Silent Pain - Love Doesn't Have Legs escrita por UnknownTelles


Capítulo 2
Inesperado


Notas iniciais do capítulo

Desculpem o atraso de um dia, espero conseguir postar mais um capítulo antes de fechar a semana.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/741091/chapter/2

 

Acordei com o celular tocando. Abri os olhos assustada pensando que tinha passado do horário. A Sra. Roberts havia me dito que me ligaria pela manhã por volta das 10 horas. Olhei para fora da janela e o sol ainda estava fraco, peguei meu celular que não parava de berrar e olhei a hora.

7:17.

Soltei um suspiro de alívio e só então notei quem me ligava.

A Sra. Roberts.

Levantei da cama imediatamente e testei a minha voz para não ficar tão explícito que acabara de acordar.

— Alô? — Ouvi um barulho abafado de algo caindo do outro lado da linha. Como não obtive resposta, repeti: — Alô?

— Srta. Wright, bom dia — a voz da Sra. Roberts estava no mesmo tom impassível do dia anterior.

Aparentemente algo não estava certo, mas ela não deixou isso transparecer em sua voz. Esperei alguns segundos, porém ela não disse mais nada.

— Em que posso ajudá-la, Sra. Roberts? — Perguntei tentando incentivá-la a continuar.

Parecia irônico eu tentar incentivar alguém como ela a falar. Houve apenas um segundo de silêncio, como se ela estivesse hesitando.

— Srta. Wright — disse por fim —, por mais que fuja à coerência e seja algo totalmente repreensível, receio ter de alterar nosso horário de hoje — abri a boca para falar, mas logo fechei pois ela continuou: — Gostaria de saber se não estaria disponível para vir à minha casa hoje ao invés de termos a nossa conversa pelo telefone. 

Pensei por alguns segundos em como respondê-la. A verdade era que eu já sabia o que dizer, mas precisava ainda testar uma teoria. Eu acreditava que a Sra. Roberts não era o tipo de pessoa que convidaria qualquer um para a sua casa, muito menos alguém como eu que não fazia parte do seu círculo social e não havia nem sequer dado algum sinal de que aceitaria o emprego. Por mais que a sua voz não a denunciasse, eu tinha certeza de que ela estava desesperada. 

— Qual a melhor hora para senhora? — Perguntei esfregando os olhos.

Pensei ter ouvido um suspiro de alívio do outro lado, mas foi tão baixo que não podia ter certeza.

— Tão logo esteja pronta, pode vir. Nesse exato momento acabei de enviar meu motorista para buscá-la. Ele vai aguardá-la em sua porta.

Tentei segurar um riso. Parecia que tudo estava já pronto esperando o meu "sim". Minha teoria tinha sido confirmada: a Sra. Roberts estava definitivamente desesperada.

Já eram 8:15 quando eu finalmente estava pronta. Senti uma vontade enorme de usar minha LT* e ver qual seria a cara da Sra. Roberts. Ainda me contrataria ou me chutaria para fora imediatamente? Porém como a situação parecia bem séria, optei pela minha mais nova cadeira que havia ganhado de presente de aniversário. Eu havia me vestido com uma calça jeans escura e uma blusa sem mangas de tecido fino e calcei uma sapatilha preta.

Meu pai beijou minha testa e me olhou com ternura.

— Tem certeza que é o que quer? — Perguntou.

Sorri para ele sinceramente. Desde de que havia completado 15 anos ele nunca me perguntava se algo era o certo a se fazer ou se era o melhor, mas sempre se era o que eu queria porque acreditava que o quê eu queria era sempre o que era o certo e melhor.

— Sim, paps. 

Ele sorriu largamente.

— Não deixa a dondoca mandar em você.

Levantei uma sobrancelha.

— "Dondoca"?

— Não é assim que chamam as senhoras ricas de hoje em dia?

— Não? — Falei, mas como uma pergunta do que uma afirmativa.

— Que seja, só não quero que...

— Pai — interrompi-o —, desde quando alguém manda em mim?

Seu sorriso se alargou como se ele já esperasse essa pergunta.

— Essa é minha menina — disse orgulhoso enquanto abria a porta da frente.

O ar estava incrivelmente leve e frio. O sol tímido atrás das nuvens era o mesmo que nada. Avistei um carro preto que brilhava mais do que devia estacionado em frente a porta. O que deveria ser o motorista já estava se encaminhando a nós. A Sra. Roberts deve tê-lo alertado sobre a minha deficiência e por isso ele não pareceu surpreso ao me ver. Tinha certeza que não eram muitos os cadeirantes que visitavam a casa dos Roberts.

Quando chegou à nossa frente ele dobrou o braço direito em noventa graus a frente do corpo e se inclinou em um cumprimento muito formal.

— Sr. e Srta. Wright, bom dia — disse polidamente.

Eu estava me divertindo muito com toda essa formalidade desnecessária, meu pai estava com uma expressão claramente confusa. Não sabia como se comportar. 

Preferiu por estender a mão e cumprimentá-lo. O motorista olhou para a mão estendido dessa vez confuso e apesar de hesitar um pouco, apertou-a sorrindo amarelo.

— Sr...? 

O motorista estava cada vez mais confuso, tive que me segurar muito para não gargalhar.

— Hernández.

— Muito prazer, Sr. Hernández. Tome cuidado no caminho, o senhor está levando minha joia mais preciosa.

Revirei os olhos e fiz uma careta para Hernández que estava claramente desconcertado. 

— Vamos, Hernández, não queremos deixar a Sra. Roberts esperando.

Ele assentiu se curvando em minha direção e postou-se atrás de mim para me guiar até a porta traseira do carro. Depois de ter certeza de que eu estava confortável em meu assento, direcionou-se para o porta-malas para guardar minha cadeira; o que fez bem rápido.

Acenei para o meu pai que ficou aguardando o carro dar a partida. Quando viramos a esquina, respirei aliviada, não havia percebido que estava tensa. De alguma forma, ainda estava preocupada com toda essa história do emprego e não queria que meu pai soubesse

Durante o nosso percurso, pude sentir o olhar de Hernández sobre mim algumas vezes através do retrovisor. Eu fingia estar ocupada observando a estrada ou como o couro do estofado parecia caro. Eu não entendia muito bem de carros e não tinha ideia de qual era o nome daquele no qual estava, mas sabia que não tinha sido nem um pouco barato. 

— Há algo que queira me perguntar, Hernández? — Inquiri enquanto observava o lado de fora.

— E-eu, não, senhorita.

Sem me mover observei com o canto dos olhos ele apertar um pouco mais o volante e sorri. Eu sabia exatamente como mudar a situação.

— Mas eu tenho algo que gostaria de perguntar: faz uma ou duas semanas que começou a trabalhar?

Pelo retrovisor vi seus olhos se alargarem de surpresa.

— Como a senhorita soube? — Perguntou de volta.

Sorri ainda mais.

— Pensei que não tinha perguntas para mim.

Ele pareceu desconcertado, mas deixou um leve sorriso se esboçar em seu rosto de aparentemente 40 anos.

— Faz três semanas — respondeu enfim.

— Ah, sim... — pausei por alguns segundos e então continuei casualmente: — É a sua mãe ou esposa que também é cadeirante?

Naquele momento achei que os olhos de Hernández fossem pular para fora das órbitas. Nossa, como eu estava me divertindo.

— Jesus! C-como a senhorita sabia?

Ele estacionou em frente a um arranha-céu localizado em Upper East Side. Eu nunca nem havia pisado nesse bairro e estava prestes a entrar em um de seus luxuosos edifícios. Ele reluzia tanto devido ao reflexo do vidro que o envolvia, que eu não sabia precisar qual era a sua cor. Nunca em minha vida havia sequer imaginado pisando no hall de entrada de um desses prédios nem mesmo para pedir informação.

Hernández com sua agilidade surpreendente já estava abrindo a porta com a cadeira à postos. 

— Obrigada, Hernández. Creio que teremos que deixar nossa conversa para uma outra ocasião.

— Como a senhorita preferir — respondeu me encaminhado para a porta do edifício. 

Fui recebida por uma simpática jovem chamada Anna. Não deveria ter mais de 23 anos e estava impecável no seu uniforme. Ela me guiou até o 17° andar onde paramos.

— Obrigada, Anna. Posso ir sozinha daqui — disse tentando dispensá-la da forma mais polida que pude pensar.

Era irônico quando eu tinha que pensar em uma forma de dispensar as pessoas sem machucá-las porque elas me tratavam demasiadamente cuidadosas para não me machucarem. Aquele sentimento que eu via nos olhos na maioria das pessoas e que me incomodava profundamente também havia visto nos de Anna e provavelmente veria nos dos Roberts: pena.

Respirei fundo e então toquei a campainha. Um som abafado e melódico soou antes de eu ouvir uns passos em direção da porta.

— Bom dia, Srta. Wright — uma outra empregada me cumprimentou.

Pessoas que eu nunca tinha visto na vida já sabiam meu nome e me cumprimentavam. A situação era mais estranha do que eu pensei que seria, mas de alguma forma eu estava me divertindo com aquilo tudo. A menina parecia ser tão nova, não parecia ter mais do que 18 anos e tinha um rosto muito familiar. Talvez ela não fosse tão estranha.

Sorri abertamente antes de respondê-la.

— Bom dia, Srta. Hernández.

Andei com minha cadeira para dentro da casa sem antes deixar de verificar uma notória caída de queixo da menina. Não consegui conter um sorriso de satisfação que passou pelo meu rosto. Eu tinha boa memória com rostos e nomes. Sabia que muitas pessoas eram boas em uma ou na outra coisa, mas desde que era pequena, já tinha essa facilidade em gravar figuras e letras e até mesmo associá-las. A jovem garota tinha semelhanças indiscutíveis com Hernández, mas ainda assim era um chute que eu poderia ter errado, afinal as semelhanças entre eles eram as mesmas entre muitos latinos. Porém a expressão no rosto da menina confirmava minhas suspeitas.

A porta de entrada dava em um curto, porém largo corredor que se abria no que parecia ser a sala de estar pelos móveis que pude observar. Ao lado direito da porta de entrada havia um porta-casaco de madeira com um lindo sobretudo de couro vinho com corte de tecido denunciando seu dono, ainda havia gotas de orvalho sobre ele. A pessoa havia chegado no apartamento não muito tempo, como eu havia previsto; minhas suspeitas se confirmaram.

— Carla — chamou uma voz aveludada masculina antes de uma cabeça e então um corpo todo aparecer no final do corredor.

Ele era alto, talvez parecesse mais do que era, pois eu estava sentada, mas definitivamente era alto. Usava uma calça de moletom cinza e uma regata preta que era tão justa que parecia a própria pele. Seu peito era largo e todo trabalhado em músculos bem como seus braços e abdômen. Tinha uma leve impressão de que as pernas também seriam, mas o moletom era bem folgado no corpo, então não pude ter certeza.

Ele levantou o braço e o encostou na parede na altura da cabeça enquanto punha a mão na testa, tentando lembrar de algo.

— Srta. Bright? — Perguntou incerto.

— Wright — ouvi uma voz feminina já conhecida corrigi-lo.

Ao lado do filho surgiu a figura imponente e intimidante da Sra. Roberts.

— Uma pena — disse com um sorriso malicioso.

Ergui um sobrancelha.

— E por que seria, Sr. Jonathan Roberts? — Perguntei curiosa.

Seu sorriso se ilumiou ainda mais quando mencionei seu nome. A Sra. Roberts, se estava surpresa não demonstrou.

— Bright* combina mais com você, princesa.

Sorri com o trocadilho idiota.

— Tinha certeza que era por causa da minha cadeira — eu disse provocando-o.

A Sra. Roberts mexeu nervosamente onde estava. Jonathan, porém permaneceu imóvel com o sorriso no rosto. Ele sabia exatamente o que eu tinha tentado fazer e não caiu na minha armadilha. Apesar de ser um pouco maldosa, eu gostava de fazer piadas sobre a minha cadeira, pois sabia que só as pessoas que tivessem pena de mim se sentiriam desconfortáveis, quem me visse como igual iria rir comigo como ele fez. Sustentei seus olhos por um tempo até que ele se aproximou de mim, parou em frente da minha cadeira e estendeu a mão, ele não se curvou ou tentou chegar no nível dos meus olhos, apenas permaneceu de pé. Eu já estava começando a gostar da situação.

— Tenho certeza que vamos nos dar muito bem, Srta. Bright — disse dando ênfase no Bright de propósito.

Apertei a mão estendida o mais firme que pude.

— Talvez — trocamos um sorriso cúmplice.

Eu finalmente entendi porque Kelly estava tão perturbada e parecia louca checando o celular de 10 em 10 minutos. Jonathan Roberts era tudo o que havia me falado, além dos atributos físicos, seus olhos castanhos me confessavam a inteligência que guardava e poder de observação que me era muito conhecido. Tinha claramente um senso de humor inteligente, o que significava que seria possível passar horas a fio conversando com ele sem em nenhum momento haver um silêncio constrangedor ou ficar entediado. Senti imediatamente um calor prazeroso quando apertei suas mãos quentes. Eu havia dito "talvez", mas já tinha certeza de alguma forma: Jonathan e eu nos daríamos muito bem.

— Srta. Wright — a voz da Sra. Roberts me chamou de volta, quando desviei meus olhos dos de Jonathan e pousei nos dela, ela acrescentou: — me acompanhe até o escritório.

A menina que provavelmente se chamava Carla guiou a minha cadeira pelo caminho feito pela Sra. Roberts. Ao final do corredor realmente havia uma sala de estar.  Ao lado esquerdo da sala, separando-a por uma meia parede de vidro estava uma grande cozinha decorada em inox; uma porta de vidro do canto mostrava o acesso a área de serviço. Ao lado direito havia mais um corredor, dessa vez um pouco mais comprido com quatro portas que supus se tratarem do escritório, dois quartos e um banheiro para visita. Era uma suposição fácil visto que a casa era para apenas duas pessoas e não para toda a família como eu achava que seria quando falei com a Sra. Roberts no telefone.

Porém o que ganhou minha total e absoluta atenção foi a sala de estar. A parede que estava de frente para nós parecia ser toda de vidro do chão ao teto, mas não pude ter certeza pois uma cortina de veludo vermelho do mesmo comprimento a cobria por inteiro. Um sofá grande de couro preto em formato de U situava-se em frente a uma lareira apagada. Um som de surpresa saiu dos meus lábios ao ver o que estava presa na parede enfrente ao sofá: a mesma parede da lareira que era toda de pedras ostentava uma enorme televisão tão fina quanto papel cuja tela não tinha ideia de como mensurar. Imediatamente pensei em minha mãe e em como ela teria ficado feliz em assistir os nossos clássicos nela. Seria o mesmo que ter o nosso próprio cinema em casa.

Ao nos direcionarmos ao corredor, meus olhos se encheram de lágrimas, e não pude olhar para a frente. Senti olhos em cima de mim que não sabia de onde vinham, mas imaginava de quem seriam. Aproveitei a sombra que o corredor fez no meu rosto e rapidamente limpei os olhos.

— Carla, quando o almoço estiver pronto, arrume a mesa para três, a Srta. Bright vai almoçar conosco — Jonathan avisou a Carla enquando piscava para mim.

Ele entrou em uma das primeiras portas, provavelmente o seu quarto enquanto segui com a Sra. Roberts até o final do corredor.

O escritório era grande e tinha sua própria lareira. Estava começando a achar que todos os cômodos da casa tinham. Era decorado de de forma neutra. As cores variavam entre cinza, branco e preto. Organizadores de papeis em cima da grande mesa de mogno estavam cheios de pastas e arquivos. Um computador com uma tela que era maior do que a nossa TV descansava imponente no canto direito da mesa. Em frente a mesma havia um sofá com um estofado macio que não soube identificar do que era, além de mais duas poltronas do mesmo material.

A Sra. Roberts se sentou na cadeira de couro atrás da mesa e apontou para o espaço em frente a mesa. Tinha certeza que havia uma cadeira ali antes, mas havia sido removida para eu me encaixar.

— Srta. Wright, acredito que deve estar se perguntando muitas coisas nesse momento — começou colocando os cotovelos em cima da mesa e entrelaçando os dedos. Assenti de leve com a cabeça. — Gostaria antes de mais nada de que  esquecesse completamente qualquer informação que tenha chegado aos seus ouvidos através da mídia sobre a nossa família, — suspirou antes de acrescentar: — Evan sofre de antropofobia.

 

* Lata Velha (mencionada no capítulo anterior).

** Jonathan fez um trocadilho pois Bright em inglês quer dizer iluminado/brilhante.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gente, sinto muito pelo atraso de um dia. Vou dar o meu melhor para postar o capítulo 3 ainda essa semana. Obrigada pela paciência e compreensão! Boa semana.

P.S.: Eu sei que esses dois primeiros capítulos foram um pouco chatos, mas era importante apresentar os locais e as pessoas que vão dar início a história. Fiz o máximo que pude para ajudá-los a mentalizar os personagens e ambientes da forma como eu mesma os vejo.

P.S.2: O próximo capítulo vai finalmente trazer o nosso personagem principal masculino e primeiras impressões. Stay tuned!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Silent Pain - Love Doesn't Have Legs" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.