A Canção de Fogo - Faíscas escrita por Sapphire


Capítulo 16
Victoria IV




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A Princesa de Laguna fitava o espelho na sua frente, observando atentamente o penteado que as servas faziam em seu cabelo preto, seu corpo estava sentado em uma poltrona com um acolchoado azul e pontas de prata. Enquanto permanecia naquela posição, seus olhos azuis deixaram o objeto refletor durante alguns longos minutos, para se concentrar no chão. Definitivamente aquele não era o futuro que ela esperava para si mesma, mas se quisesse retomar o poder, era necessário. 

Um dos únicos problemas era Conan Rathel, o lorde que ela deveria se casar. Victoria o conhecia de outras épocas, e sempre o odiou, uma criança roliça com muitas marcas na cara, um cabelo oleoso que a fez se perguntar se ele não conhecia a água. Porém o problema não era a aparência, que nem de longe era uma de suas preocupações. O menino sempre zombava de Phillip por ser magro e muito branco e ao mesmo tempo adorava puxar o cabelo de Victoria e caçoar do fato dela não ter pais. Sempre que a princesa se cansava disso tudo procurava os pais de Conan ou sua tia, o que nada adiantava, já que no final o garoto usava a desculpa de que era apenas uma brincadeira e acabava escapando de qualquer bronca ou castigo.  

A herdeira do trono estava quase pronta, pelo espelho viu uma das quatro servas, que a arrumava, pegar uma de suas jóias assemelhada a um colar, feita meticulosamente de ouro, e em seguida colocou sobre a cabeça como uma auréola, passando suas madeixas por seu interior. Era um meio simples e discreto de dar volume ao seu cabelo. 

A porta do quarto da garota foi aberta por Laro, um dos servos do Palácio, ele trajava uma túnica simples, a única coisa que se diferenciava naquela cor branca era um tecido mais leve vermelho sustentado pelo ombro do mesmo.  

— A Rainha Megara Lurinof Lorak e o Príncipe Phillip Lurinof estão à sua espera.  

Sem dizer nenhuma palavra, a garota se levantou e fitou seu rosto mais uma vez no espelho, olhando o vestido que usava. O tecido era de um branco suave, não ofuscante como uma lâmpada mas também não encardido. Separado da saia por uma faixa de cetim marfim, o busto descia em camadas franzidas umas sobre as outras, dando a sensação de ondulação do tecido, preso aos ombros por alças delicadas. A saia abaixo da faixa era costurada e franzida, descendo até os pés e levemente esvoaçante, balançando ao sabor do vento ou aos movimentos das graciosas pernas que cobriam. 

Os passos lentos da garota a levavam pelo corredor de árvores na saída do Palácio, logo a frente estava a carruagem que levava a família real, sua cor primária era um azul bem claro, e os detalhes que a cobriam eram revestidos de prata.  

Seu corpo se posicionou nos bancos aveludados e suaves, ela olhou para a pequena janela bem acima da porta, apenas para ver a população que parecia se dirigir para o mesmo local que a família. 

  - Está mais graciosa do que o comum – Megara surpreendeu Victoria com tais palavras, a garota sentiu o olhar de sua tia percorrerem seu corpo. - Minha princesa.  

— Você também - A jovem se esforçou ao máximo para elogia-la sem parecer irônica. - Minha rainha. 

As mechas escuras nas laterais da cabeça de sua tia foram puxadas para trás, sobrepondo-se umas às outras num padrão intrincado, delimitado por uma pequena tiara. Encontravam-se todas no mesmo ponto, onde, juntas, caíam em cascatas sobre as costas, deixando o busto completamente exposto, sem nenhum fio cobrindo o vestido alvo, justo, finamente debruado com fios de seda vermelhos, segurando-se apenas em um dos ombros. Um delicado, porém grosso, bracelete de ouro adornava o braço oposto ao da alça, completando a aparência perfeita de uma Rainha. 

A arquitetura de mármore claro que deixava a cidade mais linda, estava repleta de servos Lurinof, que limpavam os monumentos, os córregos e piscinas naturais espalhadas. Isso fazia a princesa imaginar o quanto a cidade devia ser antes dos conflitos. Ela era pequena demais para se lembrar, então tudo o que Victoria sabia sobre Laguna antes da "Guerra da Torre", a guerra entre os Kisandra e Laguna que quase dizimou a família Lorak e transformou o reino em apenas "mais um", vinha de Yolanda, a velha artesã.   

 Na maioria das manhãs a princesa estava com ela, e quando a mulher percebia que jovem estava demasiadamente triste, ela a contava histórias. Dizia que Laguna era o reino mais influente do continente de Lamoras, se comparando até o grande reino Rom, mas depois que da guerra civil entre os poderosos Tass, Rom se afundou na desgraça, e Laguna se tornou uma espécie de capital em Lamoras, sendo chamada até para um grande conselho entre reinos que ocorreu em Aksum.  Era engraçado sempre que ela lembrava disso, talvez seu pai tenha comentado alguma coisa para ela, mas os anos passam, e as memórias de infância vão se esvaindo e aos poucos ocupam espaço com as palavras de sua tia, a Rainha Megara. Sabia que esse tal conselho em outro continente se chamou "Dias de Aksum", mas se fora tão popular, por que a mulher nunca tinha conversado nada com ela sobre? Ou melhor, nunca tinha conversado sobre isso com o próprio filho? 

A carruagem parou. Victoria fechou seus olhos e respirou fundo, quando os abriu novamente o homem que guiava os cavalos já tinha aberto a porta. A Rainha Megara saiu primeiro, e os Lagunenses gritaram como resposta. Por mais que Victoria e sua tia não possuíssem uma relação muito boa, ela não era uma péssima rainha, muito além disso, era boa o suficiente para a garota se preocupar se conseguiria cobrir as expectativas do reino quando subisse ao trono.  

Phillip saiu depois, e sua prima conseguiu apreciar melhor sua roupa. O jovem vestia uma túnica branca, que descia até o meio de suas coxas. De seus ombros, caia uma capa esverdeada que cobria seu tronco e se entrelaçava a seus braços, chovendo de encontro a seus pés. Calçava uma sandália de tiras que subia até a batata da perna, no estilo gladiador. Em sua cabeça, uma coroa de finos louros de ouro. 

Quando Victoria desceu da carruagem os súditos comemoraram como se ela fosse a rainha, e isso era bom, muito bom. A garota deu um sorriso e acenou para as pessoas que eram impedidas de se aproximar por uma linha de guardas, parados em ordem como se fossem estátuas, todos fitando a família real. 

 A Rainha estava no meio, olhando para o barco que se aproximava, tal como Victoria do seu lado direito e Phillip do lado esquerdo. Ao lado da princesa, um dos guardas segurava a bandeira de Laguna que se movimentava com o vento, criando o único som daquele momento. Os olhos azuis da menina se viraram para a mesma, a fim de observar o estandarte que, agora, era símbolo de Laguna, o da família Lurinof. 

Antes, era uma sereia que guiava os caminhos do Reino, agora o símbolo estampado nas bandeiras e nos barcos era um tridente. Quando Victoria se juntasse a Conan Rathel ela perderia até mesmo o símbolo da sua família, e ele seria esquecido, coberto pelo símbolo das ilhas de Sal, uma água viva preta em um fundo azul. O mesmo símbolo pintado nas velas do barco que se aproximava cada vez mais do porto. 

A garota Lorak fechou seus olhos e respirou fundo a medida em que talvez uma das piores partes do seu plano se aproximava. Como será que o garoto estaria hoje em dia? Talvez tão gordo que os próprios seios estivessem maiores que os de Victoria.  

O barco parou no porto, e foi possível ouvir até o som da madeira do mesmo rangendo junto ao da água. Phillip olhava para o chão, com os olhos atento em um inseto qualquer que caminhava próximo a seu pé. Megara não conseguia conter o sorriso de vitória.  

"Ria enquanto pode" pensou a garota enquanto virava-se para frente, apenas para fitar os guardas colocando uma rampa para auxiliar na descida dos lordes. Mas assim que ela viu o homem que se preparava para descer, sentiu vontade de se atirar no mar e morrer afogada. Ele não era tão gordo quanto imaginava, e seus seios tinham um tamanho normal para alguém com tanto peso, ela sabia disso porque o tecido cor de mel parecia estar tão desgastado que era possível ver através dele. Um pouco de cabelo preto bem ralo se espalhava irmãmente pelos lados da cabeça, deixando o topo liso como um ovo.  

"Como envelheceu tão rápido?" Pensou. Phillip olhou para Victoria arregalando os olhos, e ela teve certeza que ele estava pensando "Acho que era melhor termos fugido".  

O homem desceu a rampa e, por alguns instantes, ela pensou que talvez poderia ser mais difícil do que imaginava seguir com seu plano. Ele se aproximou lentamente da princesa e se ajoelhou, a mesma ergueu sua mão direita e ele a beijou, os lábios dele estavam tão engordurados que a princesa suspeitou que o Conan tinha comido um javali sozinho antes de sair do barco. Sua ação se repetiu com a Rainha e com o Príncipe, seu corpo se elevou novamente e ficou parado a alguns metros do barco.  

 - Recebam Conan Rathel, Lorde das Ilhas de Sal – O homem disse em alto e bom som, o que fez Victoria dar um sorriso comemorando por dentro. Qualquer coisa seria melhor do que aquilo.  

O garoto começou a descer a rampa, e o sorriso dela desapareceu da mesma forma que o sentimento de surpreso cresceu. Ela olhou para Phillip, e seu primo estava tão fascinado quanto ela, e isso era de fato.... Estranho. Porém, seria difícil qualquer pessoa que tivesse conhecido Rathel antes não se impressionar. Seu cabelo ondulado estava curto, provavelmente do mesmo tamanho do corte de Phillip, sua pele amarronzada combinava perfeitamente com aquele sorriso que ele abria. Seus olhos escuros tal como a roupa que vestia, um tecido leve que se prendia no ombro esquerdo por um grande broche dourado com o símbolo de sua família, deixando amostra seu peitoral e abdômen vigoroso. A túnica com detalhes dourados  estava presa na cintura por um cinto da mesma cor dos detalhes, ela descia até metade da coxa, mostrando o desenho que eram os músculos na sua perna. A sandália que ele usava lembrava muito a de Phillip, a única diferença era o material que a compunha.  

— Princesa Victoria Lorak, é uma honra – Ele se ajoelhou e beijou a mão da garota. - Rainha Megara Lurinof Lorak, és tão linda quanto meu pai dizia – Andou até a frente de seu primo e se ajoelhou, dando um beijo em sua mão, quando se levantou ainda segurava sua mão, e soou com um sorriso simpático. - Príncipe Phillip Lurinof, estou ansioso para treinar espada com você.  

— Tenho certeza que a presença de um homem jovem na vida de meu filho vai ser bom – Megara soou sorridente. - Pensei que seu pai viria.  

— Meu pai está muito doente, ele pediu desculpas e avisou que só poderá vir no casamento.  

Guardas começaram a sair dos barcos, carregando baús ou qualquer outra coisa que indicava que Conan havia trazido o suficiente para sua estadia. 

— Além de nossos bens, também trouxemos presentes para a Família real, espero que gostem – O homem quase careca deu um sorriso. A princesa agradeceu com um sinal na cabeça, não sabia muito bem o que fazer, tudo havia acontecido bem diferente do que tinha imaginado.  

Após alguns minutos todos estavam indo embora. Com medo de ficar sozinha com Conan e não saber as palavras certas para usar, Victoria tornou a seguir Megara, e quando percebeu isso, sua tia soou:  

— Eu mandei preparar uma carruagem só para vocês dois – Dirigiu-se a Conan. - também trouxe uma para seu tio. - O homem agradeceu, e depois se aproximou da rainha, juntos eles se afastaram. 

Victoria respirou fundo, o garoto não parecia ser irritante como antigamente, mas as aparências enganam, e ela rezava para o deus Joseika para que ele também tivesse mudado por dentro, e talvez a resposta tenha vindo rápido demais. 

 - Princesa – Ele correu para acompanha-la. - Seu presente está comigo.  

 Ela se virou para trás, e sem demora alguma o garoto pegou seu braço direito e colocou um bracelete. Durante alguns minutos a moça ficou admirando aquele presente, e observando cada detalhe. Ele era de prata, e era repleto de conchas e desenhos em alto revelo, criando buracos de onde dava para ver seu braço branco, mas além das conchas e das ondas, o que mais chamava atenção eram duas sereias que se beijavam.  

— Isso é... é lindo, Conan! Obrigada! - Suas mãos tocavam o bracelete, sentido o desenho e se perguntando se havia demorado muito para aquilo ser feito.  

— Eu mesmo que fiz – Os olhos dos dois se encontraram, mas antes que Victoria pudesse falar qualquer coisa, ele confessou, rindo. - Estou brincando, mas eu mandei fazer! É quase a mesma coisa não é?  

Victoria deu uma risada sincera depois de muito tempo, e aquilo era extremamente estranho, não estava sendo do jeito que ela tinha imaginado, não mesmo. 

— Seu prometido não merece um abraço?  

 A Garota olhou para ele, Conan era alto, então ela ficou na ponta dos pés para conseguir abraça-lo. "Céus, o que estou fazendo?" O corpo do filho do Lorde das Ilhas de Sal era quente, e a massa do mesmo proporcionava um abraço muito bom, tanto que por alguns minutos Victoria se perdeu naquilo. 

 - Princesa, as carruagens estão esperando a sua partida– Um dos guardas que estava próximo a ela disse. 

 - Certo. 

Fez que sim e começou andar. "Não se esqueça do motivo que te impediu de fugir Victoria, não se esqueça" Repetia as palavras na sua cabeça, imaginando o quão linda ficaria sentada no trono de seu pai e com a sua coroa.  

No instante que ela chegou perto das carruagens, a população que estava ali aguardando começou a gritar. Conan se aproximou dela e lhe deu a mão, a voz do garoto veio de forma suave nos seus ouvidos.  

 - Eles vão gostar. 

De mãos dadas, os jovens começaram a sorrir e acenar para todos, logo ela percebeu que as pessoas gritavam muito mais alto do que quando Megara havia aparecido. A Rainha olhava furiosa para o casal da janela de sua carruagem, mas pela primeira vez Victoria sabia que poderia tirar vantagem de algum plano de sua tia.  

Em meio a flores e louros que os Lagunenses lançavam, Victoria entrou na carruagem, que se fechou com Conan logo atrás. Ela deu um sorriso fitando o rapaz sentado na sua frente e pensou "Vamos começar". 


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