Denso Como Sangue escrita por PhantonRed


Capítulo 2
Só um Corte...




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6 de Agosto, o que eu fiz para merecer isso?...

Passei a boa parte da noite em claro. Por mais que eu me esforçasse, saber que havia mais alguém naquele quarto comigo esse ano me deixava ansioso, mas não um ansioso bom, era um ansioso bem, bem ruim... era horrível a sensação de ter um garoto de um metro e oitenta deitado no beliche de cima ouvindo eu me virar na cama a noite toda. Eu sentia como se ele pudesse ler meus pensamentos suicidas, como se soubesse que eu tinha medo dele, adormeci em algum momento da noite e tive um pesadelo, o pesadelo com o dia em que cheguei aqui, sendo surpreendido por uma voz grave e um braço me sacudindo. Ethan estava de pé, com uma calça de moletom cinza e uma camiseta branca, ele me encarou sério e cobri até a cabeça.

—Anda Kenny, não vai querer se atrasar! - disse me descobrindo e eu rosnei me encolhendo com o travesseiro sobre o rosto - Você não vai levantar? - rosnei novamente em sinal de negação - Pois então - ele se afastou e ouvi alguns passos em direção ao banheiro, ele ligou o chuveiro e algo no meu inconsciente dizia "fuja", o chuveiro desligou-se e ouvi ele se aproximar - Vai levantar por MAL! - Ethan me deu um banho de balde, molhando quase todo o assoalho e todo o meu colchão e lençóis... Urrei de raiva com o travesseiro de volta ao rosto e suspirei derrotado novamente - Veja pelo lado bom, não vai precisar tomar banho para descer... - riu sarcástico.

Aquilo me deixou furioso! Andei pisando duro até o banheiro e tomei meu banho ainda achando que Ethan era algum tipo de maníaco ou coisa do gênero, ele só poderia ser maluco... mas no fundo eu sabia que o motivo real para eu não aceitar a aproximação de Ethan é o simples fato de que toda vez que eu acabo me aproximando de pessoas como ele, eu sempre acabo me machucando e coisas ruins acontecem com a pessoa, isso se aplica a todo mundo, principalmente a minha mãe... Aí a pessoa some da minha vida e leva todos os sentimentos e memórias boas com ela, deixando só sofrimento e solidão, o que me levava à minha única solução antidepressiva... os cortes. Eu precisava me acalmar, nem que fosse só um pouquinho, peguei a lâmina do barbeador e estava pronto para furar a ponta do dedo quando levei um susto ao ouvir Ethan bater na porta com força.

—Anda logo Kenneth! - gritou e eu desliguei o chuveiro no susto, fiquei paralisado por um milésimo e sacudi a cabeça afugentando os meus devaneios, larguei a lâmina no espelho e peguei a toalha, enrolei meu corpo e saí de cabeça baixa, Ethan entrou - Até que enfim, você é tão pequeno, não podia demorar tanto pra tomar banho! - resmungou, ele parecia meio irritado, isso é estranho, levando em conta sua animação constante.

Sequei meu cabelo de um jeito meio demorado e ainda com a cabeça muito pesada, eu estava tendo outra crise e seria difícil burlar o bonitão para poder me acalmar a minha maneira, peguei a escova e dei um jeito que ficasse melhor (ou que não parecesse que havia acabado de levantar), me vesti ainda mais demoradamente e quando tinha terminado de arrumar o cinto nas calças, Ethan sai do banheiro praticamente pronto, de calças jeans e uma camiseta azul de gola "v", eu estava encarando um ponto fixo na parede. 

—Ainda? - riu me vendo com uma cara de quem tinha acabado de ser desenterrado - Nossa, você parece horrível! - dei de ombros.

—Não consegui dormir direito. - resmungo procurando uma camiseta, eu fico de muito mau humor de manhã.

—Você não tem nada do seu tamanho? - riu pegando uma camisa de banda que eu dormia - Isso cabe em mim!

Dei de ombros de novo e achei uma camiseta cinza com uma águia preta desenhada nela e peguei meu tênis.

—É confortável. - digo esfregando o rosto.

—O que é isso? - perguntou vendo um anel de prata com uma inscrição dentro, ele pegou da prateleira, mas tomei de suas mãos.

—Não mexa nisso. - digo o fuzilando com o olhar - Foi um presente.

Ethan deu um suspiro assustado e coçou a nuca sem jeito. Calcei meu All Star preto e vesti meu moletom, ele era grande demais para mim, mas não me importava, depois peguei a mochila no gancho que tinha na parede e fomos para a aula de química. Não que eu seja um nerd, mas eu sou muito melhor em exatas que em outras matérias...

—Eu posso sentar com você? - disse Ethan e eu cheguei um pouco mais para o lado - Tá tudo bem? - assenti com a cabeça e bocejei.

—Só estou com sono... eu fico ranzinza quando estou com sono... - digo e ele murmura "eu percebi", dando um leve risinho, ele olhava a minha folha de exercícios e encarava com uma cara estranha.

—Kenny. - chamou e o encarei - Sabe fazer? - assenti novamente - Será que pode me ajudar? - o que? Ethan Farlane me pediu ajuda? Dei de ombros e comecei a  fazer a folha de exercícios, Ethan copiava tudo atentamente tentando entender como eu fazia, ele também (de uma forma estranha e que não gostei nem um pouco) observava meus lábios se movendo enquanto estava falando, me senti incomodado e olhei para ele, o encarei parando bruscamente - Que foi? - apertei os olhos lentamente e ele começou a rir baixinho - Ah, isso? - se referiu ao olhar praticamente fixo na minha boca se movendo - Eu só estava tentando acompanhar o raciocínio, eu sou muito visual e você faz tudo de cabeça. - disse anotando a última linha do cálculo.

Aquilo foi muito estranho...

Terminada a aula de química, tínhamos que ir para outra sala de aula, logo acima do laboratório de ciências, era terça então tínhamos aula de biologia outra vez, o que me animou.

—Muito bem, agora abram os seus livros na página 257, vamos estudar o sistema nervoso... Sem gracinha hoje, Peggy, me dá o celular. - Ethan, obviamente sentou ao meu lado de novo.

Os olhares em nós dois começou a me assustar, eram olhares acusadores de algo que não estava acontecendo. O que eles pensam que está havendo? Ficar exposto assim me assustava, eu precisava dos cortes, precisava das lâminas... e então eu olhei para o lado e encontrei o olhar preocupado de Ethan, me encarando, suspirei pesado sentindo a enxaqueca apertar e então a mão do garoto ao lado me deu alguns tapinhas no ombro e seu sorriso tranquilizante se formou ali, suspirei pesado e tentei aos poucos me acalmar. 

[...]

Depois da aula de biologia, resolvi que era melhor subir até o terraço, precisava ficar sozinho e respirar um pouco, não estava me sentindo nada bem... Despistei Ethan enquanto ele dava atenção a um grupo de garotas, aquela era a chance que eu precisava, subi e senti o ar gelado me envolvendo, normalmente quem vem aqui são os drogados... Ainda bem que eles não sobem aqui durante os períodos de aula (o que era bem irônico se for parar para pensar).

Me reclinei no para peito, eu era um pouco maior, o final da parede batia no meio do peito, coloquei os fones e viajei... Ouvir um pouco de rock gótico e depressivo era tudo que eu precisava para começar a deixar as lágrimas esvairem-se... Eu precisava de um descanso, de ar, dos cortes, eu nunca passei por dias tão cansativos depois que o Ethan veio para esse colégio, eu não gostava de companhia, me isolava... Mas a verdade é que as pessoas me assustam... E ainda mais as que vivem aqui... Comecei um choro incontrolável, desesperado, sentia falta de casa, da minha mãe, eu estava aqui sozinho, não totalmente, mas a verdade é... Que eu tinha medo das pessoas, do Ethan principalmente, toda essa aproximação me assustava! Peguei a lâmina escondida em meu bolso e fiz um pequeno furo na ponta do dedo, vendo o líquido quente e vivo pingar no cimento frio e morto. Observei por longos minutos o sangue escorrer e secar... Chorei mais ainda e quando percebi, sentia algo ao meu lado, com os braços ao redor de mim, um peso no meu ombro.

—Eu sabia que você não estava bem. - tentei me desvencilhar dos braços de Ethan, era tudo totalmente estranho! - Calma tá legal, não vou fazer nada, eu só achei que precisasse de um abraço. - disse ele, eu olhei seu rosto por um momento, ele realmente estava muito preocupado - Kenny, fala pra mim, o que está acontecendo com você?

—Por que tá fazendo isso? - pergunto sentindo ele se afastar um pouco e sorrir para mim, não era um sorriso comum, parecia até um sorriso de pai para filho.

—É que você me lembra muito o meu irmão que não conheci direito. - disse e o afasto confuso.

—Isso é muito esquisito. - murmuro baixinho e ele me observa andar em círculos - Você não tá afim de mim, tá? Porque eu não sou gay, embora pareça.

Ethan riu alto e negou com a cabeça.

—Você me dá medo... - digo baixinho.

—Você tem medo de mim? - ele riu baixinho e se aproximou - Eu não vou te agarrar, Kenny, eu sou sou só um cara problemático, é sério! - disse sorrindo um pouco - Também não sou gay, eu tô aqui porque eu quis vir pra cá, fiz todas aquelas pichações e danos patrimoniais porque eu precisava vir pra esse lugar. - o olhei meio incrédulo, por que alguém iria querer vir para St. Patrick? Eu ia me afastar, mas logo me senti acolhido quando ele chegou para me abraçar de novo - Vai ficar tudo bem, Kenny, vamos nos dar bem... - concordei com a cabeça escorada ao seu ombro, ele me aconchegou mais e me senti melhor (tudo bem, eu confesso, eu me sentia muito melhor, mas... Eu não quero parecer gay), fiquei mais calmo - E eu não vou te estuprar à noite, se é o que você tem medo. - disse me fazendo rir baixinho.

Ficamos um tempo ali, matamos todo o terceiro tempo (era literatura, eu não gosto muito do professor) e Ethan me contou um pouco sobre esse irmão misterioso, mas não quis dizer seu nome. Ele contou que só o viu uma vez e nunca mais esqueceu seu rosto.

—Vamos Kenny, precisamos ir. - disse me puxando - Vamos almoçar.

No almoço, teríamos mais problemas... Um em particular...


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