A Dádiva do Tempo escrita por Lua Chan


Capítulo 4
O som da serpente




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— O que houve, querido? Você está pálido. - Jackie quebra o silêncio do ambiente. O Doutor até esqueceu, por alguns instantes, que ela estava ao seu lado - Algum problema?

— Uhm... n-não. Está tudo bem. - mais uma vez o nervosismo lhe invadiu. Ele não era assim - Preciso me encontrar com alguém daqui a 1 hora.

— Hmm... - provocou ela, rindo maliciosamente. Oh, os humanos e suas idiotices. Em que bobagem ela estaria pensando agora? - Alguma amiga? Namorada? Uma noiva abandonada no altar? 

— Você faz muitas perguntas. - o Doutor sussurra, cerrando o punho disfarçadamente. Sorte a dele que Jackie não viu.

— Olhe só quem está falando! Quer saber? Fui intrometida demais, sinto muito. Se quiser, pode ficar aqui até dar o horário do seu encontro.

— Não é um encontro! 

— Se você está dizendo... 

Jackie se preparou para se despedir do Doutor, mas logo parou no meio do caminho. Ela acabou lembrando da pequena Emma, que agora descansava no sofá como um anjo. A mulher ficara encantada com aquela miragem e tudo graças a Eleven. Jackie daria tudo para ver Emma daquele jeito todos os dias.

— Sabe... - diz ela, num tom insinuante e curioso - Talvez você possa ficar aqui por mais um tempo.

O Doutor a encara um pouco assustado e engole em seco. Parecia que, de repente, um nó se formara em sua garganta. Aquilo teria sido um flerte? Onde estava o marido dela em momentos solitários como este? Oh, ele se esquecera do quão assustadora Jackie poderia ser.

— Jackie, com todo o respeito, eu não estou procurando por outro relacionamento.

No mesmo instante ela riu. Apesar disso, suas bochechas estavam mais rosadas que o normal. Jackie deveria estar disfarçando a decepção e o constrangimento devido a resposta.

— Não seja bobo, Eleven. Não estou falando disso. 

— E do que estamos falando?

— De Emma. - afirmou, confiante - Faz muito tempo desde a última vez que ela ficou calminha desse jeito. Talvez você possa cuidar dela enquanto Rose está no trabalho.

Eleven virou o rosto pro lado, sem acreditar no pedido que a mulher estava fazendo. Ela realmente queria que o Doutor, o último da raça dos Time Lords, se tornasse babá de uma criança humana? O quão errado isso poderia dar?

— É só no período noturno. Você pode até dormir aqui se quiser! Por favor, ela não gosta de ficar comigo.

"Nem imagino o porquê", ele pensou, ironicamente, mas logo praguejou em voz alta por ter julgado novamente a mulher.

— O que disse?

— Tudo bem! - murmurou, enterrando o pé debaixo do tapete da sala - Mas só por alguns dias.

— Claro. Podemos conversar sobre o salário amanhã.

— Salário? - pergunta ele, consultando seu dicionário mental. As palavras que os humanos usavam nunca deixaram de ser estranhas - Oh! Dinheiro humano. Sim, sim, sim. Eu aceito esse salário. Agora, adeus, senhora Tyler. Preciso cumprir com minha responsabilidade.

— Mas... você não iria esperar até às 22:00?

— Acredite, Jacqueline Tyler, - diz o Doutor, com uma expressão misteriosa e sombria - Minha amiga não é de esperar. Até mais.

Eleven, então, deu um rápido aceno para Jackie e beijou a testa da pequena, que só moveu a cabeça para o lado. Ela era fofa, o Doutor teve que admitir, mas não poderia esperar. Não quando se tratava de River Song.

[. . .]

Após alguns minutos, River enviou as coordenadas para o celular do Doutor. Era esquisito como ela o conhecia tão bem ao ponto de saber que ele estaria perdido nesse exato momento. Parte de Eleven não queria se encontrar com sua esposa; de acordo com ele, em algumas circunstâncias, River trazia má sorte. Mas ele não tinha culpa de amá-la. Dificilmente alguém tem culpa de ser atormentado pelo amor.

O ar estava úmido e o Doctor precisou vestir o sobretudo roxo que tinha guardado na TARDIS. Sua "Velha Garota" se recusava a deixar a Terra, ele sentia isso. O Doutor tinha certeza que teria que obedecer à sua nave até resolver o problema da sua cópia humana.

— Tenso demais, querido?

Eleven escuta uma voz feminina de algum lugar por perto. Mesmo sabendo de onde vinha, ele não conseguiu localizar River Song. Ela era perita em se disfarçar. O Doutor mostra um largo sorriso e continua procurando pelo seu alvo.

— Talvez você possa me acalmar. - exclamou ele, testando a acústica do lugar, que não passava de um beco nojento - Onde você está, querida? O doutor está te esperando!

Nenhuma resposta foi gerada e o local ficou mórbido, como se nenhuma alma viva realmente estivesse por lá. Prestes a sentar sobre a caixa que encontrou perto de uma lata de lixo, o Doutor sente uma corda enlaçando sua mão direita. Antes que pudesse dizer - ou gritar - algo, ele é puxado até o lado oposto do beco, até finalmente cair no chão. Uma silhueta, por fim, aparece em sua frente e o ajuda a levantar.

— Sentiu minha falta, querido? - pergunta River, sorrindo perversamente.

— Mais do que eu deveria.

A mulher o puxou pela gola da camisa e pressionou seus lábios contra os dele. Quem os visse naquele estranho lugar, pensaria que eram um perfeito casal... de loucos. Eles se apartaram após alguns segundos.

— Por que me puxou com uma corda? - o Doutor questiona, massageando o pulso - Não cansou de fazer entradas triunfais?

— Ainda não.

Ambos sorriem e olham um para o outro. De repente, River percebe que o rosto do Doutor se contorceu, como se estivesse surpreso.

— Ah, não. Eu te beijei. - ele comenta, impressionado - Não vamos falar sobre isso. 

— Claro. Até porque esse não é o assunto principal da nossa conversa. Andei vigiando você, desde que pousou aqui.

— Você é louca!

— Obrigada. Você também. - River rebate, envolvendo a corda em seu braço - Sabe quem é aquele cara que te agrediu?

— É, era o meu antigo eu.

— Sua versão Meta-Crisis, para ser mais específica. - o Doutor revira os olhos - John Smith, assim como ele é chamado, está fora de si há alguns meses. Essa não é a primeira vez que ele se exibe.

— Como assim "fora de si"?

— Também não sei. Alguns informantes meus, que moram na Terra, afirmaram que ele tem assaltado bancos e causado desordem pública.

— Acho que não estamos falando do mesmo homem. - Doutor a interrompe, com os braços cruzados - Eu não faria coisas desse tipo.

— Você, certamente, não. Mas John Smith é uma cópia. Não podemos garantir nada.

— Exato, River! Não pode ser verdade. Eu o deixei na Baía de Bad Wolf para cuidar de Rose. Não pode ser ele.

— Se acha que estou mentindo, por que não pergunta à sua namoradinha o que realmente aconteceu com John Smith, hein?

A postura do Doutor se torna mais rígida, ele não sabia exatamente em que observação deveria focar: será que River vigiou Rose também? Como ela sabe tanto sobre sua versão humana? O que teria transformado "John Smith" num ladrãozinho qualquer?

— O que quer dizer, River?

— O que eu quero dizer, meu amor, - diz ela, aproximando-se lentamente de seu "futuro marido". Ela parecia tão traiçoeira quanto uma serpente - é que Rose está escondendo algo de você. Ou ainda vai esconder, eu sempre me confundo com as linhas de tempo.

— Isso é mentira!

— É mesmo? - provoca - Por que, então, não pergunta sobre o pai da pequena Emma?

A dúvida ficou lançada pelo ar e fora arrastada pelo vento. O sorriso de River permaneceu em seu rosto. A loira misteriosa, depois de poucos segundos, desapareceu de sua frente como num passe de mágica, deixando o Doutor mais confuso do que antes. Pelo menos, agora Eleven tinha certeza de algo: ele precisaria se aproximar dos Tyler e descobrir o que precisasse sobre eles. Principalmente, sobre a filha de Jackie. Dessa vez, o homem maltrapilho estava determinado para conhecer mais a nova Rose.


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