Denso Como Sangue escrita por PhantonRed


Capítulo 5
Passado


Notas iniciais do capítulo

Aviso, esse capítulo contém cenas de auto mutilações e sangue, se você não gosta de sangue, pule para a parte dois (após a quebra de tempo, representada por [...])
Obrigado pela atenção e boa leitura.



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8 de Agosto, eu não conseguia dormir e sentia o ar faltar...

Meus olhos ardiam de tanto tempo encarando o beliche de cima onde Ethan dormia tranquilamente, eu tinha a sensação de que algo estava para acontecer a qualquer momento e isso fazia eu ter falta de ar, eu respirava pesado e parecia que o oxigênio em si queimava meus pulmões de dentro para fora. Fechei os olhos marejados e senti meu coração acelerado, batia tão rápido que chegava a zumbir... não aguento a sensação de pânico quando isso acontece, eu precisava fazer isso e precisava agora. Me ergui devagar e verifiquei se ele estava mesmo dormindo e entrei no banheiro, a lâmina que havia usado hoje cedo tinha sido descartada, eu não era idiota de usar lâminas sujas em cortes nos pulsos... pego uma caixa escondida atrás do espelho do banheiro e pego uma lâmina nova.

O primeiro corte é fino, como uma pequena linha vermelha e limpa, vejo gotículas de sangue emergirem da pele bem devagar, ardia como fogo, mas então aprofundei um pouco mais, não muito, mas o suficiente para o sangue escorrer e não secar. Eu tremia. Senti as lágrimas alcançarem os olhos e um soluço escapou da minha garganta. Ouvi um barulho no quarto e joguei a lâmina usada na privada, dando descarga.

—Tá tudo bem, Kenny? - perguntou ele e escondi o pulso ferido.

—Tá, é só... - solucei enquanto tentava conter as lágrimas - Uma sensação ruim...

Ethan entrou e fechou a porta atrás de si, me puxando para ele e me abraçando, meu peito doía por alguma razão desconhecida, mas a sensação era reconfortante... seu abraço era familiar de um modo que eu não sabia explicar por quê. Os soluços cessaram aos poucos e minha respiração ficou um pouco mais normal, Ethan abriu a porta e senti meu corpo ser levado para a cama.

—Você vai ficar bem, tá? Vai ficar tudo bem. - disse beijando o topo da minha cabeça - Não vai acontecer nada com você, eu prometo.

Agradeci de maneira muda e tentei dormir o que ainda restava da noite.

[...]

—Lee! - chamou o professor - Se não acha minha aula interessante, pelo menos saia da sala pra dormir! - gritou o velho Swayer, tremi um pouco assustado com o modo como fui acordado.

—Desculpa, não vai acontecer de novo, Senhor. - digo nervoso, minhas pernas e mãos tremiam e sentia a boca secar.

—Você está bem? - perguntou Ethan virando para mim, aceno com a cabeça que sim.

—Foi só... ontem à noite eu tive um pesadelo. - digo meio assustado - Não conseguia dormir. - explico e ele vira de volta para o quadro.

—Se quiser conversar depois. - sugeriu ele.

Aceno com a cabeça e continuo com a aula chata, o pulso coçava muito e eu não podia arregaçar as mangas da camiseta azul escuro, se Ethan visse os cortes recentes, poderia surtar ou coisa pior. Meu estômago revirava com o café da manhã e o suor fazia o corte recente arder! Levantei da sala pálido e fui beber água enquanto o professor de física (cujo nome era Aldo Swayer) explicava o que era deslocamento de fluído, resolvi me acalmar antes que eu acabasse demonstrando na prática como isso acontecia. Senti minhas pernas bambas e ouvi uma voz aguda e delicada me chamar discretamente.

—Crise? - perguntou Ollie bebericando uma caneca de café - Você tá parecendo que quer vomitar.

—Se falar a palavra com "v" de novo, você vai ser um alvo em potencial. - digo e ela me passa a xícara.

—Relaxa, é só chá de camomila. - disse vendo que eu encarava a xícara.

—Onde pegou isso? - pergunto e ela ri fraco, para só nós dois ouvirmos.

—Da sala do diretor, eu briguei com Lexi Lin no meio da aula. - disse bebericando - Peguei um dia de trabalho comunitário na cantina do asilo, mas valeu a pena sentar a mão naquela vaca. - riu e arregalei os olhos.

—O que ela fez? - pergunto sentindo ela se encostar no meu ombro.

—Ninguém diz que eu sou uma cadela de rua sarnenta e sai impune.

A encaro com um sorriso cínico.

—Você é uma menina má. - digo entrando na sala ainda muito nervoso.

[...]

A sensação de que havia algo para acontecer era um incômodo, era como se eu fosse explodir a qualquer momento. Explodir... Explosão... eu sentia cada molécula do meu corpo se contraindo, se agitando, se empurrando. Eu odiava sentir isso, odiava me mutilar, odiava o fato de que ultimamente nem os cortes estavam sendo o suficiente para me acalmar... era tudo tão mais simples quando minha mãe estava bem, quando eu não estava aqui e não me corroia em culpa. Eu só encarava o almoço e não conseguia comer aquele bife e batatas fritas com salada, eu só ruminava a comida e tudo parecia ter o gosto de cola de vidro, eu não sabia se era o resfriado ou a ansiedade, peguei um dos remédios e engoli junto com a água, antes que Ethan me batesse por não toma-los. Ele sentou ao meu lado e meu estômago se contraiu... eu estava com medo que ele descobrisse sobre os cortes, eu suava frio... Acabei não suportando a sensação de angústia e corri para o banheiro.

Eu não conseguia me controlar! Empurrei a porta do banheiro e comecei a sentir lágrimas rolarem pelas minhas bochechas, me sentei no chão em estado de total desespero e comecei a chorar, soluçar aliás, era realmente frustrante. Eu não sabia o que estava acontecendo e a presença de Ethan só piorava tudo. Solucei e me encolhi, com a cabeça apoiada aos joelhos em uma maneira não muito eficaz de me acalmar... O que está acontecendo comigo? Por que estou com tanto medo de que ele descubra sobre os cortes?

—Kenneth? - Ethan veio até mim. Fiquei mais furioso ainda, aquilo era culpa dele!

—Vai embora! - gritei.

Ethan e eu ficamos alguns segundos sem reação, apenas trinquei os dentes rosnando de raiva e Ethan parecia impressionado ou algo parecido.

—É tudo culpa sua... - comecei a chorar de novo com o braço sobre os olhos, por causa dele eu me sentia acuado e por causa dele eu não conseguia mais sentir alívio com os cortes.

Era como se a angústia da ansiedade e o medo de ser pego tivessem dado as mãos...

—Kenny, me conta o que tá acontecendo! - pediu se aproximando de mim com cautela, alguns garotos que estavam ali sairam lentamente.

—Me deixa em paz, idiota! - chorei mais e gritei, me sentei no mesmo canto e Ethan parecia assustado, mas ainda sim sentia pena por eu estar tão abalado.

—Kenneth... Calma... - disse como se se aproximasse de um cachorro bravo, o que no momento eu parecia - Você tá estranho, irritado, se descontar em mim ao invés de me contar o que está acontecendo, não vou ter como te ajudar.

—Eu não sei o que é, merda! Eu só sinto angústia e pânico! E tudo isso piora perto de você! - disse o encarando na ponta dos pés e batendo contra seu peito com o indicador, Ethan calmamente segurou meus pulsos e os afastou com cuidado, se eu me debatesse, ele iria acabar me machucando.

—O que te causa tanto medo Kenny? O que houve com você pra sentir tanta angústia em silêncio? - perguntou e eu apertei os punhos com muita raiva.

—Você não sabe o que eu fiz... - disse me corroendo em culpa, ódio e sentimentos ruins - Eu preciso te contar uma coisa...

Sexta série, Quatro anos antes...

Éramos só a minha mãe e eu na época, meu pai nos abandonou antes mesmo de eu nascer. Não dá pra dizer que minha infância foi rui, mas também não dá dizer que não foi conturbada. Minha mãe é professora de química e na época dava aula para a oitava série em uma escola pública, tinha um garoto que me importunava e eu nunca disse nada, sempre tentei resolver eu mesmo, mas nem sempre era do jeito certo. Eu não queria incomodar minha mãe. As crianças riam por eu ser filho da professora e não ter um pai.

Um dia eu cheguei em casa todo roxo. Eu tinha acabado de levar uma surra de Tobey Franklin, ele era meu carrasco da sexta série, cheguei em casa, minha mãe não estava então me deu tempo de chorar e planejar minha vingança. Como ele não era da minha turma, resolvi que iria explodir o laboratório de ciências (sim, exatamente isso, na hora pareceu uma ideia boa). Sabotei um dos botijões que alimentava os fogareiros do laboratório, mas acabou que o tiro saiu pela culatra.

No mesmo dia em que meu plano se concretizaria, mudaram os horários, em vez do primeiro período fosse da sexta série B, era a turma da minha mãe que iria usar o laboratório... Eu corri desesperado pelos corredores tentando avisar ela, mas os alunos bloqueavam minha passagem e diziam coisas como: "Saia da frente!"; "Volte pro primário, idiota"; "Vá procurar a sua mamãezinha"... E era exatamente essa que eu respondia com "Eu tô fazendo isso, seu idiota".

—Mãe! - gritei, mas ela entrou no laboratório e fui carregado por muitos alunos, um deles era Franklin, eu me debatia e gritava - Me solta! Me larga! Eu preciso avisar minha ---

Booom...

O laboratório explodiu... Minha mãe foi arremessada da janela com a força da explosão, todos os vidros quebraram e meu mundo desabou junto com os cacos que caíram das janelas... Eu estava esperando por notícias de minha mãe... Por culpa minha ela está em uma cadeira de rodas desde então.

Eu precisei ficar com meus primos Kaleb e Ace na época, o julgamento levou um ano inteiro para sair e quando a sentença saiu... eu fui mandado para St. Patrick sem nem pestanejar. Desde então eu culpo meu pai pelo que aconteceu... se ele estivesse lá, seria tudo diferente.

Ethan ficou calado me ouvindo contar a história, era por isso que eu estava aqui.

—É por isso que eu me sinto tão mal... Eu só quero a minha mãe, e que meu pai pague pelo que nos fez passar... - digo entre lágrimas - Você me acha um monstro?

—Claro que não, Kenneth. - disse me abraçando - Você agiu errado, mas está pagando pelo erro que cometeu.

Eu me sentia tão protegido nos seus braços que era como se ele preenchesse a lacuna da minha alma, naquele momento, a outra metade do meu DNA não se importava mais com quem era Elliot... para mim, Ethan estava ocupando o lugar onde ele deveria ter estado.

[...]

Estava no terraço... Observava de cima tudo o que passava abaixo dos meus pés, estava sentado no parapeito, demorei pra conseguir segurança pra isso, mas me sentia muito mal, queria um tempo sozinho, pedi isso ao Ethan e ele incrivelmente aceitou bem, acho que sabia o quanto eu me sentia culpado e precisava botar pra fora. Mas o sofrimento maior não era nem estar aqui... Foi machucar a única pessoa no mundo que já me amou por uma coisa que nem valia a pena... os cortes já não faziam mais o efeito calmante que faziam no começo, eu precisava ir mais longe a cada vez. Será que se eu pulasse agora, faria alguma diferença? Alguém sentiria a minha falta? Ollie? Ethan? Kal? Ace? Minha mãe? Fiquei de pé no parapeito.

—Eu vou sentir falta de vocês... - senti o ar bater no meu rosto, não era tão gelado, quando eu estava quase indo, senti um puxão forte e uma falta de ar mais forte ainda.

—Eu te deixo sozinho cinco minutos e você já me faz besteira! - disse Ethan decepcionado.

A sensação de falta de ar era ardente, dei de ombros.

—Acho que não foi dessa vez. - digo me levantando e indo para o quarto.

—Kenneth! - gritou me seguindo.

Quando ele vai largar do meu pé?


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Notas finais do capítulo

Um agradecimento especial para meus leitores fiéis e fantasminhas, logo logo teremos mais capítulos e vou continuar postando aos domingos, agora que eu estou mais folgado.
Beijos do Red e até semana que vem!
P.s.: responderei os comentários assim que possível, não se preocupem, não vou esquecer de ninguém!