Destinada escrita por Benihime


Capítulo 25
Capítulo XXIII




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No labirinto de livros, a sombra à minha frente parece se guiar muito bem, como se soubesse exatamente o que procura. De tempos em tempos ela se vira e olha se ainda a sigo. Continuo caminhando atrás dela pela biblioteca até chegarmos a um dos cantos mais distantes.

— Aqui. — Sua voz ressoa como sinos dos ventos, ecoando delicadamente no silêncio. — Aqui, Lydia.

Uma mão pálida com longos dedos tira discretamente um livro da estante, apenas o bastante para que eu veja a capa de couro com a árvore dourada gravada.

— Não se esqueça, princesa. Este é o verdadeiro.

Acordei de um pulo, sentando na cama, meu coração batendo descompassado. Somente Ares e eu sabíamos de meu interesse pelo pergaminho, e principalmente sobre a descoberta da falsificação. Eu jamais comentara nada com mais ninguém, por excesso de precaução, e confiava nele o bastante para saber que meu irmão não diria nada a ninguém. Pulei de pé, troquei de roupa o mais rápido que pude e corri para a biblioteca.

Eu lembrava perfeitamente o caminho que a mulher me mostrara, e me dirigi diretamente para lá. Foi difícil encontrar o livro certo, me tomou vários minutos de busca, mas afinal consegui. Quando fui puxá-lo da estante algo mais caiu, um pergaminho enrolado. A aura de poder ao redor do objeto não deixava dúvidas sobre o que era.

Minutos depois

— Posso saber o motivo de tudo isso, Lydia? — Héstia parecia estar achando graça — Por que tanto mistério?

— Preciso de ajuda e sinto que é em você que devo confiar.

Tirei o Pergaminho da Vitória do nicho onde eu o escondera e vi os olhos de minha tia se arregalarem de surpresa.

— Lydia …

— Por favor, tia. — Interrompi — Confie em mim. Eu não agiria dessa forma se não tivesse um bom motivo.

Por um longo momento seus olhos castanhos me encararam sem trégua, então ela assentiu.

— Eu a ajudarei — A Deusa do Fogo declarou. — Mas quero uma boa explicação, menina.

— Terá, tia Héstia. — Prometi — Assim que eu puder.

Ela me ajudou a abrir o pergaminho sobre a mesa de minha biblioteca particular. Surpresa, percebi apenas uma única linha negra que atravessava a folha. Inclinei-me para olhar mais de perto. De repente, o pergaminho sob minhas mãos se tornou tão quente que fui obrigada a me afastar. Héstia o segurou e li por sobre seu ombro.

Há éons na batalha perdido

Somente a legítima herdeira do Olimpo

Poderá encontrar

Sangue divino derramado

Há um porém, deve-se dizer

Para cada relíquia, um guardião a lhe defender

Trabalhar juntos, superar o passado

É a única forma de vencer

— Relíquias ... Relíquias ... — Repeti a palavra, tentando lembrar. Eu sentia algo conectado àquilo, uma memória. — Já ouvi alguma coisa sobre isso.

— Uma antiga lenda olimpiana — Héstia esclareceu — Zeus deve ter contado a você quando era criança.

— Não. Eu li ... Em algum lugar.

Inconscientemente meus pés me levaram à estante onde eu guardava os livros que mais lia. Encontrei a lombada negra que procurava e puxei o livro sem título. Não precisei procurar muito até encontrar a passagem que queria. Eu a li em voz alta, terminando numa interrogação.

— Sim. — Héstia respondeu — A lenda é real.

— Mas como saber o que estamos procurando? Quer dizer, se ninguém mais se lembra do que ou como são essas relíquias …

— É o Raio Mestre de Zeus.

— O que?! — Exclamei, surpresa. — Mas, tia, o Raio Mestre só foi tirado da bainha durante a Titanomaquia.

— Uma mentira inventada por seu pai. — Héstia revelou — Durante a primeira guerra, o Raio desapareceu. Roubado, acreditamos. Zeus ordenou que outro Raio Mestre fosse forjado, mas o segundo não chega nem a um décimo do poder do primeiro. Nós, os filhos de Cronos, juramos manter o mais absoluto segredo sobre essa história.

— É claro. — Concordei, bufando ironicamente. — Zeus não suportaria se descobrissem que alguém desafiou seu poder supremo.

— Exatamente. Meu irmão é orgulhoso demais para admitir que foi enganado. — Héstia suspirou, frustrada. — Enquanto isso, a arma mais poderosa já criada pelos deuses se encontra à solta no mundo.

Olhei mais atentamente para o pergaminho, ainda sem entender aquela curiosa linha negra. De repente lembrei-me de Atena, que desenhava mapas tão pequenos que caberiam em uma agulha de pinheiro, porém tão detalhados que podiam conter o mundo inteiro. Com uma lupa, examinei o pergaminho. Lá estava, era com certeza um mapa.

— Héstia, veja, é um mapa! — Exclamei, inclinando-me ainda mais. — E ele indica ... O Olympeum de Syracusa, no vale de Anapos.

— Um dos primeiros templos dedicados a Zeus. Não há limites para o orgulho desse homem?

— Creio que não, tia. — Respondi. — Mas a pergunta agora é: como conseguir a relíquia?

— Importa-se de eu dar uma olhada nesse livro? Pode ser que haja algo aí.

Entreguei-lhe o livro e Héstia se acomodou melhor na cadeira, lendo atentamente. Fiquei ao seu lado de modo a poder acompanhar a leitura. Quase no final, preso entre as páginas, havia um pedaço de pergaminho. Parecia ter sido escrito às pressas, e continha nada mais do que duas frases:

Não conte com isso. A Herdeira saberá o que fazer quando a hora chegar.

— A Herdeira ... — Héstia repetiu baixinho — Somente a legítima herdeira do Olimpo ... Não pode ser coincidência.

— Pode, é claro. — Discordei. — Esse tipo de coisa acontece. Além do mais, nem estão relacionadas.

— Repare na escrita, Lydia. — Ela colocou o pergaminho ao lado do texto com a profecia. — Claro, a letra no bilhete parece diferente porque foi escrita com pressa, mas o traçado é com certeza o mesmo. Escrita cursiva. Muito poucos ainda escrevem assim.

— Por que?

— Porque esse tipo de escrita é como um cartão de visitas. É pessoal. Cada um escreve de uma forma, e mesmo as melhores imitações não são fiéis. — Ela esboçou um sorriso para mim — Então posso dizer com certeza que o bilhete e a profecia foram escritos pela mesma pessoa.

Isso clareava as coisas. A herdeira do Olimpo ... A sucessora favorita ao trono ... Aquela a quem a coroa seria passada ... Ou seja, eu.

Uma hora depois

— Absolutamente não! — Zeus vociferou — É loucura, Lydia!

— Pai, deixe-a terminar. — Atena interveio. — Minha irmã tem razão. Se algo pode ser feito para deter Cronos antes que a guerra comece, devemos tentar.

— Você é ainda mais capacitada. — Ele objetou. — Pode assumir a missão.

— Eu falharia. — A loira discordou calmamente. — Lydia é sua sucessora, ela carrega a marca do Olimpo.

Um murmúrio agitado percorreu a sala do Conselho. Eu me virei de modo que todos vissem minhas costas, que meu vestido deixava propositalmente nuas, e afastei os cabelos, deixando à mostra o símbolo do Olimpo feito na região entre as omoplatas.

— Não cabia a você decidir, Zeus. — Hades manifestou-se. — O Conselho deveria ter sido consultado.

— Não vejo motivo. Lydia é a escolha óbvia. E ela aceitou o fardo por livre vontade.

— Já chega. — Interrompi, antes que Hades pudesse responder. — Meu pai foi impulsivo. Resolvamos isso agora. Estou disposta a me submeter à decisão do Conselho.

Alguma ideia de como conseguir o Raio? Gaia inquiriu telepaticamente.

Algumas Admiti Mudam de acordo com minhas conjecturas.

Faça o que quiser, mas não vá sozinha.

Seu tom sombrio me deixou tensa. Comecei a cogitar possíveis parceiros. Ares foi minha primeira opção, depois Atena, mas decidi por uma parceria ainda melhor.

Confie em mim. Pedi, ao sentir sua surpresa com minha decisão. Eles só saberão depois que tudo acabar.

Lydia, eu não sei …

Por favor Insisti Por mim.

Está bem. Ela cedeu, embora ainda relutante. Por você.

A votação foi encerrada e Zeus levantou-se para proferir o veredicto, o que silenciou minha conversa mental com Gaia. Fui aprovada por maioria, o que não me surpreendeu. Eu era, como Gaia adorava dizer quando zombava de mim, a garotinha de ouro do Olimpo.

— Ainda assim, Lydia, não acho que você deva ir sozinha. — Meu pai declarou. — É perigoso demais.

— Está bem. — Cedi. — Atena?

— Lydia, pense bem. — Ares objetou. — Atena é uma excelente guerreira, não nego, mas jamais poderá protegê-la como eu posso. Deixe-me ir com você.

— Não dessa vez, Ares. — Foi minha resposta, embora seu pronto oferecimento de estar ao meu lado tivesse definitivamente me agradado. Talvez mais do que eu quisesse admitir.

Segundos depois

Olhei em volta. Era noite, mas a lua estava clara o bastante para que eu conseguisse enxergar.

— Aqui é o mais perto que podemos chegar. Teremos que ir andando ao Olympeum. — Atena disse, arrancando-me do devaneio. — Uns cinco minutos de caminhada, se não me engano.

— Então é melhor nos apressarmos. Vou pedir a Gaia que nos encontre lá.

— Gaia? — Minha irmã repetiu, irritada — E você realmente confia nela?

— Com a minha vida. — Respondi sem hesitar — Por favor, Tena. Ela mudou. Dê-lhe uma chance. Por mim.

Atena não respondeu, apenas se pôs a caminhar. Quando chegamos ao templo, Gaia já nos esperava.

— O lugar perfeito para um ataque surpresa. — Atena comentou.

— Está sentindo isso? — Perguntei à Gaia. Ela assentiu. Virei-me para minha irmã. — Atena, fique na parte elevada do terreno para o caso de um ataque surpresa. Gaia e eu pegamos o Raio.

Ela simplesmente virou as costas para mim e assumiu sua posição, atenta. Eu sabia que Atena estava furiosa por eu ter escolhido Gaia para me acompanhar. Provavelmente me diria algo sobre aquilo depois, quando pudéssemos conversar a sós.

Gaia e eu fomos até o altar quase completamente destruído pelo tempo. Imaginei como faria para conseguir o raio, quase desistindo de tão frustrada, até finalmente me lembrar das palavras exatas da profecia.

— Sangue divino derramado — Sussurrei, finalmente compreendendo.

Como o bilhete dissera, eu sabia como agir. Fiz um pequeno corte na palma de minha mão, deixando que meu sangue pingasse sobre o antigo altar. Uma prece grega saiu de meus lábios, em tons guturais que eu nem sabia ser capaz de produzir. Trovões ribombaram. O vento passou a soprar com força. Relâmpagos rasgaram o ar. O cheiro de eletricidade ficou tão forte que parecia invadir o mundo todo.

Ergui a mão que anteriormente cortara e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, aparei um raio que caía. Para minha surpresa, ele tomou a forma de uma lança. 

Olhei para Gaia, que me fitava com um misto de orgulho e surpresa, e sorri. Ela retribuiu o gesto, porém subitamente ficou séria, seus olhos atentos a algo atrás de mim.

— Lydia, cuidado!

De repente, uma enorme fenda na terra se abriu, exatamente sob meus pés. Pulei para o lado, porém não foi o bastante, pois perdi o equilíbrio. Consegui me segurar em uma raiz protuberante, mas sabia que não aguentaria por muito tempo. Precisava dar um jeito de subir, e rápido.

Antes que eu pudesse reunir concentração suficiente para manipular o ar e saltar para o chão firme, senti as mãos delicadas de Gaia fechando-se ao redor de meu pulso com força surpreendente.

— Gaia, me solte. — Ordenei. — Solte, ou vai cair também. Não consigo sustentar nós duas.

— Se você cair, eu cairei também. — Ela respondeu. — E, além do mais, eu consigo.

Fiquei surpresa ao ver algo cintilar, uma corrente prateada que unia nossos pulsos. Era delicada, fina como uma teia de aranha, mas tinha o brilho misterioso de uma estrela no céu noturno.

Gaia me puxou para cima com facilidade, me surpreendendo tanto que levei um momento para perceber que ela usara o domínio do ar para tal feito. Em seguida, com um único gesto, fechou a colossal fenda, que sumiu sem deixar traços de sua existência.

— O Raio! — Exclamei. — Onde ele está?!

— Aqui, irmãzinha. — Atena respondeu, juntando-se a nós sem que eu sequer percebesse. — Não se preocupe, eu o peguei.

Me permiti um suspiro de alívio. Acabou, pensei. Pelo menos por enquanto, acabou.

Duas horas depois

Todos se reuniram, ansiosos pelo meu relato. Estávamos acomodados em uma sala do palácio de Zeus, em frente a uma lareira crepitante. Zeus estava ao meu lado e parecia que a qualquer momento ia explodir de orgulho. Logo cheguei à parte em que Gaia me salvara, na qual ninguém acreditou.

— É verdade. — Atena ratificou. — Gaia salvou Lydia e, honestamente, não foi a primeira vez.

— E tenho a impressão de que não será a última. — Acrescentei, meio de brincadeira.

Olhei para Gaia. Por insistência minha, papai não se opusera a que eu a convidasse, mas ela preferira manter-se longe do resto de nós. Provavelmente porque sabia que, exceto eu, nossa família a odiava.

— Talvez ... Tenhamos sido injustos com ela todo esse tempo. — Minha mãe sugeriu em voz baixa. — Talvez ela mereça uma segunda chance, afinal.

— Ela tentou nos destruir. — Zeus lembrou. — Mais de uma vez.

— Pessoas mudam. — Hera rebateu.

— Pessoas. Não monstros.

— Pai! — Protestei, zangada. — Gaia não é um monstro. Poucos teriam me ajudado como ela o fez.

— Como ela o fez? — Meu pai repetiu, erguendo uma sobrancelha para mim.

— Sem interesses. — Esclareci. — Eu a odiava e mesmo assim ela me ajudou. Salvou minha vida mesmo sabendo que isso a deixaria vulnerável. E hoje, estava disposta a se sacrificar por mim. Quantos olimpianos fariam isso?

— Sinto muito, princesa. — Zeus declarou. — Tê-la salvado é uma dívida que jamais poderei pagar mas, infelizmente, minha opinião continua a mesma.

Lancei-lhe um olhar irritado e me afastei antes que dissesse algo de que pudesse me arrepender.

Discretamente, juntei-me a Gaia em uma das sacadas. A noite estava fria, com vento forte, e o cheiro de alecrim pairava no ar. Sem pensar, passei um braço pelos ombros dela. A Mãe-Terra pareceu surpresa por um momento, mas logo relaxou, e ficamos um longo tempo em silêncio.

— O que foi aquilo? — Indaguei. — Por que conjurou aquelas correntes?

— Eu jamais poderia conjugá-las. Nem ninguém, na verdade. É uma magia arcana. São conjuradas pela lealdade. — Ela silenciou por um longo momento, seus olhos perdidos na noite. — Lydia ... Quando eu lhe disse para usar magia, você a direcionou para mim ao invés de usá-la em si mesma. Eu queria saber por que.

— Por Ares. — Respondi antes de dar a mim mesma sequer uma chance de pensar. — Nós ... Sempre conseguimos voltar um para o outro, independentemente do que aconteça. Já você ... Eu não sabia se encontraria algo pelo qual valesse a pena voltar.

— Teria se sacrificado ... Por mim?

— Não entendo a surpresa. — Rebati. — Você faria o mesmo por mim.

— Porque você vale a pena. Já eu ... Nem tanto.

— Pois eu digo que sim. — Rebati de imediato. — Você é melhor do que muitas pessoas que conheço, apesar dos erros que cometeu.

Nesse momento, minha mãe apareceu, parando na passagem que levava à varanda. Parecia hesitar.

— Gaia, podemos conversar? — Ela perguntou gentilmente.

Gaia obviamente ficou sem reação ante aquela pergunta.

— Vou deixá-las a sós. — Anunciei. — Qualquer coisa, Gaia, estarei por perto.

Depois disso, voltei para dentro e me sentei em uma das poltronas mais perto do fogo. Contemplei as chamas, perguntando-me qual desafio viria a seguir.

— Lydia, você está bem? — Alguém perguntou, sobressaltando-me.

Era Héstia. Ela sentou-se de frente para mim, me olhando com preocupação.

— Estou. — Respondi — Só ... Pensando no futuro.

— É inútil se preocupar com o futuro. — Minha tia lembrou gentilmente. — Você só pode esperar e ter coragem para enfrentar o que vier. Em uma guerra, tudo de que precisa é de um motivo, algo em que acredite tão firmemente que lhe dê forças para enfrentar todo o horror. Qual é o seu motivo, Lydia?

Por um momento cogitei a ideia de mentir, mas algo me deteve. Eu não queria contar a verdade, que lutava apenas porque sabia que era o certo a ser feito.

De repente, os rostos de meus pais adotivos surgiram em minha mente, seguidos por Elena, Ares e os outros olimpianos. Foi então que percebi algo que sempre estivera ali. Eu não lutava por dever. Era por eles. Sempre havia sido.


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