A Dádiva do Tempo escrita por Lua Chan


Capítulo 1
Longe de casa




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Essa, de longe, era a primeira vez que a TARDIS pregava uma peça em seu dono. A "Velha Garota", como ele carinhosamente a apelidava, sempre tinha seus planos, por mais catastróficos que fossem. Mesmo que o destino da viagem do Homem Maltrapilho fosse alterado, a TARDIS sabia o que estava fazendo, sabia que era para o bem de seu Doutor e de outras pessoas. Mas naquele dia, especialmente naquele dia, o 11° Doutor não fazia ideia do porquê estaria retornando para o planeta Terra.

— Vamos lá, velha garota. - murmura o homem da gravata borboleta, enquanto mexia no console da TARDIS - Para onde exatamente você está me levando?

Como sempre, os ruídos peculiares da nave invadem seus ouvidos, ele parecia bem desesperado. Mesmo assim, a TARDIS não o respondeu, obviamente, o que o fez se estressar mais do que deveria.

— Ah, é claro. Você não foi programada para falar! - lembrou ele, ainda murmurando coisas incoerentes - Por que raios eu não te programei para falar?!

Os mecanismos da máquina continuaram a agir freneticamente e o barulho começou a se tornar irritante. A TARDIS não era assim, e isso foi o suficiente para preocupar o Doutor Maltrapilho. Ele correu para um lado e para o outro, sem saber o que fazer, a cabine já havia perdido o controle. Após um estrondo impetuoso, o Doutor foi lançado ao chão e ficou estático por uns 2 minutos. Os ruídos da Velha Garota finalmente cessaram e o homem maltrapilho nem sabia se isso era um bom sinal.

— Chegamos? - perguntou ele, mais para si mesmo do que para a máquina. Perguntas retóricas sempre foram de seu feitio - É aqui onde deveríamos pousar?

Sem pensar tão profundamente, o Doutor fitou a porta da TARDIS, ele não sabia se deveria abri-la e encarar a estranha nova realidade. Então ele suspirou e caminhou lentamente, até que pudesse sair. Assim que notou de onde se tratava, sentiu-se traído pela sua melhor companheira. Era mesmo a Terra, mas não qualquer lugar. Era Londres, mais especificamente, onde Rose Tyler morava, antes de ela ser transportada para a Baía de Bad Wolf, o lugar onde teve que deixá-la para sempre.

— O que significa isso, velha garota? - sussurrou, olhando para a cabine azul - Por que você quer me machucar desse jeito?

Sem nenhuma resposta, o Doutor decidiu se afastar da TARDIS e andar pelo meio da cidade que um dia chegou a ser pacata. Olhando para cima, ele admirou as várias estrelas que enfeitavam o céu de Londres. O lugar não teria mudado tanto, desde sua última visita, algumas lojas fecharam, outras apareceram e as ruas teriam ganhado um movimento maior. Ele quase esqueceu de seu fascínio por lojas. Caminhando por mais alguns quarteirões, o homem maltrapilho viu algumas pessoas conversando alto. Eram tão ordinárias, que nem se incomodou com o barulho daqueles estranhos seres. Mas algo chamou sua atenção, um detalhe quase que imperceptível em meio à multidão.

Uma mulher loira, de casaco laranja, gritava com um senhor como se sua vida dependesse disso. Ela estava assustada e nervosa, o Doutor rapidamente notou. Curioso como sempre foi, aproximou-se dela. Ao chegar mais perto viu o quão parecida ela era com a mãe de sua ex-companion. Na verdade, ela era exatamente igual a Jackie Tyler.

"Impossível!", pensou ele, cobrindo a boca "Os Tyler estão na Baía de Bad Wolf, em outra dimensão. Essa não pode ser Jackie."

Repleto de dúvidas, resolveu fazer o que deveria ser mais sensato naquele momento: investigar. O Doutor se aproximou da mulher, que ainda gritava com o pobre homem. Ela parou somente quando o Doutor cutucou seu ombro - ele quase levara um tapa da mulher assustada, mas não a culpou.

— Com licença, senhora. Boa noite. - pediu o Doutor para a "sósia" de Jackie, enquanto ela o examinava de cima a baixo. Bem, se essa não fosse Jackie, ela realmente daria um perfeito clone.

— "Madame", por favor. - corrigiu. O Doutor a ignorou e prosseguiu.

— O que houve aqui?

 — Um imbecil desmiolado roubou minha bolsa. Ele tinha um chapéu vermelho estranho e bem chamativo. - "Jackie 2.0", como resolvera apelidá-la em sua mente, começou a chorar - Tinham umas 250 libras na bolsa e eu... eu... oh, por favor, você tem que me ajudar!

O Doutor não pôde resistir ao seu pedido, afinal, ele era o homem indicado para salvar as outras pessoas. É claro que ele não recusaria, ainda mais se tratando de alguém tão semelhante a Jackie - sua mente recusava acreditar que aquela era a mesma irritante e tagarela Jackie Tyler que havia conhecido em outras regenerações. Mesmo perdido, ele sentiu a necessidade de ajudar aquela pessoa.

— Tudo bem. Não saia daqui. - antes que ele pudesse ir embora, o Doutor virou para a moça e não hesitou em fazer mais uma pergunta, talvez a mais importante - Qual é o seu nome?

— Não acho que isso seja uma informação necessária, mas se ajuda... é Jacqueline Tyler, senhor. Agora ande logo, antes que esse idiota fuja com meu dinheiro!

O Doutor Maltrapilho mal conseguiu respirar direito. Seus dois corações chocavam brutalmente contra o peito, só de pensar nos Tyler. Em sua Rose. Ele tentou formular uma frase, mas apenas palavras embaralhadas saíram de sua boca. Tudo o que pôde fazer, porém, foi balançar a cabeça afirmativamente e correr para longe daquela figura impossível. Da mulher que, algum dia, lhe causou tanto estresse.

Enquanto pensava nos Tyler, o Doutor procurava por pessoas que se encaixavam na descrição de Jackie 2.0. Não deveria ser tão difícil achar um homem estranho de chapéu vermelho, por isso, não se preocupou tanto. Após poucos minutos olhando de um lado para o outro, o Doutor finalmente encontrou uma intrigante figura cabisbaixa, andando com passos firmes numa praça nem tão movimentada. Ele não tinha chapéu vermelho e usava um pesado sobretudo, mas algo dizia que aquele era seu alvo. O Homem Maltrapilho se aproximou rapida e cautelosamente do estranho e o abordou.

— Com licença, meu bom senhor. Olá. - ele o cumprimentou pacificamente, com o sorriso que sempre esboçava nos lábios. O homem fez questão de ficar de costas para ele e ignorá-lo como se o Doutor fosse apenas o vento eriçando seus cabelos - Acontece que você pegou algo que não lhe pertence. Uma bolsa, para ser específico. Isso é roubo, sabia?

O estranho deu uma risada bizarra, forçando a voz para ficar mais grossa, por algum motivo incerto. A espinha do Doctor congelou. Igualmente, por um motivo incerto. Algo estava errado, ele sentia que conhecia aquela pessoa, mas seu cérebro não conseguia processar quem era.

— Diga algo que eu não sei, Doutor.

Aquilo foi o suficiente para chamar a atenção do homem de gravata. O sorriso em seu rosto se desfez tão rápido quanto teria se formado. Agora a dúvida e desconfiança o cercavam. Ele sabia que muitas pessoas conheciam seu nome, mas o Doutor sempre mudava de face - o que, inclusive, era útil para despistar seus inimigos. Como uma pessoa, em meio a milhares daquela cidade, foi capaz de reconhecê-lo?

— Quem é você? Como sabe o meu nome? - ele pergunta, hesitante, sem ousar tirar os olhos dele.

Quando menos espera, o sujeito larga o sobretudo no chão, revelando um terno azul-marinho. O estranho retira um objeto do bolso de sua calça, muito parecido com sua chave sônica, só que emitia um brilho azul no lugar do verde. Por fim, ele resolve virar para encarar o Doutor, que se surpreendeu com o vislumbre: era um homem nos seus 30 e poucos anos, bem conservado, de cabelos castanhos e espetados. Um par de costeletas se dispunha perto de suas orelhas e um sorriso cínico distorcia o rosto.

Não podia ser. Não tinha como ser ele. Não tinha como ser a 10° versão do próprio Doutor bem na sua frente.

— Porque eu, Doutor, - o estranho prossegue, bordando um clima tenso - sou seu passado.

Antes de o Doutor argumentar, algo o fez perder a visão por um tempo, o homem da sua frente arremeçou um pedaço de madeira contra sua cabeça. A última coisa que o Doutor viu, antes de desmaiar, foi um vulto azulado correndo para longe do seu campo de visão.


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