Destinada escrita por Benihime


Capítulo 20
Capítulo XVIII




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Lydia

Minha cabeça girava e doía. Era como estar em um redemoinho e levar pancadas de uma bigorna de aço ao mesmo tempo.

— Hécate, o que aconteceu? — Inquiri. — O feitiço funcionou?

— Creio que sim. — Ela respondeu. — Exceto pelas vozes. Pode me explicar o que, em nome do Tártaro, foi isso?

— Vozes? Do que você está falando, Hécate?

— Você não se lembra?

Ela pareceu surpresa, seus olhos castanhos me fitando com preocupação. Forcei um pouco a memória e consegui lembrar de algo, um sussurro insidioso, dizendo coisas que eu não queria ouvir. Estremeci de puro medo.

— Não. — Menti, assustada — A última coisa de que me lembro é de estar vendo Edellyn pelo espelho. Sei onde ela está, ou pelo menos acho que sim.

— Logo depois disso você disse que estava ouvindo vozes. — Hécate insistiu, embora seu tom fosse da mais absoluta gentileza. — Gritava para elas se calarem.

— Efeito do feitiço, talvez. — Arrisquei. —  Você uma vez me disse que isso pode acontecer.

— Não. — Foi sua resposta. — Só acontece em quem não tem nenhuma experiência ou controle. Você tem ambos. O que aconteceu aqui foi ... Outra coisa.

— Um feitiço, talvez?

— Talvez. — A Deusa da Magia concordou pensativamente. — Você me permitiria tentar descobrir?

— É claro.

— Então venha cá.

Hécate me guiou gentilmente até um pequeno altar de pedra onde uma bacia redonda cheia de óleo repousava ao lado de um cálice com água.

— Essa cerimônia pode determinar se você está sob o efeito de algum feitiço. Mas precisa se submeter a ela de livre e espontânea vontade.

Assenti em concordância. Num segundo as velas foram acesas com um gesto de sua mão e em seguida Hécate pegou um grimório de aparência muito antiga.

— Agora, Lydia, repita depois de mim. Está bem? — Assenti para indicar que compreendera. — Caligo in infinitum, manifestum est super me madictionem dimisit.

Repeti obedientemente e logo uma névoa sutil desceu sobre nós, envolvendo-nos. Hécate fez sinal para que eu estendesse minha mão e assim o fiz. Ela abriu um pequeno corte logo abaixo do polegar e  verteu as gotas de icor sobre o cálice.

— Tam effusus super aquas meas, et liberet me de tenebris fudit malo.

Repeti suas palavras mais uma vez e, com um dedo molhado na água do cálice, ela traçou uma runa em minha testa e me entregou uma vela, sinalizando em direção à tigela com óleo.

— Ignis ardens super oleum, et lux in tebris lucet.

Labaredas se ergueram e logo se apagaram. Hécate me olhou, preocupada, assentindo para indicar que a cerimônia acabara.

— Funcionou? — Eu quis saber.

— Serviu a seu propósito. — Foi a resposta. — O fogo só queimou por um segundo. Se você estivesse sob efeito de algum feitiço maligno, o fogo a purificaria.

— Envolvida em espirais de fogo que não a ferem, livrando da escuridão e permitindo que a luz novamente reinasse ... — Lembrei-me, repetindo a citação que ouvira da própria Hécate anos antes.

— Exatamente. Ignis purgationem. A Purgação pelo Fogo. Ou, como é mais conhecida, a Redenção Ardente.

— Existe mais alguma coisa que pode ter causado isso? Venenos, poções ... ?

— Não que eu saiba, Lidy.

— Ah, meus deuses, Hécate! — Exclamei. — Será que estou ficando louca?

— Não creio, Lydia. — A Deusa da Magia declarou gentilmente. — Isso é o que querem que você pense. Tem alguém tentando atingi-la, quebrá-la de dentro para fora.

— Como resisto a isso?

— Sendo forte. — Ela disse simplesmente. — Até descobrirmos o encanto ... Ou poção ... Que foi usado, não há como reverter os efeitos. Sinto muito, Lydia. De verdade. Se eu pudesse aliviar seu fardo de algum modo, eu o faria. 

— Tudo bem — Forcei um sorriso — Eu posso aguentar.

— Não fique sozinha — Hécate recomendou. — Evite isso ao máximo, entendeu? Se ficar sozinha, o ataque pode ser mais intenso.

Mesmo tendo concordado com suas palavras, eu não conseguia parar de pensar na hipótese. Havia uma lenda, um rumor. Aquilo já acontecera antes. Será que eu estava mesmo enfeitiçada ou simplesmente enlouquecendo?

Nyx

Eu podia sentir o desespero de Lydia. Ela estava começando a duvidar de si mesma, questionar sua sanidade. Seria apenas mais um passo até que desistisse de tudo. Não demoraria muito. Balancei a cabeça, desapontada. Fora muito mais fácil do que eu tinha imaginado.

— Eu esperava mais, princesa. — Sussurrei para mim mesma — Onde está sua força agora?

Eu não podia negar que estava me divertindo ao saborear sua incerteza. Era só uma questão de tempo até que sua mente sucumbisse e ela se juntasse a nós.

Dois dias depois

Ártemis

Paramos ao nos deparar com a ponte de gelo, tão estreita que mal havia espaço para colocar um pé na frente do outro.

— Essa ponte não aguenta mais de uma pessoa. — Lydia declarou o óbvio. — Eu vou primeiro.

— É perigoso.

— Tudo bem. — Minha irmã assegurou com um sorriso. — Se algo acontecer, posso manipular o ar e voar até um lugar seguro.

— Ainda assim não gosto disso.

Ela apertou levemente minha mão antes de soltá-la e caminhar sem hesitação para a passagem. Atravessou sem olhar para baixo, mantendo os olhos no fim do caminho. Ao chegar do outro lado, pareceu ver algo que a surpreendeu.

— Fique aí. — Ordenou. — Eu vou descer.

Apenas assenti, porque sabia que não havia outra coisa que pudesse fazer, e ela pulou no vazio.

Não pude evitar dar mais um passo, ficando perigosamente próxima da beira escorregadia do abismo. Pude ver Lydia de relance quando ela se moveu, mas estava escuro demais para discernir qualquer outra coisa além de sua silhueta.

Lydia

Os símbolos gravados na rocha não deixavam dúvidas. Passei a mão, limpando mais um pouco da neve. Com certeza, aquilo era enoquiano. Mordi o lábio, tentando traduzir, mas aquela língua não era meu forte.

Atena. Chamei Venha cá. Eu achei algo.

O que você achou? A loira indagou, curiosa. Mostrei-lhe uma imagem mental das inscrições, e ela riu. Eu te disse que você deveria prestar atenção nas minhas lições.

Vai ficar aí toda convencida ou vai me ajudar?

Calma. Já estou indo.

Um segundo depois ela estava ao meu lado. Lancei-lhe um olhar furioso.

— Estou uma fera com você.

— Ajudaria se eu pedisse desculpas?

— Um pouco. — Repliquei. — Vou dar uma olhada mais à frente. Com a nevasca de ontem, nunca se sabe.

Atena assentiu, já concentrando-se nos símbolos.

Ártemis

Quase imperceptivelmente, minha irmã fez sinal para que eu a seguisse. Obedeci, passando cuidadosamente pela ponte de gelo. Caminhamos em silêncio até uma formação rochosa. Assim que nos vimos escondidas ali, Lydia virou-se para mim, seus olhos escuros como eu nunca vira e sua expressão ainda mais sombria.

— Tem algo errado. — Percebi. — O que é?

— Suspeito que Zeus esteja envolvido na conspiração de Cronos.

— E o que pretende fazer?

— Aí é que está. — Sua frustração era óbvia. — Não posso agir abertamente. Ele não faz ideia de minhas suspeitas.

— Então não vai fazer nada? — Inquiri. — Vai simplesmente deixá-lo agir?

— Claro que não. Eu tenho um plano. Mas, para isso, preciso ter todo o Olimpo do meu lado. Seria arriscado demais de qualquer outra forma.

— Lydia, eu acho que você está exagerando. Não faz sentido. Foi Zeus quem derrotou Cronos em primeiro lugar.

— Ártemis, tem alguma coisa errada nele. — Minha irmã insistiu. — Posso sentir.

— Sem chance, Lidy. Nosso pai não é assim.

Vi nos olhos dela que Lydia acreditava piamente no que dizia, porém, antes que minha irmã pudesse dizer mais alguma coisa, ela parou e olhou em volta como se ouvisse algo no vento, então enrijeceu completamente.

— O que foi?

— Feche os olhos e venha comigo. — Lidy ordenou. — Não faça barulho.

Obedeci. Lydia pegou minha mão, guiando-me pela neve. Ficou mais escuro de repente, e isso me assustou.

— Pode abrir os olhos agora.

Abri os olhos e vi sombras negras movendo-se rapidamente pela neve. Estávamos escondidas em uma caverna rasa, quase invisível. A salvo, mesmo que momentaneamente.

— Transfiguradores! — Lydia exclamou, alarmada. — Nunca vi tantos deles juntos. É um péssimo sinal.

Transfiguradores eram figuras feitas de sombras que podiam ler nossos piores medos e usá-los contra nós. Olhar nos olhos de um Transfigurador o tornava um fantoche de sua própria mente, presa de seus próprios medos.

— Precisamos voltar. — Declarei — Eles nos encontrarão se ficarmos aqui.

— Acha que consegue correr de olhos fechados?

— Se você me mostrar o caminho, serei rápida o bastante.

— Boa ideia. Pronta?

Fechei os olhos com força e assenti. Podia ver o caminho claramente através dos olhos da minha irmã. Ela tomou uma rota circular, e a única forma de voltar ao acampamento era atravessar o abismo.

De repente, ela não me mostrava mais o caminho. Senti seu braço firme em minha cintura, o ar passou zunindo por nós e um breve baque indicou que havia terra firme sob nossos pés novamente.

— Pode abrir os olhos. — Lydia disse baixinho. — Estamos seguras agora.

Abri os olhos e vi que ela estava certa. Havíamos atravessado o abismo. Caminhamos rápido e não demoramos a chegar a nosso acampamento. A salvo, pelo menos dessa vez.


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