O Caminho da Andorinha escrita por BadWolf


Capítulo 5
A Nada Pacata Lathlake


Notas iniciais do capítulo

Bom, e estamos de volta com mais um cap.

Parece que Ciri está se envolvendo mais do que devia na vida um tanto peculiar do vilarejo de Lathlake.
Vamos ver que tipo de problemas ela encontrará com o rebelde.

Boa leitura!



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Lucius odiava cortar cebola. Odiava com todas as forças, mas o estalajadeiro precisava admitir: sua sopa de cebola era o prato predileto de boa parte de seus clientes. Então, aquele pouco de lágrimas que o estalajadeiro deixava escapar ao cortá-las tinha lá o seu valor. Especialmente quando o temeriano reunia os Orens que toda hora caíam no balcão, sempre que uma tigela cheia de sua bem-temperada sopa de cebola o atravessava.

Fatiadas as cebolas, era a hora de cortar as linguiças, ele pensou.

—Lucius!

Uma voz lhe interrompeu. Era Dora, com o semblante estarrecido.

—Estou ocupado agora. Se a sopa desandar, a clientela vai ficar furiosa...

—Lucius, é que...

—Pode nos deixar, Dora. – interrompeu o Magistrado, aparecendo subitamente na cozinha. Ao ouvir a voz da autoridade de Lathlake, o estalajadeiro deixou sua faca de lado e limpou rusticamente as mãos em sua própria roupa.

—Está vindo aqui com muita frequência, Magistrado. Dado o que aconteceu entre você e Dora, o senhor deveria...

—O estrago já foi feito. – retrucou o Magistrado, friamente. – Mas estou aqui para tratar de “seu” estrago, na verdade. Encontramos seu filho, Lucius Júnior.

O estalajadeiro Lucius resmungou. Deu as costas ao Magistrado e voltou a cortar as linguiças. Notavelmente, com um pouco de raiva. Se não fosse tão experiente, certamente Lucius teria perdido um dedo ali.

—Não faço a menor ideia do que está falando, pois eu não tenho filho algum...

—Eu não sou um nilfgaardiano, Lucius. – retrucou o Magistrado.

—Mas você trabalha para eles. Você representa o Rei no vilarejo, ou seja, Nilfgaard. E Nilfgaard quer que meninos como Lucius, que nada tem na cabeça além de merda e ficam lutando por um reino que tá pouco se fodendo com eles, sejam mortos.

—Lucius...

—Vá aos diabos, Godfrey! – explodiu Lucius. – Eu tenho outros três filhos para criar. Não vou correr o risco de acabar preso ou enforcado porque ajudei um Filho da Teméria e deixar os meus outros meninos sem ter o que comer. Aliás, você deveria ter o mesmo pensamento. Se veio até aqui para me contar isso, é sinal de que não fez o que manda o decreto.

—Sim, eu não fiz. Por consideração ao que fez por Dora. Você foi o único que a aceitou, diante de sua... Condição.

Lucius suspirou.

—Tá bom. Me leve até o moleque.


§§§§§§§§§


O jovem Lucius Júnior tremia. Ciri tocou mais uma vez seu pulso. Fraco. Cada vez mais fraco. Deitado sobre a cama do Magistrado, o rapaz claramente agonizava. Um dos aldeões foi chamar a herbalista, Turiel. Ciri se aproveitou de seu analfabetismo para explicar em um bilhete a gravidade da situação.

Mas a herbalista ainda não havia aparecido para ver o rapaz. Ao não conseguir sentir sua pulsação, Ciri começou a perder as esperanças. Até que ouviu passos.

—Ele ainda está vivo. – disse, por fim, uma elfa, ao adentrar ao quarto, carregando uma pequena maleta. Uma elfa de cabelo castanho, usando uma capa escura. Exalava ervas e elixires. Sem dúvida, era Turiel, a herbalista de Lathlake.

—Mas eu não consigo sentir a pulsação dele...

—O coração dele ainda está batendo. Muito lento, é verdade. Mas está batendo.

Turiel sentou-se na beirada oposta da cama. Abriu os olhos do rapaz. Por fim, o cheirou, algo que causa estranheza a Ciri. Especialmente com a careta de ojeriza que a elfa deixou escapar depois disso.

—Carne humana queimada cheira muito mal. Pavoroso. Onde o encontrou, com uma queimadura tão séria? – disse a herbalista, começando a mexer em sua mala e escolhendo alguns frascos.

—No bosque, perto do cemitério.

—Mesmo? Não me espanta que tenha encontrado um homem ferido por lá. Dizem que aquele lugar está perigoso agora, que tem algum fantasma comendo cadáveres ou algo do tipo.

—É, eu soube. – disse Ciri, com cinismo.

—Aliás, creio que não me apresentei. Meu nome é Turiel. Sou herbalista.

—Ciri. Bruxa.

—Oh, Bruxa?! – surpreendeu-se Turiel. – Sabe, cheguei a cogitar que fosse, por causa das duas espadas nas suas costas, mas descartei a hipótese assim que vi que você não passou pelas mutações.

—Isso não me impede de ser Bruxa. – retrucou Ciri, sentindo-se menosprezada.

—É verdade, embora isso te impeça de sobreviver como Bruxa, o que é bem diferente. – assinalou a elfa, com certa diversão, embora Ciri não tivesse achado qualquer graça em sua troça.

—Já estou no Caminho há três anos. – tentou se afirmar Ciri.

—Uma Bruxa de muita sorte, então.

—Não é uma questão de sorte, é uma questão de...

A tosse repentina de Lucius Júnior fez aquela conversa, que estava à beira de se tornar uma discussão, ser interrompida. Turiel pareceu contente em ver uma movimentação do rapaz. Colocou uma folha em sua boca e a tampou, fazendo o jovem engoli-las. Por fim, começou a aplicar por seu corpo queimado um gel, extraído de um pequeno frasco.

—O que está dando a ele?

—Heréboro, para aliviar a dor. E a pasta é um antigo segredo élfico, mas muito eficaz com queimaduras.

—Os moradores não se irritam quando percebem que estão sendo tratados com “antigos segredos élficos”?

—A irritação sempre passa quando percebem que melhoram. É, parece que o Lucius está aqui. Dá para sentir o cheiro das cebolas daqui, afinal, e hoje é dia daquela pavorosa sopa de cebola na estalagem... – murmurou a elfa.

Quando Ciri ouviu, do outro lado da porta, as vozes do Magistrado e de Lucius conversando, a Bruxa não soube o que pensar.

—Como é que você...?

Só segundos depois a porta do quarto se abriu, revelando Lucius, acompanhado do Magistrado, que pareceu aliviado ao ver a elfa ali, já cuidando do ferido.

—Vejo que já está cuidando do jovem Lucius Júnior. – assinalou o Magistrado, ao lado de um ranzinza Lucius, com cara de poucos amigos. A elfa assentiu. – A propósito, ele viverá?

—Se ele sobreviver a esta noite, sim. Estou fazendo tudo o que posso.

—Não deveria, se tem amor ao seu pescoço. – disse Lucius. – Meu filho é um traidor. Pode estar nas últimas, mas isso não muda o fato de que ele é um traidor.

—Lucius... – tentou intervir o Magistrado.

Sentada à cama, Ciri sentiu sobre si os olhos do furioso Lucius.

—Deveria tê-lo deixado morrer na floresta, garota. Teria sido um bem a todos nós.

—Não poderia dar as costas a ele.

—Pois deveria! Nem sempre se trata do que podemos, mas sim, do que devemos! Ele é visto aos olhos de Nilfgaard como um traidor! E por mais que pessoas como o Magistrado Godfrey não gostem de admitir, nós estamos em Nilfgaard! A Teméria que meu filho tanto lutou não existe mais! Somos um estado vassalo, e vassalo morreremos.

—Ele é seu filho! – irritou-se Ciri.

—Ele deixou de ser, quando abandonou minha casa para se esconder com rebeldes na floresta. Ele deixou de ser, quando deu às costas aos irmãos pequenos para matar nilfgaardianos. Quando a senhorita for mãe, porque tenho a certeza de que não é, irá entender o meu lado.

—Parem com isso! – interferiu Turiel na discussão. – Toda essa briga está afetando o rapaz! Acha que ele não está ouvindo vocês? Se querem se matar, saiam daqui, os dois!

—Não me diga o que fazer, elfa! – retrucou Lucius, furioso.

—Não fale assim com Turiel, Lucius! – foi a vez do Magistrado intervir. – Se ela está dizendo que nós devemos... O que está acontecendo?!

O Magistrado se aturdiu, ao ver o rapaz começar a tremer.

—Ele está entrando em choque... – concluiu Turiel, correndo para um de seus frascos. Ciri observava os olhos do rapaz rolando e seus lábios tremendo. Por fim, o rapaz soltou alguns espasmos. Um grito sutural foi ouvido. Até que seu corpo ficou imóvel.

—Ele...? Ele...?

Turiel fechou os seus olhos, sacudindo a cabeça. No mesmo instante, Lucius saiu do quarto, fechando pesadamente a porta. Não era necessário dizer qualquer coisa. O jovem Lucius Júnior estava morto, sobre a cama do Magistrado, com o corpo repleto de queimaduras. A palavra “Dragão”, uma das últimas ditas por ele, agora balançavam na cabeça de Ciri. Junto ao aviso do Magistrado, de que não havia mais Dragão algum em Lathlake.

Ciri mal se lembrava de ter se despedido de Turiel. Quando deu por si, estava sentada em um banco, do lado de fora da casa do Magistrado. Da casa, que ficava destacada das demais casas do vilarejo, era possível ver o chegar dos camponeses, em mais um dia de exaustivo trabalho no campo. Ciri também estava cansada, mas mentalmente. Aquele havia sido um dia difícil.

—Posso?

Era o Magistrado. Ao receber assentimento de Ciri, ele se sentou ao lado dela. Ofereceu a jovem Bruxa uma das canecas. Chá, percebeu pela fragrância. Em um cair da noite, até que não era má escolha, apesar de Ciri ter desejado algo mais quente. Um destilado anão, por exemplo.

Logo que deu o primeiro gole, Ciri se surpreendeu. O chá do Magistrado não era tão puritano quanto parecia, pois em meio às folhas, havia claramente gosto de ácool.

—Licor redaniano. Aproveite. Virou raridade por essas bandas.

—Tem razão.

—Antes do Norte se tornar toda essa bagunça, qualquer estalagem barata tinha licor redaniano. Diziam que era muito fácil de fazer. E sabe qual foi a primeira providência de meu pai, na segunda Guerra com Nilfgaard? Ele pegou o cavalo e foi em cada estalagem para comprar bebida. Comprou Licor de Mahakam, Destilado Temeriano, Licor Redaniano, Vinho de Beuclair... Enquanto alguns gastavam suas economias estocando comida, meu pai estocou bebida. Minha mãe ficou indignada. “Iremos nos embriagar até esquecermos a fome?”, ela resmungava. E meu pai não dava ouvidos. Enterrou as garrafas no nosso quintal. Por fim, veio a Terceira Guerra e ele se esqueceu delas. Morreu sem desenterra-las. Só as encontrei anos depois, quando fui enterrar meu cachorro e acabei topando com a caixa delas, enquanto cavava a cova dele.

—Que interessante. Seu pai era muito... Peculiar.

—Ele também era o Magistrado. Assim como o pai dele, e o pai antes dele. Mas esses momentos de descontração são meros rompantes. Meu pai era uma pessoa amarga e séria, muito comprometida com o vilarejo, e muito pouco atenciosa com a família.

—A ponto de não aceitar o casamento do filho?

O Magistrado pareceu momentaneamente surpreso. Mas logo voltou a si.

—Vejo que um passarinho verde já andou a fofocar sobre mim. Mas sim. Tem razão. Ele era religioso e via com desagrado a idéia de ver um filho casado com uma mulher prometida a Melitele. Quando o irmão de Dora morreu...

—O irmão dela morreu? – surpreendeu-se Ciri.

—Sim. Morreu. Meu pai viu isso como um castigo dos deuses, por um descumprimento do dever de Dora. E ele temia que eu fosse castigado também. Você, como Bruxa, deve saber o que acontece com quem dorme com sacerdotisas...

—Isso não é condição para um homem ser amaldiçoado.

—Por outros homens, não. Mas pelos deuses... Enfim, creio que é hora de você se retirar, Ciri. Já está tarde, e creio que se demorar demais, pode não encontrar mais a famosa sopa de cebola de Lucius. Boa noite. – disse o Magistrado Godfrey, se despedindo.

—Boa noite. – disse Ciri. Quando a porta da residência do Magistrado se fechou, a Bruxa se levantou do banco. Terminou o chá com licor que o Magistrado lhe ofereceu e deixou a caneca em um canto, pondo-se à andar em direção à estalagem.

Como era de se esperar, o movimento na estalagem estava normal. Lucius, o estalajadeiro, trabalhava sem problemas, servindo bebida aos camponeses e conversando animadamente. Nem parecia que havia acabado de perder um filho e que iria enterrá-lo amanhã, chocou-se a Bruxa.

Enterrar...

Os pensamentos de Ciri foram interrompidos quando um bêbado grosseiramente esbarrou nela, derrubando cerveja não apenas no chão, mas também em um homem sentado à uma mesa, cheia de pessoas. Claro, a primeira providência dele foi reclamar.

—Que porra foi essa, Klaus? Quis me dar um banho de cerveja, seu filho da puta?

—Claro que não, Morris. É que essa mulher, ela...

Os dois homens começaram a se empurrar. Os da mesa começaram a gritar e aplaudir, como se assistissem a um espetáculo, que nada mais consistia em dois camponeses extremamente bêbados trocando socos. Logo, a confusão se tornou generalizada.

—Parem com isso! – esbravejava Lucius, largando o balcão para apartar os brigões. – Parem, os dois!

Quando o sujeito de nome Klaus pegou uma garrafa e a quebrou no beiral da mesa, a algazarra aumentou ainda mais. Sem alternativas, Lucius pegou seu facão e, se aproveitando de seu porte, afugentou os brigões.

—Se querem se matar, vão fazer isso lá fora, não na porra da minha estalagem! – esbravejou ainda mais o estalajadeiro. Ao ouvir protestos dos demais bêbados, pela briga ter terminado, Lucius berrou mais ainda. – E quem não estiver satisfeito, dê o fora também! Caralho!

Com o iniciar de mais socos do lado de fora, logo a estalagem ficou vazia, mas completamente bagunçada. Pondo o facão na cintura, Lucius olhava para o prejuízo da noite. Garrafas quebradas e um bocado de gente que aproveitou a confusão para sair sem pagar. Mas Lucius sabia da cara de cada um de seus clientes e não deixaria por isso mesmo.

Ciri, que embora fosse o estopim da briga, apenas contemplou toda a confusão, sem intervir. Estava sentada em um dos bancos, olhando para toda a bagunça do lugar quando percebeu que a jovem Dora estava com seu braço sangrando, tentando conter o sangramento com um pano.

—Você está bem? – perguntou Ciri, penalizada pela jovem.

A jovem assentiu, com os olhos marejados de dor.

—Um dos cacos de vidro da garrafa que Klaus quebrou acertou o meu braço. Mas não é nada grave, só está doendo um pouco.

—Aquele bêbado filho da puta... – murmurou Lucius.

—Precisa cuidar desse ferimento. Nossa, é profundo demais. – percebeu Ciri, ao tirar o pano da moça para olhar melhor a ferida. A jovem começou a choramingar.

—Dora, você precisa ir para Turiel. Ela é a única por aqui que pode dar um jeito no seu ferimento, minha jovem. – disse o estalajadeiro, com um tom paternal na voz.

—Eu posso leva-la, se quiser. Basta me apontar o caminho.


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Notas finais do capítulo

Ihhh Ciri, só confusão, hein...

E isso porque você nem começou a mexer com a aparição...

Então, gostaram da volta da Turiel? Deu para matar as saudades?
Ela aparecerá mais, assim como os outros da outra fanfic.

Próximo cap: Iorveth e Saskia precisando lidar com a morte do menino Carl

Obrigada por acompanharem e até o próximo!



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