me deixar engolir a saliva. Meus olhos, que de tão cerrados já doíam, se abriam lentamente para olhar ao meu redor.

Eu estava caída no chão da sala, como eu já esperava graças ao frio que se concentrava em minhas costas. Girando apenas meus olhos com muito sufoco, eu conseguia ver minhas irmãs completamente entorpecidas de dor, talvez a mesma que eu estivesse sentindo, talvez ainda pior. A sensação de meus ouvidos explodindo não me deixava ouvir bem, mas eu tinha quase certeza que algumas delas estavam gritando.

Senti meu coração tremer de medo quando percebi que sim, elas estavam gritando.

Já os Irmãos Sakamaki nos olhavam de formas misturadas: Alguns pareciam preocupados ( O que faria meu coração dar pulinhos de alegria se eu não estivesse na minha atual situação), outros pareciam curiosos e até assustados.

—É o despertar- Ouvi, com dificuldade, a voz de Reijii- Espero que dessa vez a transformação ocorra bem. A última noiva não teve sucesso nesse quesito.

A última noiva... Despertar... Eu tenho quase certeza que ouvi Yui falando alguma coisa sobre isso.

O que era mesmo?

Mais uma fincada em meu coração me fez praticamente pular de susto, comprimindo meus lábios para não soltar ganidos de dor.

Olhei fracamente pros meninos, como se estivesse silenciosamente gritando por socorro. O que, em realidade, eu estava fazendo.

Então eu vi um pote de frascos na mão de Reiji... A mesma poção que ele havia me feito colocar na boca pra fazer Marie tomar... Para acabar com Cordelia no corpo da minha irmã mais velha. Espera aí...

Eu não me lembro deles terem falado que haviam feito mais.

Mas então um clarão me veio a mente, e eu me senti a pessoa mais inteligente do mundo.

Se eu bebesse essa poção, a dor pararia?

Comecei a tentar mexer alguns dedos de minha mão, que pareciam estar dormentes. Quando consegui mexer minha mão inteira, comecei a tentar mexer os da outra mão, os dedos do pé... Quando consegui mexe-los todos, comecei a tentar me sentar.

Caramba, aquilo era mais difícil do que eu pensava que seria.

Quando consegui com dificuldade, percebi Reijii completamente distraído e me concentrei em sua posição.

Eu só ia conseguir chegar lá me arrastando ou pulando de uma forma estranha. A segunda opção provavelmente daria errado, porém seria mais rápida. Então, ali vamos nós!

Consegui, de alguma forma, me ajoelhar no chão frio. Meu vestido parecia apenas um pedaço de tecido cor de rosa cheio de poeira e amassado naquele momento, mas eu não podia fazer nada que não fosse me lamentar naquela hora.

Com uma força que eu não sei da onde saiu, eu consegui pular e alcançar os pés de Reijii. Olhei para os lados, tentando ignorar meu pescoço que estalava dolorosamente cada vez que eu o movia, apenas para encontrar os meninos me olhando de forma ainda mais assustada e curiosa. Talvez eles estivessem perguntando o que eu planejava fazer, e nem eu não exatamente a resposta.

Esticando meus dois braços e soltando um grunhido de dor ao mesmo tempo, eu consegui alcançar a caixa e dobrei meus braços novamente, apertando o recipiente de madeira contra meu peito.

Abri a caixa e peguei um dos frascos sem pensar duas vezes. O abri com mais dificuldade do que pensei que teria e virei seu conteúdo em minha boca de uma vez.

O gosto era amargo e azedo ao mesmo tempo, e isso apenas se fortificava mais quando era engolido. Me senti fazendo uma careta quando o gosto forte me invadiu inteira.

Cerrei meus olhos, e apenas os abri de novo quando todas as dores em mim cerraram e um ganido de dor os fez se abrirem depressa  por conta do susto.

Tirando a delicada tontura que eu sentia, a poção havia funcionado completamente. Eu soltei um sorriso de meu rosto. Agora era hora de eu fazer minhas irmãs beberem a poção.

—Sarah-chan, o que você está fazendo?-  Ouvi Laito perguntar quando eu me levantei dos pés de Reijii, com a caixa ainda em mãos.

—Salvando as noivas de vocês- Eu disse, soando mais irônica do que eu planejava. Deus, eu acho que estou passando tempo demais com Nikki e Marie, me faça voltar á ser pura, por favor.

Corri até Victoria, primeiramente. Peguei um frasco e virei toda a poção em sua boca, não demorando pra fazer o mesmo com Sofie.

Não pude me segurar e dei um beijo na testa de Sofie. De todas nós, eu sabia que ela era a mais acostumada com aquele tipo de situação, mas mesmo assim eu sabia que ela sempre ficava muito afetada depois de suas crises de pânico. Meu instinto de irmã mais velha só fala muito alto nessas horas.

Nikki e Lua estavam muito próximas uma das outras, quase que abraçadas. Dei um sorriso e consegui colocar o líquido dos frascos em suas bocas ao mesmo tempo.

Depois disso, eu somente fiquei de pé, sorrindo com uma felicidade incrível explodindo em meu peito quando eu vi as quatro levantarem.

—Agora nós temos uma salvadora de vidas aqui dentro?- Victoria disse entre risadas delicadas, arqueando as duas sobrancelhas.

—Caramba, isso foi... surreal- Lua parecia sem fôlego, devido a sua respiração pesada- Acho que foi a experiência mais assustadora e incrível que eu tive na minha vida toda.

—Por que a Marie ainda não acordou?- Nikki arqueou uma das sobrancelhas, o que me fez olhar diretamente para a loira, ainda desacordada e deitada no sofá.

—Apenas o tempo pode fazer ela acordar, garotas- Sofie se levantou, limpando a poeira de seu moletom- Não se esqueçam que ela ainda está desmaiada por conta do afogamento.

Sofie me olhou com delicadeza, um sorriso raro e sincero se formando discretamente em seu rosto. Eu já vivi tempo suficiente com Sofie para saber que aquela expressão só podia significar orgulho e agradecimento.

Lua soltou um suspiro de alívio. Acho que ela estava começando a se perguntar se ela não teria errado e acabado esfaqueando o coração de Marie.

—O papo está ótimo entre vocês, bando de Chichinasis- Ayato resmungou, e nós todas reviramos os olhos ao mesmo tempo-  Mas nós também estamos aqui, sabiam?

—Isso é um papo entre mulheres, Sakamaki- Sofie disse, um sorriso de canto irônico em seu rosto. Tal ato me fez arregalar os olhos, não era do feitio de Sofie sorrir tantas vezes num dia só, quanto mais ser irônica. - E mais ainda, um papo entre irmãs.

—Exatamente.- Nikki concordou, trocando um olhar cúmplice com Sofie- Vocês até poderiam nos explicar as coisas que nós merecemos saber. Mas é melhor vocês não gastarem o tempo de vocês com suas próprias presas inúteis, não é mesmo?

Ayato acabou se afundando mais no sofá onde ele estava sentado após essa resposta.

Alguns engasgos vindo do sofá ao lado, chamaram nossa atenção.

Marie estava dando respirações fundas com muita dificuldade e cuspindo água em suas próprias roupas. Bastaram apenas alguns segundos para que eu e as meninas estivéssemos ao lado dela, a olhando cheias de esperança.

Quando eu olhei novamente pra aqueles olhos azuis-oceano, eu senti meu corpo inteiro relaxar.

—MARIE!-Victoria gritou, a abraçando no segundo que a loira tentou abrir a boca pra falar alguma coisa- NÓS ACHÁVAMOS QUE... NÓS...!

—Cara, essa foi a experiência mais assustadora e incrível que eu tive em toda minha vida- Marie sorriu fracamente, e eu juro que vi os olhos dela se encherem de lágrimas e Lua sorrindo de orelha a orelha- Primeiro eu vejo uma mulher, aí ela está no controle do meu corpo  mas eu sinto e vejo tudo, aí eu sou jogada no lago pela minha irmã, então sou salva por minha outra irmã, logo depois sou esfaqueada por outra irmã e depois sou beijada por uma outra irmã! Isso parece um filme de terror, meu Deus!

Eu não me segurei e me joguei no abraço com as duas. Lua não demorou muito tempo pra se juntar.

Pude ouvir dois suspiros cansados. Não posso negar que fiquei surpresa quando senti o abraço fraco de Nikki e de Sofie se juntarem á roda.

—Nós somos irmãos também, quando foi a última vez que nós tivemos uma cena assim?- Laito perguntou, ele tinha um tom sério e curioso em sua voz.

—Nós nunca tivemos uma cena assim, Laito- Subaru resmungou, e Laito soltou um “Oh” quase que decepcionado.

—E nunca teremos- Shu disse, e eu me assustei com sua voz. Eu jurava que ele havia dormido.

Nós todas nos soltamos do abraço quando a porta se abriu.

—Marie! Você está acordada!-  Jackson disse, correndo até nós e dando um abraço apertado em sua irmã mais velha- Desculpem o atraso, vocês não tem ideia do que a gente acabou de fazer.

—Provavelmente não, mas nós temos ideia do que nós acabamos de fazer- Eu sussurrei pra mim mesma, porém sorri delicadamente quando recebi um olhar confuso de Jackson.

—Nós viajamos até o mundo humano.- Lilith chegou perto de nós, dando um tapinha no ombro de Marie-  Tínhamos que falar com certos pais irresponsáveis a situações que as filhas deles estavam.

—Vocês falaram com nossos pais?!- Victoria parecia chocada e alegre ao mesmo tempo- E então, como é que foi?

—Os pais de vocês são estranhos. Eles estavam na mesa de um bar bebendo juntos porque eles “perderam todas as mulheres da vida deles”- Yui disse, se aproximando de Jackson. Eu fiquei assustada ao vê-la ali, já que fazia um bom tempo desde a nossa visita a sua casa.

—Meu Deus, eles estavam bebâdos?-  Sofie parecia preocupada e eu entendia seu motivo. Amanhã seria plena segunda , o que significaria que nosso pai teria que lidar com ressaca em pleno dia de aula.- Amanhã é segunda-feira, e ele é professor de faculdade!

—Bem, ignorando o fato de que Chronos, também conhecido como meu pai, chorou quando me viu e falou que eu estava um grande homem... Acho que eles não estavam bêbados demais.

—Caramba, já é segunda feira amanhã?- Lua parecia assustada- Eu não me lembro de termos ido quase todos os dias na escola, e já é final de ano!

—Lua, deixa de ser maluca, nós fomos pra aula, fizemos prova e estudamos muito- Nikki deu um soquinho fraco na cabeça de sua irmã mais nova- Afinal, daqui a um mês dois seres humanos dessa família farão prova de vestibular pra ir pra Universidade de Okyo, não é mesmo, Marie e Victoria?

—Caramba, vocês já vão pra faculdade?- Yui perguntou, parecendo feliz pelas duas- A minha formatura do Ensino Médio é ano que vem, vocês já decidiram qual curso irão fazer?

—A forma que o assunto muda tão facilmente me assusta- Subaru comentou, recebendo um “Uhum” como resposta de seus irmãos.

—Ciências da Computação.- Marie sorriu, ignorando completamente os resmungos dos Sakamaki- Eu sempre gostei muito de mexer com computadores, não posso fazer nada.

—Eu irei fazer Jornalismo- Victoria parecia super orgulhosa de sua escolha de curso- Eu era a estranha que gostava de estudar “Gênero Literário:Jornal” no ensino fundamental, não me julguem.

—Por que a Universidade de Okyo? Só por que é mais perto daqui?- Lilith perguntou, olhando diretamente pras duas mais velhas.

—Teddy, essas mulheres e esse menino são completamente malucos... Eles estavam falando sobre o despertar, depois falaram sobre os pais das meninas e agora estão falando de faculdade....- Kanato resmungou, e eu não pude deixar de rir com a confusão dos meninos. Realmente, era uma mudança de assunto extremamente gritante.

Mas o que eu podia fazer? Era assim que nós éramos, não é mesmo?

—Bem, esses garotos aqui- Marie apontou para os Sakamaki- Falaram que a gente vai ficar aqui até a gente morrer ou até a gente cansar e fugir daqui de uma vez...

—Mas a gente conversou a sós e percebemos que apartamento é uma coisa absurdamente cara, estamos realmente vivendo uma crise econômica e morar aqui é uma opção bem mais cômoda-  Victoria disse, sorrindo de orelha a orelha.

—Que conveniente elas viverem aqui pra não gastarem dinheiro- Reijii disse com puro desdém no tom de voz.

— Meu deus, parem de falar de faculdade e morar em outro lugar, isso me faz pensar que daqui a dois anos sou eu que vou ter que ficar pensando sobre isso!- Lua resmungou e depois bocejou- Caramba, eu estou com sono.... Acho que eu já vou dormir, boa noite meninas.

Eu bocejei na metade de um “Boa noite “ que eu estava falando.

—Sarah, acho melhor você ir também- Sofie olhou para mim, parecendo preocupada.

Então ela deu alguns passos para a minha frente e depositou um beijo na minha testa, sob os olhares chocados dos meninos.

Eu sorri, agradeci e acompanhei Lua até os andares de cima.

Quando cheguei ao quarto meu e de Kanato, eu só pude agradecer que eu iria ganhar uma noite completa de sono e me joguei na cama sem pensar duas vezes.