Destinada escrita por Benihime


Capítulo 30
Capítulo XXVIII




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Estremeci, surpresa por estar tão nervosa sem motivo nenhum. Minha intuição, porém, continuava a me alertar de que algo ruim iria acontecer.

Enquanto Deméter desenrolava o pergaminho, Ares segurou minha mão. Olhei para ele, que sorriu. Tentei retribuir, mas sem muito sucesso. Afastei rapidamente qualquer outro pensamento e concentrei-me na leitura da profecia.

Possuída sem merecimento

Um grande poder desperdiçado

Avisados estejam, olimpianos

Seu destino nesta guerra já está traçado

Meu coração disparou loucamente ao ouvir isso. Cheguei mais perto de Ares, recostando-me em seu peito. Ele envolveu minha cintura com um braço, abraçando-me por trás, prendendo-me junto a si.

O que parece uma traição

Tem o poder de romper laços

Mas cuidado com o julgamento

Aquilo que parece imperdoável

Pode ser sua salvação

Atena capturou meu olhar e apontou discretamente para uma porta lateral. Aquela porta, eu sabia, daria em uma sala de pedra, a mesma onde eu me encontrara com Gaia. Segui discretamente para lá e Atena entrou um pouco depois.

— Também está pensando na profecia, não é? — Ela inquiriu à queima roupa. Era óbvio que estava preocupada.

— Sem parar.

— Eu tenho um plano. É perigoso, mas podemos fazer.

— Conte comigo. Qual é o plano?

Enquanto Atena me explicava o plano senti uma picada em meu pescoço. Logo em seguida eu estava tão zonza que mal conseguia me manter de pé. A última coisa de que me lembro é de um pedido de desculpas sussurrado por uma voz familiar.

Doze horas depois

Acordei com uma dor de cabeça apocalíptica. Sentei-me devagar, satisfeita ao perceber que estava sozinha no quarto.

Ouvi Ares discutindo com alguém, mas não consegui identificar seu interlocutor. Pouco depois, passos apressados soaram na escadaria e Ares entrou no quarto. Apesar de ainda estar fraca, sorri e estendi os braços. Ele cruzou o quarto em três passadas largas e me abraçou com força.

Ares

Eu tinha a impressão de que jamais conseguiria soltá-la. Em minha mente, eu revia seu rosto pálido e sem expressão de quando estava sedada. O medo que isso me fazia sentir era irracional, ainda mais porque eu sempre soube que Lydia não corria perigo. Mesmo assim, eu jamais deixaria que nada como aquilo acontecesse novamente.

— Ares. — Ela gemeu baixinho. — Calma. Está me machucando.

Eu me afastei imediatamente.

— Desculpe, Lids. Eu só ... Estou feliz que você esteja bem.

Ela abriu um sorriso doce e as pontas de seus dedos acariciaram meu rosto. Onde ela tocava, minha pele parecia queimar. Olhei em seus olhos e me vi perdido na intensidade daquele olhar. Não havia mais dúvidas do que eu sentia por ela. Por mais maluca, complicada, chata e insuportável que ela pudesse ser, eu amava aquela mulher.

Lydia

— Você está bem? — Assenti — Lydia, eu juro que não fazia ideia! Já falei com Hera, mas dessa vez nem ela quis me ouvir …

— Espere aí. — Minha voz estava rouca e fraca. — Do que você está falando, Ares?

— Você foi acusada de interferência na busca pelo cetro de Deméter. Todos pensam que você nos traiu.

— O que?! — Exclamei. — Isso é um absurdo! Eu nunca …

Ares colocou um dedo em meus lábios, calando-me.

— Eu sei, Lids. Não posso te ajudar, mas posso te dar algumas horas. Eu disse a Zeus que você ainda está inconsciente. Isso vai nos dar tempo pra pensar em alguma coisa.

— Obrigada, Ares. Você é o melhor.

Eu não a vira, mas sabia de quem era aquela voz. Reconheci instantaneamente a dona da voz naquele pedido de desculpas sussurrado em meu ouvido. O único problema era que eu não estava disposta a perdoar.

Horas depois

Aproximei-me de Gaia o bastante para que somente ela me ouvisse.

— Eu esperava isso de qualquer um. — Sibilei — Mas não de você. Pensei que fôssemos amigas.

— Lydia, eu …

Afastei-me sem lhe dar tempo de dizer mais nada, indo para perto de Ares, que imediatamente passou um braço por meus ombros.

— Se Zeus te machucar, vou matá-lo. — Ele declarou em voz baixa. — Diga o que quiser, mas vou fazer isso de qualquer maneira.

— Não. — Protestei. — Esse problema é meu. Não se envolva.

— Já estou envolvido, Lids.

— Ares! — Repreendi. — Ao menos uma vez, tente me ouvir. Não vai me ajudar em nada brigando com Zeus.

Ele entendeu o que eu quis dizer, porque parou de protestar. Quando Zeus me declarou culpada, milhares de corvos entraram voando na sala. Foi uma confusão total, e a oportunidade perfeita para eu escapar.

Naquela noite

Toscana, Itália

Saí para respirar o ar fresco da noite. A lua cheia brilhava e o vento trazia o cheiro de alecrim. Uma noite absolutamente perfeita.

Avistei uma silhueta, o que imediatamente me deixou em alerta. Ninguém nunca usava aquela estrada. 

Escondi-me nas sombras de algumas árvores. Não demorou muito para que eu visse a aura de minha visitante indesejada. Gaia ficou ali, parada, e então chamou por mim. Hesitei, mas fui até ela.

— Como me encontrou? — Meu tom foi duro, hostil.

— Ares.

— Mentira. — Protestei. — Ele nunca …

— Ele sempre soube do meu plano. — Ela interrompeu calmamente.

— O que? — Isso foi um grito raivoso. — Aquele desgraçado! Eu vou …

— Não é o que você pensa, Lydia.

— Venha, vamos conversar lá dentro. — Cedi a contragosto, vencida pela curiosidade. — Você me deve muitas explicações.

Cinco minutos depois

Gaia e eu nos sentamos nas poltronas em frente à lareira, de frente uma para a outra.

— E então? — Exigi.

— Eu fiz tudo isso para proteger você.

Ri ironicamente. Minha raiva aumentava a cada segundo. A expressão em seus olhos, porém, fez com que eu me calasse. Ela parecia sincera, e um tanto magoada por eu não acreditar.

— Me proteger de quem? — Inquiri.

— De Caos. Ele sabe sobre as relíquias e a profecia. Sabe que você é nossa chance de vencermos. Quanto a mim, assim que soube o que ele planejava, agi o mais rápido que pude. Eu precisava me certificar de que todo o Olimpo estivesse prestando atenção em você e que isso acabaria com a sua fuga. Sinto muito pelo modo como foi feito, mas era um mal necessário.

A contragosto, percebi que sua explicação fazia sentido. Porém, ainda havia um detalhe fora de lugar, algo que me incomodava.

— Como descobriu o plano dele?

— Tenho espiões por toda parte.

E resolvera usar sua influência para me ajudar. Mais uma vez, Gaia me protegera.

— Obrigada. — Cedi finalmente. — Te devo mais uma.

— Não me deve nada, sua boba. Eu simplesmente fiz o que era certo. — Ela disse. — Mas ainda não acabou, Lydia. O mais difícil está por vir.

— Como assim?

— Minha ... Digamos ... Pequena distração ... Apenas lhe deu algum tempo. Precisamos de algo bem melhor se quisermos garantir sua segurança.

— O que você sugere?

— Bem, eu tenho um plano. — Ela confessou — Mas não acho que você vai concordar.

No dia seguinte

Pelo espelho, vi uma sombra atrás de mim. Ares riu de meu sobressalto.

— Idiota! — Exclamei, o que o fez cruzar os braços, ainda com aquele sorriso debochado.

— Admita, morena, bem que você gostou da surpresa.

Sim, eu gostara. Nem estava surpresa por ele ter me encontrado. Gaia, pensei, contendo uma gargalhada. É claro que ela tinha contado para ele.

— Convencido. — Eu ri. — Por que você veio, afinal?

— Além de querer ver a minha garota? Bem, vim contar que você foi inocentada. Gaia contou a verdade sobre o cetro.

— Sério? Isso quer dizer que posso voltar?

— Exatamente, morena.

Uma hora depois

— Tem certeza? — Perguntei, nervosa.

— É nossa única chance.

Respirei fundo, reunindo toda a raiva de que era capaz. Considerando que horas antes eu imaginava que ela havia me traído, não foi tão difícil.

— Não — Minha voz saiu alta e clara, dura como aço — Atena estava certa. Errei ao confiar em você.

— Um erro que vai custar muito caro.

— Para você, talvez.

Ela atacou, mas consegui me defender e lhe dei um soco. O golpe acertou o alvo, mas Gaia revidou com um chute giratório que me derrubou. Pulei de pé e investi com uma série de socos com toda a minha força, o que a fez cair.

— Acha mesmo que pode vencer? —  Ela riu.

— Não. Acho que eu já venci.

— Olhe de novo, princesa.

Senti o frio da lâmina penetrando em meu peito e depois a escuridão levou a melhor.

Ares

Meia hora depois

Alcancei Gaia e segurei seu pulso, fazendo-a parar. Eu nem ligava se ela era mais forte do que eu. Minha raiva era maior do que a razão.

— Como você pôde? — Vociferei.

— Ares, me escute. — Ela não fizera esforço algum para se soltar, permanecia perfeitamente calma. — Não é o que parece.

— Víbora! — Acusei — Lydia confiou em você!

— Lydia está bem, Ares.

Suas palavras, ditas tão baixo que mal a ouvi, esfriaram  de vez minha raiva. Só consegui encará-la, surpreso demais para falar. 

— Ela ... O que?!

— Foi tudo um plano. — Gaia explicou. — Eu precisava que Caos confiasse em mim novamente, para facilitar a busca de informações. Também achei que seria melhor para Lydia estar longe de tudo isso. A luta foi um embuste. Com Caos pensando que ela está morta, sua namorada terá tempo para treinar e se fortalecer para a batalha.

— E como sei que isso não é uma mentira sua?

— Não saberá. — Foi a resposta. — Pelo menos por enquanto, vai ter que confiar em mim.

Lydia

Horas depois

Acordei devagar. Meu corpo parecia feito de chumbo, uma concha pesada e inútil.

— Lydia! — O alívio na voz de Gaia era óbvio. — Você está bem?

— Estou bem. — Respondi — Conseguimos?

Minha mente estava enevoada, e até mesmo formar essa frase curta exigiu esforço.

— Sim. Todos acreditam que matei você.

Ela havia encantado sua adaga para que eu não me ferisse e, ao "perfurar" meu coração, lançara um feitiço do sono em mim.

— Acha que agora estaremos seguras?

— Talvez. — Foi sua resposta — Mas não se preocupe com isso agora. Durma. O efeito do feitiço passará logo, prometo.

Sem discutir, fechei os olhos e me entreguei ao sono.

Semanas depois

Pulei de susto ao ouvir Gaia me chamar. Desde que eu fugira ela me ajudara a forjar minha própria morte e vinha fazendo tudo o que podia. No que me dizia respeito, sua "traição" estava mais do que perdoada.

— Outra profecia foi anunciada. — Ela anunciou, me entregando um pergaminho onde a profecia fora copiada.

Fogo e gelo

Despertados pelo toque de uma única mão

Entre a forja e a fênix

Poderosa união

Meus olhos se arregalaram. A profecia acabara de revelar que eu estava viva. Olhei para Gaia, que assentiu. Mesmo sem telepatia, não tínhamos problemas para adivinhar os pensamentos uma da outra.

— Não tem jeito de eu ajudar sem ser descoberta.

— É claro que tem. Só precisamos de uma ... Leve mudança.

Aquele tom em sua voz era garantia de que ela tinha um plano em mente. Eu quase tinha medo de saber o que era.

— Em que está pensando?

— Apenas relaxe e me deixe agir.

Uma hora e meia depois

— Pronto. — Gaia anunciou. — A mágica está feita.

— Ainda não entendo por que não usar magia de verdade.

— Magia deixa rastros, Lydia. É perigoso.

Gaia me entregou um espelho. Ao me olhar, ofeguei. Meus cabelos estavam castanho-dourados, cortados na altura dos ombros. Toquei levemente a franja que cobria minha testa e então reparei em meus olhos. Cor de mel. Gaia sorriu, satisfeita.

— Incrível, não é?

Larguei o espelho, desgostosa. A verdade é que eu detestava aquela situação toda. Mesmo assim, forcei um sorriso.

— Incrível, sim. — Menti. — Obrigada.

Ela não se deixou enganar e acariciou meus cabelos.

— Não se preocupe, logo tudo isso vai acabar.

Eu só esperava que Gaia tivesse razão.

De madrugada

Monte Vesúvio. Seguindo as instruções de Gaia, procurei pela saliência no sopé da montanha, uma rachadura grande o bastante para que eu conseguisse colocar meus dedos, como uma maçaneta. Puxei e a rocha se moveu, revelando uma passagem estreita.

Entrei e segui silenciosamente pelo túnel até finalmente avistar a luz do archote que Hefesto levava. Segui a certa distância de meu irmão, cuidadosamente escondida nas sombras. Caminhamos por um longo tempo, até chegarmos a um lugar que me surpreendeu. Devia haver lava, mas tudo o que eu via era um lago congelado. Sob o gelo, era possível ver um par de manoplas.

Hefesto parou e olhou em volta, como se procurasse por alguma coisa. Essa distração foi fatal, permitindo que uma criatura feita de rocha o derrubasse. Sufoquei um grito e desembainhei minha espada.

A criatura saltou sobre mim, que desviei pulando para trás. Aproveitei a brecha para atacar, mas minha espada mal arranhava sua carapaça rochosa. A criatura logo me prendeu com seus tentáculos. De repente um martelo atingiu a cabeça da criatura, acabando com ela. Caí de pé e corri novamente para as sombras.

Ouvi Hefesto chamar, mas o ignorei e continuei correndo. Ouvi seus passos atrás de mim, mas ele logo desistiu de me perseguir. Voltei pouco depois e o vi ajoelhado diante das manoplas, atento como se esperasse alguma coisa. 

Direcionei meu poder para ele, que colocou as mãos sobre o gelo. E então, como se a camada de gelo não existisse, Hefesto retirou as manoplas. Por um momento, tive certeza de ouvi-lo sussurrar meu nome.

No dia seguinte

Com a ajuda de Gaia, consegui penetrar sem ser vista na sala do conselho.

— É verdade, pai. — Hefesto insistia. — Lydia está viva. Foi ela quem me ajudou no Monte Vesúvio.

— Tem certeza? — Ares parecia um tanto eufórico. — Você a viu?

— Não, não vi. Mas era ela, Ares, tenho certeza. Eu pude sentir.

— Por mais que desejemos, Hefesto, todos vimos Gaia apunhalar sua irmã. — Zeus declarou com firmeza. — É impossível que ela tenha resistido a uma punhalada no coração.

— Pai, ainda existe esperança. — Atena objetou. — Não sabemos de tudo. Pode ter sido um ardil.

— Duvido muito, minha filha. Lydia não faria isso.

Ri baixinho, pensando no quanto meu pai realmente não me conhecia.

Fui para perto de Ares enquanto os outros discutiam. Ele inspirou profundamente e seus lábios se curvaram em um sorriso. Quando a reunião foi encerrada, Ares e Atena ficaram para trás.

— Você também acredita? — Ela perguntou, direta como sempre.

— Acredito. Antes ... Eu senti o perfume dela. Era Lydia, tenho certeza. Conheço aquele perfume bem demais para me enganar.

— Eu senti a presença dela. Era algo que não sentia há semanas. Mas ... Como convenceremos os outros?

— Receio que somente ela poderia fazer isso. A menos que …

— Ares, você está pensando no que acho que está pensando?

— E por que não? Quem faria isso melhor do que nós dois? Trabalhando juntos, podemos encontrá-la.

— Está bem, mas jure que não vai desistir.

— É claro que não, sua idiota. Eu jamais vou desistir.

Quando ele disse isso, seus olhos percorreram a sala. Por um breve momento pensei que ele estivesse olhando diretamente para mim. Essa ideia me fez sorrir.


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