A Liga Extraordinária Brasileira escrita por Eye Steampunk


Capítulo 2
Sonhos de uma Nação (Parte 2)


Notas iniciais do capítulo

"Minha terra tem suas lendas, onde canta o escritor" (o autor)

Quero agradecer a repercussão de minha fic e como ele foi bem recebida, puxa, primeira vez em eons que ganho uma dezena de acompanhamento em um capítulo, mais de duzentas visualizações em um dia, espero não decepciona-los.

Boa leitura!



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É de se imaginar que convencer Maria foi algo bem tranquilo, ela ouviria os problemas nacionais e embarcaria sem preocupação com os dois. Bom meu querido leitor, foi realmente quase isso, se não houvesse um contrato vitalício por trás. Em resumo, Bruno contou sobre a FAB, Sargento Brandão e sobre como a nação precisava dela.

De vez em quando Bruno se perdia, pois acredite, a garota estava trocando de roupa a sua frente, Bruno pensava que nunca veria alguém já morto escolhendo um look para vestir, mas era isso que Maria estava fazendo, ela retirava algumas peças do espelho, uma blusa sem mangas com calça, tudo branco, continuava descalça. Bruno olhava aos seus pés, constrangido, enquanto falava e amaldiçoava Guto mentalmente, por apenas ficar parado, observando Maria trocar de roupa com um sorriso no rosto, ele nem disfarçada que estava gostando do que estava vendo a sua frente.

— Meninos, eu sou um espírito vingativo! — disse Maria vestindo a blusa — Meu trabalho é punir a quem merece, por que eu deveria seguir vocês?

— Eu tenho certeza que terá muitos homens que precisam de vingança, e talvez seja isto que viemos aqui, cada um buscar junto o mesmo objetivo e...

— Não mesmo! — interrompeu Maria — Eu consigo ver o que cada um deseja, é uma habilidade minha, funciona como clarividência: posso sentir suas mágoas, interesses, culpas; é assim que trabalho, estudando o meu patrão e a minha vítima, para que não faça mal uso de meus poderes e que o contrato seja justo. O seu, por exemplo... — Maria apontou a Guto, ela parecia enojado com ele. — É ser perdoado por algo que fez no passado, isso lhe livrará da culpa que você carrega.

Bruno estava muito assustado com as palavras proferidas por Maria e se virou a Guto, ele nunca tinha visto o gigante expressar algo, sempre fechado, nunca sabendo se ele sentia felicidade, tristeza ou dor; e o gigante que estava quieto em seu canto, quase escorregou em um pedaço de madeira, nervoso, seu rosto exibia rugas franzidas, olhares baixos e chorosos. Maria se divertia com o que dizia, ela apenas riu do gigante, o ar do ambiente tornou-se mais sombrio, seu indicador descreveu um arco e apontou a Bruno. Poderia ter alguma influencia, mas uma rajada de vento havia atravessado o local, e pareceu partir da mão da garota.

— E você não está aqui por conta da nação brasileira, você apenas está pensando na recompensa que receberá ao terminar este serviço! Vamos ver se adivinho... Tem algo a ver sobre itens de poder mágico? — perguntou Maria exibindo um sorriso.

— Exato, eu estou aqui pelos Orbes, são muito especiais para mim! — respondeu Bruno.

— Se todos vocês serão recompensados... O que eu ganharia em troca? — disse Maria levitando ao ar, dando piruetas como se fosse a fada Sininho.

— Uma boa pergunta! — disse Bruno. — O que vossa senhoria deseja em troca de seus serviços prestados?

Maria estava realmente impressionada e encantada com o garoto.

— Estou lisonjeada com seu vocabulário, meu bom senhor! — respondeu Maria. — Ninguém nunca me perguntou o que eu queria, geralmente sou eu que atendo aos pedidos dos próximos, um idiota estuprador aqui, uma garota mimada ali, alguém que praticava grosseria com alguém quando no colegiado... Carrego várias mortes em minhas costas: primeiro quando isto era uma casa habitada, depois um convento, depois uma escola e até agora como um prédio abandonado... Agora surgem os dois, e me oferecem serviços?

— Eu não quis dizer serviços, mas uma recompensa e...

— Eu adoraria ser libertada! — disse Maria, interrompendo Bruno.

— Libertada? — perguntou o ocultista.

— Isso mesmo! — disse Maria batendo a palma de empolgação. — Estou presa aqui há séculos, viver quase um século e meio aqui, isto deixa qualquer um paranoico e você não gostariam de me ver fora de mim!

Os olhos de Maria tornaram-se vermelhos, seus dentes cresceram e afiaram para fora do rosto. Guto fez movimento negativo com os braços, enquanto se afastava mais um passo de Maria.

— Bom! Isto não é uma tarefa fácil, porém talvez eu consiga acha uma solução ao seu problema e...

— Excelente! Contrato assinado. Você encontra uma forma de me libertar e eu lhe ajudo em sua árdua missão! — disse Maria. — Estamos de acordo?

— Eu não...

— Sim! — uma voz rouca e grossa disse.

Bruno se virou para encarar Guto. “O filho da mãe não abriu a boca uma única vez e quando decide falar algo, é condenando-me aos serviços de um fantasma maluca devoradora de carne humana?”, pensou Bruno. Um trovão rimbombou, o ocultista entendia de juramentos, e aquilo indicava que Bruno estava preso àquela mulher.

— Que ótimo! — Maria bateu mais palminhas, extasiada — Agora somente preciso que levem minha bagagem, vocês serão cavalheiros suficiente para me ajudar, não é?

Os rapazes não queriam se envolver em nenhum favor que envolvesse aquele espírito, entretanto não tiveram escolha a não ser ajuda-la com sua “bagagem”, Maria atravessava paredes facilmente, graças a sua intangibilidade, mas Bruno e Guto não; e toda vez que a seguiam por um caminho, tinham que voltar pelo mesmo que tomaram, pois não conseguiriam acompanha-la. Em uma das situações, Maria mergulhou no chão, Bruno e Hugo tiveram que dar meia-volta para tomar o caminho pelas escadas.

Maria os levou até a entrada do que deveria ser o banheiro feminino do edifício, ela atravessou a porta enquanto Guto foi obrigado a usar sua força para abrir a porta. Quando os rapazes entraram, Maria estava no espelho e apontava para a última cabine; o banheiro era como qualquer outro, somente estava abandonado, portas de cabines fora dos lugares, pias e vasos sanitários de porcelanas quebradas e rachaduras no espelho, pichações e rabisco.

Bruno caminhou a ultima cabine e destrancou-a, um rato guinchou e passou por baixo da capa do ocultista, ele gritou fino e apavorado, se sacudiu para espantar o pequeno mamífero. Guto observava sufocando os risos, enquanto Maria não seguiu o mesmo exemplo e caiu na gargalhada.

— Odeio essas pragas da cidade! — resmungou Bruno, então se deparou com... Nada, somente um vaso sanitário, seco e preenchido com o que Bruno esperava ser terra — Você não quer que eu enfie a mão aqui, quer?

— Atrás do vaso, seu idiota! — disse Maria, revirando os olhos.

Bruno muito enojado levou a mão para trás do vaso, temia que outro rato ou algo pior pudesse sair, mas além de terra seca, ele tocou em algo áspero e duro, retirou o objeto do local. O cabo era de madeira, oval na ponta e possuía entalhes de uma roseira, suportando uma moldura de bronze que recobria uma placa de vidro, um espelho enferrujado e envelhecido.

— Está é sua bagagem? — perguntou Bruno.

— É onde fui aprisionada, este foi um presente de... — Maria parou para pensar nas palavras certas. — Alguém especial. Ele é indestrutível, já pedi para que outros dos meus clientes tentassem quebrar como barganha, eu os vi tentarem de tudo, quebrar com uma pedra, queima-lo, arremessar do outro lado do edifício, porém ele se restaura e apenas envelhece... Algumas vezes penso que somente vou ser livre quando alguém tiver o dom de o destruí-lo por completo e poderei ingressar ao lugar onde as almas partem.

— Mas e se quando for destruído, você apenas desaparecer? — perguntou Bruno.

— Não importa para você! — gritou Maria ao ocultista. — Eu apenas quero me livrar deste pesadelo de ainda existir neste plano... Vamos, me levem aonde forem, porém carreguem o espelho, é o único modo de poder lhe ajuda-los.

— Seu corpo metafísico, mesmo capaz de ser sólido o suficiente para nos matar e até mesmo carregar alguns objetos, não pode carregar o seu próprio fardo. — raciocinou Bruno, alegre pela descoberta, isso poderia ajuda-lo com o caso de Maria. — Por isso está pedindo que nós levemos o seu espelho!

— Puxa vida, Senhor Óbvio, quanto neurônios você queimou para desenvolver uma tese tão sucinta? — disse com desdém Maria.

***

Maria sabia como não chamar atenção, diferente de Bruno e Hugo.

Os rapazes descobriram que demoraram bem mais tempo do que imaginavam ter passado; o sol já começava a descer ao Oeste, como alguém imaginaria que assistir um assassinato-ritual fizesse o tempo passar tão rápido? O plano era entrar e saírem sem serem notados, mas o quarteirão, mesmo para uma área de prédio abandonados, estava movimentada. Os três seguiram a caminho da praça.

— Droga! — resmungou Bruno colocando o capuz, o que não facilitou no plano de não chamar a atenção.

— Por que você se esconde? — perguntou Maria.

Bruno se virou a ela e não deixou de se encantar com o seu visual, novamente alterado, vestia um vestido de alça que descia até a base das coxas com um short de pano branco por baixo, lábios vermelhos (“era sangue, batom ou natural?” Bruno se perguntava), descalça, mas parecia a menos estranha dos três mesmo sendo um fantasma e poderia se passar simplesmente por uma adorável mulher de vinte anos que havia perdido seus calçados. Bruno não queria ter reparado nestes detalhes, pois seu rosto corou, se virou para frente.

— Digamos que meu nome está na boca do povo e não estou com saco para autógrafos! — disse Bruno.

— Você é metido! — disse Maria.

— Não sou “metido”! — respondeu Breno. — A complexidade da exaltação do próprio ego não possui notoriedade, apenas desvia do verdadeiro fator de buscar a felicidade e...

— Quanto uso de palavra difícil apenas para chegar a lugar nenhum, como você aguenta este cara? — perguntou Maria se virando a Guto, que apenas flexionou os ombros em respostas.

— Você não disse que era de século atrás? Como seu vocabulário não é tão rebuscado? Você parece uma jovem estonteante e metida do século 21! — irritou-se Bruno. — Perdões por minhas...

— Estonteante? Você acha isso de mim? — Maria abriu um sorriso. — Bom, não é por que sou fantasma preso a um espelho que não posso me atualizar sobre o mundo, a maldição me permite viajar por alguns quilômetros através de outras superfícies reflexivas, sem contar que qualquer pessoa poderá me invocar diante de um espelho, não importa onde esteja à alma negociadora, só precisam gritar meu nome três vezes!

— Então poderíamos ter chamado aos seus serviços sem precisar esta passando vergonha de sermos visto nas ruas? Que droga! Isto seria muito mais fácil! — resmungou Bruno, fazendo Maria rir de sua expressão azeda.

Os três chegaram à praça pública onde a estátua de algum militar famoso montado a cavalo os observava, apontando sua arma para o além, como se indicasse o caminho, este era o marco que Bruno combinou com Ulisses de encontrar a nave, mas ela não estava ali, o espaço em que haviam pousado estava vazio.

— Eu não acredito que aquele ET...

Bruno foi interrompido pelo barulho de ar sendo pressurizado; em formato retangular, uma área brilhou no ar acima de suas cabeças, uma escada de metal surgiu verticalmente do portal, um humanoide surgiu formando sombra sobre os três, ele estendeu a mão direita aberta ao ar e pronunciou.

— Eu vim em paz (ruídos)! — disse Ulisses.

— Ai meu Deus! O que é isto? — perguntou Maria.

— Bem, este é Ulisses, ele não é do nosso planeta e...

— Ele é a criatura mais fofa que já vi! — exclamou Maria voando em direção a Ulisses e o pegando em um abraço no ar.

— Soltar (ruídos)! Eu! — gritou Ulisses. — Entrem!

Céu Nordestino, 2030.

A espaçonave de Ulisses era circular com um eixo esférico e fixo ao centro, enquanto uma circunferência de metal gravitava em torno, os planetas com anéis poderiam servir de modelo para explica como se parecia a Nemo 978. Ou pelo menos este era o nome que Ulisses traduziu a língua de Bruno, e Bruno se encantou pela referência ao personagem fictício de Júlio Verne.

O ocultista, depois que partiu do Acre, chegou a puxar o ET em um canto e pergunta se eles poderiam fugir do planeta e se a Nemo tinha condições de tira-los da encrenca em que se encontravam, mas Ulisses respondeu que a mesma possuía muitos danos desde que caíra na Terra e parecia que os homens do Sargento deram um jeito que permitisse que ela voasse apenas sobre os ares dos territórios nacionais; Ulisses também tinha a impressão que Guto possuía uma carta na manga e que provavelmente a nave estava grampeada, Bruno apenas confirmou com a cabeça, reforçando suas desconfianças.

A espaçonave Nemo 978 sobrevoou o território cearense, Guto se encontrava em seu quarto, Ulisses pilotava a espaçonave, Bruno chegou a se oferecer ao serviço, porém o ET disse algo sobre o garoto ainda não ter capacidades cognitivas para operar aquele veículo espacial, deixando Bruno ofendido e com vontade de exaltar seus conhecimentos, mas deixou de lado e foi ao seu dormitório.

Bruno não era um cinéfilo, mas ficou impressionado em como a nave não era nada comparado às espaçonaves dos filmes de ficções que assistia antes de se converter a aprender o ocultismo. Não, a nave parecia ter vida, quando ele encostava a mão nas paredes úmidas e ásperas, ele sentia uma pulsação, como se fosse um organismo vivo. O ocultista não conseguia descrever a paredes, variavam no tom de verde e marrom, seções de cabos atravessavam-no aleatoriamente sem nenhum padrão e transpirava, Bruno chegou a checar e parecia ser óleo ou um tipo de graxa.

Os dormitórios eram a parte mais terráquea da espaçonave, Bruno perguntava se era criação da nave ou se tinha dedo do Sargento Brandão nisto: beliche com colchões de estampa militar, um criado mudo, uma luminária de mesa e uma lanterna de cordinha; do outro lado do beliche, um cabide com vestimenta militares (Bruno prometeu a si mesmo que não vestiria aquilo) e outras mais informais, feita a suas medidas, um pequeno armário de suprimentos e um espelho, onde uma garota o observava.

— O que você faz aqui? — perguntou Bruno. — Não sabe o significado da palavra privacidade?

— Calma! Garoto magia! Eu somente vim ver o estado do meu espelho! — disse Maria apontando ao beliche de Bruno.

Sobre o beliche, um pentagrama de luz azul estava brilhando, o símbolo “X” e uma onda estavam desenhados por dentro do pentagrama, enquanto o espelho flutuava sobre.

— O que é isso? — perguntou Maria.

Invocus: Sapiencia, este pentagrama faz uma varredura mágica sobre o conteúdo oculto, rastreia qualquer tipo de magia presente no objeto... Eu pensei que nunca usaria um pentagrama deste antes, ou se usaria no saco do Guto... Mas seu espelho é um bom começo! — respondeu Bruno, ele se sentou no beliche em frente ao pentagrama em posição de lótus, em sua testa brilhou dois símbolos de luz. — Você ainda irá ficar aí parada?

— Não vai me convidar para entrar?

— Você já está dentro...

— Eu estou no espelho, mas preciso de permissão para entrar no cômodo...

— E por que eu permitiria?

— Quero conversar, seu grosso...

— Tudo bem! — disse Bruno fazendo sinais de desdém — Maria Sangrenta, Maria Sangrenta, Maria Sangrenta...

O reflexo brilhou e a garota atravessou o espelho como Alice de Lewis Carroll, voou e se sentou como Bruno. Ele, ainda estava concentrado com seu encanto, fechou os olhos e começou a meditar, canalizando suas energias a seu encantamento.

— Então? O que descobriu?

— Por enquanto nada, contudo, se você continuar me atrapalhando, eu não descobrirei e preciso de concentração.

— O que são os Orbes?

— Assunto delicado e secreto!

— Como você aprendeu a fazer magia? Você é um mágico?

— Poderia chamar de magia, entretanto, eu prefiro chamar de manipulação da realidade, e não, não sou um mágico, nem mago, nem bruxo. Eu sou um ocultista, um ser que aprende e domina as artes das ciências ocultas! — respondeu Bruno. — Contudo, isto é muito para seus conhecimentos mortal, fútil e...

— Ok, Bruno! — disse Maria ríspida, se levantando. — Entendi o que quis dizer! Você não me quer por perto, vou deixa-lo em paz e...

— Não, fique! — implorou Bruno, e fez algo que ele achava impossível, tocou no ombro de Maria, não deixando que ela partisse.

— Por quê?

— Você ainda não contou como ficou presa àquela escola.

— E por que eu deveria? — perguntou Maria, jogando ao jogo dele.

— A informação pode ser útil para encontrar uma forma de liberta-la! — respondeu Bruno — E eu prometo contar sobre os Orbes em troca.

Maria era curiosa e gostava de uma boa negociação, este era seu espírito. Ele tornou-se a sentar na cama, respirou fundo, apesar dos padrões de fantasma imortal ser desnecessário, colocou uma mecha de cabelo para trás da orelha, e cruzou os dedos da mão; olhou para seu espelho, para que não encarasse Bruno.

— Foi em 1865, meu nome verdadeiro é Maria Augusta, eu tinha treze anos, era filha do Visconde de Guaratinguetá, e meu pai, como era comum na época, conseguiu um casamento arranjado com um militar mineiro que acabara de comprar residência na cidade. Casei-me e fui forçado a ir para cama com o desgraçado, mas conseguia escapar, meu pai fizera prometer que lhe daria uma quantia considerável se apenas tirasse minha virgindade quando tivesse dezoito anos... Foi para ele, a forma de me proteger; sempre que o militar chegava bêbado em nossa residência, esta era a desculpa para que eu impedisse de que ele me tocasse. Porém os intrépidos dezoito anos chegaram... — Maria começou a chorar.

— Você não precisa continuar...

— Não tudo bem... Eu quero! — disse Maria limpando as lágrimas. — Então meus dezoitos anos chegaram, e ele me abusou a força, parecia um homem feroz e selvagem, quando pedi para que ele parasse, pois eu sentia dor, ele apenas continuou e quase me matou asfixiado! Na manhã seguinte, era um porco fedido ao meu lado da cama, enquanto eu estava sangrando sem parar. Eu perdi a sanidade, peguei um castiçal de metal que estava no criado mudo e bati em sua cabeça; não imaginei que a pancada seria forte, só queria desacorda-lo para que desse tempo de fugir, mas ali estava ele, o seu sangue misturado ao meu. Sai as pressas do local com algumas joias e o maldito espelho para que usasse como pagamento para minha fuga à Paris, cidade que admirava; as criadas me olharam no corredor aberto e começaram a gritar “Maria Sangrenta! Maria Sangrenta!”. Eu estava muito assustada, aconteceu tudo muito rápido, os gritos das criadas, ver meu rosto ensanguentado diante do espelho, o pânico, e então eu escorreguei e cai do peitoral do corredor para o térreo.

— O colégio era a antiga residência do seu...

— Sim! — Maria não esperou que ele terminasse a pergunta, principalmente se a palavra que fosse pronunciar seja “marido”. — Eu fiquei preso àquele local, observei levarem o corpo do porco como rei, enquanto eu fui enrolada em um pano, colocada em uma carroça e provavelmente levada aos meus pais... Não pude assistir meu funeral, as criadas que gritaram aquelas ofensas, eu não as vi mais, o espelho, no mesmo chão... Depois a casa foi vendida, tornou-se um lar de freiras, orfanatos, uma escola e por fim, um prédio abandonado.

Maria começou a observar Bruno, ele mantinha o dedo sobre o queixo, como se algo o incomodasse.

— O que foi? — perguntou Maria.

— Tive dois pensamentos, a primeira é atualizar as informações sobre você, as pessoas acreditam que você é fruto da morte de uma estudante.

Maria riu.

— Aquela outra Maria me deu muito trabalho, mas não sou ela, sem contar que ela era morena e era uma de minhas vítimas, digamos que uma professora não aguentava a aluna mimada. Porém, ela ajudou muito a difundir minha lenda e a ganhar novos clientes — disse Maria — E qual o segundo pensamento que lhe inquieta?

— Para onde forma suas criadas? — perguntou Bruno.

— Eu não sei!

Fortaleza, Brasil, 2030.

Maria deixou Bruno em seu quarto com a promessa de quem um dia contaria sobre os Orbes. Quando ela saiu, Bruno caiu no sono, e não deixou de pensar no caso da garota, mas principalmente pensou muito além, em como ela era muito irritante e encantadora; Bruno refletiu que ela era a distração perfeita sobre seus projetos, então resolveu esquece-la e ter um bom sono.

Bruno não teve um bom sono.

Na manhã seguinte Ulisses pousou a nave em uma encosta praieira e ativou a camuflagem, por sorte não havia muita movimentação no local, contudo, muitos pombos e aves costeiras se batiam contra a nave. Ulisses disse a Bruno que ficaria com Guto a nave, para reparar alguns danos e saber mais sobre o homem, então sobrou à tarefa árdua de convidar a próxima aberração ao circo de horrores.

— Ele não possui nome em sua ficha, é apenas conhecido como “Bebê Diabo”! — disse Bruno. — Ele nasceu em São Bernardo do Campo, mas por perseguição de sua família se mudou para o Nordeste, foi difícil rastreá-lo novamente, Fortaleza foi a cidade em que foi visto pela última vez.

— E se ele não estiver mais aqui? — perguntou Maria.

Como sempre, Maria estava encantadora, usava um chapéu de palha branca e um modelo diferente de vestido branco e florido, onde as alças cruzavam no decote e se amarravam na costa. Estava sentada na base de uma estátua de bronze onde uma mulher parecia segurar um arco, ela balançava os pés descalços para frente e para trás. Bruno odiava a praia, acreditava que somente serviam para rituais, entretanto, os movimentos das marés poderiam atrapalhar qualquer espécie de encantamento. O rapaz estava de bermuda de pano branco, camisa de manga listrada, óculos de sol, um visual em que acreditava não ser o seu tipo.

— Ele está aqui... Não sei o porquê, mas a cidade parece exalar alguma energia! — disse Bruno.

— Deve ser este clima! — disse Maria sorrindo ao sol, para um fantasma, ela não era tão obscura, irradiava energia, pensou Bruno.

— Não, o calor está ligado, mas tem algo mais... Posso sentir! — disse Bruno.

— Muito bem, cão farejador mágico; então vamos buscar este bebê diabo. Trouxe o espelho? Não posso invadir residência sem a permissão dos vivos, muito menos andar longa distância sem meu fardo.

Invocus: Obscurus Nyxus

Bruno levou a mão às mangas da camisa, um pentagrama roxo com os símbolos de quadrado e cajado brilhou, do interior ele tirou o espelho, mostrou a Maria e aproveitou para devolvê-lo junto com a ficha do Bebê Diabo.

— Isso foi incrível!

— Um truque novo, permite que eu crie um espaço mágico onde posso guarda meus objetos pessoais, e serve como se ainda estivessem comigo, é como uma mochila mágica invisível. — respondeu Bruno.

E foi como ocorreu à busca de Bruno e Maria atrás do filho do submundo, primeiro eles desceram toda a extensão praieira, Bruno comprou dois sorvetes, mas foi repreendido por Maria que lhe disse que por ser alguém morta, não poderia comer comida de vivo. Bruno ficou envergonhado e se sentiu estúpido por ter se esquecido deste detalhe; Bruno tirava fotos com a câmera fotográfica que carregava, e Maria pediu que tirasse uma foto com alguns turistas, o ocultista queria avisar sobre o fato de ela não poder ser refletida na foto, contudo, Maria insistiu, a situação terminou com turistas correndo com medo da garota.

Ambos subiram o centro cultural, o resquício do passado da cidade afundando no meio urbano; dentre as atrações, havia cinco casarões coloniais, com varandas e janelas enormes, cada um repintado por um tom de cor primaria; havia também um teatro ornamentado de José de Alencar brilhando ao por do Sol; Maria e Bruno estavam prestes a terminar as buscas, a noite logo se aproximara e não havia mais o que procurar, era mais sensato desistir e partir em busca de outra ajuda.

As luzes noturnas da cidade acediam, holofotes foram acesos e iluminavam os casarões como se eles fossem obra de artes, o sol já havia se posto no ocidente, sobrando apenas à luz do crepúsculo, Bruno guardou os óculos de sol, Maria já não caminhava, mas sim flutuava de cansaço; Bruno não poderia fazer o mesmo, porém, demonstrava fadiga.

— Acredito que o melhor é desistir! — Bruno foi o primeiro a dizer.

— Nunca pensei que ouviria estas palavras de você em tão pouco tempo que lhe conheço! — zombou Maria.

— Você vai se surpreender, já desisti de muitos fardos para aprender o ocultismo: estudos, emprego, família e... — Bruno concentrou ao rosto de Maria, ela olhava espantada para algo.

Ele se virou para ver o que ela olhava. Uma casa noturna de dois andares, com altas janelas e brilhando em luz vermelha. No alto uma placa de neon escrita “Inferno de Dante – Casa Noturna”. Homens e mulheres preenchiam os cantos se beijando e se atracando, uma fila se formava na entrada da boate onde um segurança barrava e permitia a entrada.

Ao se aproximarem, puderam perceber os detalhes do segurança com mais clareza, ele estava de terno negro, sapatos de couro engraxado e... Possuía um crânio de touro em vez de uma cabeça humana, os chifres estavam ornamentados em traços negros, o orifício nasal exalava vapores, e as orbitas oculares eram preenchidas com duas pequenas esferas de fogo negro.

— Olá, Morte! — disse Maria ao segurança.

— Maria? Vejo que conseguiu uma forma de deixar aquele local! Mas... Ainda sinto a maldição em você! — disse Morte, sem mexer um músculo, no caso, osso da mandíbula.

— Sim, ainda estou presa ao espelho. Você não deveria está retirando a vida de alguns humanos preste a morrer?

— Esse é apenas um espectro meu, estou agora eliminando uma vasta civilização vítima de um maremoto, digamos que esse é apenas um servicinho ao filho de um dos meus patrões! — respondeu Morte.

— Que legal! — Maria sorriu gentilmente. — E então? Podemos entrar ou teremos que enfrentar a fila?

— Não, vocês são meus convidados Vips... E digamos que meu chefe os aguarda... — disse Morte saindo do caminho, e liberando passagem para que Maria e Bruno entrassem.

— Você o conhece? — perguntou Bruno.

— Todo mundo irá conhecer um dia!

O interior da boate não era propriamente o inferno, a não ser que diversão ilimitada esteja nos condizentes de tortura eterna. Dançarinas e dançarinos não trajando roupa nenhuma, se exibiam em palcos de poli dance e gaiolas de metal; garçonetes e garçons apenas com a roupa de baixo desfilavam de um lado a outro levando e trazendo bebidas ao cliente; caveiras de animais, quadros de cenários nordestinos e disco de vinis preenchiam as paredes, havia um bar ao fundo com prateleira de bebidas variadas e um barman servindo o anfitrião.

Sentado em um dos bancos do bar estava o diabo em pessoa, em sua companhia, uma mulher negra de vestido vermelho, apontou aos “recém-clientes”, ele se virou para Bruno e Maria, abriu um sorriso e os braços.

— Bem vindo, meus convidados! / Atrasados, porém bem aclamados! — rimou o homem diabo.

Maria então se virou a Bruno.

— Lembra quando informei que posso sentir os desejos de cada ser vivo?

— Recordo. — respondeu Bruno.

— O dele não é um dos melhores!

Começou a tocar Asa Branca.


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Notas finais do capítulo

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