Jonas e o Teleporte escrita por Izaias Maia


Capítulo 6
Capitulo: Seis




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Jonas descia a rua com passos decididos. Não seria refém de uma empresa inescrupulosa, muito menos prisioneiro. Não aceitaria que ele e sua família passassem o resto da vida escondidos, privados de uma rotina normal, ocultos e convivendo com malucos conspiracionistas. E Júlio, o que seria dele crescendo num ambiente desses, com gente como o doido do Tadeu? Se ele e os seus amigos reclusos escolheram essa vida é por que são fracos, por que não tiveram coragem de encarar a Portal Tech. Jonas faria isso. Recorreria a advogados e levaria tudo à mídia se fosse necessário. Eles não fariam isso com sua família e... O smart vibrou em seu bolso.

— Voltou? – indagou-se pegando apressadamente o aparelho.

Recebendo chamada. Número desconhecido.

Jonas atendeu, desconfiado, olhando ao entorno. A rua estava vazia.

— Alô...?

— Um momento, por favor. – disse uma voz feminina.

Um jingle da Portal Tech começou a tocar, rapidamente interrompido por uma voz masculina amigável.

— Bom dia senhor Jonas! Ou seria boa tarde? Que horas são aí no Rio?

— É... Quem fala?

— Mas que indelicadeza a minha! – o homem riu de maneira simpática – Sou Fionn Costello, CEO da Portal Tech. Poderíamos no encontrar? Acredito que lhe devo algumas explicações sobre os acontecimentos de hoje.

Jonas estava atônito. O CEO da Portal Tech? Era algum tipo de brincadeira? Por um momento sentiu medo das proporções da situação em que se metera. Respirou fundo e retomou sua postura decidida.

— Não tenho dúvidas de que me deve muitas explicações, senhor Costello! A começar pelo meu smart, que até agora há pouco estava completamente morto e de repente recebe uma ligação sua!

— Eu sei que o senhor tem muitas dúvidas, senhor Jonas. Podemos nos encontrar?

— Com certeza! – disse com firmeza.

— Em 15 minutos na Prime Coffe? O senhor está aqui perto, não é mesmo?

— Estou... Mas como você sabe...

— Ótimo! Aguardo o senhor lá! – e desligou.

Jonas ficou parado por um momento olhando para a tela do smart. Não havia mais sinal da rede. Achou-se idiota por pensar que poderia aproveitar o sinal e ligar para sua esposa. Sua cabeça fervilhava de dúvidas. Como eles bloquearam a rede do seu smart? E sua rede social? A foto do café foi simplesmente apagada e o “outro” Jonas postou a foto que ele postaria logo mais. Como eles ainda poderiam saber sua localização? Olhou ao redor. Havia uma câmera de segurança urbana na esquina. Seria possível?

Sentiu medo.

Passou a mão pela cabeça, respirou fundo. Olhou em volta: estava sozinho na rua. Ergueu os dois braços no ar e esticou-se. Depois colocou as mãos na cintura, de punhos fechados, peito estufado e queixo erguido. Assim ficou por alguns minutos. Era a postura de poder que aprendera com seu coach. Postura que afasta os medos, a ansiedade e empodera o vencedor. Sempre fazia isso antes de reuniões importantes.

O problema, que Jonas não percebia, era que a situação que enfrentaria era bem diferente de uma reunião corporativa. Aqui ele poderia, na verdade, se beneficiar de um pouco menos de autoconfiança e um pouco mais de medo e ansiedade, que o impediriam de fazer uma besteira.

Entrou decidido na cafeteria. Parado junto à porta olhou ao seu redor. Estava mais cheia que pela manhã. Diversas mesas ocupadas. Pessoas conversando enquanto tomavam café e comiam salgados. Garçons deslocavam-se com agilidade levando e trazendo bandejas. Sentiu-se algo aliviado. Estava em um ambiente seguro.

Em uma mesa de dois lugares, junto à grande janela de vidro que dava para a rua, um homem ruivo acenava.

— Aqui, senhor Jonas – chamava animado o homem com um sotaque inglês carregado.

Seu sotaque era irlandês, na verdade. Mas Jonas não sabia a diferença.

— Sente-se, por favor! – solícito, puxou uma cadeira para Jonas e acenou para um garçom – Aceita um café?

— Um lungo arábica, por favor.

O garçom prontamente anotou seu pedido. Fionn Costello aparentava uns trinta e poucos anos, bastante jovem para um CEO de uma multinacional do porte da Portal Tech. Os cabelos ruivos e bem cortados, intencionalmente bagunçados, somados à camiseta estampada sob um blazer moderno davam-lhe um ar ainda mais jovial. Moderno. Descolado.

— Pode me chamar de Fionn, por favor. – apresentou-se.

O jovem executivo esclareceu que ao ser notificado sobre a falha do dispositivo de Jonas se prontificou a resolver o assunto, pessoalmente, esclarecendo qualquer equívoco e sanando quaisquer dúvidas que possam ter surgido acerca deste incômodo mal-entendido.

— Pois bem, senhor Fionn, o que o senhor tem a me dizer sobre o ocorrido? – começou Jonas em tom interrogativo.

— Bom, novamente peço desculpas em nome da Portal Tech, senhor Jonas. Asseguro-lhe que estas falhas são exceções. A nossa rede de teleportes realiza dezenas de bilhões de operações todos os dias e podemos contar nos dedos as falhas significativas. Gostaríamos de reparar o incômodo com a troca do seu dispositivo e oferecer um plano vitalício, sem qualquer custo para o senhor e sua família.

— Certo... – respondeu Jonas enquanto tomava um gole de café – Mas acho que o senhor está me subestimando, senhor Fionn. Eu sei bem mais do que o senhor supõe que eu saiba.

— Ah, é? – indagou o executivo com curiosidade – Pois conte-me.

Jonas apoiou os cotovelos sobre a mesa e inclinou-se, aproximando-se do homem do outro lado.

— Eu sei que os teleportes não são exatamente teleportes!

— Hum? – murmurou Fionn enquanto tomava o café.

— Os dispositivos escaneiam a pessoa e criam uma cópia no dispositivo de destino. Em seguida ele desintegra a pessoa na origem com uma carga alta de radiação gama! A sua máquina mata o usuário toda vez eu ele a usa! – disse aumentando o tom de voz propositalmente. Nenhum outro cliente da cafeteria pareceu escutá-lo.

Fionn respondeu com um sorriso compreensivo.

— O senhor tem razão, exceto por alguns erros conceituais. O primeiro erro é que não se trata de radiação gama. Mas é um conceito técnico, tudo bem. O segundo é que não se trata de morte, propriamente dita.

— Como não? O usuário é destruído completamente! Isso não é matar?

— Destruir quer dizer fazer com que algo deixe de existir. O usuário do teleporte não deixa de existir. Ele continua existindo no dispositivo de origem. A diferença é que seu corpo foi construído usando outros átomos. O corpo “original” (se é que podemos chamar assim) serve de molde para o corpo que será materializado no destino. Obviamente o molde deve ser destruído, caso contrário teríamos uma máquina de clonar à distância, não é mesmo? – Fionn riu descontraidamente, como se contasse um caso curioso do dia-a-dia.

— Mas do que você está falando? Você destrói a pessoa e cria uma cópia no seu lugar. Não é a mesma coisa!

— Sim, senhor Jonas, é a mesma coisa. – Fionn debruçou-se sobre a mesa e passou a explicar gesticulando com a didática de um professor. – Mesmo que nunca tivesse usado teleportes, você não seria o mesmo desde que nasceu. Nosso corpo troca suas partes continuamente. Cada vez que vamos ao banheiro, ou respiramos, ou nossa pele descama, estamos perdendo moléculas. E as repomos sempre que comemos, por exemplo. A matéria que compõe nosso corpo não é sempre a mesma. Nossas células estão sempre morrendo e sendo trocadas por novas. Mesmos nossos neurônios, alguns sempre estão morrendo, outros refazendo conexões de um modo dinâmico.

Jonas concentrava-se tentando acompanhar o raciocínio.

— Somos como o navio de Teseu, senhor Jonas. O senhor conhece essa alegoria?

Apenas balançou a cabeça negativamente enquanto tomava seu café.

— Teseu foi um herói da Grécia antiga. Passou vários e vários anos viajando com seu navio e sua tripulação. Como era de se esperar, ao longo de sua viagem o navio precisou de reformas. Eventualmente precisaram trocar as velas. Em outro momento um mastro ou uma viga, fizeram reformas no casco... Quando aportaram novamente em Atenas, após anos de aventuras, o navio não possuía mais nenhuma estrutura original. Então surge o questionamento: o navio que retornou é o mesmo que partiu?

— Eu acho que... – Jonas estava confuso – Onde exatamente o senhor quer chegar?

— O navio continua sendo o mesmo, embora tenha trocado todas as peças. O que define o navio não é tão somente sua estrutura física, sua matéria. É sua história, as memórias que ele carrega. Assim como nós. Não somos apenas os átomos que nos compõe. Somos nossas memórias, nossa consciência, a bagagem cultural que carregamos. A matéria é efêmera. Estamos trocando átomos o tempo todo e nem por isso deixamos de ser nós mesmos. Concorda?

— Bem, dizendo desta maneira... De fato, não somos apenas a matéria...

— Pois então, é apenas isso que acontece ao teleportarmos. A matéria é trocada, exatamente como acontece naturalmente. Porém, continuamos os mesmos. Nossas memórias, cognição, lembranças, são exatamente as mesmas.

Jonas recostou-se pensativo na poltrona. Tomou mais café e comeu alguns biscoitos. Os argumentos de Fionn eram realmente bons, embora não estivesse completamente convencido.

— Mas o teleporte é um processo artificial. Reconstruir um corpo inteiro diversas e diversas vezes vai incorrer, eventualmente, em algum erro. Algumas células fora do lugar resultariam em uma disfunção orgânica. Ou alguns neurônios arranjados de forma equivocada poderiam levar a um problema neurológico... ou deixar alguém louco, talvez. Não, não! Isso não está certo, é muito perigoso!

— Essa é uma conclusão errada frequente entre os leigos, senhor Jonas. Todo o software do sistema de teleporte foi elaborado por uma inteligência artificial baseada em computação quântica. Testes são feitos constantemente em nossos servidores, simulando as mais variadas situações adversas. Claro, existem erros, mas são ínfimos.

— Ínfimos? Tem uma cópia minha no meu trabalhando vivendo a minha vida! Isso não é ínfimo para mim!

Jonas exaltava-se propositalmente, tentando chamar atenção dos demais clientes na cafeteria. Em vão.

— Já disse que se trata de um evento isolado. Todos os dias são bilhões de teleportes. Isso dá algumas dezenas de trilhões de teleportes por ano. Sabe quantas falhas tivemos no último ano? E não me refiro à falhas significativas. Me refiro ao número bruto, incluindo as falhas mínimas, resolvidas pelo próprio sistema sem intervenção humana. Diga, quantas você acha?

— Eu não sei... isso não vem ao caso...

— Dezessete, senhor Jonas. Dezessete falhas entre dezena de trilhões de teleportes no último ano. Dessas, cinco necessitaram de intervenção da nossa equipe.

— Mas eu... o que quero dizer é que...

— A última falha de desintegração, que basicamente foi o que houve com o senhor, foi há dois anos. É um evento raríssimo. Por isso mesmo eu fiz questão de vir pessoalmente resolver esta situação.

— Mesmo assim! Cinco falhas sérias, isso é muito! Cinco pessoas tiveram problemas a ponto de precisarem de ajuda. Isso é significativo!

Fionn riu. Sentia-se discutindo com uma criança que argumenta que a Terra é plana ao observar o horizonte reto.

— Não, senhor Jonas, não é significativo. Um sistema que opera apresentando cinco falhas a cada algumas dezenas de trilhões de processos é um sistema virtualmente perfeito. Você tem mais chances de morrer de um ataque do coração súbito sem doença cardíaca prévia. É uma questão de estatística.

Jonas calou-se por um momento. Parecia bastante coerente o argumento. Embora não gostava de admitir, ele estava se convencendo.

— Certo. Digamos o que o senhor tenha me convencido. – enquanto Jonas falava Fionn disfarçava um sorriso de satisfação – O que acontece agora? De qualquer maneira, tem uma cópia no meu trabalho, fazendo tudo como se fosse eu.

O sorriso de Fionn se desfez em um franzir de lábios.

— Ele não é uma cópia, senhor Jonas. Ele é você. O senhor, que está aqui conversando comigo, é o molde. A sua existência é resultado da falha, não a do Jonas que está no seu trabalho.

Jonas ficou tenso. Apertou o braço da poltrona e afastou-a alguns centímetros.

— O que o senhor está querendo dizer?

Fionn respondeu com a voz firme e as palavras precisas:

— O senhor precisa ser desintegrado.

Seguiu-se um silêncio. Apenas o burburinho dos clientes na cafeteria. Jonas tentou concentrar-se em seu raciocínio. Estava difícil. Todo o barulho do lugar parecia crescer em volume e sobrepor-se aos seus próprios pensamentos. Estava suando. A respiração estava pesada.

Explodiu batendo sobre a mesa.

— Enlouqueceu? – berrou – Você quer que eu concorde em me matar?

Fionn permanecia com a expressão impassível.

— Desintegrar. Não há dor, não há sangue, não há cadáver. O senhor entra na máquina, nós a ajustamos para executar apenas a fase de desintegração. Mais tarde o senhor vai voltar do trabalho, encontrar sua mulher e filho e tudo continuará como sempre foi.

— Não sou eu quem vai voltar! Será a minha cópia!

— Achei que já tínhamos passado essa etapa... – suspirou Fionn.

— Por que eu? Desintegrem a minha cópia, oras!

— Não podemos. A sua “cópia” não está ciente de nada disso. Ele já trabalhou hoje, já conversou com seus colegas, já ligou para a esposa. Você, por outro lado, está completamente abalado pelas últimas revelações. Essas informações podem afetá-lo psicologicamente de maneira...

— Corta essa! Vocês não querem que eu conte nada, isso sim!

Fionn deu de ombros.

— Que seja. A questão é que esta é a única saída. Não há mais o que se fazer, senhor Jonas. – o tom amigável de Fionn deu lugar a palavras duras e autoritárias.

— Não vem com essa! Há sim o que fazer, e eu vou te dizer!

Jonas levantou-se abruptamente, derrubando a poltrona. Sentiu-se tonto. Talvez se levantara rápido demais. Falava alto com Fionn apontando-lhe o dedo indicador.

— O senhor vai providenciar para que o outro Jonas seja desintegrado, não eu! Depois eu quero que tire aquela máquina medonha da minha casa e apague qualquer registro do meu nome na empresa. Não quero mais nada com vocês. Aliás, antes disso, vão trazer minha esposa e meu filho. De avião... isso! Eles não vão usar mais... o teleporte... é perigoso... e eu... eu...

Jonas cambaleou. O suor escorria pela testa. Escutava sua própria voz lentificada, arrastada. Sentia-se bêbado.

— Eu também quero... pagamento... ou vou... contar tudo que sei... – sentiu suas pernas fraquejarem e precisou se apoiar no balcão.

— Resistir é inútil, senhor Jonas.

— O que você... fez? O café... você me drogou?

— Acalme-se. Entenda que não há outro jeito.

Jonas tentou afastar-se. Com passos cambaleantes, apoiando-se no balcão, tentava alcançar a próxima mesa.

— Socorro... por favor, alguém! Esse homem quer me matar! Chamem... a polícia!

Não conseguindo mais se segurar, Jonas foi ao chão. As pessoas agora faziam silêncio. Todos olhavam o homem rastejando e pedindo ajuda. Em silêncio.

Fionn calmamente virou o último gole de café. Limpou a boca no guardanapo deixando escapar um suspiro desapontado. Estralou o dedo e fez um sinal com a mão.

Todos os presentes se levantaram de uma vez. Jonas, do chão, acenava pedindo ajuda. Alguns foram até a grande janela de vidro e baixaram a persiana. Uma moça foi até a porta da frente e a trancou. A seguir todos saíram por uma porta no fundo do salão. Seguiu-se o barulho da fechadura.

Fionn e Jonas estavam sozinhos na cafeteria.

Jonas encarava apavorado o executivo ruivo. Agora percebia que cometera um erro terrível.

O homem veio até ele e agachou-se ao seu lado. Ouviu sua voz calma, e com certo pesar, dizer antes que desmaiasse:

— Você nos subestimou.

(...)

Jonas estava sonhando. Um sonho confuso e perturbador como os que são induzidos por sedativos.

Um fluxo constante e frenético de imagens e cenas que corriam como a timeline de uma rede social. Jonas se via jovem e bonito. Fazia poses sem camisa com uma bela paisagem ao fundo após uma corrida. Cercado de pessoas em uma festa. Cercado de pessoas erguendo uma garrafa que soltava faíscas de sua tampa. Um vídeo tremido com várias garotas cantando alto em torno dele e em frente ao palco. Na praia. Em um barco. Águas azuis do mar. Cercado de gente bonita. Homens, mulheres. Todos bonitos, bem arrumados, sarados e seminus. Nem uma gordurinha a mais. Sem olheiras, sem rugas, sem pneuzinhos inevitáveis de quem pariu há alguns anos e cuida da casa e de uma criança pequena. As imagens fluem num ritmo mais acelerado. O contador de likes dispara. Comentários atrás de comentários. No entanto, nenhum rosto conhecido.

Onde estavam Amelie e Júlio?

Nenhuma foto de sua esposa e filho. Nenhuma menção. Nada.

A satisfação momentânea dá lugar ao desespero. Um vazio sufocante toma conta de seu peito enquanto corre angustiado pelas dezenas de fotos. Pelos rostos desconhecidos. Centenas de rostos desconhecidos. A música das festas ficava ensurdecedora. As risadas pareciam escarnecer de seu desespero.

“Cadê a minha família?” – tentava gritar, mas a voz não saía.

Subitamente as imagens se foram e sentiu-se cair em queda livre no vazio.

Acordou sobressaltado.

Com a respiração acelerada, levou a mão ao peito. A camisa estava encharcada de suor. Estava dentro de seu teleporte.

Levantou-se rapidamente, sendo aplacado por uma tontura passageira. Cambaleando tentou abrir a porta. Trancada.

Escutou um ruído vindo do lado de fora. Parecia o som de alguma ferramenta elétrica parafusando algo. Lembrou-se da tampa na lateral de seu teleporte, desmontada e exibindo os sinais de perigo de morte e radiação.

Um desespero tomou conta de Jonas ao dar-se conta do que aconteceria a seguir.

Bateu com força na porta, chacoalhando toda a estrutura.

— Me tirem daqui! Socorro! Abram esse negócio! Por favor! – gritava a plenos pulmões enquanto esmurrava a porta.

O ruído parou por um momento. Jonas também parou. Tentou escutar com o ouvido colado ao metal frio. Duas vozes trocaram algumas poucas palavras. O ruído voltou.

Jonas esmurrava a porta com toda a força. Gritava e pedia pelo amor de Deus. Chamava pela mulher e pelo filho. Pedia que não fizessem mal a eles. Pediu para vê-los uma última vez. Ao menos que o deixasse ligar para eles. Ouvir a voz deles. Ele não falaria nada, só queria ouvir suas vozes mais uma vez. Sentiria muita falta deles. Começou a chorar. Encostou a testa na porta metálica e chorou copiosamente.

O ruído cessou. Os protestos de Jonas também.

Uma voz sussurrou do outro lado. Era Fionn:

— Acalme-se Jonas. Vai ser mais fácil se ficar calmo...

Afastou-se da porta secando as lágrimas. Respirou fundo.

Lembrou-se de Amelie, sua esposa. De quando se conheceram, do primeiro beijo. Do dia que conheceu o pai dela. Do namoro. Das brigas. Da primeira vez que fizeram sexo. Lembrou-se de beijar sua nuca, da maciez de sua pele e do cheiro dela depois do banho. Sentiu saudades dos seus beijos de bom dia.

As luzes brancas do dispositivo assumiram um tom azulado.

Lembrou-se de Júlio. Do seu nascimento. De quando acordou de madrugada por que ele estava chorando. De vê-lo brincar na praia. De jogar vídeo game com ele. De colocá-lo para dormir mais cedo para passar um tempo com Amelie.

A luz azulada tornou-se mais forte. Mais quente. Um zunido crescia ao fundo.

Quando as coisas desandaram? Quando começara a desejar mais as sensações efêmeras e superficiais à concretude dos sentimentos sinceros que tinha em casa?

Olhou para a palma de sua mão. Pequenos fragmentos soltavam-se e se desmanchavam-se no ar, brilhando como fagulhas de lenha revolvida na fogueira.

Não sentia dor. Sentia saudades. Queria estar com Amelie, abraçado à ela. Com Júlio entre eles. Esparramados na cama.

Seu corpo se desmanchava em partículas brilhantes.

Queria ter aproveitado mais. Não queria essa sensação amarga de arrependimento, de ter perdido tanto tempo desejando aquilo que não era para ele.

Uma lágrima rolou por sua face em fragmentação.

Seu corpo agora era, quase que completamente, uma suspensão de partículas no ar. Mas antes que todo seu cérebro se desfizesse, um último impulso elétrico percorreu seus neurônios. Um último pensamento antes que aquele corpo deixasse a existência:

“ A aliança ficou na pia do banheiro...”

FIM


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