Jonas correu o histórico de suas fotos. Nenhum sinal da que tirara mais cedo do copo de café.

A publicação mais recente era uma selfie sua no escritório. A gravata alinhada. As planilhas ao fundo. A legenda com a citação do último workshop motivacional. Os likes passavam de uma centena. Dezenas de comentários elogiosos. Até sua esposa comentara.

Sentiu o peito apertar. Sua cabeça doía. As pernas fraquejaram e, à passadas cambaleantes, voltou e deixou-se cair na poltrona velha.

— Acredita agora, Jonas?

Cobriu o rosto com as mãos e esfregou os olhos com força, querendo acordar deste pesadelo caótico e voltar para sua adorável vidinha ordinária.

— Não. Está errado, Tadeu!

— Como assim? Aí está a evidência, Jonas!

— Uma foto na rede social? Isso não quer dizer nada! Tem muita coisa que não faz sentido!

A incredulidade do não-esclarecido. Não era situação inédita para Tadeu. Sentou-se em frente ao amigo como um professor particular de um aluno mimado que não consegue entender a matéria.

— O que não faz sentido, Jonas?

— Toda essa loucura de morrermos e sermos clonados a cada vez que nos teleportamos! Por que ninguém levou isso a público?

— Mas claro que levamos! Existem inúmeros fóruns na internet sobre o tema, blogs, vídeos, podcasts... Mas ninguém nos leva à sério. Somos vistos como malucos, teóricos da conspiração sem credibilidade. Além do que, não podemos provar nosso ponto.

— Como...? – indagou Jonas.

— O que temos são fatos e relatos. Sabemos da verdade por dedução acerca de casos bizarros. Pessoas que não se materializam nos dispositivos de origem, que apresentam mudanças de personalidade, que apresentam más-formações nunca antes diagnosticadas. Além, é claro, do comportamento da Portal Tech extremamente agressivo em apagar todas essas evidências e calar todos os envolvidos nos incidentes.

— Mas então, é especulação?

— Não, Jonas. Diversos teleportes já foram desmontados. Eles possuem de fato reatores de raios gama. Possuem circuitos e processadores semelhantes em estrutura à escâneres quânticos. É só juntar as informações e tirar suas conclusões.

— Mas essas são as evidências, Tadeu! A Portal Tech não pode negar isso!

— Você os subestima, amigo. Eles podem e negam. Para cada alegação nossa eles têm uma resposta altamente técnica que não conseguimos contra argumentar. As pessoas, os engenheiros, com conhecimento suficientemente aprofundado em física quântica que poderiam provar como de fato funciona o teleporte trabalham para a Portal Tech.

— Mas e se...

— Nós já tentamos. Seja qual for a sua ideia para desmascarar a Portal Tech, já foi tentada. E acredite, qualquer tentativa mais ousada de revelar a verdade acaba em morte. Queima de arquivo.

Jonas engoliu em seco.

— É... é este tipo de gente com quem estamos lidando.

— Mas então o que eu faço? Eu uso o teleporte desde criança! Vai saber que danos eu não acumulei ao longo dos anos! E se na próxima minhas tripas se materializarem fora do meu corpo, ou, sei lá, se alguma coisa no cérebro mudar de lugar e eu ficar louco ou... e a alma? Meu Deus, alguma coisa da minha essência já deve ter se perdido... Céus! O Júlio!

— Exato, cara... É muito perigoso!

— Eu não vou mais entrar naquela merda! Nem vou deixar minha mulher e meu filho usarem também. – levantou-se afobado – Eu preciso busca-los! Como compro passagem de avião? Preciso busca-los!

Tadeu juntou-se ao colega assustado em tom solícito.

— Não se preocupe, Jonas. Eu vou ajuda-lo! Vocês podem se esconder aqui comigo até arrumarmos um lugar, identidades novas e...

— Espera aí... como é que é?

— Isso, eu tenho contatos que podem ajudar...

— Tá maluco Tadeu? Que papo é esse?

Tadeu respirou fundo e segurou o amigo pelos ombros, olhando profundamente em seus olhos.

— Não tem outro jeito, amigo. A Portal Tech já sabe o que aconteceu. Eles virão atrás de você!

— O quê? – Reagiu Jonas, desvencilhando-se do amigo. – O que você tá querendo dizer com isso?

— Jonas, não tem outro jeito! Todos que descobrem a verdade viram alvo da Portal Tech. Você precisa se esconder. Nós vamos acolher você e sua família. Junte-se à causa e nos ajude a espalhar a mensagem sobre a verdade dessa corporação maligna!

Tadeu discursava com dedo em riste. Discorreu sobre a causa, sobre a comunidade de esclarecidos que viviam nas sombras, sem usar teleportes, sem usar redes sociais, sem internet. Um sacrifício para manterem-se invisíveis à Portal Tech e espalhar através dos blogs e sites da deep web a verdade sobre os teleportes. Uma tarefa árdua e ingrata, que custava caro. Não era fácil lidar com o julgamento das pessoas, ser chamado constantemente de louco, de maluco conspiracionista. Era o preço a ser pagar por tão nobre e grandiosa tarefa de trazer a verdade à luz.

— Nem fodendo! – exclamou Jonas entregando a caneca de chá ao amigo.

— Oi?

— Nem fodendo que eu vou virar minha vida do avesso por causa dessa merda! Tá doido? Viver escondido, no meio de malucos?

— Não somos malucos, Jonas! – exclamou nervoso o amigo.

— Ok, desculpa... mas não vou virar minha vida de cabeça para baixo por causa disso.

— O que você vai fazer então?

— Olha, muito obrigado por tudo, amigo. Mas vou resolver as coisas do meu jeito.

Com passos firmes e decididos Jonas foi para a porta do apartamento.

— Não faça nenhuma besteira!

Jonas virou-se e respondeu antes de fechar a porta atrás de si:

— Eles farão uma besteira se ficarem no meu caminho e no da minha família.