A Canção de Fogo - Faíscas escrita por Sapphire


Capítulo 11
Victoria III




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A garota usava uma túnica comum, um pouco acima dos joelhos, sua cor era marrom, sem nenhum detalhe ou qualquer outra coisa que a diferenciasse  de uma cidadã pobre do reino. Os seus passos lentos caminhavam para dentro do estábulo, suas pernas estavam um pouco trêmulas para a decisão que se seguia naquele momento. 

Ela abriu a portinhola de madeira que separava seu cavalo do corredor, que por sua vez era o caminha da liberdade. Árion foi um presente do seu pai, Rei Perseus Lorak, um pouco antes da Guerra da Torre, assim o animal cresceu junto com Victoria. Mas já fazia um tempo desde que ela não cavalgava, sua tia havia deixado seus dias ocupados o suficiente para que conseguisse fazer algo que gostasse. O cavalo possuía uma coloração de um intenso negro, com uma crina perfeitamente jogada para o lado, que entregava de presente um lindo contraste com os grandes olhos azuis. 

Ele deu uma relinchada, com medo de que alguém ouvisse, a princesa colocou as mãos sob o rosto do animal e sussurrou "shhh" na esperança de que ele obedecesse. Sob o cavalo estava uma sela simples de cor marrom. A garota não teve tempo para pensar nos detalhes, precisava sair dali o mais rápido possível. 

Um manto preto estava posto sob seu corpo, um capuz cobria seus cabelos, e um pano tapava sua boca, deixando apenas o nariz e os olhos a mostra. Naquele exato momento ela se perguntou se aquilo era um bom disfarce. Era certo que ninguém a reconheceria, mas se algum guarda ver uma figura encapuzada seria um grande problema, e isso era mais um motivo para ela ser mais rápida. Segurando a fina corda que começava na sela e ia até a boca do cavalo, os dois andaram lentamente.  

Para chegar até os portões de saída, você deveria passar por um enorme e volumoso jardim. Seu rosto coberto não parava de olhar para os lados, apenas para ter a certeza que não tinha ninguém ali, e para a infelicidade da Princesa de Laguna, alguns guardas faziam a vigilância noturna. Era um número exato de seis guardas, seguindo um a sua frente. Todos eles marchavam de forma idêntica, e começavam a chegar em um campo de visão onde seria impossível não ver Victoria e Árion. 

A garota começou a pensar rapidamente em um modo de se esconder, mas a resposta veio antes que ela conseguisse concluir. Uma voz estridente surgiu no começo do jardim, ela estava tão desesperada que não percebeu duas figuras se escondendo em meio a arbustos:  

— Está tendo um incêndio em um dos quartos!   

— Guardas! A Seus postos! - O que liderava gritou com sua voz firme, e ainda de forma semelhante, todos os guardas que estavam prestes e fisgar a garota, mudaram suas rotas para o Palácio.  

Uma sensação de alívio percorreu todo o seu corpo, ao mesmo tempo em que ficou preocupada com o quarto, ela só esperava que não fosse o seu ou o de Phillip... Ou que não fosse de ninguém que estivesse dentro... De Megara talvez. 

A caminhada dos dois se prosseguiu de forma calma. O Incêndio parece ter sido grande, pois todos os guardas que deveriam estar guardando a saída foram reduzidos a nenhum. Aquilo era coincidência demais, por poucos minutos ela começou a pensar se sua tia sabia da fuga e aquilo tudo era uma armadilha. 

Victoria parou Árion na frente dos portões de madeira fechados. Desceu do cavalo e suas mãos brancas tocaram a textura áspera e com toda a sua força, empurrou. Os portões a levaram até um corredor largo e pequeno. E mais no fim dele uma grade de ferro que aparentava ser muito pesada.   

O cavalo negro a acompanhou aoseu lado a medida em que a moça andava lentamente. O vento frio passava entre a grade movendo as chamas das tochas de um lado para o outro. Por ser uma cidade litorânea, mesmo no calor, a cidade nunca sofria com o mesmo, e isso se intensificava a noite, quando os ventos frios vinham do mar.  

Na parede direita, existia uma grande roda de ferro, que funcionava como um espécime de alavanca giratória, puxando a corrente enrolada em si de modo que ficasse cada vez mais enrolada, até que os portões se abrissem totalmente. 

Uma das partes usadas pelos guardas para puxar era maior que a mão de Victoria, e isso a preocupava. Seus olhos se fecharam e sua pele entrou em contato com aquela roda fria. Mais um vento passou pela grade, e dessa vez ele conseguiu tirar o capuz, deixando os lisos cabelos pretos da princesa desprotegidos. 

Durante longos minutos ela tentou "empurrar" as alavancas, tentativas que se mostraram falhas. A garota bufou e olhou para Árion, logo depois se focou na grade. Não era possível que depois de tanto se esquivar pela madrugada sua fuga não daria certo por causa de um maldito portão de ferro. 

Os passos ao longe começaram a deixar Victoria nervosa, tal como Árion que começava a mover seus cascos bruscamente. Os guardas do castelo estavam se aproximando cada vez mais, e a princesa ainda estava ali.  

Mais uma vez suas mãos voltaram para a roda, e ela começou a empurrar o mais forte que podia, mas nada parecia surtir efeito. Os passos se aproximavam cada vez mais, e a adrenalina era injetada em seu corpo. A preocupação pareceu aumentar muito mais, coisa que ela pensou que não era possível. Seus olhos se fecharam a medida em que ela fazia força para empurrar. Seu coração batia tão forte que Victoria se perguntou se devia ter medo do órgão pular de seu peito. 

— Por favor... Socorro – A sua voz soou bem baixa fazendo uma oração, a diferença é que ela não sabia para quem estava pedindo. Mas de qualquer forma deu certo, pois algo começou a preencher seu corpo e uma sensação nunca sentida antes a fez soar um grunhido de força, assustando o cavalo. O som das correntes sendo puxadas para baixo acompanhava o barulho causado por Árion, e em poucos segundos dava para ouvir uma voz masculino ao longe. 

— Alguém está abrindo os portões! – Ela reconheceu a voz, era Draki, o capitão noturno, ele era quem andava a alguns minutos atrás na frente dos outros. - Guardas! 

O som de no mínimo uns 15 guardas se aproximavam correndo cada vez mais, mas ela não se importava mais. Por alguns instantes, tudo ficou em câmera lenta. O vento balançava o cabelo da menina a medida em que ela fitava o céu estrelado com seus olhos brilhantes. 

— Liberdade – Sorriu.  

A garota subiu em seu cavalo, e começou a correr em alta velocidade para longe dali. Naquela altura do campeonato, o capuz estava de volta em sua cabeça, e Árion corria mais rápido do que nunca. Ela observava a cidade em silêncio, era uma tristeza ao pensar que não iria mais estar ali todos os dias. Porém era uma sacrifício para que ela fosse Feliz.  

A saída da cidade se dava a um grande arco de pedra com alguns símbolos de uma linguagem esquecida pela capital, não teve muito tempo de observar, pois só tinha olhos para o caminho além de tudo aquilo. Quando notou já estava distante o suficiente para diminuir a velocidade do cavalo, que passou a caminhar.  

A luz da lua atravessava os galhos das árvores, iluminando as duas espécies indo na direção da liberdade. Com suas mãos retirou o pano que tampava sua boca.  

— Para onde vamos, Árion? - Ela perguntou retoricamente, pois sabia que o cavalo não iria responder.  Não era possível que ela finalmente estava livre. Se perguntou o porquê de não ter feito isso antes... Talvez fosse preciso um empurrão para que isso acontecesse. 

 A única questão que martelava era: Será que Phillip vai se sentir culpado? Por mais que ela não tivesse conversado com ele após o ocorrido, ela sabia que ele tinha dado o seu melhor. Agora a jovem estava ali, e nem tinha dado um adeus para seu primo que tanto amava.  

Phillip era a única pessoa que Victoria podia chamar de família, e só de pensar na ideia dele ficar triste por pensar que ela fugiu por sua causa, partia seu coração.  

Victoria desceu do cavalo e se sentou no chão, recostando seu corpo em uma árvore. Não sabia se tentava acender uma fogueira, ou ficava ali apenas sob a luz do luar. Talvez o fogo chamasse a atenção de alguém, e definitivamente aquilo era o que ela menos queria. 

Observou Árion descansando, e isso fez a garota pensar que eles precisam de algo muito além do descanso. Será que as Tribos de Areia era um bom local para ela ficar até conseguir sair do continente de Lamoras? As tribos fazem parte do reino de Shurin, e para chegar lá era teria que andar bastante, e isso era um grande problema. Victoria não tinha mantimentos, e muito menos como se proteger.  

Se ela realmente quisesse passar pelos Estreitos dos Dois Irmãos e chegar ao Reino de Shurin, ela precisaria passar por Arkang, e isso era difícil. O Reino além de ter fama pelas magias, é o único reino que fica no subsolo. Com várias entradas secretas espalhadas pelo continente, Arkang é o maior reino de todos, e correspondente a seu tamanho, ele possuía muitos segredos, segredos tão assustadores quanto casamento forçado. Porém ela preferia sofrer o risco de passar alguns dias em Arkang do que se casar com Conan. 

A Princesa se lembrava muito bem do filho do Lorde das Ilhas de Sal. Quando ela tinha uns 9 ou 10 anos de idade, ele devia ter 11 ou 12. Assim como a idade avançada, ele também tinha qualidades avançadas, como por exemplo ser tão chato. A criança roliça tinha muitas protuberâncias vermelhas em seu rosto, além de um cabelo completamente preto e oleoso. Só de lembrar de sua voz, ela tinha calafrios. O garoto adorava puxar o cabelo dela, jogar lama em Phillip, e sempre que ela tomava alguma atitude de reclamar com sua tia nada era resolvido. Definitivamente, Conan Rathel não era uma pessoa que Victoria Lorak gostaria de passar a vida junto. 

Já haviam se passado alguns minutos desde que o frio tinha aumentado estranhamente, e como ninguém havia aparecido. A garota decidiu fazer uma fogueira baseado em tudo aquilo que havia lido e por incrível que pareça deu certo na oitava tentativa.  

O som do fogo era como se fosse música aos ouvidos de Victoria, as chamas dançavam harmonicamente, e quando a princesa percebeu ela estava hipnotizada por tudo aquilo. Então uma voz familiar começava a soar tão suave quanto o calor que emanava daquele fogo. A voz se assemelhava muito com a que ela ouvia em seus sonhos, era melancólica e muito gostosa de se ouvir.  

Foi quando um som brusco foi ouvido atrás da garota, tão preocupante que até mesmo Árion deu uma relinchada. Rapidamente, ela subiu no cavalo e começou a correr, deixando a fogueira harmônica para trás. Seus cabelos voavam com o vento batendo no seu rosto, Victoria não sabia ao certo o que pensar do som atrás dela, mas pensou se realmente deveria ter acendido uma fogueira. 

 O cavalo de Victoria relinchava a medida em que a garota virava seu rosto para trás, mas a única coisa que ela enxergava era um vulto no meio das sombras causadas pela luz da lua. Ela deu um grito agitando seu animal, para que ela corresse mais rápido.  

E então a música melancólica voltou, e a princesa viu seu cavalo e todo o seu corpo se movendo muito mais lento, assim como tudo a sua volta. A noite estrelada foi substituída por um céu azul e ensolarado. O clima não estava mais frio, e as árvores se mostraram em um tronco amarronzado de folhas de outono que caíam tão lentamente quanto o movimento de tudo. Algo extremamente estranho estava acontecendo, e ela precisava descobrir.  

O único problema era que o cavalo ainda a seguia, e diferente de antes, quando virou para trás conseguiu ver quem cavalgava, e se surpreendeu pois não era apenas um, eram sete. Os cavaleiros se aproximavam cada vez mais, a deixando cada vez mais nervoso. Provavelmente estava sonhando, mas não conseguia deixar de sentir uma sensação ruim em seu peito.   

Os setes cavalos se aproximaram, e Victoria ficou surpresa quando eles ultrapassaram a garota, como se ela nem estivesse ali. Seu rosto passou a ficar vermelho, e seu coração batia tão forte que quase dava para vê-lo socar o peito através da roupa. As lágrimas começaram a rolar pelo rosto da princesa ao ver a mulher em cima do primeiro cavalo, era sua mãe. 

O primeiro cavalo era tão branco como a neve, sua crina era meio amarelada com ondulações. Mas o foco era a mulher que guiava o mesmo. Ela tinha longos cabelos ondulados loiros bem escuros, sua pele bronzeada e os olhos tão verdes quanto os pássaros que migram no verão. Era ela sua mãe, Arsce Lorak Lurinof. E no colo dela, uma garotinha dormindo, com uma pele branca e cabelos pretos.... Era Victoria. 

O segundo cavalo era um lindo bronze, de cabelos claros e machas brancas divididas irmãmente pela cara. A menina que cavalgava nele era a irmã de Victoria, Larissa Lorak. Com lindos cabelos loiros ondulados, olhos verdes e a pele branca. 

Os outros cavalos tinham a mesma cor, cinza. E neles, guardas protegendo a família real.  

Fazia tanto tempo que ela não via sua família que após ver sua mãe e irmã correndo ao seu lado parecia que tinha esquecido as palavras aprendidas ao longo de sua vida. Aquilo só podia ser um sonho, por isso a fuga do Palácio tinha sido tão fácil, tudo não passava de uma mentira... Era tudo uma miragem de uma alma que será infeliz por toda a sua vida. 

Depois de fitar bastante os outros, os cavalos voltaram a correr em sua velocidade normal. Árion voltou a correr por alguns segundos, mas logo foi parando lentamente até ficar parado. Victoria desceu do animal e olhou em volta. Bem próximo dali estava uma árvore significantemente grande, e em sua casca um desenho bem peculiar. No intuito de entender melhor, a princesa de laguna se aproximou lentamente da arte e se viu frente a frente com uma sereia entalhada na madeira. A sereia era o símbolo da família Lorak, e ela começava a se lembrar do lugar. Seus dedos passearam naquele entalhe e seus olhos se fecharam. Se aquilo era um sonho mesmo, ela queria que aquilo terminasse o quanto antes, seria muito melhor viver em uma realidade do que viver naquele sonho sabendo que nada daquilo é real, mas quando abriu os olhos novamente ela não acordou em seu quarto, então não era um sonho. O céu ainda estava claro lá em cima, e as folhas do outono ainda reinavam, então sua família estava ali. 

 - YAH! - Gritou mais uma vez após subir em Árion, e seu cavalo começou a correr seguindo o rastro dos cavalos. 

Não demorou muito para chegar onde queria estar. Os cavalos estavam parados na margem de um lago que brilhava a luz do sol, e no centro dele, uma linda torre sob uma pequena ilha de rochas. Os tijolos do topo pareciam ser revestidos de ouro, pois quando a luz tocava eles brilhavam intensamente. 

Ela desceu de Árion e começou a andar lentamente até a margem. Havia um pequeno bote parado na escada que começava na água e se estendia até a porta da torre, e nela sua mãe subia as escadas acompanhada dos guardas.  

— Mãe! - Victoria começou a gritar, mas sua voz não soava como de costume, era um eco abafado pelos tuneis do tempo. - Mãe! Mãe! - As lágrimas voltaram a surgir em seus olhos. - Mãe! 

Não importava o quão alto ela gritava, a mulher nem ao menos olhava para trás. Isso porque ela não estava lá. Quando a jovem percebeu, a noite estrelada voltava a brilhar, e a lua iluminava o lago, e única companhia de Victoria era Árion. E bem próximo a eles um cavalo veloz se aproximava, mas Victoria não se importava mais, passou a vida toda sem sua família, crescendo sem esperanças de conseguir algo que é dela por direito, tudo por causa de egoísmo.  

A Última Lorak se ajoelhou no chão e começou a chorar diante do lago, diante da torre, o local de morte de sua mãe e sua irmã. Naquele momento, ela não importava se o cavalo que tivesse vindo em sua direção fosse um guarda, sua tia ou qualquer outra pessoa, ela só queria estar novamente com seu pai, com sua mãe, com sua irmã, e isso nunca ia acontecer de novo.  

— Vic? - Era a voz de Phillip, ela olhou para trás com seus olhos inchados e viu seu primo descendo do cavalo.  

A garota se levantou e em prantos abraçou seu primo. i"Vai ficar tudo bem" A voz de Phillip soava em seu ouvido. Suas lágrimas molhavam os ombros do garoto, que era quase de sua altura. A garota abriu seus olhos por alguns instantes, apenas para ver um foco de luz lunar iluminar o desenho de uma sereia entalhado em uma árvore. 

Ela fechou seus olhos novamente e em meio a toda aquela tristeza sua voz soou, ainda abraçada com seu primo: 

— Não importa o que aconteça daqui pra frente, Phillip – Os olhos ainda focavam na sereia desenhada. - Eu vou ser a Rainha de Laguna, eu vou sentar no trono de meu pai, nem que seja a última coisa que eu faça.  


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