Sempre ao teu lado escrita por J S Dumont


Capítulo 5
Capitulo 5 - A Fuga


Notas iniciais do capítulo

Olá gente, voltei como prometido, estamos chegando a quase 200 reviews, muito obrigada a todos que estão comentando... O grande momento está chegando, bora correrem para ler?
Não percam os próximos, as grandes emoções irão começar!!! (Mais do que essas garanto *-*)
E quero agradecer a Isabela Maria minha beta linda, que recomendou essa história, dedico esse capitulo a você...
E ai esta, espero que gostem!!!! Tá grandinho de novo *-*



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Capitulo 05:

A Fuga

Tomamos nosso café da manhã̃, cento e vinte e cinco cereais para cada uma, porque precisamos de força extra. Mamãe e eu fizemos uma nova oração ao menino Jesus, pois ela disse que ele precisava nos ajudar e muito nesse momento, para que tudo desse certo.

Eu não estava com fome, mas a mamãe disse que eu devia comer todos eles. Depois, a gente se vestiu e treinou o treco do morta.

Foi o exercício de Educação Física mais estranho que nós já́ fizemos. Deitei na ponta do tapete e a mamãe o enrolou por cima de mim e me disse para ficar de bruços, depois de costas, depois de bruços, depois de costas de novo, até́ eu ficar toda enrolada e apertada.

O Tapete tinha um cheiro engraçado, de poeira e alguma coisa, diferente de quando eu só deito nele. A Mamãe me levantou, e eu estava espremida. Ela disse que eu parecia um embrulho comprido e pesado, mas que o Nick vai me levantar com facilidade, porque ele tem mais músculos.

— Ele vai carregar você pelo quintal, provavelmente até a garagem, assim... – senti que a gente andava pelo quarto. Fiquei com o pescoço amassado, mas eu não me mexi nem um pouquinho, afinal, os mortos não se mexem. — Ou talvez ele o carregue no ombro, assim... – ela me levantou, deu um grunhido e fiquei apertada no meio.

— É longe?

— O que foi?

Minhas palavras se perderam no tapete.

— Espere aı́— disse a Mamãe. — Acabo de pensar que talvez ele ponha você no chão, umas duas vezes, para abrir portas. — ela me pousou, primeiro pela cabeça.

— Ai.

— Mas você não vai fazer nenhum som, não é?

— Desculpa. – o tapete estava no meu rosto, dando coceira no meu nariz, mas eu não conseguia levar a mão até lá.

— Ele vai deixar você cair na traseira da picape, assim.

Ela me soltou, catapimba, e mordi a boca para não gritar.

— Fique dura, dura, dura feito um robô, haja o que houver, está bem?

— Tá.

— Porque, se você amolecer ou fizer um único som, Nessie, se fizer qualquer dessas coisas sem querer, ele saberá que na verdade você está viva, e vai ficar com tanta raiva que...

— O quê? — esperei. — Mamãe... O que ele vai fazer?

— Não se preocupe, ele vai acreditar que você morreu... – como é que ela sabe com certeza? — Depois, ele vai entrar na frente da picape e começar a dirigir...

— Para onde?

— Ah, para fora da cidade, provavelmente, para algum lugar onde não haja ninguém que o veja cavando um buraco, como uma floresta ou coisa assim. Mas o importante é que, logo que o motor der partida, e a sensação vai ser de uma coisa alta, zumbindo e chacoalhando, assim — ela encheu as bochechas de ar, encostou a boca no tapete e soprou com força, fazendo um barulhão, em geral essas sopradas me fazem rir, mas não nessa hora — Esse será́ o sinal para você começar a se soltar do tapete. Vamos tentar? – eu me retorci, mas não deu, estava apertado demais.

— Estou presa, estou presa, mamãe.

Ela me desenrolou na mesma hora. Respirei uma porção de ar.

 — Tudo bem?

— Tudo. - ela sorriu para mim, mas foi um sorriso esquisito, como se estivesse fingindo. Depois tornou a me enrolar, um pouco mais frouxo.

— Continua espremida... Desculpe, não achei que ele seria tão duro. Espere aí... — a mamãe me desenrolou de novo. — Experimente cruzar os braços com os cotovelos um pouquinho para fora, para criar algum espaço. — Dessa vez, depois que ela me enrolou de braços cruzados, consegui esticar os dois por cima da cabeça e balancei os dedos fora da ponta do tapete. — Ótimo. Agora, tente se remexer para sair, como se fosse um túnel.

— Está muito apertado... Não sei como o conde conseguiu, quando estava se afogando... Deixa-me sair.

— Espere um minuto.

— Deixa eu sair já!

— Se você entrar em pânico — disse a mamãe — O nosso plano não vai funcionar.

Voltei a chorar, o Tapete ficou molhado no meu rosto.

— Quero sair!

O Tapete desenrolou, voltei a respirar. A Mamãe pôs a mão no meu rosto, mas eu a empurrei para longe.

— Nessie...

— Não, eu não quero fazer isso! – eu gritei com a mamãe, eu estava com medo. – Prefiro ficar presa aqui para sempre! – sai correndo e joguei-me na cama, encolhi-me nela cobrindo-me com cobertor, ali me dava menos medo. Eu odiei aqueles planos todos, eu só queria esquecer tudo isso e continuar para sempre no quarto com a mamãe.

Mamãe se aproximou, eu senti ela passar a mão nos meus cabelos e dar um beijo em minha cabeça.

— Eu sei que você está com medo Nessie, posso te contar um segredo?

— Qual? – perguntei.

— Eu também estou com medo...

— Então vamos desistir! – eu disse.

— Não podemos... Nessie, se eu estou fazendo isso é porque eu sei que não é seguro continuarmos aqui, eu não quero que aconteça algo conosco... – ela disse, eu me sentei para olhá-la.

— Por que iria acontecer algo? – perguntei. Mamãe demorou um tempão para me responder.

— Nick tá desempregado, se ele não arrumar outro emprego como ele vai continuar comprando comida, pagando energia para nós? Corremos o risco de passar fome, frio sem a energia, além de ficarmos no escuro... Entendeu meu amor? Você precisa fazer isso, podemos ir para casa da vovó e do vovô, lá ficaremos seguras...

Olhei a mamãe por alguns segundos, ela não parecia estar mentindo, ela me olhava seriamente e seus olhos brilhavam e brilhavam. Ela estava querendo que eu falasse sim. Mas eu estava com medo, se Nick percebesse que eu não morri. Ele poderia ficar com raiva e querer me matar de verdade, mas se eu não fizer mamãe e eu corremos o risco de morrermos de fome. De qualquer forma eu posso morrer e voltar para o céu.

— Tá bom mamãe...

Olhamos uma para a outra sem sorrir.

— Está pronto para entrar de novo no tapete?

Fiz que sim. Mas eu não gostava de ficar dentro dele. Mas tínhamos que treinar, pelo que entendi isso era importante.

E então sai da cama e voltei até o tapete, eu deitei e a mamãe me enrolou extra-apertado. Eu tinha que sair dali, mas eu não conseguia.

— Não consigo...

— É claro que consegue. — senti ela me dar tapinhas por cima do tapete.

— Não consigo, não consigo.

— Você pode contar até cem para mim? – eu contei, foi fácil, bem depressa.

— Você já́ está parecendo mais calma. Vamos decifrar isso num minuto — disse a mamãe. — Hmm. Estou pensando... Se contorcer o corpo para sair não está funcionando, será́ que em vez disso você consegue... Se desenrolar?

— Mas eu estou do lado de dentro.

— Eu sei, mas pode alcançar o alto do tapete com as mãos e achar a ponta. Vamos tentar.

Tateei até achar uma coisa pontuda.

— Isso mesmo — disse a mamãe. — Ótimo, agora puxe. Não, assim não, para o outro lado, até você sentir que ele está afrouxando. Como descascar uma banana. —  Descasquei um pouquinho... — Isso está se saindo muito bem. E se você rolasse?

— Para que lado?

— Qualquer um que pareça mais frouxo. Fique de bruços, talvez, depois ache de novo a ponta do tapete e puxe.

— Não consigo. – Mas puxei. Soltei um cotovelo.

— Excelente — disse a mamãe. — Você afrouxou o tapete direitinho na parte de cima. Ei, que tal se sentar? Acha que conseguiria se sentar?

Doía, era quase impossível. Mas depois de muito tentar, eu sentei e botei os dois cotovelos para fora e o tapete foi desenrolando em volta do meu rosto. Consegui puxar todo ele para longe.

— Consegui! — gritei. — Eu sou a banana!

— Você é a banana — a mamãe repetiu, vindo até em mim e me abraçou, dando-me um beijo na testa e em seguida me agarrou no colo. – Viu filha, não é impossível, dará certo nosso plano B!

É talvez eu até saiba me fingir de morta. Se eu conseguir. TCHARAN mamãe e eu seremos livres e estaremos no mundo que fica do outro lado da parede.

+++

Eu sabia que estava com medo do mundo, eu ficava tentando imaginar um mundo onde houvesse árvores, cachorros, gatos, prédios, carros, casas, mas eu não conseguia. Mamãe falava para mim como era, mas eu não conseguia imaginar dentro dele, a única coisa que eu conseguia ver era o mundo que ficava na televisão, nas novelas da mamãe ás vezes mostrava os prédios, as árvores e carros andando por aquilo que mamãe me ensinou que eram ruas, mas tudo ali parecia ser tão grande, eu ficaria perdida naquela imensidão.

Quando estava chegando pertinho do horário que Nick aparecia, percebi que mamãe não estava mais tão animada, ela não queria mais brincar de fingir de morta, ela estava com aquela carinha que ela sempre fica quando está triste, os olhos dela estavam começando a molhar.

— Filha se eu pudesse fazer isso por você eu juro que faria... – mamãe me disse, aproximando-se de mim, ela me deu um abraço, os abraços dela são tão quentinhos.  – Mas eu sempre vou estar com você filha... – ela disse, agachando-se na minha frente e olhou bem no meu rosto. – Quando você pensar em mim eu também estarei pensando em você, temos essa ligação, e tenho certeza que você vai conseguir, você vai nos salvar...

— Mamãe, se ele abrir o tapete? — perguntei. — Só para me ver morta?

Mamãe ficou calada por alguns segundos.

— Filha mamãe vai falar para ele não abrir o tapete, mas caso ele abra, é, você sabe que bater é muito feio?

— Sei.

— Bem, esta noite é um caso especial, olhe eu não acho que ele vá olhar antes de chegar ao lugar, primeiro porque vou pedir, segundo porque ele vai estar com pressa de acabar logo com tudo, provavelmente ele só vai querer abrir o tapete quando ele for te enterrar, só que você já sabe que antes dele chegar lá você já vai ter pulado da picape, já passamos isso várias e várias vezes...

— Sim! – eu disse.

— Mas caso ele abra, o que você vai fazer é bater nele com toda a força que tiver, se puder ataque os olhos dele, e então corra, corra o mais rápido que você conseguir...

— É permitido até eu matar ele? – perguntei.

A mamãe pensou por alguns segundos e então correu até o armário onde as coisas secam depois de lavadas, ela pegou a faca lisa. Olhei para o brilho da faca e pensei na história que a mamãe me contou quando ela colocou a ponta da faca no pescoço de Nick.

— Você acha que poderia segurar isso com força dentro do tapete, e se... — ela olhou para a faca lisa. Depois, foi recolocar ela com os garfos no escorredor de louça. — Onde é que eu estou com a cabeça?

Eu não entendi... Como é que eu vou saber, se ela não sabe?

— Você vai se esfaquear — disse a mamãe.

— Não vou, não.

— Vai, sim, Nessie, como poderia não se esfaquear? Você vai se cortar em tirinhas, se mexendo dentro de um tapete com uma lâmina descoberta. Acho que estou perdendo a cabeça. – mamãe se sentou no sofá e colocou a mão na cabeça, mamãe está parecendo que estava ficando nervosa. – Você não vai precisar da faca, vai dar tudo certo filha, vai dar tudo certo...

Mamãe puxou-me em direção ao sofá, ela me colocou no seu colo e ficou um tempinho abraçada comigo, cantamos para fazer o tempo passar, olhei para claraboia, ela estava escurecendo, mamãe olhou a hora no relógio de pulso, e então soltou um longo suspiro.

— É o momento! – mamãe disse segurando o tapete aberto. — Já sabe, vamos repassar, você vai fingir de morta, não vai fazer nenhum barulho e vai ficar durinha, ele vai te colocar na picape e assim que a picape começar a se movimentar você vai começar a se desenrolar do tapete do jeito que treinamos, e quando ele parar o carro no primeiro semáforo você vai pular e vai correr e vai procurar alguém, assim que encontrar você vai contar tudo ou vai mostrar o bilhete que está na sua calcinha que mamãe escreveu, tudo bem?

Eu não queria, mas sabia que não adiantava falar que não queria para mamãe. Eu confirmei com a cabeça e então deitei e puis as mãos nos ombros e os cotovelos para fora. Esperei a mamãe me enrolar. Em vez disso, ela só́ me olhou. Meus pés, minhas pernas, meus braços, minha cabeça, eu vi os olhos dela ficarem correndo por mim inteira, como se ela estivesse contando.

— O que foi? — perguntei.

Os olhos da mamãe ficaram molhados e isso me assustou.

Ela colocou os meus braços do jeito especial, com os cotovelos pra fora. Dobrou o Tapete em cima de mim e a luz sumiu. Fiquei enrolada no escuro comichante.

— Não está muito apertado?

Tentei ver se conseguia levantar os braços pra cima da cabeça e voltar, arranhando um pouco. Mais consegui.

— Não! – respondi.

— Tudo bem? – ela perguntou.

— Tudo — eu disse.

Aí,́ só́ esperamos. Ouvi minha respiração que estava barulhenta. Pensei no conde dentro do saco com os vermes que entravam rastejando. E a queda, caindo, caindo, caindo, até́ se esborrachar no oceano. Os vermes sabem nadar? Se ele me jogar na água eu vou ficar lá no fundo, não vou saber nadar, uma vez eu coloquei o meu rosto dentro da banheira e fiquei sem o ar, não dá para ficar viva sem o ar, e se eu não souber nadar eu vou ficar sem ar e vou morrer.

Morta, Picape, Correr, Alguém... Não, primeiro é Sair Rastejando, depois Pular, Correr, Alguém, Bilhete, Maçarico. Ai eu esqueci da Polícia antes do Maçarico, tá tudo errado, mamãe disse que eu tenho que pensar rápido, se eu pensar desse jeito que estou pensando agora eu vou estragar tudo, Nick vai me enterrar de verdade e a mamãe vai ficar esperando para sempre.

Preciso pensar mais rápido como mamãe mesmo disse.

— Ele vem ou não vem? – perguntei, depois de um tempão.

— Não sei — disse a mamãe. — Como poderia não vir? Se ele for minimamente humano...

Eu não entendi o que mamãe quis dizer com isso, eu achava que os humanos eram ou não eram humanos, não sabia que alguém podia ser humano só́ um pedaço. Então, os outros pedaços dele são o quê? Robô, não, mamãe disse que robô só existe na TV.

Esperei, esperei. Eu não conseguia sentir os braços. O tapete estava deitado no meu nariz, eu queria coçar. Tentei, tentei e alcancei.

 — Mamãe?

— Estou bem aqui.

— Eu também.

Bipe bipe. Dei um pulo, era para eu estar morta, mas eu não consegui evitar, eu tive vontade de sair do tapete na mesma hora, mas estava presa e não podia nem tentar, se não ele ia ver... Alguma coisa me pressionando, devia ser a mão da mamãe. Ela precisa que eu seja a Nessie Maravilha e eu ia fazer isso pela mamãe, por isso fiquei bem quietinha e tentei fingir de dura.

— Pronto, tome aqui. — era a voz do Nick, com o mesmo jeito de sempre. Ele nem sabe o que aconteceu sobre eu morrer. — Antibiótico, mal venceu o prazo de validade, é para criança, o cara disse que é para partir ao meio.

A mamãe não o respondeu.

— Onde ela está, no guarda-roupa?

Essa sou eu, o ela, é ele está falando de mim.

— Está no tapete? Você é maluca de enrolar uma criança doente desse jeito?

— Você não voltou... — a mamãe disse, e a voz dela estava esquisita mesmo.

— Eu não consegui voltar, foi difícil conseguir esse antibiótico sem receita médica, fiquei o dia todo para consegui-lo! 

— Ela piorou de madrugada e hoje de manhã não quis acordar. Nada.

— Tem certeza?

— Se eu tenho certeza? — a mamãe berrou, mas eu não me mexi, fiquei toda dura, com os olhos fechados.

— Ah, não. — ouvi a respiração dele, toda comprida. — Isso é terrível coitadinha...

Ninguém disse nada por um minuto.

— Acho que deve ter sido alguma coisa grave mesmo — disse o Nick depois desse minuto.

— Você a matou. — A mamãe gritou.

— Ora, vamos, acalme-se... – ele pediu.

 — Como é que eu posso me acalmar, se a Nessie...? — ela estava com a respiração estranha, as palavras saíam como se ela estivesse engasgada. Mamãe realmente era muito boa em fingir. – Ela era minha filha! Minha Nessie!

— Está bem, está bem — disse o Nick. — Você não pode ficar com ela aqui.

— Minha filha... – mamãe dizia, parecia que estava chorando.

— Eu sei, é uma coisa terrível. Mas agora eu tenho que levá-la embora...

 — Não.

— Quanto tempo faz? — ele perguntou. — Você disse hoje de manhã̃? Talvez de madrugada? Ela deve estar começando a... Não é saudável ficar com ela aqui. É melhor eu levá- la e encontrar um lugar.

— No quintal não. — a fala da mamãe foi quase um rosnado.

— Tudo bem.

— Você tem que levá-la para bem longe, está bem?

— Está bem. Me deixa...

— Não, ainda não. — mamãe chorava sem parar. — Se você tiver um pingo de consideração, você terá que fazer uma coisa por mim... – ela disse.

— O que? – ele perguntou.

— Não é para incomodá-la, não se atreva a pôr um dedo...

— Está bem, eu a deixo toda enrolada...

— Jure que não vai nem olhar para ela com esses seus olhos imundos...

— Certo.

— Jure! – ela gritou.

— Eu juro, está bem?

E eu fiquei morta, morta, morta.

— Eu vou saber — disse a mamãe —Eu vou saber se você a puser no quintal, eu vou gritar toda vez que aquela porta abrir, eu vou quebrar tudo aqui dentro, eu juro que nunca mais fico quieta. Você terá que me matar também para me fazer calar, eu não me importo mais...

Por que ela estava dizendo para ele matar ela?

— Isabella fique calma, eu não vou coloca-la no quintal... Agora eu vou pegá-la e levar para a caminhonete, está bem?

— Devagar... E promete que vai enterrá-la em um lugar bonito? – mamãe voltou a chorar.

— Sim, prometo!

— Com árvores, flores, algo assim...

— É claro. Está na hora de ir...

Fui agarrada pelo tapete e apertada, era a mamãe, ela dizia “Nessie, Nessie, Nessie” e então me levantaram, achei que era ela, mas depois senti que era ele. Lembrei que mamãe disse: Não se mexa, realmente era como se ela falasse mesmo em minha cabeça, e então eu a obedeci. Fiquei dura, dura, dura. Isso Nessie Maravilha!

Fui espremida, eu não conseguia respirar direito, mas morta não respira mesmo. Eu queria estar com a Faca Lisa. O bipe bipe de novo, depois o clique, isso queria dizer que a porta estava aberta.

O ogro me pegou, e lá fomos nós, um calor nas minhas pernas, ah, não, eu soltei um pouquinho de xixi. Vixi, me desculpa tapete. Um grunhido perto do meu ouvido, o Nick me segurava apertado. O medo é tanto que eu não consigo ser valente, para para para, não posso fazer nenhum som, se não ele descobre o truque e vai me comer pela cabeça, vai arrancar minhas pernas... Agora eu estava longe da mamãe, agora só era eu e Nick. Eu tinha que fazer o que ela disse, se não, eu não conseguiria voltar a ficar com ela nunca mais.

Eu comecei a contar, mamãe disse que contando eu poderia me acalmar, mas toda hora eu perdia as contas. Não consigo sentir meus braços. O ar está diferente. Ainda tem a poeira do tapete, mas, quando levanto o nariz só́ um pouquinho, vem um ar que é... Do Lado de  Fora. Uau... Eu já devo estar no mundo que fica do outro lado da parede, o mundo que fica depois da claraboia, o mundo da TV que na verdade é o mundo em que eu já vivo só que vivo dentro de um quarto que mamãe diz ser apenas um pedacinho do mundo. E por causa das paredes eu não conseguia ver o lado de fora.

Agora eu posso ver... Assim que eu sair do tapete!

O Nick então parou. Por que ele está́ parado? Será que ele não vai obedecer a mamãe e vai querer me enterrar no quintal? Não... Ele começou a andar de novo. Continuo dura, dura, dura. Aaaaii, desabei numa coisa dura. Acho que não fiz nenhum som, eu não ouvi nada. Acho que mordi a boca, ela está com um gosto que é de sangue.

Veio outro bipe, mas diferente. Fui pega de novo, estou no alto de novo, depois, ai ai ai. Pou. Senti meu corpo cair novamente, dessa vez não mordi mais a boca.  Ai fiquei parada, continuei dura, dura, dura.  Aı́ tudo começou a sacudir e pulsar e rugir embaixo da minha frente, era um terremoto... Não, é a picape, deve ser. Não parece nem um pouquinho com uma soprada para fazer cocegas, é um milhão de vezes mais.

Mamãe! Eu gritei na minha cabeça. Tá, contei até dez, eu tinha que pensar.

Morta, eu já fiz, Picape, é onde estou agora e isso dá dois dos nove. Estou na traseira da picape marrom, igualzinha à história. Não estou no quarto. Será que eu ainda sou eu? Agora, em movimento. Estou zunindo na picape para valer, de verdade verdadeira. Ah é, a terceira eu tenho que sair Rastejando, ia me esquecendo.

Comecei a me mexer feito uma cobra, mas o tapete ficou mais apertado, eu não sei como, estou presa, eu estou presa. Mamãe, Mamãe, mamãe... Não consigo sair do jeito que a gente treinou, apesar de termos praticado e praticado, deu tudo errado, desculpe. O Nick vai me levar para um lugar e me enterrar e os vermes rastejam para dentro, os vermes rastejam para fora... Mamãe vai ficar me esperando para sempre.

Eu comecei a chorar, meu nariz está escorrendo, meus braços deram um nó embaixo do meu peito, estou brigando com o tapete, porque ele não é mais meu amigo, por culpa dele que não quer se soltar de mim eu vou ser enterrada e não vou salvar a mamãe, agora eu estou o chutando feito Karatê, mas ele me pegou, ele é a mortalha para os cadáveres caírem no mar... Tudo então pareceu ficar mais quieto. Sem movimento. A picape parou. É um sinal, é uma parada de sinal de trânsito como mamãe me ensinou, isso quer dizer que eu devia estar no Pular, que é o cinco da lista, mas eu ainda não cheguei ao três.

Se eu não conseguir rastejar para fora, como é que eu vou pular? Não posso chegar ao quatro, cinco, seis, sete, oito, nem nove, estou presa no três, ele vai me enterrar com os vermes...

Em movimento de novo, vrum vrum. Consegui por uma das mãos no rosto, nossa ele tá todo melecado, eca. A minha mão foi raspando até sair pelo alto, e arrastei o outro braço para cima. Meus dedos pegaram o ar novo, um negócio frio, um negócio de metal, outra coisa que não é metal, cheia de caroços. Agarrei e puxei puxei puxei e chutei e o meu joelho, ai ai ai. Não dá, não adianta. Ache a ponta, será́ que é a voz da mamãe falando na minha cabeça, como ela disse, ou estou só́ me lembrando?

Tateei em toda a volta do tapete e não tem ponta nenhuma, aı́ achei e puxei, ela se soltou só́ um pouquinho, eu acho. Rolei de costas, mas ficou ainda mais apertada e não consigo mais achar a ponta. Parou, a picape parou de novo, ainda não estou do lado de fora, era para eu pular no primeiro. Puxei o tapete pra baixo até ele quase quebrar o meu cotovelo e consegui ver um ofuscante enorme, aí sumiu, porque a picape saiu andando de novo, vruuummmm. Acho que foi o lá fora que eu vi, o lá fora é real e brilha muito, mas eu não consigo...

A mamãe não está aqui, senti meus olhos molharem, mas eu sabia que não era a hora de chorar, eu sou a Nessie Maravilha, a senhora cinco anos, eu sou esperta, mamãe disse que sou esperta, e tenho que ser esperta se não os vermes vão entrar rastejando. Então, com todas as minhas forças fiquei de bruços de novo, dobrei os joelhos e empurrei o bumbum para cima, vou explodir pelo tapete, e agora ele ficou mais solto, está saindo do meu rosto... Respirei todo o ar preto adorável. Fiquei sentada, desenrolando o tapete, como se eu fosse uma espécie amassada de banana. Meu rabo de cavalo soltou, estou cheia de cabelo nos olhos. Tirei com as minhas mãos, achei minhas pernas um e dois, tirei o corpo todo para fora, consegui, consegui, queria que a Dora me visse, ela ia cantar a musiquinha do “Nós conseguimos”.

Outra luz que passa chispando no alto. Coisas deslizando no céu que eu acho que são árvores. E casas e luzes em postes gigantes e uns carros, tudo zunindo. Parece que estou num desenho, só́ que mais bagunçado. AIII a luz de um carro é muito forte, fechei os olhos, enquanto segurava na borda da picape, ela é toda dura e fria. Abri novamente os olhos e vi o que já sabia que era o céu, é igual da TV, só que é bem mais enorme e é quase todo azul, só que tá azul escuro, minha mamãe diz que fica escuro quando está de noite igual a claraboia. Quando olhei pra baixo, vi a rua preta e comprida, comprida.

Eu sei pular legal, mas não quando está tudo roncando e sacudindo e com as luzes todas borradas. Vou ter que esperar a picape parar de novo para pular, respirei fundo e senti o ar, ele é muito estranho, tem cheiro de maçã ou coisa parecida.  A picape parou outra vez. Não consigo pular, não consigo nem me mexer. Consegui ficar em pé e olhar, mas... Escorreguei assim que a picape fez um movimento diferente e me estatelei na picape, minha cabeça bateu numa coisa que machuca, sem querer eu gritei aaaaaii... Parou de novo. Um som de metal. O rosto do Nick. Ele está fora da picape, com a cara mais zangada que eu já vi e... Pular.

O chão freou meus pés, e então eu pulei, me levantei bem rápido e fiz o que mamãe falou. Correr. Saí correndo, correndo, correndo, e procurando, onde está o alguém que mamãe falou? É, esse é o próximo passo, mamãe disse para eu gritar para um alguém, ou um carro, ou uma casa acesa, eu vi um carro, mas está escuro por dentro e, de qualquer jeito, não sai nada da minha boca, que está cheia do meu cabelo, mas eu continuo correndo,

Tem um rugido atrás de mim, é ele, é o Nick que vem me rasgar pela metade, tenho que achar alguém, gritar socorro, socorro, mas não tem um alguém, não tem alguém nenhum, vou ter que continuar correndo para sempre, mas o meu fôlego acabou e eu não consigo enxergar e... Um urso. Um lobo? Não! É um cachorro... Será que cachorro é um alguém? Não cachorros não falam, só late, não tem como ele me ajudar. Ah, mas vem alguém  atrás do cachorro, mas é uma pessoa muito pequena, um neném andando, está empurrando uma coisa que tem rodas e um bebê menor dentro. Não consigo me lembrar do que gritar, estou no botão do mudo, só́ continuo correndo em direção deles. O bebê ri, quase não tem cabelo. O pequenininho na coisa de empurrar não é real, é uma boneca. O cachorro é pequeno, mas é de verdade, está fazendo cocô no chão, nunca vi os cachorros da televisão fazerem isso. Uma pessoa vem atrás do neném e pega o cocô num saco como se fosse um tesouro, acho que é um ele, esse alguém de cabelo curto feito o Nick, só́ que mais ondulado, e ele é mais moreno que o neném. Eu falei “Socorro”, mas não saiu muito alto.

Corri até quase chegar neles e o cachorro latiu e pulou e ele vai me comer... Abri a boca para dar o gritão mais alto, mas não saiu som nenhum.

— Rajá! Quieto, Rajá — a pessoa homem segurou o cachorro pelo pescoço.

Aí pimba, agarrada por trás, era o Nick, com as mãos gigantes nas minhas costelas. Estraguei tudo, ele me pegou, desculpa desculpa desculpa, Mamãe. Não vou consegui levar a polícia até você.

Ele me levantou. Aı́ eu gritei, gritei nem eram palavras, só gritei, o som saiu. Ele me segurou embaixo do braço, foi me carregando para a picape, a mamãe disse que eu podia bater, podia matar ele, eu bati e bati, mas não consegui alcançar, eu só́ fiquei batendo em mim...

— Com licença — chamou a pessoa que segurava o saco de cocô. — Ei, meu senhor? — a voz dele não era grave, era mais suave. O Nick nos virou para trás. Eu esqueci de gritar.

 — Desculpe, a sua filhinha está bem?

Que filhinha? Mamãe diz que ele não é meu pai.

O Nick pigarreou, continuou a me carregar para a picape, mas andando de costas.

— Ótima.

— O Rajá costuma ser muito calmo, mas ela surgiu do nada, correndo na direção dele...

— Foi só um ataque de pirraça — disse o Nick.

— Ei, espere um momento, acho que a mão dela está́ sangrando.

Então olhei para minha mão, devo ter machucado quando cai da picape.

A pessoa homem pegou a pessoa bebê, ficou com ela no colo e o saco de cocô na outra mão e uma cara realmente confusa. Nessa hora o Nick me colocou no chão, com os dedos nos meus ombros de um jeito que chegava a queimar.

— Está tudo sob controle.

— E o joelho dela também, isso está́ feio... O Rajá não fez isso. Ela levou um tombo? — o homem perguntou.

— Por que você não cuida da sua vida? —O Nick quase rosnou.

Mamãe, Mamãe, eu preciso de você, para falar. Ela não está mais na minha cabeça, não está́ em lugar nenhum. Ela escreveu o bilhete, eu ia me esquecendo, enfiei a mão dentro da minha calça onde havia enfiado o bilhete, ele estava um pouco molhado de xixi, sacudi o papel para o homem alguém. O Nick arrancou o papel da minha mão e o fez desaparecer.

— Certo, eu não... não estou gostando disso — disse o homem. Tinha um telefoninho na mão dele, de onde ele veio? E disse — Sim, a polícia, por favor.

Estava acontecendo igualzinho como a mamãe disse, realmente ela é muito esperta, já estávamos no oito, que é a Polícia, e olha que eu nem mostrei o bilhete, nem falei do quarto, estou fazendo as coisas de trás para frente.

Era para eu falar com o alguém como se ele fosse humano. Comecei a dizer “Eu fui sequestrada”, pelo menos foi que a mamãe falou, que fomos sequestradas, mas quando isso aconteceu eu ainda estava na barriga dela, só que a voz não saiu, droga, só́ saiu um cochicho. O Nick me pegou de novo, foi andando para a picape, correndo, estou toda sacudida em pedaços, não consigo achar um lugar para bater, ele vai...

— Eu anotei a sua placa, moço! – foi a pessoa homem berrando, será que estava gritando comigo? Que placa? — K nove três... — ele foi gritando números, por que estava gritando números? De repente, aaaaaiii, a rua bateu na minha barriga, nas mãos, no rosto, na verdade fui eu que cai e o Nick saiu correndo, mas sem mim. É ele me deixou cair de propósito e foi ficando mais longe a cada segundo.

Deviam ser números mágicos, para fazer ele me largar. O moço alguém falou os números mágicos, é, eu encontrei o alguém certo. Tentei levantar, mas não consegui lembrar como. Um barulho feito um monstro, a picape fazendo vruummmm e vindo em minha direção, rrrrrrrrrrr, vai me esmigalhar em pedacinhos na rua, não sei como onde o quê... o neném chorando, nunca ouvi um neném de verdade chorar... A picape foi embora. Só́ passou direto e virou a esquina, sem parar.

Ouvi ela um pouquinho, depois não ouvi mais. O pedaço mais alto, a calçada, a mamãe me disse que eu tinha que ficar na calçada, se não os carros iam passar por cima de mim, eu tive que engatinhar até a calçada, só que doía, pois meu joelho estava machucado.

A calçada é toda de quadradões que arranham. Um cheiro terrível. O nariz do cachorro bem do meu lado, ele voltou para me devorar, dei um grito.

— Rajá — o homem afastou o cachorro. E então ele se agachou, com o bebê num dos joelhos, se remexendo. Não estava mais com o saco de cocô. Parecia uma pessoa da TV, só que mais perto e maior e com cheiros, ele tinha rosto igual a mamãe, só que era de homem, igual do Nick, seu cheiro era meio parecido com o Detergente e menta e curry, tudo misturado.

A mão dele que não estava segurando o cachorro tentou tocar em mim, mas eu me desviei na hora.

— Está tudo bem, fofinha. Tudo bem?

Quem é fofinha? Meu nome é Renesmee. Não consegui olhar para ele, foi esquisito demais ele me ver e falar comigo.

— Como é seu nome? – ele perguntou.

Era estranho ver um homem da TV falando comigo, pois as pessoas da TV nunca perguntam coisas, exceto a Dora, e ela já sabe o meu nome.

— Pode me dizer como você se chama?

A mamãe disse para eu falar com o alguém, é o que eu tenho que fazer. Só falando com alguém que ele vai poder salvar a mamãe. Que é o próximo passo.

— Renesmee... – eu disse, mas a voz saiu baixa demais.

— Como disse? — ele se inclinou para mais perto e eu me enrosquei com a cabeça entre os braços.

— Está tudo bem, ninguém vai machucá-la... Diga o seu nome um pouquinho mais alto, sim? –era mais fácil falar se eu não olhasse para ele. Então desviei o olhar.

— Renesmee...

— O seu pai já foi embora, Renesmee...

Do que ele está falando? Nick não é meu pai.

— Mamãe me disse que ele não é o meu pai! – eu disse em som alto, e o homem alguém me escutou.

— É? Então foi o que eu imaginei, é o meu nome é Alfred! — disse a pessoa homem — E esta é minha filha... Espere um instante, Tara. A Renesmee precisa de um band-aid naquele dodói no joelho, vamos ver se... — ele foi tateando todos os pedaços da sua sacola. — Perai, eu vou ligar para polícia!

Polícia. É esse passo está certo. O homem pegou o telefoninho dele e começou a digitar uns números.

— Alô? Polícia... – e então a pessoa homem se virou de costas para mim e então voltei a olhar para aquele cachorro, ele tem dentes afiados e todo sujo e seu hálito também não é nada bom, ele tá olhando para mim, acho que ele quer me comer. – A polícia já vem, está bom! – ele disse para mim e ele sorriu, eu sorri também.

Sorte minha que encontrei o alguém certo!

Continua...


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Notas finais do capítulo

N/A: O que acharam? Comentem, favoritem!!!