O grande templo de Shurin não era como os outros. Em meio a canais de águas cristalinas e cantis verdejantes, as estátuas dos quatro deuses adorados pelos shurimianos: Thojnm, Kalak, Walanka, Earis. As enormes estátuas de pedras brancas deviam medir nove metros de altura, tornando Hyde apenas uma formiga em meio a tudo aquilo.  

Com seu corpo ajoelhado, o rei fazia sua oração, mas ao mesmo tempo, milhares de pensamentos ecoavam em sua cabeça, como se alguém estivesse ao seu ouvido sussurrando. Perguntava a si mesmo se iria para o sofrimento eterno por causa de Jorah, mas se realmente fosse errado porquê seu coração havia se permitido cair de amores por alguém de seu próprio sangue. 

Sempre que o Rei de Shurin se prostrava diante das grandes estátuas para prestar suas preces, sua cabeça era um turbilhão de pesamentos indevidos para aquele momento, como se Earis, o deus vigilante, o fizesse lembrar de todos os pecados que ele cometia em apenas uma noite, o fazendo remoer-se de dentro para fora.  

Muitas das vezes ele se perguntava como toda aquela atração tinha chegado a um nível tão alarmante, mas a própria memória o respondia. Jorah devia ter uns 16 anos de idade, enquanto Hyde estava no auge dos seus 19. Mas a história de como os dois se tornaram tão próximos começou muitos anos antes, com a morte de Khamour Oakenridge, antigo Rei de Shurin e pai de Hyde e Jorah. Pelo filho mais velho ser muito jovem, Loren Oakeridge se tornou a Rainha regente até que seu filho Hyde estivesse preparado para controlar o reino, e é claro, isso demorou.   

Com a mãe ocupada demais no trono de Shurin, e com o pai morto, os irmãos Oakenridge ficaram soltos pelo reino, livres de qualquer obrigação os príncipes eram verdadeiros estereótipos de o que não se devia fazer.    

Pela tarde, Hyde treinava espada no Alto Campeão, o grande centro de treinamento na Capital de Shurin. Durante a noite, visitava as festas secretas, saía com meretrizes, se divertia como qualquer jovem de 19 anos com muito dinheiro. Bem diferente de seu irmão que nem saía da capital, Jorah preferia a companhia das Tribos de Areia, se divertindo e fazendo coisas que até mesmo Hyde desconhecia e não conhece até hoje. 

Quando frequentava mais o palácio real, Jorah era extremamente carinhoso com abraços, sorrisos, olhares, sensações totalmente diferentes para Hyde. Os tornando tão próximos que começaram a sair juntos de vez em quando. 

Um dia, Jorah levou um amigo das Tribos de Areia para passar o dia no Palácio. Ele era bem bonito, possuía todas as características comuns dos moradores do Deserto: Uma pele negra, cabelos cacheados e olhos castanhos. Naquela altura do campeonato o príncipe mais velho já tinha tido certas experiências com outros homens, e quando viu o amigo do próprio irmão não conseguiu negar certa atração. 

Após uma noite de festa, Hyde estava muito tonto por causa do vinho, e só conseguiu disfarçar que estava bêbado graças a um amigo que o carregou até seu quarto. Mas no meio do caminho o príncipe acabou por indicar a porta errada para o outro, que acabou abrindo a do quarto de Jorah revelando o garoto pelado em cima do amigo das Tribos de Areia, que também estava pelado, a cena durou alguns segundos pois os quatro estavam em choque.  

No dia seguinte Hyde havia se convencido de que aquilo era um sonho, ele gostaria de poder encontrar seu irmão para conversar sobre, mas Jorah desapareceu por mais ou menos 8 dias, e quando voltou sempre evitava conversar com o irmão. Porém Hyde não conseguia deixar de pensar no que havia visto, e muitas das vezes ele se sentia estranhamento excitado com aquela cena. Após muito tempo Hyde conseguiu ter uma conversa sobre aquilo, e no final o irmão mais velho se sentira culpado pelo que iria acontecer. 

O som dos cascos dos cavalos tirara a concentração de Hyde, e ele abriu os olhos por alguns instantes apenas para se certificar que seu transporte ainda estava ali. O cavalo branco estava a alguns metros de distância dele, sua crina da mesma cor da pele, recaía sob o pescoço. O animal se alimentava da grama próxima a uma das enormes estátuas. O mesmo começou a se movimentar a medida em que uma pessoa se aproximava dos dois.   

Hyde não hesitou em olhar para o homem que se aproximava. Por mais que não estivesse mais falando com os deuses, preferiu manter a posição, sabia quem era. 

 - É uma pena que tanto dinheiro tenha sido gasto em um templo... - A Voz de Jorah soou nos ouvidos do rei. - Um dinheiro que poderia ter sido gasto nas construções e no aperfeiçoamento social das Tribos de Areia.  

 O mais novo da família Oakenridge não tinha nenhum respeito com a Religião local. E isso incomodava Hyde demais, ele não tinha um mínimo respeito nem ao menos quando estava diante das grandes representações dos deuses ele conseguia ficar calado. 

— Cale a boca, Jorah – O rei se levantou e voltou-se para o outro. Ao lado deles, cinco sacerdotes vestindo longas roupas brancas, elas arrastavam pelo chão, mas isso não impedia que o nariz empinado dos cinco homens magricelos seguisse passos exatamente iguais, como se fossem espíritos. - Você vê aquilo? Se algum desses caras ouvir você falando isso, você vai morrer. E eu não vou poder fazer nada para te ajudar.  

 Jorah abriu bem seus olhos, e fez um "Uau" sem som com sua boca.  

 - É muito bom saber que o que você sente por mim está limitado a essa religião genérica. 

 Hyde fechou seus olhos e respirou fundo.  

— Vamos sair daqui preciso conversar com Alec - Após um assovio, dois guardas que vieram com o Rei de Shurin, se aproximaram dos dois, e esperou a ordem.  - Levem os cavalos de volta ao Palácio.   

— O que!? - Jorah levantou as sobrancelhas. - O Alto Campeão fica do outro lado da cidade, você vai mesmo me fazer andar até lá?  

 - Não estou te obrigando a ir – Ele começou a andar na direção da saída, acompanhado de um terceiro guarda. - Pode ir para casa se quiser, ou qualquer outro lugar que queira visitar. 

Ele ouviu seu irmão bufar atrás dele, e após alguns minutos  seus movimentos de corrida aumentaram até Jorah alcançar Hyde.  O mais velho deu um sorriso para o outro, mas sem cessar caminhada. 

As ruas estavam com poucas carruagens, outra coisa comum além do Sol brilhando.  Os Shurimianos preferiam andar a cavalo ou a pé. Carruagens normalmente eram usadas apenas para os idosos da alta classe, as vezes para a família real, mas essa atitude era rara, já que o Rei odiava ficar parado em uma carruagem podendo caminhar. 

Daquela distância ele já conseguia ver o alto campeão. Um nome dado para o enorme centro de treinamento de Shurin, onde crianças e jovens de todo o reino iam todos os dias para treinar as artes da guerra, por mais que fosse outra coisa de Shurin nada praticada. 

— Eu não vejo a necessidade em caminhar... Como você não está cansado? – Jorah perguntou a medida em que tentava andar no mesmo número de passos que seu irmão.  

Hyde ficou em silêncio, sempre que seu irmão menor falava alguma coisa óbvia, ele fingia não ouvir , para evitar o assunto.  

— Eu só espero que Alec esteja mesmo lá – Continuou. – Além do mais, por que não mandou um mensageiro?  

— Jorah, eu ficaria extremamente agradecido se você ficasse quieto. 

Ele bufou, e após alguns minutos revelou sua insegurança.  

— Não sei o porquê de estar vindo visitar seu amiguinho, você é o rei, ele que deveria ir até você. 

 - Pode estar certo, mas faz parte de um Rei visitar a cidade, se você não sabe. 

 - Se eu soubesse que você ia ver essa coisa, eu nem tinha saído do Palácio. - Jorah cruzou os braços. O mais jovem não gostava nem um pouco de Alec, e seu irmão não entendia o motivo. Ele era uma pessoa tão boa que era difícil encontrar motivos para o ódio. 

 - Chegamos. - Hyde cortou o outro. 

Os portões do Alto Campeão eram lindos, assim como o resto da estrutura. Assim que abria, o que você enxergava era o chão de mármore azul e dourado, com a estátua de Thojnm, o deus criador do povo. 

A medida em que eles entravam, os guardas se curvavam. Mais a frente, várias crianças gritavam em um coro ordenado. Quando os dois chegaram mais perto, viram cerca de cinquenta crianças em linhas ordenadas perfeitamente. Caso fosse possível olhar de cima, todos veriam um quadrado vermelho, que era a cor vibrante das roupas que elas usavam. 

Elas fechavam um punho reto, e juntas faziam movimentos constantes de socos, apenas parando para seguir um chute. Hyde deu uma olhada para Jorah, o mais novo sempre ficava fascinado com aquilo sempre que visitava o Alto Campeão. 

A pessoa que guiava todo o treinamento era uma mulher que provavelmente beirava os quarenta anos, tinha um cabelo bem curto loiro, a pele bronzeada pelo tempo diário que ficava no sol. 

— O Rei Hyde Oakenridge e o Príncipe Jorah Oakenridge estão entre nós! – No momento que sua voz começou a soar, as crianças pararam de se mexer e ficaram como estátuas encarando os dois, esperando a próxima ordem que viria a seguir. – Demonstrem o respeito que eles merecem. 

As crianças deram um grito exatamente igual, logo depois cada um deles juntou seus punhos e curvaram a cabeça até que os dois passassem. Enquanto andavam, Hyde acenou com a cabeça para a instrutora loira. 

Aquele lugar trazia ótimas lembranças, de quando ele era apenas um adolescente e todos os dias treinava espada naquele lugar. Naquela altura do campeonato, Hyde já tinha 30 anos de idade, e seu professor Viktur Maxillof, pai de Alec, já estava morto. Ele morreu em uma tentativa falha em proteger o antigo Rei de Shurin, Khamour Oakenridge, do assassino misterioso que acabou com sua vida. 

 Os professores do Alto Campeão eram muito bons, e seu amigo Alec se encaixava nessa classe. Com 25 anos, Alec era melhor do que muitos guerreiros que haviam nos reinos do Continente de Lamoras. Um verdadeiro Prodígio.  

Após andar durante algum tempo dentro do local, eles subiram em uma sacada interna, onde a alguns metros abaixo, Alec observava atentamente os dois alunos tendo uma luta corporal. E Hyde observou junto com ele, os dois que lutavam eram ótimos, quando viu que Alec começara a olhar para cima, o Rei deu um sorriso e acenou.  

Os dois  sempre se conheceram. Seus pais: Khamour Oakenridge e Viktur Maxillof eram melhores amigos. O que resultou na família Maxillof sempre estar no meio da corte. Por ser filho de alguém tão importante, Alec acabou conseguindo um passe de ouro para que pudesse treinar desde jovem naquele lugar. 

Em um treinamento, Alec e Hyde lutaram, na época o Rei de Shurin tinha acabado de completar 20 anos de idade, enquanto o Maxiloff devia beirar entre os 15 anos, e naquele dia Hyde entendeu que idade não significava nada. No final, Alec se tornou um dos únicos que já conseguiram vencer Hyde em uma luta. E depois disso, a amizade dos dois só cresceu. E Mesmo depois de Alec ter ido morar por um tempo nas Tribos de Areia, a amizade não se enfraqueceu.  

— Quem é vivo sempre aparece – O Professor deu um sorriso.  

Sua pele era parda, com pequenas sardas espalhadas pelo rosto, elas não muito diferentes da cor de sua pele, fazendo com que você só as notasse com certa iluminação, os olhos em um profundo castanho, e longos cabelos ondulados castanho escuro. Hyde não era idiota, Alec era uma pessoa muito bonita, ele até entendia que Jorah não gostasse dele. Ao menos se fosse em relação ao cíumes, ele tinha muitos motivos para isso. 

 - Eu que devia falar isso – Os dois se abraçaram e se encararam durante algum tempo.  

— O que faz aqui? Pensei que era professor de Arco e Flecha.  

— Eu sou, mas Aro não compareceu hoje, então eu vim cobrir seu horário - Depois de se explicar, ele entortou sua cabeça para observar Jorah, e em um sorriso sincero, ele disse. - Oi Jorah! Tudo bem?  

— Oi – O príncipe deu um sorriso e levantou as sobrancelhas. Depois começou a andar pelo local fitando a decoração da sala. 

— É.. Desculpas por ele.  

— Não tem problema - Maxillof deu um sorriso e começou andar. - O que faz aqui?  

— Não posso vir ver meu amigo? - Hyde riu, acompanhando Alec. - Bem, eu queria conversar sobre uma coisa, e você parece ser o único que vai me entender. 

 - E quanto Jorah? Vocês dois parecem ser tão próximos - O rei deu uma leve tossida, mas logo depois se recuperou depois de ouvir a voz de Alec.  

— Ele é meu irmão, acho que temos que ser próximos, não? - Após alguns segundos, Hyde prosseguiu. - Enfim... Esses dias minha mãe reclamou sobre minha falta de esposa. 

 - Qual o problema? Não somos como os outros, podemos nos casar quando bem entendermos... 

 - O problema é que ela está certa. - Hyde olhou em volta para ter certeza que ninguém estava ali. - Eu tenho 30 anos, Alec, o tempo não vai mais voltar, e eu preciso de um herdeiro o quanto antes... Vivemos em tempos perigosos. 

 Alec assentiu com a cabeça, e antes que falasse algo Hyde o cortou: 

 - Eu preciso me casar o mais rápido possível, e preciso da sua ajuda para encontrar alguém. 

O professor de Arco e flecha prendeu o próprio cabelo com um aro de ouro que carregava em seus braços.  

— Você não precisa da minha ajuda para encontrar uma esposa, Hyde, todas as mulheres do reino ficam excitadas quando você passa... E até alguns homens, inclusive você está muito próximo de mim e está sendo difícil não me manter duro. 

 Os dois deram uma risada e continuaram a andar, até se aproximarem de uma varanda, onde era possível ver o Jardim das Virgens. Um local aonde as aulas de dança eram ensinadas para as jovens. O Jardim por si só era lindo, possuía uma linda estátua da Walanka no meio de flores e fontes de água, mas toda a beleza se multiplicava estando diante de mulheres lindas.  

— As vezes quando preciso me acalmar eu venho aqui e fico observando os ensaios delas, seus passos me deixam leve. - Alec se apoiou no mármore que os impedia de cair de cima da varanda. 

Hyde focou seu olhar em uma dançarina que dançava no centro. Sua pele era parda e os cabelos loiros e recaíam em tranças que a diferenciavam de todas as outras meninas ali. O vestido que ela usava era um branco de um tecido leve, pois os ventos faziam com que o pano se movimentasse por todo o lado. 

Ela olhou para cima e os olhos dos dois se encontraram por alguns instantes, a moça fez uma reverência e voltou a sua dança.  

 - Quem é ela? -  O Rei perguntou.  

— Eu não sei, não tenho muito interesse em saber o nome delas, por quê? - Alec respondeu.  

Hyde deu um sorriso e colocou os braços em volta do amigo. 

 - É ela, Alec, ela será minha Rainha.