Silent Pain - Love Doesn't Have Legs escrita por UnknownTelles


Capítulo 8
Acordo Perigoso


Notas iniciais do capítulo

Oiii! Me diverti muito escrevendo esse capítulo, espero que se divirtam lendo!
Vou deixar nas notas finais o link para a minha nova história.
Essa foto do capítulo é para aqueles que não sabiam da existência de um teclado musical flexível, vai ajudar a imaginar corretamente a cena mais a frente.
Boa leitura!



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Eu não sabia o que pensar naquele momento. Ela ficava na casa deles o dia inteiro, só ia embora à noite. Não era como se eles fossem conversar muito, eu entendia que ele tinha um problema com pessoas, mas era ela quem preparava a comida, então ele tinha que vê-la pelo menos na hora do almoço.

Jonathan pareceu entender a confusão que estava a minha cabeça, pois ainda sorrindo respondeu:

— Quando nos mudamos para aquele apartamento e Carla começou a trabalhar conosco, nós damos para ela um celular para se comunicar com Evan. Ela tinha que mandar mensagem avisando que havia chegado e de novo quando saía para que ele não esbarrasse nela enquanto estava lá. Quando o almoço e a janta estavam prontos, ela colocava na porta e mandava outra mensagem para que ele saísse do quarto para pegar — abri a minha boca, mas eu não tinha o que falar. Eu não sabia nem o que pensar. — Até três dias atrás Evan só tinha três números para contato no celular: o meu, o de minha mãe e o de Carla.

— Ele me mandou mensagem hoje — finalmente eu encontrei a minha voz.

Jonathan assentiu.

— Sexta de manhã quando eu avisei que não precisava ir trabalhar eu tinha dado a Evan o seu número para ele mesmo te avisar. Ele não tem muitos problemas em falar com outras pessoas por mensagem de texto.

Balancei minha cabeça concordando. Minhas suspeitas estavam corretas. O problema dele era o encontro físico.

— Percebi, mas por que ele mesmo não me avisou então? Pensei que só tinha conseguido meu número hoje.

Ele levantou os ombros e então abaixou, um gesto de que também não tinha ideia.

— Não sei.

Lembrei-me então de algo que queria muito saber.

— Naquele dia que ele desmaiou, foi por causa do sangue?

Era óbvio que Evan tremia toda vez que me via, mas se no primeiro encontro ele não desmaiou, não acreditava que era por minha causa que o fez na segunda vez. Havia ainda o aviso de Jonathan para não olhar para baixo, o que eu imaginava que era para evitar fazê-lo olhar o pé machucado. Repassei a cena na minha cabeça e o que mais me marcou foi a cor deixando o rosto dele. Foi praticamente instantâneo,, não parecia normal.

Jonathan passou a mão no cabelo e suspirou.

— Sim, tem a ver com o que aconteceu há três anos — sussurrou.

Não pude evitar meus olhos de arregalarem. Três anos? Eu não sabia há quanto tempo ele estava naquela condição, mas por algum motivo pensava que era algo recente, não mais que um ano. Ainda havia a revista que vira na casa de Kelly falando sobre ele ter saído do país por tempo indeterminado. Era tão velho assim aquele artigo? Por três anos Evan vivia daquele jeito?

— E o que foi que aconteceu há três anos atrás para deixá-lo assim? — Fiz a pergunta, que de todas, era a que mais me atormentava.

Ele sorriu friamente.

— Talvez seja melhor que ele mesmo te conte.

Duvidava muito que Evan fosse me contar o que tinha acontecido com ele, mas se Jonathan preferia guardar segredo, não quis insistir. Por alguns segundo ele ficou encarando o tampo da mesa com o cenho franzido, ruminando algum pensamento aparentemente desagradável. Quando seus olhos pousaram nos meus, seu semblante se suavizou e um sorriso maroto começou a despontar nos lábios.

— Então, cumpri com a minha parte do trato. Agora preciso receber a sua parte.

Kelly provavelmente me mataria se soubesse o que eu estava prestes a contar para Jonathan, mas um preço precisava ser pago pela minha curiosidade que fora saciada.

Pigarreei limpando a garganta.

— Kelly ouviu a nossa conversa.

Seus olhos confusos começaram a clarear em entendimento. A expressão de Jonathan era impagável.

— Você quer dizer... Sexta? A ligação? — Assenti. Ele passou as duas mãos pelos cabelos e então esfregou-as no rosto antes de voltar os olhos para mim novamente e apontar o dedo indicador. — Você é uma raposa*, Bright!

Sorri ainda mais.

— A culpa não é minha, é das chamas azuis. Malditas sejam, não é mesmo? — Provoquei bebericando meu refrigerante.

Seus olhos se escureceram de novo fazendo-o fechá-los por alguns segundos.

— Tanta mulher para ser amiga, ela foi escolher justamente você.

Fiz uma careta reprovando o comentário.

— Tanto homem fazendo fila para ela, e foi escolher justamente você — não resisti à vontade de pagar na mesma moeda.

E funcionou.

Seus músculos se contraíram novamente e os nós das mãos se tornaram brancos de tão cerrados que estavam os punhos.

— O que você quer dizer?

Dei de ombros como se não me importasse.

— Quis dizer exatamente o que eu disse. 

— Sarah, se você estiver...

Apontei para um cara sentado no balcão do bar. A posição que se encontrava era muito favorável. Seu corpo estava todo voltado para a direção dos banheiros. 

— Está vendo aquele cara?

Jonathan virou a cabeça para o homem.

— O que tem ele? — Perguntou ríspido.

Gargalhei internamente, mal eu tinha começado e meu plano já estava dando certo.

— Ele não tirou os olhos do banheiro desde que Kelly entrou.

Era uma mentira muito descarada e por um segundo senti pena de usar o pobre coitado que não se aguentava nem sentado de tão bêbado. Contudo, Jonathan não estava raciocinando muito bem, era do tipo que quando estava irritado e com raiva não usava o cérebro como devia, por isso, minha tática serviu perfeitamente. Comecei a apontar alguns homens que estavam "na fila" para conquistar Kelly. Eram todos desconhecidos que nem deviam tê-la visto uma vez sequer. Apenas estavam no lugar errado na hora errada, mas me serviram muito bem. Agradeci-os mentalmente.

Kelly saiu do banheiro no qual ficara uns bons 30 minutos, provavelmente jogando água no rosto o tempo todo. Quando viu que Jonathan ainda estava na mesa marchou para o balcão e qual não foi a minha sorte quando ela sentou bem ao lado do bêbado o qual eu mencionara no início.

Sem falar nada cruzei os braços no peito e indiquei com o queixo o lugar onde ela estava. Jonathan que me olhava ainda esperando contar mais de minhas mentiras voltou os olhos para a direção que apontei e levantou imediatamente. Não se despediu nem disse nada para mim, marchando firmemente até onde eles estavam não se preocupou nem ao menos em olhar o coitado nos olhos. Colocou uma nota que devia ser de 100 dólares no balcão, agarrou o pulso de minha amiga — que lutou bravamente contra o aperto de sua mão, mas foi inútil — e saíram porta a fora. 

Tomei outro gole de meu refrigerante com um sorriso vitorioso nos lábios. Já não me arrependia de ter vindo. Tinha valido a pena aguentar aquele ambiente desagradável por duas horas inteiras se isso significasse dar a chance que Kelly precisava. Ainda que nem ela mesma soubesse.

Pouco depois daqueles dois saírem, Kyle e Lana voltaram para a nossa mesa. Ambos com os lábios inchados e os olhos brilhando. Balancei minha cabeça rindo.

— O quê? — Perguntou Kyle.

— Pelo visto estão tendo a própria diversão.

Ele praguejou baixo enquanto Lana desviou os olhos corando.

— Cadê Kels? — Ele tentou desconversar.

— Não se preocupe, ela está em boas mãos.

Levantou uma sobrancelha.

— Com o cara de antes? 

— Sabe quem ele é?

Ele negou.

— Jonathan Roberts — respondeu Lana. 

Kyle coçou a cabeça confuso.

— O sucessor daquele empresário bilionário? Qual era o nome... Howard Roberts? — Sua voz denotava dúvida. — Como você conhece ele? Não... Como Kelly conhece ele?

— Ele é um... amigo, mas não acho que Kelly possa dizer o mesmo.

Eles pareceram ainda mais confusos, mas não me importei em explicar, nem eles em perguntar. Provavelmente Kelly teria muito o que esclarecer quando voltasse para casa. Tranquilizei-os dizendo para ficarem o quanto quisessem e não se preocupassem comigo, pois precisava voltar cedo. Alertando Kyle  irem embora de táxi e para pegarem o carro no dia seguinte, eu mesma peguei um para ir para casa. 

Meu pai estava me esperando com uma caneca de chocolate quente enquanto assistia TV. 

— Se divertiu no Joe's? — Sua voz acusava esperança.

Ele sempre quis que eu agisse como uma jovem normal, sair com os amigos, dar dor de cabeça, mas eu nunca fui assim. Eu não estava tentado pagar de santa. Eu realmente não gostava daquilo. Mas hoje fora diferente, eu tinha me divertido.

— Mais do que pode imaginar, paps.

Ele sorriu largamente.

Abracei-o e ficamos algum tempo assistindo qualquer coisa. Não estava conseguindo prestar muita atenção no que via, um monte de pensamentos estavam rodando a minha cabeça e me senti subitamente cansada. Depois de um beijo de boa noite e apagar as luzes do meu quarto, meu pai fez fazer a ronda pela casa e então foi dormir também. Não demorei a pegar no sono, ele só estava me esperando deitar na cama para me engolfar.

Um som diferente do meu alarme me acordou. Foi mais curto e vibrou em minhas mãos, não lembrava de ter dormido segurando o celular. Sonolenta, vi que ainda tinha horas antes de trabalhar e chequei o que tinha me despertado.

"Bom dia, Sarah." Evan me mandou essa mensagem.

Imediatamente um sorriso surgiu nos meus lábios e não soube responder a mim mesma por que essas três palavras tão comuns que até um estranho poderia me dizer, fizeram meu coração pular uma batida. Respondi-o da mesma forma.

Resolvi usar minha cadeira velha, LT, para ir para o trabalho. Eu tinha um plano muito bom em mente. 

Indo até o meu armário, peguei meu teclado musical portátil e flexível. Resolvi deixar em casa minha pasta com os exercícios que separara na noite que a Sra. Roberts me ligara. Apesar de ter selecionado tudo com cuidado, acreditava que ainda não era a hora de atacar Evan com exercícios das matérias que fazia online. Era melhor dar um passo de cada vez.

Ocorreu-me então que se ele tinha 19 anos como parecia — ainda não sabia a idade correta —, provavelmente devia estar muito atrasado no conteúdo do colégio se tudo o que aconteceu foi mesmo há três anos. Depois de tanto tempo do ocorrido, a Sra. Roberts viu como possível solução contratar alguém que pudesse ajudar Evan psicologicamente com disfarce de professor particular. Na verdade, eu estava carregando uma grande responsabilidade e não tinha certeza se seria capaz de fazer qualquer coisa para ajudá-la.

Que ironia.

Se eu tivesse minhas duas pernas funcionando, nem mesmo em sonhos os Roberts iriam contratar uma professora como eu com tão poucos atributos no currículo. A Sra. Roberts provavelmente devia ter feito uma pesquisa sobre todos os professores que soubessem mais do que lecionar, ou seja, que tivessem algum tipo de background** que os tornassem aptos para ajudar o filho. Ela já devia saber de todo o meu passado, fosse profissional, fosse pessoal. Talvez até mesmo a história do meu acidente...

Ainda imersa em pensamentos, metade consciente das coisas à minha volta e metade focada em resolver o mistério que era toda aquela família estranha para qual eu trabalhava, assim cheguei no meu "trabalho".

— Oi, Carla — cumprimentei-a ainda um tanto absorta em mim mesma.

— Oh, senhorita, é tão bom poder vê-la de novo!

Tentei desanuviar minha mente e sorrir sinceramente.

— Por favor, Carla. Me chame de Sarah.

— Claro, claro! Perdão.

— Como está o Sr. Hernández?

Seus olhos brilharam como seu sorriso.

— Papai está ótimo. Não parou de falar da senhorita um momento desde que tinha chegado em casa naquele dia — chegando mais perto como que em um tom confidencial, falou: — ele até mesmo disse que a senhorita tem alguns poderes. Que sabe ver através das pessoas. Mamãe disse que ele está ficando velho e maluco, mas se eu não tivesse falado com a senhorita naquele dia, diria que era louco também... Como sabia que ele era meu pai?

Eu tive que fazer um esforço muito grande para não gargalhar. Ela realmente parecia séria sobre o que estava dizendo, portanto, teria sido indelicado zombar da inocência deles.

— Eu não sabia que ele era seu pai. Assumi que você também fosse uma Hernández porque são muito parecidos.

— Ohh...

— Diga para seu pai que mal posso esperar para o nosso próximo encontro. Temos uma conversa inacabada — ela assentiu e, dispensando da forma mais polida que pude a sua ajuda para me guiar, entrei no apartamento sentindo um cheiro muito familiar. Senti meu corpo relaxar imediatamente. Era um perfume tão conhecido e, no entanto, não consegui trazer à memória a origem. — Que aroma maravilhoso, Carla. De onde que vem isso?

Postando-se ao meu lado, já na sala de estar, ela apontou para um pequeno recipiente de vidro descansando em cima da meia parede de vidro que separava a sala da cozinha. Inúmeras varetas de madeira estavam dentro do recipiente que continha um líquido cor de cobre.

— O Sr. Evan disse que era para colocar esse aromatizador aqui e no quarto dele — explicou. — Eu fiquei surpresa quando ele veio do quarto com uma lista de alguns ingredientes que eu devia comprar. 

Olhei para o estranho vidrinho confusa com a atitude de Evan.

— E o que havia na lista? — Perguntei.

Ela pensou por um segundo.

— Algumas especiarias, álcool caseiro, o vidrinho e as varetas.

 Então ele havia conversado com ela para pedir um favor, porém Jonathan não sabia disso. Ele acreditava que o irmão tinha apenas requisitado almoço. Aparentemente, Evan pedira para Carla não contar, mas por que ele quereria guardar segredo do irmão? Ainda por cima em algo tão fútil quanto um aromatizador.

Estranho.

Ainda sem entender, dispensei Carla para seus afazeres e me dirigi para o sofá. Debati comigo mesma se deveria ir até a porta dele e bater, mas cheguei à conclusão de que mesmo Evan tendo me chamado por si só no outro dia, não queria entrar no espaço dele sem ser convidada e estragar o pequeno avanço que ganhei. Ainda precisava que ele viesse a mim.

Tirei meu teclado da bolsa e ligando-o em uma tomada próxima, apoiei-o na mesinha de centro em frente ao sofá. Tive um pouco de dificuldade de sair da cadeira. Estava acostumada a me transferir do assento para cama ou sofá, que tinham aproximadamente o mesmo nível. Porém quando saia da cadeira e precisava me colocar em um nível mais baixo ou mais alto, sempre tinha um pouco mais de trabalho. Acomodando-me no carpete macio, comecei a tocar uma melodia baixa. Aquele aroma inebriante estava me trazendo algumas notas à cabeça de uma música que não conseguia lembrar por inteiro. Alguns pedaços ainda faltavam em minha memória, além de não lembrar de onde conhecia aquele cheiro.

Por toda a tarde meus dedos brincaram nas teclas emborrachadas do meu teclado flexível, frustrada por não conseguir fazer meu cérebro funcionar direito.

— Senh- Sarah? — Chamou Carla.

Parei de tocar e voltei-me para ela que agachou ao meu lado segurando uma bandeija com biscoitos com gotas de chocolate recém-feitos.

— Parecem divinos, Carla — elogiei.

Ela sorriu acanhada.

— São feitos com a receita secreta mais famosa da família Hernández — respondeu orgulhosa. — Experimente um, pode ajudá-la a conseguir o que quer.

Sorri agradecida. Não acreditava que fosse me ajudar, mas seria um desperdício não comê-los. Enquanto mastigava, tentava tocar os trechos que queria lembrar, mas sempre parava em um determinado verso, não conseguia ir adiante. Vendo já a hora tão avançada e que Evan provavelmente não sairia do quarto, decidi ir para casa.

Durante toda à noite não consegui dormir em paz, pois a melodia inacabada e o aroma familiar cuja origem não lembrava estavam me atormentando. Nunca tive meu coração tão angustiado querendo alguma coisa quanto queria que meu cérebro funcionasse e me ajudasse a lembrar. Após alguns dias, a mesma rotina se seguiu: Ia para o trabalho, tocava na expectativa de que Evan saísse do quarto ou que pelo menos eu conseguisse completar a melodia, comia os biscoitos feitos por Carla com tanto amor e voltava para casa.

Duas semanas se passaram, e eu ainda não tinha visto Evan desde àquela noite que ele mesmo me chamara. Apesar de me animar todo dia, confiante de que ele finalmente sairia da toca, por dentro já estava perdendo as esperanças. Carla fazia um relatório para mim sobre o comportamento dele diariamente. Estava comendo regularmente de novo, tanto almoço quanto janta. Ele a mandava entrar para deixar a comida no quarto, o que significava que já não tinha mais problemas em vê-la. Ele também havia pedido para comprar os ingredientes da lista anterior para fazer novos aromatizadores.

Contudo, ele não saia do quarto enquanto eu estava lá.

O olhar de pena que Carla me dirigia, felizmente já não era pela minha condição, mas por não conseguir tirar Evan da toca. Em uma tarde como qualquer outra, eu me encontrava sentada no carpete na mesma posição de todos os dias dedilhando a melodia incompleta. Desviando os olhos das teclas pela primeira vez, porém ainda tocando, desinteressadamente levantei a cabeça e meus olhos pousaram na enorme TV na parede. Sem pensar ou racionar o que estava fazendo, automaticamente meus dedos prosseguiram para a parte seguinte da melodia que não conseguia lembrar. Meu cérebro demorou alguns segundos para registrar o que eu tinha feito e então, com os olhos arregalados, toquei novamente.

Os espaços em branco em minha cabeça começaram a se completar um por um e logo já tinha relembrado quase toda a música.

— Bravo! Bravo, senhorita! — Aplaudiu Carla. — Que linda canção. Continue, por favor.

Sorrindo pelo incentivo tão sincero, fitando a TV à minha frente mais uma vez, comecei pelas primeiras notas introdutórias. Estava tão absorta no que estava fazendo que não consegui ouvir mais nenhum som a minha volta que não fosse a própria música. Cada vez mais me aproximava da última estrofe, da parte que ainda faltava lembrar. Porém, meu inconsciente não me decepcionou. Eu não lembrava as notas, mas estava tão envolvida pelo embalo que meus dedos prosseguiram quando minha memória, não. 

Quando terminei de tocar e deixei meus braços caírem em meu colo, senti meu rosto arder, mas não consegui piscar. Lágrimas caiam em cascatas pelas minhas bochechas enquanto eu estava sentada em estado catatônico.

Porque me lembrei de tudo.

Tudo.

Era minha mãe desde o início.

O aroma delicioso que sentira no apartamento pela primeira vez, tão familiar, tão conhecido era o cheiro que eu sentia quando a abraçava. Quando eu era pequena dizia: "Eu adoro o seu cheiro, mãe. Queria que tivesse um perfume dele." Ela ria e me abraçava apertado respondendo: "Seu pai diz a mesma coisa, Sardinha", era como me chamava, sabia que eu odiava esse apelido. "Mas não está a venda. Esse perfume é coisa de mãe. Um dia, quando você for uma, vai exalar o seu próprio perfume."

Sorri bobamente com essa lembrança. Não tentei frear as lágrimas, sabia que seria inútil.

E havia ainda a melodia.

A melodia que ela tocava para mim em seu violino velinho para que eu pudesse dormir. Cada nota, cada estrofe tão bem conhecida por mim quando criança, havia sido adormecida em minha memória e trazida quando olhei a TV...

Então finalmente entendi.

O primeiro pensamento que tive quando pisei no apartamento pela primeira vez e vi a gigantesca televisão foi em como minha mãe teria ficado feliz em ter a nossa sessão de Clássicos do cinema nela. Inconscientemente, ao ver a TV e relacionar com ela, pude lembrar de todo o resto.

Limpei o rosto com um lencinho que Carla gentilmente me oferecera e voltei a tocar. Repeti a mesma música não sei quantas vezes, e perdi a noção do tempo completamente. Quando vi a hora arregalei os olhos e comecei a guardar as coisas.

20:30.

Meu pai vai me matar.

Pior, ele vai me demitir do meu trabalho.

Com alguma dificuldade, sentei no sofá e então, estando quase no mesmo nível da LT, sentei nela.

— Carla, estou indo... — ia me despedir  dela quando ouvi uma porta abrir.

Voltei-me para a direção do som e encontrei Evan em pé à minha frente.

Era outra pessoa.

Não podia ser ele. 

Sua expressão estava calma, quase relaxada. Suas mãos pendiam leves ao lado do corpo e suas pernas não tremiam. Ele estava muito diferente. O seu rosto, havia algo... Reparei então pela primeira vez que das duas vezes que o encontrara, Evan apresentara olheiras profundas nos olhos que lhe dava um aspecto sujo. Seu rosto antes estava escurecido, mas diante de mim naquele momento, estava mais claro. Não tinha mais nenhum sinal de olheiras. Embora o cabelo por cortar e a barba por fazer ainda estivessem presentes.

— Não — disse.

Soou mais como uma ordem.

— Não o quê? — Questinei.

— Não vá — sussurrou, mal pude entender o que dizia. — Por favor.

Seus olhos tinham um brilho totalmente novo, tão diferente do primeiro dia em que os vi opacos.

— Pela hora meu pai já deve estar preocupado, eu fiquei aqui a tarde toda — suspirei pensando na enorme bronca que receberia quando chegasse em casa, além do discurso muito plausível que precisaria inventar para não ser forçada a sair do emprego. Acrescentei: — Além do mais, eu volto amanhã.

— Não.

Levantei uma sobrancelha.

— Não quer que eu volte amanhã?

Seus olhos se estreitaram quando sugeri essa possibilidade.

— Não quero que vá embora. Fique.

Ele realmente estava achando que eu tinha que obedecê-lo. O tom mandão já estava me deixando inquieta e mesmo correndo o risco dele voltar para o quarto e não sair mais, não pude deixar de responder à altura.

— O que você quer não é absoluto. Eu tenho outras responsabilidades as quais preciso atender no momento, além do mais nada nessa vida vem de graça. Tudo tem um preço.

Seus olhos reluziram por um momento com algum pensamento.

— Qual é o seu preço?

Eu não estava exatamente querendo ser comprada. Não foi essa a intenção que tive quando disse que tudo tinha um preço. Eu quis dizer que se eu não fosse para casa imediatamente eu teria que pagar umpreço ao meu pai.

Provavelmente seria um ouvido quente de tanto ouvir sermão.

— Você não...

— Qual é o seu preço? — Cortou-me.

Fitei-o claramente irritada por tanta arrogância e prepotência. Ele não era dono do mundo, mas se comportava como se fosse. Não era ele quem tremeu só de me ver no primeiro dia? Não era ele quem não saiu do quarto por mais de duas semanas enquanto estava ali? Eu estava sendo paga — muito bem, na verdade —, mas não para ser mandada por ele.

Precisava mostrá-lo quem estava no controle daquilo tudo e nada melhor do que adquirir alguns benefícios enquanto isso.

— Cinco horas — respondi.

Ele levantou uma sobrancelha e cruzou os braços sem entender.

— "Cinco horas" o quê?

— Esse é o meu preço. Você tem que ficar cinco horas fora daquele quarto. Todo dia.

Ele pareceu surpreso. Eu não sabia se era porque o meu preço não denominava dinheiro ou porque eu sugeria algo que era claramente contra a vontade dele.

— Não acha que o seu preço está muito alto? Eu só estou pedindo para você ficar aqui uma noite e a sua parte do trato exige todo dia.

Dei de ombros.

— É tudo ou nada.

Ele ponderou.

— Três dias na semana? — Tentou barganhar.

— Todo dia. E tem que ser enquanto estou aqui.

Seu rosto demonstrou decepção e senti meu coração apertar.

Não era ele quem pediu para ficar ali uma noite? Por que fez aquela cara de "ah, não" quando disse que teria que ser enquanto estava lá? Minha santa paciência! Ele era bipolar. Não conseguia entender o que se passava na cabeça dele.

— Essa parte não estava no acordo — protestou.

— Eu que fiz o acordo, eu adiciono cláusulas quando quiser. 

Ainda contrariado, ele suspirou, mas parecia ter cedido. Sorri vitoriosa.

Então meu sorriso logo murchou.

Droga!

Como eu contaria para o meu pai que ia passar a noite na casa de dois homens jovens e solteiros sem receber hora extra?


 

*Em muitas culturas, a raposa é considerada um animal astuto e sagaz.

**Background é semelhante a histórico, passado da pessoa.


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Notas finais do capítulo

Hahahahha
Tsk, tsk
Sardinha está enrascada! Ops, ela não gosta desse apelido!
Mas sério, uma noite num apartamento superluxuoso com os dois irmãos mais cobiçados do mundo?! Sarah não faz ideia de que o que contar para o pai não devia ser sua maior preocupação!
Se gostaram, favoritem e comentem. Vou sempre responder o mais rápido possível!
Minha nova história:
https://fanfiction.com.br/historia/743627/Her_Wealth_His_Misery/
Até a próxima semana!



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