Destinada escrita por Benihime


Capítulo 11
Capítulo IX




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Querido diário,

 Até algum tempo atrás, Ares e eu estávamos bem. Brigávamos por bobagens, claro, mas sempre fazíamos as pazes e acabávamos rindo das brigas. Por algum motivo, depois daquela noite em que ele confessou estar apaixonado por mim, tudo mudou. Na verdade, ele mudou. Está mais distante, mais frio. Eu gostaria que ele me contasse o que há de errado, mas ele não fala comigo.

Só o que temos feito nas últimas cinco ou seis semanas é brigar, brigar e brigar. Não como as brigas de antes, nas quais apenas nos irritamos um ao outro. Essas novas brigas são violentas e sempre acabam em mágoa, que só vai ficando cada vez maior.

Tenho medo de que, se isso continuar, não conseguiremos mais superar os danos. Se ao menos eu pudesse dar um jeito nisso ... Se ele me desse uma chance …

Ares sentou-se ao meu lado, fazendo com que eu pulasse de susto. Eu havia encontrado um canto sossegado para escrever, na esperança de não ser perturbada, mas, é claro, nunca funcionava, por mais que eu me escondesse. Ele parecia ter um sexto sentido para me encontrar.

— Tudo bem, morena?

Eu quase sorri com aquele apelido bobo, mas estava com tanta raiva que me obriguei a ficar calada e não olhar para ele.

— O que foi? Vai ficar emburrada pelo que eu disse? — Apesar de não estar olhando eu quase podia ver sua expressão, algo entre petulância e confusão. — Qual é, Lydia, nós sempre brigamos. Sempre foi assim.

— Isso não vai dar certo, sabia? — Não pude evitar que as palavras saíssem. — Você e eu. Acho melhor não insistirmos em algo que claramente não é para ser.

— É o que você diz. Eu não penso assim.

— Se quisesse tanto assim estar comigo não teria me evitado como a praga nas últimas semanas.

— Quer que andemos colados? Pelos deuses, Lids, eu …

— Já chega! — Eu o interrompi com firmeza — Toda vez que nos vemos, acabamos brigando. É só o que sabemos fazer. Não vou perder meu tempo em outra discussão que não vai dar em nada.

— Vamos fazer assim: eu te dou o tempo que precisar para pensar e depois conversamos. — Meu irmão sugeriu. — Se ainda pensar que é melhor não insistirmos, vou respeitar sua vontade, eu prometo.

Pensei por um momento. Ares estava sendo conciliatório, então talvez eu devesse dar uma chance, mesmo que soubesse que acabaria me arrependendo, caso contrário não estaria sendo justa.

— Está bem, Ares. — Foi minha resposta. — Façamos do seu jeito.

Ares

Três dias depois

Tomei mais um gole de uísque. De tão bêbado, já nem conseguia pensar direito. A única coisa que continuava clara em minha mente era Lydia dizendo que não queria insistir em algo que "não era para ser". Entornei o resto do copo, com a certeza de que jamais compreenderia aquela mulher. Criatura mais irritantemente impossível jamais existira.

— Já chega, Ares. — Afrodite ordenou. — Você já bebeu demais.

— Nem pensar! — Protestei. — Ainda consigo lembrar de Lydia.

— Então esse é o plano? — A Deusa do Amor desafiou. — Vai beber até esquecê-la?

— Ou até desmaiar, o que vier primeiro.

Ela tentou tirar o copo de minhas mãos, mas fui mais rápido e me esquivei. Deu pra ver a raiva dela com aquilo, o que imediatamente trouxe à minha lembrança a imagem de Lydia e do quanto ela ficava bonita quando zangada.

Ah, droga, pensei. Seu idiota. Pare de pensar nela!

— Nunca vai conseguir esquecer, e sabe disso. — Afrodite declarou com uma ponta de petulância na voz.

— O que não significa que eu vá parar de tentar.

— Seu teimoso! — A Deusa do Amor repreendeu. — Mas por que quer esquecê-la, Ares? Pensei que realmente gostasse dela.

— Gosto. — Admiti — Lydia é um demônio ... Mas gosto dela mesmo assim. Talvez exatamente por causa disso. Ela tem coragem, força, o que a maioria das mulheres não tem. Sem ofensas, Afrodite. Mas continua sendo a mulher mais irritante que já conheci, por isso que eu a odeio.

— Não me ofendi. — Afrodite deu uma risadinha. — Mas só isso não vale. Me dê um motivo sólido para odiá-la.

— Ela simplesmente quis “dar um tempo”. Do nada, sem motivo nenhum.

Isso a fez rir baixinho, o que me deu vontade de discutir com Afrodite também. Ela sabia ser bem irritante. Claro, não tanto quanto uma certa outra morena que eu conhecia. Ninguém conseguia ser mais irritante do que Lydia.

Ah, caramba! Pensei, tomando mais um longo gole de uísque. Se controle, desgraçado.

— Eu te conheço melhor do que você mesmo, Ares. — Era verdade. Afrodite realmente me conhecia muito bem, talvez melhor do que qualquer um. Exceto Lydia, é claro. — Se realmente a quisesse, encontraria um jeito de vencer a teimosia dela. O que te impede agora?

— Lydia é uma mulher incrível. — Declarei. — Ela merece alguém muito melhor do que eu.

— Então mude. Torne-se o homem que ela merece. — Ela suspirou e um sorriso tocou seus lábios. Parecia estar pensando em algo agradável. — Ares, meu bem, isso é amor de verdade. Do tipo que só acontece uma vez na vida. A recompensa vale o esforço, eu garanto.

Ri comigo mesmo. Afrodite e sua mania de romantizar tudo. Antes que eu pudesse protestar e dizer que ela estava enganada, me lembrei do sorriso de Lydia, da risada dela, daqueles olhos azul-esverdeados …

Ah, merda! pensei novamente, ao perceber que, pelo menos uma vez, aquela maluquinha romântica acertara em cheio. Pior ainda, ela percebera antes que eu mesmo me desse conta do que realmente sentia.

— O que devo fazer?

Ela sorriu ao ouvir minha pergunta, como se já estivesse esperando que eu perguntasse.

— Lute por ela, Ares. Não estou dizendo que vai ser fácil, mas com certeza vai valer a pena no final.

Lydia

Uma semana depois 

Lydia,

Em primeiro lugar: você tem razão. Sempre teve. Sou mesmo um grande imbecil por magoar você. Tudo o que quero é que me dê uma segunda chance e, se necessário, não hesitaria em ajoelhar-me aos seus pés  e implorar seu perdão, se você me ouvisse.

Pare de fugir, princesa. Se quiser conversar, estarei esperando por você no roseiral ao anoitecer.

Ao terminar de ler o bilhete, senti as lágrimas arderem em meus olhos. Num impulso, abri meu diário e folheei até encontrar o que queria: uma foto minha e de Ares. 

Provavelmente aquela era a melhor foto de nós dois. Estávamos meio bêbados, rindo, e ele tinha um braço em volta de minha cintura, enquanto eu passara um braço por seu pescoço. Parecíamos tão felizes juntos que meu coração doeu de saudade.

Olhei para a foto até que as lágrimas não me deixaram enxergar mais nada e então decidi que deveria dar uma chance a ele. Eu não tinha outra opção. Por mais que tentasse resistir, sabia que um dia iria ceder e acabar nos braços de Ares. Ele era irresistível, e tão errado. Errado o bastante para fazer parecer certo.

Ares

Sentei-me no roseiral, esperando Lydia aparecer. Afrodite havia prometido que ela apareceria, e eu decidi confiar em sua palavra. 

Não muito depois, ouvi passos atrás de mim e mãos delicadas cobriram meus olhos. Para minha surpresa, me vi incapaz de conter um sorriso.

— Até que enfim, morena.

As mãos deixaram meus olhos, permitindo-me ver Éris parada à minha frente com um sorriso malicioso. Senti vontade de dar um ou dois socos, mas me controlei. Uma das minhas regras principais era nunca bater em uma mulher. Só em Lydia, claro, mas isso era outra história.

— Sinto muito, lindinho, mas sou apenas eu. — A Deusa da Discórdia ronronou.

— Vá embora, então. Não quero nada com você.

Ela ergueu as duas mãos em sinal de rendição, mas depois, rápida como a víbora que realmente era, inclinou-se e me beijou. Ouvi um arquejo e em seguida passos apressados que se afastavam. Meu sangue gelou nas veias. Lydia nos vira.

— Sabe, Ares, você devia pensar em arrumar uma namorada mais durona. Eu, por exemplo.

Eu a empurrei e pulei de pé. Mal desperdicei um olhar na direção de Éris antes de sair correndo atrás de Lydia. Não demorei a alcançá-la e segurei seu pulso, mas ela me deu um choque tão forte que não consegui tocá-la por mais do que um segundo.

Lydia

As lágrimas queimavam em meus olhos. A dor era tanta que eu sentia estar sendo rasgada de dentro para fora. Não podia acreditar que ele fizera aquilo. Foi aquela dor que me fez perceber o quanto, apesar de minhas reservas, eu já estava envolvida.

Se afaste, Lydia, minha mente avisava. Enquanto há tempo, antes que saia ainda mais ferida dessa história.

— Deixe-me em paz! — Gritei, ao sentir sua presença atrás de mim. — Por um momento, pensei ... Pensei que você não fosse esse total idiota, cafajeste, mentiroso que sei que você é!

A raiva que eu sentia aumentou ainda mais quando ouvi o tremor em minha voz e percebi que algumas lágrimas teimavam em cair, deixando óbvio para ele o quanto eu estava magoada.

Ares

— Eu vou te matar, seu ... !

Aqui ela perdeu o controle e começou a praguejar em grego, sinal de que estava fora de si, furiosa o bastante para fazer qualquer loucura.

— Lydia, calma. Pelo menos me deixe explicar. Não é o que você pensa, eu juro.

Ela rosnou, um som grave, ameaçador e animalesco. Eu adorei. A ironia de ela ainda conseguir ser a mulher mais sensual que eu já conhecera mesmo num momento como aquele quase foi grande o bastante para me fazer rir.

Lydia se aproveitou da minha distração e, rápida como ela só, me aplicou uma chave de braço. Para mostrar a ela que estava falando sério, nem tentei lutar. Simplesmente deixei que ela aplicasse o golpe, e ela se afastou justamente quando minha garganta começou a doer.

— Isso não foi nada. — Seu tom fervia de ódio — Fique longe de mim, Ares, ou vai acabar se machucando.

Fiquei observando ela se afastar com passos rápidos, de cabeça erguida. Seu longo cabelo negro, preso em uma trança, ondulava em suas costas. Sua postura emanava arrogância, pedindo para ser domada. Linda, majestosa, sexy ... E tão irritante.

— Um dia, morena. Um dia ... — Resmunguei comigo mesmo. — Sua mulherzinha insuportável.

Matá-la ou beijá-la, pensei. O ditado quase me fez rir. Com certeza um beijo seria a opção mais tentadora. Muito, muito tentadora.

Lydia

Cansada, saí do campo de treinamento e sentei-me sob uma árvore, de onde podia observar minha família lutando.

— Oi. — Uma voz conhecida disse.

— Vá encontrar outra pessoa para perturbar.

Para minha surpresa, Éris não se deixou intimidar e desabou na grama perto de mim, recostada no tronco da mesma árvore.

— Dessa vez eu vim em paz. — Ela declarou. — É sobre Ares. Fiquei sabendo que decidiu dar um tempo.

— E resolveu vir cantar vitória? Ou simplesmente ver se o caminho está livre?

— Por mais tentador que seja ... Não. Vim dizer a verdade. A culpa de tudo foi minha. Eu o beijei. Ele foi atrás de você sem parar para pensar. — Éris olhou para baixo e pensei ver uma lágrima rolar por seu rosto. — Lydia, eu ... Sou apaixonada por ele. Sempre fui. A pior parte é que Ares sabe disso e não dá a mínima. Ele gosta de outra pessoa. De você. Sempre foi você, Lydia.

— Dói, não é?

Não pude evitar aquela pequena alfinetada, porém ela pareceu nem perceber.

— Como o inferno. — A Deusa da Discórdia concordou. — É por isso que sei como você se sente. Se quer saber, é melhor se afastar dele. Fale com Zeus, suma por uns tempos. Vai ser bom para você.

Aquela ideia se acomodou em minha mente e imediatamente, quase sem perceber, comecei a pesar os prós e contras da sugestão. Os prós ganhavam de lavada.

— Sabe de uma coisa, Éris? Isso pode acabar sendo bom. Vou falar com ele agora mesmo.

Procurando por Zeus, me permiti ser distraída por uma borboleta azul que voava entre alguns lírios. Parei para observar o pequeno inseto e quase morri de susto quando percebi que havia alguém ao meu lado. Hera tentou ficar séria, mas os cantos de seus lábios se ergueram em um sorriso delator.

— Desculpe, filha. Eu não quis assustá-la.

— Tudo bem. Eu estava distraída.

— Pensando em Ares, suponho.

— Na verdade, sim. Éris me disse algumas coisas …

— Cuidado, querida. — Minha mãe advertiu. — Como ex-namorada dele, temo que ela …

— Calma aí! — Interrompi, surpresa. — Ex-namorada?

— Pensei que você  já soubesse. Os dois namoraram por algum tempo, muitos anos atrás. Algo muito breve, até onde sei. Pode-se dizer que foi ... Um romance adolescente.

— Ainda assim ... Namorada?

— Pode não significar nada. Eu só achei que os dois poderiam ... Estar juntos nessa. Só fiquei preocupada com você.

— Tipo ... Ares planejou isso para ficar comigo? Foi isso que quis dizer, mãe? Porque, se for, não precisa ser sutil. Diga.

— Não exatamente. Mas talvez Éris tenha planejado isso para afastar você e ter o campo livre.

— Sem chance. Não é dela que Ares gosta. Ele não cairia nesse joguinho.

— Se é o que você pensa ... Não muito longe daqui há uma clareira. Não dá para errar, há uma macieira enorme com um buraco no tronco. Vá até lá daqui a uma hora. Só não me culpe se não gostar do que vir.

Depois de dizer isso, minha mãe me deixou a sós. Não fiquei mais do que alguns segundos ali e então saí correndo, com apenas uma coisa em mente.

Uma hora depois

Espreitei por entre os ramos das árvores, sabendo que não seria vista por ninguém. Apenas Ares estava ali, sentado em um tronco caído. Eu estava prestes a pular daquele galho e ir falar com ele quando Éris apareceu na clareira. Seu semblante era preocupado e os dois sentaram lado a lado.

Não é nada, pensei, os dois já namoraram, é normal que permaneçam amigos. Mesmo que ela seja uma vadia.

Tentei controlar o ciúme e consegui me conter, pelo menos até ver o parzinho lá embaixo se abraçar. Não precisei ouvir muito mais para concluir que havia algo entre eles.

Lágrimas queimaram em meus olhos. Pulei do galho da árvore onde estava sentada e corri para longe dos dois, sem conseguir acreditar na minha ingenuidade.

Querido diário,

 As coisas estão se ajeitando novamente. Falei com papai e ele concordou que eu passe algum tempo longe. Parto pela manhã, de volta para a Estíria. Vai ser melhor do que ficar aqui, quando tudo em que consigo pensar é neles.

Jamais vou esquecer o olhar de Éris quando ela disse que eu deveria me afastar. Está na cara que foi tudo uma tramoia dela para me ver fora do caminho. Talvez Ares tenha conhecimento do que ela fez, talvez não, mas o envolvimento entre eles eu pude comprovar com meus próprios olhos.

Não acredito que quase caí nessa. Pior: não acredito que quase perdoei Ares quando ele claramente não merece.

Minha ingenuidade me surpreende. Ser enganada duas vezes pelo mesmo tipo de homem, ainda mais sabendo do cafajeste em que meu irmão se tornou ...

Tola, cega e ingênua como uma criança, foi o papel que fiz. Não sei se fico com mais raiva deles ou de mim mesma por ter me deixado levar.


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