Silent Pain - Love Doesn't Have Legs escrita por UnknownTelles


Capítulo 1
Mas É Claro


Notas iniciais do capítulo

Apesar de não ser a minha primeira história é a primeira que decidi expor ao mundo. Espero que se divirtam tanto quanto eu me diverti escrevendo.



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Coloquei o telefone no gancho ainda com a mão direita no queixo. Eu havia tido uma conversa bem sucinta com a sra. Roberts: em 10 minutos ela me explicou qual seria o trabalho que eu desempenharia, quanto me pagaria, quanto que eu trabalharia. Na verdade, a oferta que tinha me sido feita há 1 minuto era, sem dúvida, o que eu estava procurando há muito tempo. Melhor oferta de emprego que eu jamais poderia comparar com qualquer uma das anteriores.

Porém.

Infelizmente, sempre há um porém.

Havia algo que me incomodara na nossa conversa. Algo que eu ainda não sabia o que era.
Continuei encarando o telefone fixamente como se ele pudesse me dar a resposta, quando ele tocou novamente.

— Sarah? — Ouvi a voz de Kelly soando um pouco estridente do outro lado da linha. Tinha certeza que ela estava agarrando-o com as duas mãos e com os lábios bem próximo do bocal no seu desespero exagerado com alguma coisa não tão importante.

— Sim, Kel. Acho que nesse número que você ligou só podia ter uma Sarah.

— Ah, sim, ele tá aí de novo. Muito engraçada. — Por "ele", ela se referia ao meu sarcasmo. Não gostava de mencionar a palavra, pois achava que trazia muita negatividade.

Olhei para baixo e vi a colcha xadrez vermelha e verde no meu colo. Minha mãe havia dado essa colcha ao meu pai de presente quando ele havia ido para o treinamento do exército em seu primeiro ano. Ele nunca precisou ir a nenhuma missão com algum terrorista no exterior enquanto ainda estava na ativa, mas missões no próprio país, nunca faltou. Especialmente em casa. Às vezes as mulheres podem se tornar mais assustadoras do que muitos generais. E elas nem precisam de treinamento nem nada, só precisam ser donas de casa.
Finalmente tirei a mão do queixo e passei na colcha alisando-a, apesar de não ter nenhuma prega.

— Sim, Kel, direto ao assunto.

Ouvi-a suspirar. Sabia que ela também devia ter fechado os olhos antes de tomar fôlego para falar.

— Sinceramente, garota, eu queria muito dar na sua cara, mas tive que escolher entre esperar 15 minutos enquanto corro pra chegar aí e te bater ou ligar e falar imediatamente. Você vai ser muito louca se aceitar essa oferta dos Roberts. Já disse que não devia se meter nessa família que só tem mongóis... Desculpe — franzi o cenho; ela sabia que eu não gostava de como usava a palavra no pejorativo. — Bom, enfim. Você sabe que não devia nem ter atendido o telefone daquela bruxa — sorri de novo. — Se você for lá, é capaz de te cozinhar no caldeirão como aquela que queria fazer o mesmo com a Chapeuzinho Vermelho ou o Pinóquio — eu ia dizer João e Maria, mas ela não iria escutar de qualquer forma. — O que eu quero dizer é que você deve dizer não. Você disse não, certo?

Respirei fundo como se fosse eu quem deveria recuperar o fôlego para falar, e não Kelly.

— Eu disse que daria a resposta amanhã pela manhã.

Consegui imaginar minha amiga batendo o pé direito no chão impaciente.

— Se você disse isso é porque está em dúvida se deveria recusar — ouvi-a suspirar do outro lado da linha. — Me fala logo o quê que você está pensando.

Olhei para baixo, observando a cadeira que eu estava sentada. Meu pai tinha comprado mês passado para mim. Ela era nova, não era usada de segunda, terceira ou quarta mão. Na verdade, pouco me importava de quantas mãos era, só queria mesmo uma boa cadeira que me ajudasse mais do que me atrapalhasse como a Lata Velha, ou LT, para os íntimos.

— Eu não sei, Kel. Não achei que deveria recusar sem uma boa razão. Tentei comprar tempo para pensar em algo coerente e possível de se dizer para a Sra. Roberts amanhã — e acrescentei rápido antes que ela começasse a falar de novo: — algo racional.
Ela deu uma risada falsa.

—Você acha que não tem motivo suficiente?

Sabia exatamente o que as minhas palavras causariam nela, mas não pude deixar de falar:

— Talvez você tenha um certo motivo.
Há alguns meses Kelly havia começado a conversar com Jonathan Roberts quando ele começou a frequentar o Joe's, o pub mais famoso do distrito. Começaram trocando olhares e, quando isso passou a se tornar mais frequente, trocavam algumas palavras no meio de todo aquele barulho insuportável para então evoluírem para a troca de números de celular. Uma certa noite Kelly quase trocou sua cama pela dele, mas na última hora ele desistiu, colocou a calça de volta e pediu para ela sair, voltar para casa e não ligar mais para ele. Sem nenhuma explicação, nem mesmo uma que fosse descaradamente mentira. Nada. Apenas: vista-se e saia.

Ela vestiu-se e saiu.

Nem tentou ligar, afinal tinha alguma dignidade, mas estranhamente checava o celular em buscar de alguma coisa a cada 10 minutos...

— Um certo motivo! — Repetiu exasperada.

Voltei os olhos então para as rodas da cadeira. O aço era reluzente, denunciava que era uma cadeira novinha. O pneu tinha cheiro de borracha ainda forte com alguns fiapos saindo das protuberância moldadas por sulcos.

— Vou jantar agora, Kel. Amanhã quando você vier aqui eu te conto tudo.

Kel murmurou alguma coisa sobre eu contar por bem ou por mal e desligou. Coloquei o telefone no gancho e descansei as mãos no colo. Olhei ao meu redor e inspirei fundo, minha casa sempre teve o cheiro de madeira molhada e lavanda. O sofá que ficava ao lado da mesinha do telefone muitas vezes tinha servido de cama para mim e a minha mãe depois de nossas sessões de cinema e pipoca às 3 horas da manhã. Tínhamos tanta preguiça de levantarmos e subir as escadas para nossos quartos que ficávamos ali mesmo. Misteriosamente, acordávamos com um cobertor a mais do que pegávamos nos cobrindo e meu pai resmungando como a cama dele tinha ficado fria a noite toda enquanto minha mãe preparava o café da manhã. Ela sentava no colo dele dando um rápido beijo nos lábios dizendo que compensaria à noite e lhe entregava uma caneca de café extra forte fumegando.

Meus olhos foram para a mesinha de centro que ficava enfrente ao sofá e então para a TV. Ela era de um modelo antigo, tinha a tela bem côncava e era bojuda atrás, tinha sido da minha avó e funcionava perfeitamente bem, por isso minha mãe não quis se desfazer dela. Assistíamos os clássicos nela como Frankenstein, Romeu e Julieta, Tristão e Isolda e muitos outros. Meu preferido era Frankenstein, sem dúvida, porém mamãe tinha uma queda muito grande por Shakespeare, por isso seu preferido era Hamlet.

As paredes da sala eram pintadas de amarelo claro em contraste com a madeira fosca do chão. Praticamente todos móveis eram de madeira, e sendo a casa toda de madeira também, à noite às vezes a escada rangia como se alguém estivesse descendo ou subindo. Costumávamos tomar muito susto quando isso acontecia em noites frias e estávamos assistindo aos clássicos de terror. A casa era toda aconchegante, sempre havia preenchido por completo o sentido da palavra lar para mim.

Senti uma mão pesar no meu ombro. Olhei para cima e vi o rosto corado do meu pai.

— Sarah, está tudo bem? — Perguntou com um sorriso doce.

Sorri o mais sinceramente que pude.

— Contanto que a comida esteja pronta, está tudo bem.

Sentamos na mesa para quatro cadeiras; na verdade, só haviam três cadeiras e na verdade só meu pai sentou. Posicionei minha cadeira de rodas no espaço onde deveria estar a quarta cadeira de madeira. Meu pai já havia arrumado tudo: os pratos, os talheres, os copos, as panelas... Tudo já estava em cima da mesa separado com carinho. Ele sempre fazia isso, mesmo já tendo dito tantas vezes que eu poderia arrumar a mesa, ele não me ouvia. Se minha mãe estivesse aqui, ela provavelmente teria mandado eu fazer tudo. Sempre quis que eu fosse independente e sei que não mudaria mesmo depois do acidente.

— Como foi com a Sra. Roberts? — Perguntou colocando um pedaço de bife cortado na boca.

Mastiguei mais tempo do que precisava antes de engolir e respondê-lo.

— Melhor do que eu pensava.

Sempre foi muito fácil ler a mente do meu pai atrás do seu comportamento. Ele não era um simplório e apesar de anos de disciplina militar, minha mãe e eu sempre conseguíamos saber o que ele pensava sem dizer uma palavra sequer. Acredito que ele jamais seria escolhido para participar de barganhas com inimigos se um dia o país precisasse de tal missão.

— Então aceitou o emprego? — Concluiu.

Ainda estava pensando o por quê de não ter aceitado logo.

— Não — ele levantou a cabeça e me fitou. Para ele desviar os olhos do prato é porque realmente estava surpreso. Rapidamente acrescentei: — Não ainda.

— O quê a impede?

Quando sua atenção voltou para o prato sorri novamente. Meu pai não dava voltas, ou tinha senso de clima, que seja. Para ele tudo era simples, a vida era muito simples: se queria saber uma coisa, perguntava; se sentia alguma coisa, falava; se via algo extraordinário, elogiava (ou praguejava). Acredito que tenha sido esse um dos muitos motivos que levou minha mãe a se apaixonar por ele. Todo dia pela manhã ela ouvia que era bela e o quanto ele a amava, acho que é o que toda mulher gostaria de ouvir. Em todos os anos que meus pais estavam juntos, pelo menos desde o momento em que eu entendi o significado de "casamento", eles pareciam um casal que começou a namorar há uma semana. Quando criança eu sentia muito nojo e fazia caretas dando língua quando os pegava se beijando, porém conforme fui crescendo passei a admirá-los e observar quão precioso era o que eu tinha em casa: dois pais que se amavam tendo ( e não "apesar de") tantos anos de casados.

Voltei meus olhos para ele, parecia que estava mesmo aproveitando a refeição.

— Nada impede — disse lembrando-me de Kel.

Não era mentira, nada me impedia mesmo. O incidente de Kelly era com o irmão mais velho e não mais novo.

— Então, não se tem o que discutir.

E então tudo fez sentido. Não havia o que discutir, haviam muitos prós e nenhum contra, o que significava claramente que a balança tinha pendido para o lado dos prós. Conversar com o meu pai às vezes desanuviava a minha mente e me fazia realmente refletir que a vida era simples. Não entendia por quê eu complicava tanto pensando e remoendo algo que já era óbvio.

— Pai, você é um gênio.

Ele resmungou enquanto mastigava. Sempre achava que eu falava aquilo como sarcasmo, mas eu sempre dizia toda vez em que não sabia o que fazer e ele me mostrava que era tão fácil de achar a solução que ele poderia fazer isso enquanto comia avidamente, ou seja, sem pensar muito. Para mim, ele realmente era um gênio e se a humanidade desse conta disso, eu talvez nem o veria mais.

Ajudei-o a retirar a mesa e a lavar e enxugar a louça. Ele foi assistir a algum canal do reino animal enquanto eu decidi ir para o meu quarto separar meu material para o dia seguinte. Com certeza, eu teria que separar muito material. O emprego que me esperava prometia tudo que eu precisava, mas a um preço talvez um pouco além do justo, acreditava. Evan Roberts era o meu novo emprego e não acreditava que seria fácil mesmo antes de começar a trabalhar. A reputação o precedia de muitas formas. Não precedia pela cidade obviamente porque não morávamos em uma cidade pequena, mas precedia para qualquer um que lecionasse na cidade, seja em escolas ou em aulas particulares de reforço. Como se a própria reputação não bastasse, se alguém não o conhecesse por ser a insanidade hormonal que era, no mínimo o conheceriam por ser irmão mais novo de Jonathan Roberts, o Galinha. Pelo menos era assim que Kel o havia denominado. Ela dizia que se homens famosos deveriam ter um subtítulo como Alexandre, o Grande Ele deveria ser denominado o Galinha.

Separei algumas partituras como exercício de solfejo para iniciantes, alguns exercícios de matemática como progressão aritmética e exponencial, cinética de física e olhei para a pasta que estava cuspindo papel para fora. Talvez para um primeiro dia, eu não devesse levar tantas coisas. O garoto aparentemente não tinha muitos parafusos na cabeça e acredito que seria culpada gravemente se o fizesse perder mais algum tentando fazê-lo ganhar mais. Tirei alguns exercícios de física e guardei a pasta (fechada decentemente) dentro da minha mochila. Estacionei a cadeira ao lado da cama e me ergui com os braços para me sentar no colchão. Não era um trabalho imensuravelmente cansativo em parte porque eu já estava acostumada. Era um hábito e hábitos geralmente não requerem muito esforço, seja físico ou mental. Me deitei acomodando-me sobre as molas do colchão.

Meu quarto era praticamente a minha personificação em cômodo. Só tinha o que era necessário. Minha cama de solteiro ficava próxima à janela que era coberta por cortinas cor de vinho. Um armário com três portas e três gavetas de cor marfim ficava na parede oposta a cabeceira da cama. Minha escrivaninha, com minha luminária, alguns papeis em cima e um porta lápis ficava ao lado direito da minha cama e a porta ficava de cara com o lado direito da escrivaninha. Meu quarto podia ser simples, mas eu tinha tudo o que precisava nele para me sentir aconchegada. Coloquei o antebraço esquerdo nos olhos para impedir a passagem de luz. Preferiria tê-la apagado quando entrei, mas também fazia parte de nosso ritual pai-e-filha deixar a luz acesa para que meu pai quando fosse dormir e passasse no meu quarto para me olhar, apagasse. Era como se de alguma forma eu fosse descuidada em algo simples e necessitasse do meu pai para me ajudar. Esse costume havia começado quando meus pais iam no meu quarto me contar histórias para dormir e quando terminavam, ambos me beijavam na testa e apagavam as luzes desejando-me bons sonhos. Quando me tornei adolescente e não precisava mais de histórias para dormir e já apagava as luzes antes de me deitar, ainda assim meu pai passava pelo meu quarto e acendia as luzes para então apagá-las segundos depois. Minha mãe e eu chegamos à conclusão de que ele não conseguiria largar esse hábito tão facilmente. Para poupá-lo de acender e apagar as luzes, passei a deixá-las acesas esperando que na última ronda da noite, meu pai as apagasse. E ele sempre fazia as rondas pela casa checando tudo antes de dormir. Gás fechado, ok. Janelas fechadas, ok. Portas trancadas, ok. Garagem trancada, ok. Pistola carregada, ok. Ele tinha uma pistola que guardava em cima do guarda-roupas no seu quarto quando eu era criança, mas passou a guardar dentro da gaveta da cômoda de cabeceira da cama quando cresci. Ele nunca havia usado, mas sempre pensei que ele a tinha mais para se sentir seguro do que que realmente acreditava que precisaria usá-la um dia.

Eu amava muito o meu pai e sabia que ele também me amava muito e desejava o melhor para mim. Foi com esse pensamente que adormeci ainda com a luz ligada, já sem me incomodar, certa da decisão que tomara e que resposta daria para a Sra. Roberts no dia seguinte.


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Notas finais do capítulo

Pretendo postar semanalmente, vejo vocês semana que vem!!! Ou não.



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