O Caminho da Andorinha escrita por BadWolf


Capítulo 13
Um Perigo Eminente




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—Defensor de Mahakam de novo?

Iorveth virou seu pescoço, ao ouvir o arrastar brusco de banquetas de madeira. O elfo estava ocupando uma mesa distante da porta, afastada e escura da Taberna da Ferradura quando mais uma confusão começou por ali. Era a terceira que ele presenciara em pouco menos de trinta minutos sentado ali. Isso fazia o elfo pensar quantas mais não estavam reservadas para acontecer pelo resto da noite.

E como sempre, o motivo era Gwent.

—Porra, eu sei que o seu baralho só tem três cartas dessas, e de repente você joga a quarta?

—Eu comprei em Novigrad. – deu de ombros o anão acusado.

—Comprou o caralho! Você não vai para Novigrad há meses!

—O que você pensa que é, Bernes? Minha esposa, para saber de todos os meus passos? Se disse que comprei em Novigrad, é porque eu comprei em Novigrad!

—Você pegou essa carta da pilha de descarte, tenho certeza! Seu trapaceiro filho da puta!

—Não envolva a minha mãe no meio, seu corno!

Iorveth sacudiu a cabeça. Anões... Não sabem o significado de uma simples brincadeira. Por que todas as partidas de Gwent envolvendo anões sempre acabavam em briga? Não à toa os elfos não gostavam de jogar contra eles. Quando um anão jogava contra um elfo, só a vitória dele contava. Derrota era sempre resultado de alguma artimanha élfica.

Iorveth jamais foi um frequentador de tabernas. Claro, sua vida à margem das leis dh’oines como Líder de uma unidade Scoia’tael era o principal fator a lhe manter afastado de ambientes como este. Não que o elfo reclamasse. A ideia de passar horas e horas em uma taberna, se embebedando e falando merda, como dh’oines e anões tanto apreciavam, não lhe agradava nem um pouco, mas cá estava ele, o temido Iorveth, elfo Aen Seidhe e afamado Líder Scoia’tael, respirando aquele oxigênio pesado pela fumaça de cachimbo e pondo suas narinas à provação de todo o cheiro de álcool e suor que emanava de seus frequentadores. A música animada, sendo tocada por um violinista desafinado, tornava o ambiente ainda mais insuportável para os exigentes ouvidos de Iorveth. Não é de se estranhar que haja tão poucos anões talentosos para a Música.

O elfo se levantaria por bem menos daquela mesa e nem passaria perto da porta daquela taberna, mas a deliciosa torta de cebola com linguiça – especialidade da Casa – era recompensadora o bastante para que Iorveth passasse por todas as provações de uma taberna, apenas pelo prazer de degusta-la.

—Obrigado. – disse o elfo, logo que uma anã colocou seu prato sobre a mesa, enquanto equilibrava uma bandeja com três canecas de cerveja redaniana com a destreza de uma equilibrista. Contemplando seu prato, Iorveth concluiu que chegara em boa hora, pois a comida estava ainda fumegante, quente do jeito que ele mais gostava. Comida quente era um luxo que ele pôde ter, agora que não mais morava em uma floresta. Saskia não era uma exímia cozinheira, mas suas habilidades impediam o elfo de comer coisas requintadas...

Ah, Saskia... Iorveth lembrou mais uma vez dela.

Iorveth estava sem vê-la desde sua última discussão com a guerreira. Ela desapareceu. Não levou suas roupas, mas o elfo sabia que isso não significava que ela voltaria algum dia. Ela não tinha qualquer apego a bens materiais. Melhor dizendo, não precisava, porque provavelmente estava em sua forma draconiana, queimando mais e mais acampamentos dos Filhos da Teméria, em sua sede por vingança que, no entendimento de Iorveth, não fazia qualquer sentido.

E agora, ele estava solitário. Anos atrás, a ideia de estar sozinho até lhe agradava, mas agora... Ele sentia-se incompleto. Estranhamente incompleto. Parecia faltar algo em sua vida. Sua casa jamais esteve tão vazia e silenciosa, fato que fazia Iorveth evita-la a todo custo, mantendo-se cada vez mais ocupado com os problemas de Mahakam, e mesmo na falta de problemas para resolver, Iorveth ocupava sua mente treinando os elfos Scoia’tael. Mas nada disso parecia preencher o enorme vazio deixado por Saskia.

Iorveth estava prestes a dar a primeira garfada quando a porta da taberna se abriu bruscamente, chamando a atenção de todos, até mesmo dele. Voltando seu olho em direção à porta, o elfo se deparou com um curioso grupo de anões, armados até os dentes, que não pareciam nem um pouco familiares. Não eram de Mahakam, Iorveth tinha certeza.

—Taberneiro, vodka! – berrou um deles. Diante do pedido de bebida, os demais anões voltaram às suas distrações, porém a briga sobre Gwent acabou por esfriar, fazendo os anões retornarem à rodada sem que a dita trapaça fosse esclarecida.

O olhar de Iorveth acompanhou os anões até o balcão. Além da bebida forte das Montanhas, os anões também pediram linguiça frita. Vestiam couraças e tinham as vestes respingadas de lama e grama. A tez deles também era mais avermelhada que o normal, típico de quem passava a vida na estrada. Deveriam ser meros mercenários, conjecturou Iorveth. Em épocas de turbulência política, o Norte estava agora abarrotado deles.

—Tem quarto vago aí? – perguntou um deles, sendo reprendido pelo outro, antes que o taberneiro pudesse dar uma resposta.

—Nada de quarto vago. – exigiu o sujeito ao lado.

—Como não? Tô com a bunda doendo desde Kaedwen e quer que eu já coloque o pé na estrada?

—É melhor ficar com a bunda doendo e o bolso cheio de ouro do que ter nada mais que uma bunda descansada.

—Besteira. – resmungou um anão. – Um dia a mais ou a menos não fará diferença.

—Você disse isso da última vez em que caçamos aquele dragão em Kovir, e o que aconteceu?

A menção da palavra “dragão” fez Iorveth se sobressaltar. Eles eram Caçadores de Dragões? O elfo odiava fofocas, mas o assunto era importante demais para que ele não prestasse atenção.

—Perdemos três dias comendo e fodendo naquela taberna da Redânia e o navio partiu sem a gente. E para lembra-lo, temos forte concorrência na Teméria. Se não nos apressarmos logo, outro dará conta do dragão. A notícia está se espalhando.

Um anão ruivo parecia irritado. Falava ainda com a boca cheia de linguiça.

—É claro que está se espalhando, graças a essa sua boca, que é mais larga que a boceta de uma puta velha! Que falar mais alto para que outros anões daqui ouçam sobre o dragão na Teméria e resolvam pegar seus machados e matar a fera também?

—Que exagero. Matar um dragão não é como matar um nekker. Aliás, já parou para pensar há quanto tempo não se tem notícia de um dragão? Se encontrarmos outro wyvern, eu juro que mato você!

A conversa dos anões abandonou o tópico “dragões”, migrando para assuntos menos interessantes ao apurados ouvidos de Iorveth. O elfo mal havia tocado em seu prato de comida, mas sentia que deveria partir dali o quanto antes. Saskia estava abusando de sua forma draconiana e agora despertou interesse de Caçadores de Dragões. Se eles colocassem as mãos nela...

Embora estivesse praticamente rompido com Saskia, Iorveth ainda se importava com ela. Ele estava magoado por seu recente e perturbador comportamento, mas isso não diminuia nem um pouco os sentimentos que ele nutria por ela. Alguém deveria trazer um pouco de sanidade, fazê-la desistir dessa ideia leviana de vingança... Essas palavras eram um tanto contraditórias sendo proferidas por alguém como ele, um elfo que passou boa parte de sua vida matando humanos discriminadamente como uma “vingança” pelo sofrimento de seu povo, mas Iorveth estava amadurecido o bastante para entender que, muito embora a satisfação pessoal que possa trazer uma vingança seja irresistível, havia causas mais importantes a se lutar e que nem sempre eram beneficiadas por ela. Talvez, se ele escolhesse os argumentos certos... Quem sabe ela não abriria os olhos para a loucura que ela estava cometendo?

Quando prestes a se levantar, Iorveth notou que um elfo estava caminhando para perto da mesa. Era Alathar, mais um dos “elfos problemáticos” de Mahakam, que serviu Iorveth no Scoia’tael por alguns anos. Mais um problema a caminho... Justamente o que ele precisava...

—Iorveth. – começou o elfo, já próximo da mesa. – Quando me contaram que você estava em uma taberna, eu quase não acreditei.

—Sente-se, Alathar. – pediu Iorveth, ignorando o comentário do elfo.

Quando sentado, o elfo voltou seus olhos para os lados. Percebeu anões fazendo algazarra em uma partida de Gwent e outro grupo ocupado com competições de arrotos. O desgosto do elfo estava estampado em seu semblante, notou com facilidade Iorveth.

—Iorveth, gostaria de avisa-lo que estou... Bem... Indo embora de Mahakam.

—Indo embora?! – surpreendeu-se o elfo. – Mas porquê?!

Alathar riu em descrença.

—Olhe ao seu redor, Iorveth.

E Iorveth fez. Pôde ouvir os anões rindo, brincando e se divertindo, enquanto uns poucos elfos pareciam incomodados pelo ambiente, pois só desejavam beber sua cerveja em paz sem ser incomodado por arrotos ou peidos de anões.

—Mahakam não é nosso lar. – concluiu Alathar, em um cochicho confidente.

—Fora das Montanhas também não é.

—Mas nós temos Dol Blathanna...

—Os Scoia’tael jamais terão Dol Blathanna. – enfatizou Iorveth.

—Todos pensam que os Scoia’tael estão extintos. Poderíamos nos disfarçar, nos passar por elfos comuns... Não é justo que sejamos negados daquilo que nos é de direito.

—Não seja tão ingênuo, Alathar. – interrompeu Iorveth. – Ninguém possui Dol Blathanna. Ela pertence a Nilfgaard, embora Emhyr goste de fazer vocês acreditarem que Francesca Findabair comanda o Vale das Flores. Mas no fim das contas, ela não passa de um fantoche de rosto diabolicamente bonito.

—Falando de beleza feminina, onde está Saskia? Há dias que eu não a vejo...

A menção de Saskia fez Iorveth se incomodar ainda mais com a conversa.

—Saskia está resolvendo um assunto particular. Voltará em breve. – respondeu de modo limitado. Parecia ser o bastante para Alathar.

—Bom, sinto que deveria comunica-lo de minha decisão, afinal o senhor foi o meu Comandante Scoia’tael. Dar-lhe uma satisfação é o mínimo que devo fazer. Aliás, outros elfos pensam em fazer o mesmo. Nilfgaard venceu a guerra, Iorveth. Estamos todos sob o jugo dele. E Emhyr tem problemas maiores para se preocupar além de um grupo de guerrilha que está disperso há anos.

Iorveth suspirou, sentindo-se cansado. No fundo, não tinha como retruca-lo. Ela já havia tomado sua decisão e não haveria argumento no mundo capaz de dissuadí-lo.

—Se deseja arriscar sua vida indo até o Vale das Flores, vá em frente. – disse, cruzando os braços. – Não vou julgá-lo por isso. Cada um é dono de si. Boa sorte em sua jornada, Alathir. Va Fail.

—Va Fail.

Com aquelas palavras, Alathir despediu-se de Iorveth, caminhando para longe de sua mesa e indo em direção a porta da taberna. Iorveth duvidava que fosse vê-lo novamente, caso ele realmente partisse das montanhas de Mahakam. Também duvidava que Alathir encontraria paz para viver em Dol Blathanna. Mas as palavras que mais perturbaram Iorveth não foram as de partida, mas sim “outros elfos pensam em fazer o mesmo”...

Estariam os elfos desistindo de Mahakam?

Iorveth sentiu seus punhos se fechando voluntariamente.

Depois de tudo que fiz, de tudo que conquistei, esses ingratos simplesmente não estão satisfeitos com as Montanhas de Mahakam e querem ir embora, retornar às suas vidas perigosas em meio aos dh’oines, arriscando-se em polgroms e perseguições?

Iorveth colocou moedas sobre a mesa. Decepção e raiva misturavam-se à sua mente de tal modo que o elfo sequer tinha vontade de comer a torta. Deixou-a praticamente intocada na mesa, levantando-se e embarcando em uma caminhada solitária de volta para “casa” – mas que casa? Ele jamais tivera uma casa para chamar de lar. A vida inquieta nas Montanhas não lhe permitiu lembrar com saudade daqueles tempos, e o que vivera como Scoia’tael o fez viver em florestas, à própria sorte e sem um “lar” para chamar de seu. Foi Saskia quem lhe ensinou esses conceitos, e agora Saskia estava longe.

Ele a mandou embora. Não com palavras, mas a mandou. E agora, tudo em Mahakam estava ameaçando ruir e Iorveth simplesmente não sabia mais se deveria insistir, se deveria adotar um plano melhor. Mas algo era certo: ele sentia falta de Saskia.

Sinto falta dela porque eu a amo, concluiu Iorveth.

Dentro de casa, o elfo começou a reunir seus pertences. Colocou três camisas limpas e uma calça em uma pequena bolsa. Pegou todas as flechas que tinha de reserva, deixando sua aljava pesada de tão carregada. Quando procurava seu inseparável cachimbo, agachado próximo da lareira, o olho de Iorveth notou algo destacado na madeira enegrecida pelo fogo: o peão do menino dh’oine, cujo nome ele sequer lembrava. Tomando com cuidado o brinquedo queimado, Iorveth decidiu contemplá-lo. Dh’oines e seus brinquedos estranhos, pensou o elfo. Qual era a graça de ver um pedaço de madeira rodando no chão?

Com o peão queimado ainda em suas mãos, Iorveth o colocou dentro de sua bolsa, ao lado de seu cachimbo. Aquele peão fazia-o se lembrar de seu erro com Saskia. Erro que ele pretendia não repetir novamente.


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Notas finais do capítulo

Iorveth está muito na deprê. Alguém precisa ajudá-lo, sério.

E Saskia que não se cuide... Já tem gente de olho nela. É bom ela ficar esperta.

Aliás, gostaria de aproveitar também para divulgar a fanfic de Meurtriere chamada "Crônicas de Mahakam". Quer ler mais sobre Saskia e Iorveth? Meurtriere está tendo umas idéias ótimas sobre o casa 20 de rebeldes e está postando em drabbles. Risadas garantidas - ah, e é claro, o conteúdo está um pouco mais "apimentado" do que eu costumo escrever.

Recomendo muitíssimo ler!

https://spiritfanfics.com/historia/cronicas-de-mahakam-10293408

Até a próxima postagem!



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