Silent Pain - Love Doesn't Have Legs escrita por UnknownTelles


Capítulo 3
Desafio


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, consegui terminar o capítulo 3 um dia antes do que deveria postar para compensar o atraso dessa semana.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/741091/chapter/3

Fitei a Sra. Roberts enquanto o silêncio se estabelecia. Ela estava me examinando. Examinando a minha reação. Permaneci da mesma forma que estava, sem demonstrar nenhuma alteração na minha expressão. Vi cansaço e frustração nos olhos dela. Toda essa situação parecia estar sugando as forças da bela mulher que estava a minha frente. Tinha certeza de que quando mais jovem deveria ter sido motivo de muita atração da atenção masculina, porém os mesmos traços que esculpiam a sua beleza pareciam estar flácidos, sem vida. Seus olhos eram frios como se tentassem esconder qualquer tipo de emoção.

— Eu não sei se a Srta. sabe as implicações desse tipo de... — fez uma pausa buscando a palavra — enfermidade.

Balancei a cabeça afirmando. Eu não sabia exatamente todos os sintomas ou que tipo de tratamento era feito, mas pela origem da palavra eu tinha uma ideia do que poderia ser.

— Uma fobia social — respondi.

Ela sorriu amargamente, seus olhos ainda frios.

— Quase. A fobia social é algo que qualquer um de nós pode ter em um grau mais ameno como vergonha em comer em público ou o mais comum como falar na frente de uma multidão — ela levantou e afastou a cortina da janela para olhar para fora. — O que Evan tem é um pouco mais complexo.

Alguma coisa me dizia que ela estava usando eufemismo quando disse "pouco", talvez para confortar a si mesma. Ela havia dito que Evan "sofria" de antropofobia, e não que era antropofóbico, o que provavelmente significava que ela não aceitava a situação do filho ou que havia sido algo que acontecera recentemente.

Ou os dois.

— E como eu poderia ajudá-lo? — Perguntei querendo ir direto ao ponto.

Tudo o que a Sra. Roberts havia conversado comigo no dia anterior soava muito como o tipo de trabalho que qualquer outro professor particular poderia fazer: ajudar com os exercícios que os professores de aulas online passavam. Aulas de reforço, basicamente. Ela poderia ter contratado qualquer um que fosse melhor do que eu e com mais qualificações profissionais. Alguém que talvez tivesse até mesmo experiência em lidar com alunos "especiais".

— Você... — fez uma pausa — é diferente. Como já deve ter imaginado, Srta. Wright, a seleção feita para escolher um profissional que fosse capaz de lidar com essa situação não foi fácil. Existem muitos profissionais tão capacitados ou até mais do você, sem ofensas — acrescentou; não havia me ofendido, eu sabia muito bem que era verdade, mas ela parecia ter se arrependido de ter falado a última parte. — Porém a situação não requer um profissional com muitos diplomas e estágios concluídos com excelência em lecionar. Acredito que Evan possa ver em você um exemplo de alguém que também sofreu com as adversidades da vida e soube seguir em frente.

Era óbvio que a Sra. Roberts não pretendia me contar nada sobre as "adversidades da vida" do seu filho. Ela estava sendo categórica: Evan está quebrado e como você também um dia esteve e se remendou, gostaria que remendasse meu filho também. Desviei os olhos dos dela que por um segundo brilharam de expectativa. Eu sabia muito bem o que era aquilo. Aquela vontade de ao se ver afundando e olhar para os lados sem mais nenhuma alternativa em mãos, buscar uma única chance de conseguir sair dali, buscar alguém. Sabia o que era ver apenas uma pessoa que poderia ser a sua única esperança em te ajudar a se restituir e então perdê-la.

— Não é tão fácil como você faz parecer, Sra. Roberts — respondi por fim com a voz bem baixa.

Ela apenas assentiu em silêncio com um sorriso amarelo.

— Nunca disse que seria — ela sustentou meu olhar mais um vez — e sei ainda que há a possibilidade de que isso tudo não resulte em nada ou até piore tudo. Mas preciso tentar.

Seus olhos refletiram um flash de esperança novamente por apenas um momento antes de desaparecer, o tom de sua voz denunciava o sentimento que ela tentava reprimir.

Eu já havia tomado a minha decisão.

— Quando eu começo? — Sorri tentando transparecer toda a sinceridade do que eu estava sentindo.

Vi então um sorriso discreto, porém, genuíno surgir nos lábios dela.

— Imediatamente — respondeu —, bom acredito que seja melhor amanhã, mas gostaria que conhecesse Evan prime... — Um barulho alto da porta sendo aberta violentamente interrompeu a Sra. Roberts de continuar, assustando a nós duas. Os olhos dela arregalaram antes de se estreitar em reprovação. Não sabia quem era, pois estava de costas para a porta, mas de alguma forma pude sentir quem era.

— Eu não preciso de uma babá. — Ouvi uma voz masculina atestar trincando os dentes.

— Evan — disse a Sra. Roberts em um tom repreensor.

— Não importa quantas você contrate, não importa o quanto você pague, eu vou fazer um inferno da vida de cada um que pisar aqui assim como fiz da sua e de Walter antes de sair daquela maldita casa!

Ainda sem ver o rosto do dono da voz, eu tentava formar uma ideia do que estava acontecendo. Evan possuía uma voz firme e grave. Se não soubesse que tinha 19 anos, diria que pela voz devia ser até mais velho do que Jonathan. Da forma como falava demonstrava amargura e irritação, mas acima de tudo, arrogância. Ele queria estar no controle da própria vida, ainda que não possuía controle algum sobre o que estava acontecendo a ele.

Eu sabia exatamente o que ele estava sentindo.

Sons de passos se aproximando de onde nós estávamos reverberaram pelo cômodo até que pelo canto dos olhos, aos poucos, Evan entrou em meu campo de visão e então eu não soube o que pensar pela primeira vez em muito tempo.

Ele não era retratado de forma digna pelas revistas de Kelly. Certamente, não deveria estar em sua melhor forma pois as calças de moletom e a T-shirt que usava não se comparavam com o smoking que vestia nos artigos de fofoca, ainda assim sua beleza era evidente. O cabelo cor de areia antes alinhado e devidamente penteado na revista estavam naquele momento desgrenhados e precisando de um corte. A barba despontava grande.

Sua mão em punho tremia levemente. Estava com frio? Provavelmente, já que estava descalço.

— Evan — a voz da Sra. Roberts interrompeu meus pensamentos.

— Eu não vou...

— Evan! — A Sra. Roberts aumentou o tom o suficiente para mostrar autoridade. Apontou para mim em um movimento delicado com a mão e prosseguiu: — Estávamos indo ao seu encontro, pois gostaria de apresentar a Srta. Wright.

Evan então voltou-se para mim. Seus olhos eram opacos e intensos, eu vi fúria, surpresa — parecia que não tinha notado a minha presença até aquele momento — e algo mais inesperado. Medo? As mãos que antes tremiam levemente começaram a tremer notavelmente. Ele estava tendo um ataque epilético?

Ele desviou os olhos dos meus e sem olhar para trás saiu tempestuosamente da mesma forma que entrou. Eu sinceramente ainda estava sem palavras. Busquei um pensamento sequer para formular ante tudo o que havia acontecido, mas nada me veio a cabeça.

Com um suspiro não disfarçado a Sra. Roberts olhou para mim.

— Eu não queria que tivesse sido assim, mas também não vou mentir, Srta. Wright. Ele não está em um dos seus piores dias — o sorriso que seus lábios desenharam não chegaram até seus olhos. — Espero que esse pequeno show não a tenha desencorajado.

Sorri o mais sinceramente que pude.

— De forma alguma.

Dessa vez seus olhos sorriram como os lábios.

— Perfeito — fez um pausa ponderando algo mentalmente. — Não quero ser de alguma forma um incômodo, mas não posso deixar de imaginar... Tem alguma coisa em mente para começar com ele?

A verdade era que eu não tinha ideia de nada, mas não poderia deixar minhas incertezas abalar a pouca esperança que a bela e cansada mulher havia criado. Eu não sabia se conseguiria qualquer tipo de progresso com a situação de Evan, mas eu precisava tentar.

— Acredito que eu tenha uma ideia — respondi; eu precisava ainda confirmar algo, então perguntei: — antes de tudo isso acontecer, como o Evan era?

A Sra. Roberts franziu o cenho por alguns segundos processando a minha pergunta, quando finalmente entendeu o que eu quis dizer sorriu e me fitou firmemente. Surpreendentemente a sua resposta já era algo que eu esperava:

— Teimoso.


*******

O almoço seguiu-se tranquilamente. A Sra. Roberts mostrou-se ser uma pessoa totalmente diferente do que eu poderia ter pensado. Ela não era exatamente o tipo de pessoa com quem eu me encontraria com o único propósito de jogar conversa fora, mas achei a mim mesma interessada na exposição de arte que a empresa do Sr. Roberts estava promovendo juntamente com o patrocínio de uma orquestra australiana de que eu gostava muito. Como se eu não pudesse ficar mais perplexa, Jonathan não ficou perdido na conversa de forma alguma. Ele também entendia mais do que eu poderia imaginar sobre arte e música. O tempo passou mais rápido do que eu havia imaginado e quando fui embora já eram mais de três horas da tarde.

A Sra. Roberts esperava que eu começasse com Evan no dia seguinte, apesar de eu ter minhas dúvidas de que conseguiria começar qualquer coisa. Eu já havia arrumado todo o material para estudo com ele, mas sabia que não iríamos estudar tão cedo. Ele não parecia confortável nem mesmo com a minha presença. Durante todo o tempo em que estive no apartamento ele não apareceu novamente e fiquei me perguntando se ele havia almoçado depois ou se pular refeições fosse parte da rotina dele.

Naquela noite expliquei tudo o que havia acontecido para Kel e meu pai ao mesmo tempo. Pensei ser melhor omitir a parte como ele havia entrado e o que havia falado no escritório para não preocupá-los. Eles não eram muito fãs dos Roberts e saber que o meu mais novo emprego era ensinar o filho mais novo que era na verdade meio maluco não ajudaria muito a tranquilizá-los.

O dia seguinte chegou mais rápido do que eu havia esperado, assim como a realidade que senti chocar contra mim como uma parede dura e fria. Eu não tinha exatamente um plano perfeito para lidar com Evan. Na verdade eu não tinha nem mesmo um plano.

A vida é simples, Sarah. Talvez não tanto as nossas decisões, mas na maioria das vezes às escolhas que precisamos fazer são óbvias. Foi com esse sábio conselho do meu pai que eu entrei novamente na casa dos Roberts, ou deveria dizer de dois Roberts. O sobretudo da Sra. Roberts não estava no porta-casacos, o que significava que ela não estava lá.

— Há algo que eu possa fazer pela Srta.? — Perguntou Carla.

Abri o livro que estava em meu colo e marquei a página com o dedo indicador.

— Sim, por favor — respondi — faremos um acordo onde eu te chamo de Carla e você me chama de Sarah.

Ela deu uma suave gargalhada.

— Sim, Srt- Sarah.

— Bem melhor.

— Algo mais que possa fazer?

— Não, isso é só... Ah — lembrei-me: — a que horas Evan almoça?

— Não tem horário certo, muitas das vezes nem almoça. Quando o irmão do patrão não almoça a comida nem é tocada, pois o patrão não almoça em casa e algumas vezes na semana nem volta à noite. 

Pensei um pouco sobre as informações que Carla me deu e as anotei mentalmente para usar em futuras referências. A parte em que Jonathan não voltava para casa precisava manter comigo até ter uma ideia de como contar para Kelly. Com relação à comida, provavelmente devia ser jogada fora com muita frequência.

— Obrigada, Carla — agradeci. — Mais tarde vemos esse pequeno problema sobre a comida. Por agora, poderia me dizer qual dos quartos é o de Evan?

Ela apontou para uma porta que identifiquei ser imediatamente ao lado da do quarto de Jonathan.

Dispensando a atenção exagerada de Carla de querer me guiar para cada canto, após deixar-me em frente a porta de Evan, exigi que ela voltasse para os seus afazeres.

Tentei ligar alguns pontos na cabeça. A Sra. Roberts havia me dito que ele era teimoso, Carla havia me dito que ele às vezes não comia no dia, ou seja, nem saia do quarto. Então, usando o sábio conselho de meu pai, eu havia chegado à conclusão de que não havia nada que eu poderia fazer. Contudo, havia algo que o próprio Evan poderia fazer e era nisso em que eu estava apostando. Eu não poderia me chegar a ele, nunca daria certo, a resposta era óbvia. Eu precisava fazer ele vir até mim e para tanto eu precisaria de muita paciência. 

Muita.

Felizmente, era algo no qual eu já estava bem exercitada.

Eu comecei a ler meu livro e quando deu a minha hora de ir embora eu já estava na metade dele. Nem sinal de Evan. Nem sequer um ínfimo barulho eu ouvia do outro lado da porta. Aparentemente, aquele era um dos dias em que ele não comeria.

Quando começou a anoitecer Jonathan retornou para casa e ficou surpreso ao me ver. Ele vestia um terno que lhe caia muito bem e lhe dava um ar formal apesar do rosto boêmio.

— Hey, princesa. O que faz aqui ainda? Meu irmão está dando algum trabalho? — Perguntou sorrindo largamente.

Retribui o sorriso.

— Ele é o aluno mais comportado que já tive — rebati.

Jantamos juntos e conversamos por mais algumas horas antes de sermos interrompidos pelo meu celular.

— Oi, pai — atendi.

— Sarah, onde você está? — Preocupação escorria de cada palavra que dizia.

— No trabalho.

— Você saiu hoje cedo, Sarah! Eles estão te explorando? Eu tenho um amigo que faz parte do sindicato e...

— Pai, ninguém está me explorando — tentei defender meus empregadores.

Jonathan gargalhou quando ouviu minha resposta.

— Deixe-me falar com ele — pediu.

Um pouco relutante entreguei o celular para ele sem ter certeza de que tinha sido uma boa ideia.

— Sr. Wright, boa noite — cumprimentou em um tom sério e confiante, provavelmente aquela era a sua voz de "negócios". — Eu estou pessoalmente tomando as devidas providências para que a sua filha jamais sofra qualquer tipo de abuso no trabalho. Posso lhe garantir que todos os direitos dela serão respeitados e eu mesmo vou me encarregar de sua segurança na volta para casa. Peço perdão pelo horário de hoje, mas sendo tão educada, a sua filha não recusou um jantar comigo para me fazer companhia apesar do dia cansativo de trabalho.

Não consegui me aguentar e revirei os olhos pegando o telefone das mãos dele.

— Pai, não ligue para o Jonathan, ele tende a ser meio...

Não pude continuar a minha frase pois um barulho de onde eu menos esperava chamou a minha atenção.

Com os punhos cerrados e os olhos pingando de fúria, Evan entrou na sala de estar e encarava a nós dois.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram desse capítulo? E de Evan? Na verdade, ele é um personagem um pouco complexo e difícil até mesmo para mim. Na minha mente eu já havia programado como aconteceriam as coisas, mas quando fui escrever acabou saindo totalmente diferente porque ele "faz as coisas como quer". Nossa, muita teimosia ainda está por vir!
Obrigada por acompanharem até aqui, espero que se divirtam.

P.S.: A Sra. Roberts não é totalmente diferente do que vocês esperavam? Eu sei que é diferente do que eu esperava. Meus personagens mal têm 3 capítulos de idade e já estão cheios de vontade! hahahahah



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Silent Pain - Love Doesn't Have Legs" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.