Silent Pain - Love Doesn't Have Legs escrita por UnknownTelles


Capítulo 18
Letargia


Notas iniciais do capítulo

Antes de mais nada, eu sinto muuuuuito por ter demorado tanto com esse capítulo.
Pra falar a verdade não teve um único dia desde que eu postei o capítulo 17 que eu não pensei sobre o capítulo 18.
Apesar de já ter um rascunho mental sobre a história, eu sofri uma espécie de bloqueio artístico misturado com desânimo para escrever. O capítulo 18 é apenas uma ponte entre o que aconteceu com Sarah e Evan para o que está para acontecer com eles e foi muito difícil escrever sobre isso.
Gostaria de avisar que eu consegui sair do tal bloqueio artístico e que é provável que consiga postar mais frequentemente, porém, ainda que eu venha a demorar de novo, quero deixar bem claro que eu NUNCA VOU CANCELAR ESSA HISTÓRIA. Até que eu termine, não vou parar de postar, por isso, se eu demorar um pouco com os capítulos, não tenham medo, eu nunca vou me esquecer de vocês.
Pelo céus, eu falo demais! Me desculpem de novo.

Boa leitura!



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O gritinho de surpresa ou a sacudida dos meus ombros que eu estava esperando vir de Kelly não veio. Ao invés de uma reação dramática digna da rainha do drama eu apenas ganhei um longo e desconfortável olhar.

Ela parecia relutar internamente contra alguma coisa.

— Você quer falar sobre isso? — Perguntou por fim.

Suspirei desviando os olhos para a enorme abertura da sacada. 

— Sinceramente? 

— Sim.

— Não. Não quero falar sobre isso...— me posicionei próxima à minha amiga e com alguma dificuldade transferi-me da cadeira para o enorme sofá. Com as pernas para fora, deitei no couro macio deixando meus olhos se perderem no teto. — Mas eu preciso falar sobre isso. 

O mais quieta possível — o que era assustadoramente anormal vindo de Kelly —, senti ela deitar também de forma que nossas cabeças se encostavam, mas nossos corpos estavam em direção oposta. 

Antes que eu pudesse começar a falar qualquer coisa, ouvi a porta da frente se abrir.

— ... cena era totalmente profissional. 

Ouvi alguém bufar em deboche. Parecia ser Kyle.

— Sei. A língua dele na sua boca foi bem profissional.

Franzi o cenho ante aquela conversa. Com certeza não era para nenhuma de nós duas estarmos ouvindo aquilo. Ambas Kelly e eu levantamos apenas para nos apoiarmos nos cotovelos e darmos de cara com um Kyle que parecia muito irritado e uma Lana incomodada. Nenhum deles nos notou ali, entretanto. 

Lana respirou fundo antes de falar.

— Kyle, pela milésima vez o Adam é apenas um ator, assim como eu sou uma atriz, assim como todo o meu trabalho é apenas uma atuação! — Explicou exasperada. Seu rosto estava começando a ficar vermelho de raiva e tive que conter uma risada quando vi Kyle dar um passo para trás ante a súbita explosão. Lana não parecia ser do tipo que se irritava facilmente, aquela devia ser uma cena rara. — Acha mesmo que se eu quisesse te trair eu faria isso em um palco na frente de quinhentas pessoas toda santa quarta-feira?

Kyle pareceu ganhar confiança novamente ao ouvir aquelas palavras. Ele fechou as mãos em punhos. Parecia que ele estava prestes a perder o controle.

— Lana... 

— O quê?! — Ela respondeu de volta com as mãos na cintura.

— Diga isso mais uma vez e eu saio daqui agora e arrebento a cara daquele idiota que você chama de ator — ameaçou claramente debochando quando pronunciou a última palavra.

Ela riu sem humor.

— Que bom que você falou sobre sair. Já estava mesmo na hora.

Kyle hesitou, pego de surpresa.

— O que voc-

— Eu preciso de um tempo sozinha, Kyle. 

Ele demorou apenas um segundo para falar, mas isso não me escapou.

— O que você quer dizer?

Lana respirou fundo.

— Eu quero dizer que eu preciso de espaço. Preciso pensar.

— Está dizendo que eu devo sair?

— Sim!

Ele abriu e fechou a boca algumas vezes, mas não falou nada. Antes que eu piscasse de novo, Kyle saiu porta a fora como um furacão deixando nós três dentro do apartamento.

— Isso é o que eu chamo de força na calcinha — comentou Kelly.

Lana deu um pulo para trás ao ouvi-la e pôs a mão no peito como que tentando impedir o coração de pular para fora. Não consegui conter um pequeno riso diante de toda aquela situação, Kelly não podia ter dito nada mais inapropriado.

Lana se aproximou ainda com a mão no peito.

— Desde quando vocês estavam aí? — Perguntou sentando-se no sofá.

— Desde o início — eu respondi me sentindo um pouco culpada.

Nunca fui de ouvir a conversa dos outros, mas não era como se eu tivesse tido qualquer escolha.

Ela abaixou a cabeça e suspirou. Eu não sabia exatamente o que estava acontecendo, mas pelo pouco que presenciei dava para ter

uma ideia.

— Você devia ficar feliz — eu disse sinceramente.

Lana voltou os olhos para mim, estavam arregalados de surpresa.

— Feliz?! — Questionou. — Você não tem ideia do escândalo que Kyle fez no teatro. Parecia que era ele quem era a estrela do show.

Ri de novo.

— Eu concordo com Sarah — pronunciou-se Kelly.

Eu assenti.

— Talvez a reação dele tivesse sido exagerada, ele pode aprender a lidar com isso com o tempo — eu expliquei. — Mas saber que ele se sente extremamente desconfortável que você esteja com outro homem, mesmo que seja apenas atuação, deveria te deixar muito feliz.

Lana desviou os olhos, vi suas bochechas ruborizarem levemente, apesar de ainda ter o cenho franzido.

— Eu só queria que ele acreditasse em mim quando digo que eu não sinto nada por Adam. Nós nem mesmo somos amigos! — Exclamou frustrada. — A namorada dele assistiu a nossa penúltima apresentação e no final ela falou com todo mundo. Ela é muito gentil e eles parecem se amar de verdade — quanto mais ela falava, mais Lana parecia triste. — Não sei porque ele não acredita quando eu digo que não há nada entre nós.

— Lana — chamei; quando ela me olhou, vi que estava prestes a chorar. — Não é que ele não acredite em você. Eu conheço o Kyle há mais de cinco anos, se ele tivesse qualquer dúvida de que você o estivesse traindo, acredite em mim, ele já teria terminado.

— Então por que ele age como se eu o estivesse chifrando?!

Balancei a cabeça sorrindo.

— Ele apenas não sabe lidar com o que está sentindo — explicou Kelly. — Ele sabe que você não o está traindo, mas vê-la com outro homem o deixa louco e irracional. Talvez seja difícil entender o que a outra pessoa sente quando você não está passando pelo que ela está. Um beijo técnico é normal pra você porque faz parte do seu dia-a-dia, mas pra Kyle não é bem assim.

Suspirando de novo Lana nos fitou alternando o olhar entre mim e Kelly.

— Eu vou tentar conversar com ele — cedeu ainda hesitante. — Mas não quero mais falar sobre isso. O que estavam fazendo antes de nós dois chegarmos? 

Minha amiga me lançou uma olhada rápida e logo eu sabia o que estava pensando. Eu não estava me sentindo confortável para falar sobre os meus sentimentos com ela, quanto mais com Lana ali por perto.

— Sarah, estava me contando alguns problemas que estava tendo no novo emprego — fiquei surpresa de que a desculpa de Kelly não fosse uma mentira.

Lana levantou uma sobrancelha.

— A criança grande de antes? — Perguntou.

Levei alguns segundos para me lembrar de que ela se referia a conversa que havíamos tido no Pub do Joe.

— Sim, essa mesma — suspirei assentindo.

De criança o Evan não tem nada...

Com uma maestria ao mesmo tempo louvável e questionável, Kelly divergiu o foco da conversa de forma que eu não era mais o centro da atenção. Essa estranha habilidade me fez lembrar de Jonathan, que era capaz de fazer a mesma coisa. Eles realmente combinavam.

Nós passamos a tarde e a noite toda conversando, assistindo filme ou comendo besteira. Fazia muito tempo que eu não misturava pipoca, sorvete e batata fritas no meu estômago tudo em um mesmo dia. Quando eu achei que a cota de comida porcaria tinha acabado a campainha tocou e quando fui atender era um entregador de pizza. Pizza! Eu tinha demorado não mais do que alguns minutos no banheiro e essa tinha sido a brecha para elas fazerem o pedido por telefone.

Quando o relógio acusou onze e meia da noite eu estava me sentindo um caco. Precisava de um banho e era muito grata por ter uma amiga tão amável que sempre tinha uma cadeira para banho guardada no quarto. Eu tinha uma em casa, mas Kelly não precisava ter comprado uma porque eu quase nunca dormia no apartamento deles. Porém a minha opinião nunca foi sequer levada em consideração e nesse caso, tanto Kelly quanto Kyle haviam feito complô contra mim e compraram a cadeira gostando eu ou não. Se eu a havia usado umas quatro vezes foi muito, mas eles pareciam ficar malucos toda vez que eu mencionava que deviam se desfazer dela. 

De uma forma ou de outra, eu estava grata por poder tomar um longo banho quente e relaxar. Não era muito fácil se deslocar durante o banho. O que para outros era simples, como o ato de se ensaboar, para mim exigia uma pouco mais de esforço, mas até mesmo isso já havia se tornado um hábito, então eu não me lembrava muito bem de como era gastar menos tempo com todo aquele processo.

Enquanto eu deixava a água do chuveiro cair pesadamente sobre a minha cabeça, fitei as barras de aço inox que Kelly havia mandado Kyle comprar para colocar no banheiro. Era uma medida de segurança para quem era cadeirante e precisava tomar banho sozinho. Apesar de louca, minha amiga sempre se preocupava comigo, até mesmo nos pequenos detalhes. 

Desde de que começara a trabalhar com os Roberts há quase três semanas estava sendo constantemente lembrada de minha mãe. Fosse pela TV na sala de estar ou pelo misterioso vidrinhos de aroma espalhados por aquele apartamento ou até... A melodia. Por algum motivo toda a história e problemas de Evan me faziam relembrar do meu acidente e do quanto doía ter perdido a minha mãe. Senti as lágrimas se acumularem e ameaçarem cair, mas por algum motivo, elas ficaram represadas. Eu queria gritar por todo o estresse que tinha se acumulado em mim. Queria gritar porque eu não poderia mais ver a minha melhor amiga: minha mãe, e porque o único homem que eu realmente comecei a gostar era na verdade um babaca.

Golpe do baú?

Eu comecei a rir nervosamente. Ri até sentir minha barriga doer e minha garganta secar, e uma nova onda de soluços me tomou.

— Sarah?! — Ouvi uma voz me chamar do lado de fora.

Pisquei algumas vezes para tirar a água dos olhos.

— Kelly? — Sussurrei tão baixo que eu mal me ouvi.

Batidas na porta soavam distantes e meus olhos começaram a perder o foco.

— Sarah, você está bem? Abra essa porta! 

— Kelly... 

Eu estava começando a me sentir tonta, tudo ao meu redor começou a girar. Sacudi a cabeça para tentar me manter acordada, mas apenas sentia a consciência escapar de mim como a areia por entre os dedos.

*******

Abri os olhos devagar. 

Estranhamente a minha cabeça não doía como nos últimos dias toda vez que eu acordava. Olhei para um lado e vi Kelly dormindo na mesma cama que eu.

A cama dela, o quarto dela. 

Olhei para o outro lado e Lana também estava lá, pela primeira vez achei utilidade para a cama King size de Kelly. Mal uma pessoa cabia na minha cama em casa. Sentei devagar para não acordá-las. Comecei a lembrar aos poucos da noite passada. Havia muitos anos desde a última vez em que eu apagara assim. Eu estava usando uma regata e shorts de Kelly. Eu queria muito ir ao banheiro, mas se tentasse sair dali acabaria por acordar as duas. Deitei de volta na cama derrotada encarando o teto, um suspiro longo e profundo saiu do meu nariz.

Senti algo vibrar próximo ao meu braço esquerdo. Vi que era o celular de Lana e que Kyle a estava ligando. Logo em seguida "If I were a boy" começou a tocar ao meu lado direito: era o celular de Kelly. 

Tive que conter a gargalhada que ameaçava a sair dos meus lábios quando li o nome na tela. Não resisti e atendi enquanto deixava o celular de Lana tocar.

— Kit Kat? Finalmente! Por que não me atendeu antes? Estou ligando a noite toda. O que aconteceu ontem à noite?

Senti uma pontada de culpa, minha vontade de gargalhar foi toda embora. Eu havia arruinado o encontro deles, não tinha como eu ter tido um timing pior para desmaiar.

— Desculpe, Sr. Galinha, acredito que a ausência dela no encontro de vocês tenha sido por minha causa — eu expliquei, estava realmente me sentindo mal por eles.

— Sarah? — Jonathan perguntou incerto.

Vi Lana levantar sonolenta e pegar o celular.

— Quem quer que esteja me ligando a essa hora da madrugada está morto — murmurou.

Já era mais de meio-dia, mas achei melhor não contrariá-la. Ao ver que era Kyle na tela do paarelho, ela levantou resmungando e saiu do quarto.

— Sim, sou eu — um sorriso encontrou o caminho dos meus lábios quando lembrei do apelido dele para Kelly. — O amor deve ter te batido forte na cabeça, huh? Kit Kat é nova pra mim.

Ouvi ele murmurando uma série de palavras incoerentes que me fizeram gargalhar.

Jonathan embaraçado era épico.

— E o que seria esse negócio de Sr. Galinha? — Retrucou.

Eu provavelmente não deveria contar, mas não resisti.

— Oh, é como Kelly carinhosamente salvou o seu contato.

Ouvi ele bufando do outro lado, claramente de mau-humor. 

— Por que tanto barulho? — A voz grogue de Kelly me fez virar em direção a ela.

Não poderia ter acordado em uma hora melhor.

— Kit Kat acordou, acredito que queira falar com ela — avisei a Jonathan.

Ao ouvir o apelido, Kelly levantou rápido e alerta como se eu tivesse derramado um balde de água gelada na cara dela. Logo, ela saiu do quarto também me deixando só.

Pelo menos eu poderia usar o banheiro sem incomodar ninguém.

*******

O resto do dia seguiu tranquilo. Lana tinha ensaio marcado com o grupo de teatro. Ela havia me convidado para tocar no ensaio já que a pessoa contratada não poderia comparecer, mas tive que recusar pois era justamente uma hora antes do meu horário com Evan terminar. O ensaio começava às cinco da tarde, mas eu só terminava a aula às seis. Ela disse que não havia problema e que Kyle poderia passar para me pegar quando fosse seis horas, mas eu recusei mesmo assim prometendo que ajudaria uma próxima vez. De qualquer forma, parecia que eles dois já haviam se acertado porque foi o que deu a entender quando eu havia saído do banheiro mais cedo e os dois estavam embolados no sofá. Não sabia onde um começava e o outro terminava.

Antes de Kelly sair para trabalhar na padaria, conseguimos conversar sobre a minha situação com o Evan. Eu não havia contado sobre o problema dele e a história sobre a sua mãe, mas contei sobre tudo o que aconteceu entre nós desde o início. Como desde que o conhecera o toque dele na minha pele parecia mágico e ao mesmo tempo assustador. Acredito que todo o prédio tenha ouvido o grito de Kelly quando cheguei na parte em que Evan havia me puxado para dormir na cama com ele e em como eu não havia nem sequer relutado. Pensar naquilo me vez ver como eu devia ter parecido fácil e desesperada.

Foi ainda suspirando que toquei a campainha do apartamento dos dois homens mais problemáticos de toda New York. Carla me atendeu com um sorriso enorme e me atualizou sobre a situação de Hernández. O médico havia feito mais algumas restrições na alimentação e acrescentado mais um remédio para pressão. Pelo que deu a entender, a Sra. Hernández estava bem do lado controlando tudo. Fiquei feliz de saber que estavam bem e sorri agradecida que aquela situação toda não teve um final pior. 

Foi quando vi Evan saindo do quarto que tive que pôr a minha melhor máscara. Eu não era hipócrita, então não me comportaria como se nada tivesse acontecido. Também não era como se eu fosse dar a ele o prazer de me ver depressiva e lamuriando. O que eu sentia por ele era verdadeiro e por mais que tivesse demorado tanto para que eu me convencesse a aceitar aquele sentimento, ele havia deixado claro que toda a aproximação que tivemos foi apenas para ele provar um ponto: eu apenas queria o dinheiro dele. Era o que ele pensava de mim.

Tive que segurar um sorriso irônico. Aquela era a primeira vez que alguém havia conseguido me irritar por me ver como alguém que eu não era, em vez de apenas como uma inválida pela qual deveria sentir pena. Ainda não havia me decidido qual era o pior sentimento.

Aquela foi uma das tardes mais difíceis da minha vida. Tive que usar todas as minhas forças para me manter no mesmo lugar e não sair dali. Pela primeira vez, ensinar nunca havia sido tão atormentador. Eu queria gritar com Evan, bater nele e perguntar se estava escrito na minha cara "caça-tesouro", mas tive que me conter. O fato de que ele não precisava da minha ajuda de forma alguma não tornava nada mais fácil. Normalmente eu conseguia ensinar duas matérias por dia para alunos que eram mais avançados, mas com Evan passamos por quatro. Quatro matérias! E eu ainda estava pasma de como ele conseguia resolver todos os exercícios e até mesmo os desafios como se não fossem nada. O que apenas reforçou o que a Sra. Roberts havia dito sobre eu ser alguma espécie de força para ajudar Evan a sair do buraco em que se meteu. Meu emprego nada mais era do que uma fachada para ajudá-lo a se curar da antropofobia.

Porém, de tudo o que havia acontecido, o que mais me incomodava era o olhar que eu recebia dele. Desde o momento em que cheguei até a hora em que tive que sair, Evan não parava de me fitar com aquelas avelãs intensas que antes me faziam derreter e agora me faziam remexer inquieta. 

Pelo céus, o que esse homem quer!?

O que mais ele queria de mim? Queria que eu declarasse com a minha própria boca que eu queria o dinheiro dele? Queria que eu gritasse e batesse nele? 

Homem...

Sorri sem humor enquanto esperava o taxista guardar a minha cadeira no porta-malas. Eu não sabia quando eu havia deixado de considerá-lo apenas um adolescente para vê-lo como homem. Fato era que a imagem de menino era muito longe de como eu via Evan. Ele não era menino algum, a dor que eu havia visto nos seus olhos quando falou da sua mãe apenas comprovava que o que quer que ele estivesse guardando dentro de si era algo que menino algum seria capaz de suportar.

Durante a semana que se passou, senti-me muito mal pela forma como meu pai me olhava. Algumas vezes ele tentava jogar verde para colher maduro, mas eu sempre desconversava. Ele nunca foi de insistir em saber algo sobre o que eu não queria falar, mas não conseguia disfarçar o quanto meu silêncio o atingia. Eu não queria que ele se preocupasse, era algo que com o tempo eu seria capaz de passar por cima. O fato de que eu não conseguia resolver toda aquela situação provavelmente era um dos motivos pelo qual meu humor estava tão ruim. Geralmente, quando eu tinha um problema eu o resolvia o quanto antes porque me estressava muito ter algo pendente martelando na cabeça. Entretenato, com Evan, eu não poderia simplesmente chegar e dizer tudo o que eu queria. Seria o mesmo que confessar tudo o que eu sentia por ele, e eu não daria a ele o prazer de ver que as minhas intenções não eram dinheiro e usar isso para pisar ainda mais em mim. Nós dois fazíamos parte de realidade muito diferentes.

Foi em uma manhã de sábado quando eu estava me preparando para visitar as crianças do orfanato perto de casa como eu fazia todo o mês, que eu recebi uma ligação.

— Bom dia, Sra. Kendrick — comprimentei. — Estava me preparando para fazer uma visita ao Royal Park.

Vilma Kendrick era a diretora do Royal Park, o orfanato onde eu costumava passar o dia com as crianças fazendo artesanato e ensinando a tocar flauta. Brincávamos de bola quando eu ainda conseguia correr, hoje eu apenas as assistia.

— Bom dia, Sarah. Já disse para me chamar de Vilma — repreendeu docemente. Sorri concordando, ainda que ela não pudesse ver. — Eu liguei para a sua casa algumas vezes para que pudéssemos conversar sobre algumas coisas, mas o Sr. Wright havia me dito que estava passando alguns dias na casa de uma amiga.

Suspirei lembrando dos três dias que eu havia passado fora de casa na semana passada, foi quando todos os problemas com Evan começaram.

— Sim, eu realmente estive fora — respondi.

— Entendo. Quando o Sr. Wright explicou que você não se encontrava entendi o porquê de não ter vindo nos ver.

Eu estava tentando o meu melhor para não desabar na frente do meu pai, por isso havia propositalmente evitado ir ao orfanato e contagiar as crianças com o meu estado depressivo. Uma semana foi o suficiente para me ajudar a colocar as ideias no lugar e embora ainda estivesse me sentindo tão mal quanto estava há nove dias, ainda assim estava conseguindo disfarçar melhor meu ânimo.

— Em que posso ajudá-la, Vilma? — Perguntei diretamente.

Ela pausou por alguns segundos.

— Acredito que seja melhor que continuemos essa conversa pessoalmente. Disse que estava a caminho, não é?

— Sim.

— Estaremos aguardando.

Não consegui disfarçar a minha curiosidade sobre o que ela queria dizer com "estaremos", mas não perdi tempo e logo já estava a caminho do Royal Park.

O orfanato não era um prédio luxuoso. Se encontrava afastado do centro de New York e tinha um terreno consideravelmente grande com piscina e quadra poliesportiva, mas o espaço ainda era pequeno devido o número de crianças que ali viviam. Já há alguns anos a Sra. e o Sr. Kendrick tentavam expandir o espaço e construir novos quartos, mas nunca conseguiam dinheiro suficiente. Aparentemente era mais interessante aos multimilionários continuar com investimentos que fosse aumentar o seu dinheiro em vez de "desperdiçá-los" com crianças sem lar.

— Oi, Garret. Como vai a sua criança? — Perguntei sorrindo ao porteiro do Royal Park. 

Aquela era uma pergunta de praxe que eu sempre fazia me referindo ao braço dele. Garret havia sofrido um acidente em uma fábrica onde trabalhara por sete anos, um cortador de papel que estava enferrujado caiu com a lâmina na direção do braço dele lesando nervos e músculos. Por estar enferrujado e com a lâmina cega, não estava cortando direito, de outra forma Garret teria sido imediatamente aleijado. A lesão do braço, contudo, foi o suficiente para invalidá-lo pelo governo, que o aposentou automaticamente, mas Garret não queria ficar em casa sem fazer nada e se comportar como um inválido, ele queria trabalhar. A vaga de porteiro do Royal Park não poderia ter sido dada a nenhum outro a não ser Garret, eu pensava, porque não havia ninguém que amasse tanto aquelas crianças quanto ele as amava.

— Como vão os garotos? — Ele perguntou com um sorriso banguela se referindo a possíveis namorados.

De alguma forma na mente de Garret ele acreditava que eu tinha uma fila enorme de pretendentes querendo algum tipo de relacionamento comigo.

— Todos vão bem, Garret. Ultimamente eles tem brigado entre si para ver quem consegue mais a minha atenção.

Foi ouvindo a gargalhada maravilhosa dele que eu entrei no orfanato e fui para a Direção. Esperei enquanto Susan, a secretária, avisava a Sra. Kendrick sobre a minha chegada, mas não demorou muito e logo eu estava dentro do modesto escritório. 

Quando entrei observei que a Sra. Kendrick não estava sozinha. Ela estava sentada atrás de sua enorme mesa de carvalho e de frente para ela, ou seja, de costas para mim, estava sentada outra mulher cuja silhueta me era familiar.

— Minha querida, Sarah! — Levantou de sua cadeira de couro marrom e veio em minha direção me dar um abraço. — Que bom que veio logo, estávamos falando justamente sobre você.

A mulher que estava de costas para mim se levantou e virou em minha direção.

— Finalmente vamos poder ter aquela conversa, Srta. Wright — disse a Sra. Roberts com um pequeno sorriso.

A minha cara devia denunciar toda a surpresa que eu estava sentindo no momento porque a Sra. Kendrick riu baixinho. Provavelmente, a Sra. Roberts se referia aquele dia em que havia me chamado para ir à casa dela, mas que Hernández infartara.

— Venha, querida, vamos conversar mais perto — disse enquanto dirigia a minha cadeira para frente da sua mesa ao lado da Sra. Roberts.

Ambas as mulheres sentaram e permaneceram com os olhos voltados para mim.

— Confesso que foi uma surpresa completamente inesperada quando a Sra. Kendrick me falou sobre conhecer a pessoa exata para o que eu precisava.

— Surpresa essa que aumentou ainda mais quando soube que se tratava de você, Sarah — acrescentou a diretora.

Alternei o olhar confusa de uma para a outra mulher. 

— Do que exatamente estamos falando? — Perguntei ainda me sentindo perdida.

A Sra. Roberts abriu sua bolsa da Chanel e retirou um envelope muito bem trabalhado de dentro dela. A escrita era totalmente manual, nada impresso. As letras eram pratas e faziam espirais elegantes, pareciam mais um desenho do que letras em si, e elas formavam o meu nome. De dentro do envelope retirei um papel-cartão que dizia:

"É com grande prazer que a convidamos para a nossa décima primeira confraternização da Roberts-Vermont Corporations em prol das crianças menos afortunadas. Aguardamos-lhe dia 27 de agosto na Gardens Wield às 21:00.

Atenciosamente,

Jonathan Christopher Roberts."

Eu não sabia se o meu queixo havia caído por causa do convite ou se era porque o nome do meio de Jonathan era Christopher.


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Notas finais do capítulo

E agora o que será que vai acontecer?
Pode parecer um pouco desconexo, mas tudo vai se ajeitar mais pra frente.
Porém eu tenho uma notícia que pode ser boa ou ruim, vai depender de como vocês reajam: a parte 2 dessa história está acabando! Lembram que eu havia dito que tinha separado a história em 3 partes?
Então, faltam mais dois capítulos mais ou menos e então vamos entrar na terceira e última parte de Love Doesn't Have Legs.
Ah, já ia me esquecendo. A minha nova história não vai poder ser lançada ainda porque eu não estou dando conta de publicar duas histórias ao mesmo tempo, quanto mais três! Quando eu postar, vou avisá-los.

Boa semana!



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