Clichês escrita por Miss A


Capítulo 1
Homo sapiens e o pós-coito


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas.
O primeiro capítulo é mais uma introdução para que vocês possam vislumbrar algo da personalidade e dos relacionamentos de Rose.

Espero que gostem.
Ou pelo menos não odeiem tanto quanto odeiam os diabretes.
Ou a Domitila de Castro.



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— Você comeu toda a nutella? – Perguntei, segurando o pote vazio. Fred abocanhou um enorme pedaço de sanduíche e mastigou lentamente, demorando propositalmente.

— Talvez.

Joguei o pote no lixo com raiva. Esse era um dos malefícios de morar com garotos. Eles sempre comiam tudo e não deixavam nada para você.

— Quando eu sair do trabalho, eu compro mais – Disse Fred. Tentei tirar a carranca da cara. Odiava sentir raiva, principalmente por algo tão estúpido. Mas fazer o que? Fome mexia com as minhas emoções.

Sentei-me a mesa e comecei a preparar o meu café da manhã. James apareceu logo depois.

— Bom dia.

— Ué, nenhuma amiga para nos divertir hoje?

James sempre trazia garotas diferentes para o apartamento. No outro dia, de manhã, durante o café da manhã, eu sempre puxava papo com elas. Algumas eram tímidas, outras ousadas, tinha as entediantes, as de nariz empinado, as inteligentes, as engraçadas, essas últimas eram as minhas preferidas. Uma verdadeira coleção de mulheres.

Elas se sentavam à mesa, bebiam seu chá, chocolate quente, café, suco ou vodca e nos contavam a sua história. No começo, James ficou furioso. Mas ele queria que eu fizesse o que? Ignorasse-as? Que as tratassem mal? Jamais.

Agora, no entanto, ele até se juntava a nós e participava das conversas. Ele não tinha interesse nenhum na vida dessas garotas, mas quem recusa uma boa conversa?

E isso era o que eu achava mais legal. Cada dia conhecendo uma pessoa nova e totalmente diferente. Conversas diferentes para cada café da manhã. Fred também gostava. Era ótimo vê-lo fazendo as garotas ficarem iguais a pimentões com as suas piadas indecentes.

— Não – Respondeu James, se sentando. Ele parecia exausto.

— Não dormiu essa noite?

— Bem pouco. Fiquei até tarde fazendo os trabalhos da faculdade.

James cursava Jornalismo em Hogwarts, uma universidade de Londres, onde eu também estudava Psicologia. Já Fred era fotógrafo e havia acabado de abrir o seu estúdio no centro da cidade.

— Ficou todo esse tempo só pra escrever umas palavras aleatórias? – Fred debochou. Ele adorava tirar sarro de James por ele querer ser jornalista. Existem jornalistas sérios e comprometidos com o seu trabalho? Sim. Mas a maioria são só estagiários falando bosta para o mundo, no ponto de vista de Fred.

James o encarou entediado.

— O que você vai fazer hoje, campeão? Tirar mais fotos de vasos? Ou fotografar modelos super magras para uma campanha publicitária que vai causar bulimia, anorexia e baixa auto estima nas mulheres desse país? Sem contar o incentivo ao capitalismo.

— Essa doeu.

— Primeiro, os vasos são artes. Segundo, só tiro essas fotos porque preciso de grana. Culpe o capitalismo, não a mim - Disse Fred entre uma mordida e outra no sanduíche.

— Arte, ele diz – James caçoou.

Fred voltou a comer, ignorando-o.

Só mais um dia normal. Discussões, deboches, comida e ninguém levando nada a sério.

 

 

I close my eyes, only for a moment and the moment’s gone. All my dreams pass before my eyes, in curiosity¹ - Fred cantava, ou melhor, berrava pelo apartamento.

— Cala a boca! - Gritei - Você está estragando a música.

Fred entrou na sala ainda berrando.

Dust in the wind. All were are is dust in the wind.

Troquei um olhar irritado com James.

— Faça-o parar! - Pedi.

— Rose, meu anjo, você está muito estressada. Precisa relaxar - Fred cantarolou a última frase.

Lancei lhe um olhar de puro ódio.

— Fred, morra com tuberculose - Praguejei.

— Acho que você se enganou. Não sou romancista² - Ele zombou.

— Do que morrem os fotógrafos? - Eu perguntei para James.

— De fome? - Ele zombou.

Fred riu.

— Boa tentativa. Mas o meu humor está ótimo hoje e nada vai estragar isso. Nem a iminente pobreza que me alcançará no futuro.

Nós o encaramos, surpresos.

— Tem certeza que você não é romancista? - Debochei, enquanto James dizia:

— Você está tirando sarro de si mesmo? Quem é você e o que você fez com aquele orgulhoso Fred?

— Acho que estamos fazendo a pergunta errada - Dei um sorriso malicioso - A pergunta correta é: Com quem você transou?

Fred deu um sorriso amplo.

— Isso é segredo.

Crispei as sobrancelhas.

— Desde quando você guarda segredo sobre suas conquistas sexuais ao invés de se gabar delas?

— Desde hoje, minha cara.

Olhei confuso para James e ele retribuiu com o mesmo olhar.

— Você está apaixonado?

—Se você está tão feliz porque está cantando Dust in the Wind? – James questionou.

— Ninguém está falando em paixão. Não se pode ficar feliz por nada? - Fred retrucou.

— Mas você não está feliz por nada - Observou James.

— Estou com bom humor pós-coito, tem algum problema? - Ele replicou. Obviamente seu bom humor havia ido para o espaço.

— O único problema que eu vejo aqui é você ter usado a palavra coito - Esclareci.

James riu enquanto Fred saia da sala, não antes de ter me lançado um olhar irritado.

Ergui a mão para um high-five com James.

— Parece que ainda estamos bons em irritar os homo sapiens - Comentei.

— Deveríamos abrir uma escola. Mas uma escola filosófica.

— E íamos apoiar o que? - Perguntei - O tal do tretaísmo³?

— Pode ser. Mas com um nome menos vulgar.

Eu ri.

— Podíamos criar uma sociedade secreta. Só com pessoas selecionadas a dedo - Ele continuou - E nas reuniões podíamos discutir sobre Napoleão Bonaparte e Platão no meio de uma imensa orgia.

— Claro. Nada melhor do que uma garota chupando o seu pau enquanto você fala sobre o mito da caverna - Ironizei.

— Você pintou uma bela imagem - James deu um sorriso malicioso.

— Acho melhor você encontrar outra forma de disseminar o seu pensamento hedonista5 porque isso não vai rolar.

— A esperança é a única que morre - Ele deu de ombros. Encare-o com desdém, odiava esses ditados populares, eles são tão... Populares. Nada original.  Tão clichês.

— Seja menos clichê, James.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Você sabe que invariavelmente todos somos clichês. Incluindo você.

— É, eu sei – concordei de mal gosto. Detestava que isso fosse verdade.

Reabri o livro que estava em minhas mãos e voltei a lê-lo.

Mais tarde, Fred retornou à sala.

— Vocês não vão sair hoje, né? - Ele perguntou.

— Por quê?

— Alguns amigos vão baixar aqui.

— Isso significa que você está dando uma festa?

— Mais ou menos isso.

Balancei a cabeça de um lado para outro, pensando nos prós e contras.

— O que foi? - Fred perguntou.

— Estou tentando decidir se fico brava por você convidar pessoas para o nosso apartamento sem pedir permissão ou se fico animada por darmos uma festa.

— Se você ficar brava vai tentar destruir a festa dele. Se você ficar animada, vai beber todas e estragar a festa também. Decisão difícil - James fingiu ponderar.

— Um erro e você é julgada pelo resto da vida - Resmunguei.

Eles riram.

— Foi um erro lindo, se isso melhora - Fred falou.

— Não melhora - Eu o encarei, aborrecida. Qual é o problema de ter ficado tão bêbada e ter começado a tirar a roupa em público? Não foi minha culpa. Nem cheguei a ficar nua. Só consegui tirar a blusa até James aparecer e me arrastar da festa. Desde então minha tolerância ao álcool havia melhorado muito e minha irracionalidade alcoólica só aparecia depois de muitos copos.

— Eles estarão aqui às 20:30 - Fred avisou - Vou sair para comprar algumas coisas e já volto.

Por sorte era uma sexta. As festas de Fred não eram conhecidas por terminarem cedo.

 


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Notas finais do capítulo

1. A música é “Dust in the Wind”, da banda Kansas.
2. A piada é que a maioria dos romancistas do século XIX morreram de tuberculose. Ex: Emily Brontë.
3. Tretaísmo: Movimento que se popularizou no Facebook em 2016 (ou antes disso?) e sua única função é incitar e glorificar a treta.

Aguardo vossas opiniões.
Até o próximo capítulo!
(Se eu não perder a cabeça like Maria Antonieta)



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