DeH; Os Brutos escrita por P B Souza


Capítulo 7
Epílogo; Paz




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Atravessou a Floresta do Chavelho e a Floresta do Sempre Cinza, surpreso em apenas estar vivo. O caminho fora traiçoeiro e perdeu-se algumas vezes. No final encontrou o vilarejo.

Conseguiu se alojar em troca de serviço. Por três dias ajudou um senhor a arar sua plantação para uma nova semeadura. Abriu sulcos grossos na terra endurecida.

— Ganhei essa fazendinha de um bêbado, ele confundiu o filho do Senhor da Meia-Mata com alguém que lhe devia dinheiro e eu tive a sorte de separar a briga. Como recompensa ganhei as terras, e como punição o bêbado perdeu a cabeça. — O velho explicara para ele algumas vezes, se repetindo nas histórias enquanto assistia o menino arar a terra.

Ficou ali por quase uma quinzena, pois havia comida, havia tranquilidade, havia trabalho justo e mais importante, havia paz. De onde vinha, a guerra desolara tudo, e sobrara apenas miséria, sua história era um borrão de memórias tristes e sanguinolentas das quais de noite tentava evitar pensar para não ter pesadelos. Até mesmo as lembranças felizes amargavam quando pensava no que deixou de fazer, quando a culpa cortava mais fundo que a esperança.

Mesmo assim, ali estava ele, pronto para tentar novamente, para fazer a diferença. Mas não sabia se poderia, como conseguiria?

Então continuava arando a terra, plantando para o velho, e colhendo para o velho. Cozinhando vez ou outra e indo até o mercado toda quinzena comprar qualquer coisa que a fazendinha não prouvesse.

Um dia, porém, enquanto andava pelo mercado, viu Lorde Teohr Eremnelle em sua liteira indo para o palácio. Pensou na carta que guardava consigo, e como poderia entregar para Teohr, pois sabia que se Teohr lesse o conteúdo, a carta chegaria até o Rei Eggort, e tudo mudaria. Mas apenas olhou o lorde em sua liteira, imaginou os desdobramentos de suas ações, e não chegou a agir.

Retornou naquele dia, cabisbaixo e desanimado, para a fazendinha e lá foi dormir com os pensamentos lhe levando de volta ao seu passado de horrores. Daquela vez não tentou impedir, pois se sentia culpado. Tive a chance e não fiz nada. Mereço esta dor.

Conforme os dias passavam, o tempo continuava a mudar, as notícias da guerra se tornavam cada vez mais alarmantes, e diziam ainda que a Deusa Arcaia havia retornado dos mortos para reaver o que era seu por direito, e salvar a todos. O mundo conhecido se dilacerava em caos, em todos os lugares parecia haver guerras, no sudeste Bomferro se despedaçava contra Moogul, no Noroeste as cidades pequenas faziam fraca oposição às guerras de conquista de Javargh, no centro da ilha os magos de Garfh reviviam a crença em Arcaia profetizando seu retorno, no sul Kognaryh atacava todas as cidades-estados e cercava Duhr’Avél.

No norte até mesmo as pacatas cidades congeladas pareciam estar entrando em alvoroço. O mundo conhecido estava em guerra, menos ali. O Reino da Marca Branca continuava escondido entre a floresta e a montanha, com o Rio Azul passando cristalino pelos campos, as fazendas dando fartas colheitas e o povo vivendo como a vida deveria ser, tranquila e serena.

Era aquilo que ele queria, era o que tinha antes de acontecer...

Mas não valia pensar naquilo, não mais.

Aqui há paz, a guerra não nos alcançará, não há o que temer. Eggort nos protegerá.

E assim, pegou a carta certa noite, olhou para o nome assinado ali. Não sabia ler, mas sabia o bastante para entender que aquele era um nome. Letrüssio. Pensou, se lembrando de quando tempos atrás o homem havia lhe dado aquela carta escondido “leve-a para meu irmão, chama-se Akram”.

Por muito tempo questionou se aquilo seria importante ou não. O tal Letrüssio morrera enforcado no mesmo dia que lhe dera a carta, deixando para trás esposa, filha e protegido. Aquilo fora chamado justiça pelo Rei Ellor, de Javargh. Ele não entendera na época, mas agora via a verdade.

Após deixar a estalagem de seu pai, o Rei Ellor entregou algumas moedas e os pertences dos enforcados para “pagar pelos infortúnios”, dissera um dos soldados. Parecia um bom rei. Até que mais tarde chegassem mais soldados, soldados cruéis com as bandeiras do dragão azul sob o luar prateado. Pilharam e deixaram a estalagem com mais um corpo morto; seu pai. Nos sonhos ainda podia ouvir a voz do soldado gritando em sua orelha “Isso é guerra, criança. Isso é guerra”. Odiava a guerra, mas mais que isso, odiava quem tinha trazido a guerra até sua paz. Odiava Ellor.

Mesmo assim, olhando para a carta, não via mais motivos para mantê-la. Havia muita guerra no mundo, mas não ali.

— Seyrãn. — O velho lhe chamou. — Venha cá, homem. Vai começar a chover e as roupas estão todas penduradas ainda. Recolhe-as, depressa, já garoa. O que faz nesse quarto?

Seyrãn lançou um último olhar para a carta, ignorante de seu conteúdo, e a jogou na lareira.

— Já vou velho! — Gritou em resposta, e foi saindo de seu quarto.

Não era sua casa, mas era paz.

E foi nesta paz, ainda naquela noite, que Seyrãn se deitou pronto para dormir quando ouviu trombetas.

O velho gritou de desespero. Ele acordou em sobressalto, o terror alcançara-o?

Não...

Ao abrir os olhos tudo se desfez. Era apenas um pesadelo, olhou pela janela, o sol nascia mais uma vez. Sorriu, grato pela paz que conseguira, e foi pegar a enxada para arar mais uma vez a horta.


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