Destinada escrita por Benihime


Capítulo 4
Capítulo II




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Assim que vi Lilly, notei que havia algo errado. Minha amiga parecia muito mais séria do que o habitual.

 — Oi Lilly — Falei, sorrindo. — Caramba! O que aconteceu? Você está com uma cara péssima.

— É assim tão óbvio? — Ela inquiriu, esboçando um sorriso cansado.

— É sim, mas só porque eu conheço você. O que houve?

Sentei-me ao seu lado no tronco caído que ela escolhera como banco. Lilly nem olhou para mim. Seus olhos estavam perdidos em algum lugar do lago.

— Eu ... Acho melhor não falarmos sobre isso por enquanto. — Ela respondeu por fim. — Prefiro ouvir sobre você. Alguma novidade?

— Na verdade ... Aconteceu uma coisa muito estranha. Mas só vou contar se prometer me ouvir até o fim e tentar não tirar nenhuma conclusão.

— Tudo bem. — Mais uma vez minha amiga sorriu. — Eu prometo.

Enrolei um pouco a manga de minha blusa, expondo o braço esquerdo até a altura do cotovelo. A pele já voltara ao normal, mas a marca em meu pulso ainda estava lá. Parecia uma tatuagem.

— Não é uma tatuagem. — Declarei — Meu pulso começou a doer alguns dias atrás e, quando olhei, isso estava aqui. Já tentei de tudo, e não saiu.

 — Droga! — Ela exclamou, sua veemência imediatamente me pondo em alerta. — Já está acontecendo!

— Do que você está falando? O que está acontecendo?

Ela voltou seus enormes olhos cor de mel para mim, com o olhar perdido de alguém cujos piores temores houvessem se confirmado.

— Lydia … — Lilly pronunciou meu nome bem devagar, como um aviso — Eu tenho algo para lhe dizer, mas quero que jure uma coisa para mim.

— O que é?

— Jure que vai me ouvir até o final, mesmo que o que disser pareça uma completa loucura. E, por favor, fique calma, não importa o que ouça. 

Suas palavras me assustaram, e senti meu coração acelerar.

— Está bem. — Consegui dizer — Eu juro.

  — Certo. — Suas mãos se uniam e separavam em seu colo, num gesto de nervosismo. — O que você diria se eu te contasse que todas as lendas da antiga Grécia são reais?

  — Eu te perguntaria como fazer para arrumar briga com o Minotauro.

  Lilly me dirigiu um olhar de pura frustração ante essa resposta tão imediata. Por um momento, apenas um segundo brevíssimo, o castanho claro de seus olhos pareceu mudar de cor, assumindo um belíssimo tom de violeta. A mudança se desfez assim que pisquei.

— Espere … Você não está falando sério, está? — A surpresa em minha voz era óbvia, tão óbvia que chegava a ser ridícula.

 — Mais do que você imagina — Ela respondeu calmamente, me olhando como se avaliasse minha reação.  — Você é uma deusa.

 Com suas palavras, pequenos flashes de lembrança invadiram minha mente: um cacho loiro caído sobre o rosto de alguém, escondendo seus olhos ... Mãos hábeis movendo-se por uma folha de papel, desenhando com precisão inacreditável ... Um homem com olhos da cor dos raios e, finalmente, um par de olhos verdes como esmeraldas que faziam meu coração disparar.

Levei uma das mãos à minha têmpora esquerda, massageando de leve e tentando fazer aquela sensação estranha passar.

 — Lydia …

O modo carinhoso com que Lilly chamou meu nome me irritou profundamente. Não sei por que, simplesmente não me pareceu certo.

— Certo, digamos que eu acredite em você e que tudo isso seja mesmo verdade. — Minha voz saiu brusca, entre incrédula e irritada. — Por que eu não soube disso antes? Por que agora?

— É uma longa história.

— Temos tempo.

Ela desviou o olhar do meu com um suspiro. A expressão de seus olhos ficava entre a culpa, a tristeza e a nostalgia.

— Você sempre foi a queridinha de todo mundo. — Sua voz era baixa — A Joia do Olimpo, era como a chamavam. Cronos sabia disso. Há uma profecia que diz ... Que a herdeira dos governantes do Olimpo está destinada a derrotá-lo.

O modo como ela falava, a cadência em sua voz ... Eu sentia como se já tivesse ouvido aquilo antes. Tentei forçar a memória, mas nada me ocorreu, exceto fatos que lera em livros.

— Mas ... Atena é a filha mais velha de Zeus.

— Sim, mas a profecia diz que a Filha da Luz é a herdeira mais velha de ambos os governantes do Olimpo. Atena não é filha de Hera. Cronos sabia disso, e tentou matar você. Foi quando seus pais perceberam que era perigoso demais que permanecesse no Olimpo. Eles pediram ajuda a Hécate. Ela usou magia para apagar sua memória e suplantar seus poderes e então você foi escondida entre os mortais. Mas algo deu errado com o feitiço, e seus poderes permaneceram. Todos sabiam que era só questão de tempo até que a magia se esgotasse completamente e você lembrasse de tudo.

Eu mal conseguia respirar. Não conseguia olhar para Lilly. Não sabia o que fazer, de tão surpresa.

— Espera mesmo que eu acredite nisso? — Inquiri finalmente.

— Não espero, eu sei. Lá no fundo você sabe que é verdade.

— Não é. — Até para mim minha voz não tinha convicção. — Quer dizer, não pode ser.

— Diz isso apesar dos poderes que sempre lhe assustaram. Ou vai tentar negar isso também?

— Ok, ponto para você. — Admiti. — Mas ainda continuo não acreditando nessa história.

— E se eu puder provar?

— Admitirei que estava errada e pedirei desculpas por ter duvidado.

Das botas de cano alto Lilly sacou uma adaga. Ela apoiou o braço esquerdo no joelho e com a mão direita posicionou a adaga, a ponta da lâmina pressionando a palma da mão.

— Lilly, você ficou louca? — Meu susto foi tal que quase gritei — Pare com isso!

— Você queria uma prova, não é? Então apenas observe.

Num único e hábil movimento ela cortou a palma da mão esquerda. Eu esperava ver o sangue sair do ferimento, mas …

— É icor!

Ela assentiu. Observei hipnotizada o líquido dourado que corria entre seus dedos, uma mera mancha junto ao ferimento já quase curado. Não consegui dizer nada, muda de surpresa. Lilly estendeu a adaga para mim.

Não hesitei em pegar a arma e, da mesma forma que ela fizera, cortei a palma da minha mão. Algumas cotas de icor dourado saíram do corte, que cicatrizou quase instantaneamente.

— Acredito em você. — Declarei, como havia prometido. — Me desculpe por ter duvidado.

— Está tudo bem. Qualquer um duvidaria.

Ergui o olhar para ela e vi seus olhos lilases me encarando. Por algum motivo aquela mudança não me surpreendeu.

— E agora que eu sei, o que acontece?

Eu estava totalmente calma. Fosse por considerar tudo aquilo uma loucura total ou por estar começando a acreditar, eu não sabia.

— Não sei. Suponho que terá de manter vigilância constante. Agora que sabe, você corre perigo. Sua aura está mais forte.

— Mais alguma coisa que eu deveria saber?

Eu tentava ficar impassível, mas qualquer um podia ver o sorriso que brincava no canto de meus lábios.

— Nada que o tempo não lhe ensine.

Semanas depois

— Lydia — Afrodite chamou, arrancando-me de meus devaneios. — Até que enfim encontrei você, eu já nem sabia mais onde procurar.

Virei-me para olhá-la e vi Afrodite de braços dados com um homem que, por conhecer brevemente, eu sabia ser Hefesto.

Quando nos conhecemos estava escuro, e quase não pude ver seu rosto. Naquele momento, à luz do dia, fiquei impressionada. Ele tinha feições elegantes, quase desenhadas, sem serem afeminadas, olhos azuis, cabelos negros e um sorriso que o fazia parecer um moleque. Por mais estranho que fosse, eu o reconheci. Havia uma parte de mim que conhecia cada linha daquele rosto.

— Ah, oi, Dite. Oi, Hefesto.

Eu não conseguia parar de encará-lo, surpresa. Ele percebeu, porque disse:

— As lendas nem sempre dizem a verdade, Lydia.

Não respondi, ainda envergonhada. Ele riu, o que me fez ficar ainda mais constrangida.

— Ele não parava de me incomodar dizendo que queria ver você de novo. — Afrodite provocou com uma risada.

— Afrodite, pare com isso. — Hefesto repreendeu. — Ela provavelmente nem se lembra.

— Lembro ... ?

— Uma vez, você me fez fazer uma promessa impossível.

A forja está na penumbra, mas nenhum de nós dois se importa com isso. Na verdade, é até melhor. Menos chances de alguém me ver ali.

Depois que li sobre as armas lendárias dos deuses ancestrais, não consegui tirar um plano maluco da cabeça, e apenas Hefesto seria confiável o bastante para discutir aquele assunto.

— Mas pode ser feito? — Exijo, impaciente.

— Pode, mas é complicado. Não sei quanto tempo vou levar.

— Contanto que possa ser feito.

— Lid, os riscos desse plano ...

— São altos, eu sei. — Meu tom é conciliatório. — Mas não quero arriscar. Um dia, sinto que será necessário.

— Uma premonição?

Nego com a cabeça, permitindo que os pensamentos que reprimi o dia inteiro voltem à minha mente.

— Mais como uma sensação.

Mostro a ele o desenho que fiz algumas horas antes. Hefesto analisa meu projeto com olhos experientes, em seguida assente.

— Se houver uma forma de fazê-lo, eu farei. Juro pelo Estige.

— Lydia. — Afrodite chamava, preocupada.

Voltei à realidade num instante.

— Eu me lembro. — Garanti, olhando para Hefesto.

Ele estendeu uma das mãos para pegar a minha, num pretenso aperto de mãos. Aceitei o gesto. Senti quando pressionou algo em minha palma e instintivamente segurei o objeto, que era pequeno. Ele fez sinal para que eu mantivesse silêncio. Discretamente, coloquei o objeto no bolso de minha jaqueta.

Horas depois

Já era noite.

Sozinha no gramado enluarado eu finalmente tirei do bolso o objeto que Hefesto me entregara. Era um pingente delicadíssimo, de prata, na forma de um pássaro. Levei alguns segundos para reconhecer a fênix árabe. Isso trouxe à tona outra memória.

— Cuidado, Lydia.

Olho para baixo, sorrindo para meu irmão. Seus olhos azuis não deixam os meus nem por um momento.

— Deixe de ser bobo, Hefesto. Vou ficar bem.

Continuo subindo na árvore, cada vez mais alto. De repente um galho se quebra sob minhas mãos e eu caio. Não muito depois meu irmão mais velho está ao meu lado, me apoiando pela cintura.

— Machucou muito? — Sua preocupação é óbvia, e tão exagerada que me faz rir. — Onde dói?

— Acho que torci o tornozelo.

— Qual? Deixe eu ver.

Estendo o tornozelo e Hefesto o analisa rapidamente. Suas mãos são surpreendentemente leves, considerando o quanto ele é grande.

— Não torceu coisa nenhuma. — Meu irmão declara severamente — Está quebrado. Eu te avisei para não subir tão alto.

— Idiota. — Acuso jocosamente — Vou ficar bem.

— Vai nada. — Ele rebate. — Fique aqui e eu vou chamar o papai.

— Nada disso. — Quase grito. Sei muito bem que meu pai super protetor vai surtar se descobrir o que aconteceu. — Eu estou bem, já disse!

— Lydia, sua teimosa!

Percebo que a única forma de convencer aquele cabeça dura é provar a ele que estou certa, então me apoio no carvalho.

Concentro-me apenas em levantar lentamente, usando o tronco como apoio e ignorando os protestos de Hefesto. Posso sentir meu tornozelo quebrado, mas ignoro a dor. Logo estou de pé, apoiada na árvore.

— Viu, bobo? — Sorrio para ele. — Estou bem.

— Lidy ...

— É sério.

Antes mesmo que perceba o que estou fazendo, dou um pequeno passo, apenas o bastante para deixar o apoio da árvore. Meu irmão sorri, parecendo impressionado.

— Caramba garota, você é mesmo uma fênix. Nada te derruba.

Sorrio, apreciando suas palavras.

Mal sabia eu que o apelido acabaria pegando, pensei, rindo baixinho ao me lembrar. Depois daquele dia quase todos na família começaram a me chamar daquele jeito.

Ignorei meus pensamentos e segurei o pingente, surpresa com o quão detalhado ficara. Era uma pequena obra de arte.

De repente a joia aumentou até transformar-se em uma espada longa e afiada, tão bela que sua lâmina parecia feita de prata líquida. Sorri comigo mesma ao sentir o poder imbuído no objeto. Hefesto conseguira e sua obra superara minhas expectativas.


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