Virando do avesso escrita por calivillas


Capítulo 19
Já que está aqui




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 Depois do jantar e daqueles momentos de entrega e de prazer, ficavam largados sobre a cama, lânguidos, com os corpos nus, quentes e saciados, ouvindo o monótono som do ventilador de teto sobre eles.

— O que você pretende fazer agora, Mauro? – ela perguntou, depois de um longo silêncio, virando-se para o lado dele e apoiando-se sobre o cotovelo, a fim de olhá-lo melhor.

Mauro com a cabeça apoiada sob a curva de um dos braços, sorriu com a pergunta, continuando a olhar para o teto.

— Agora, eu pretendo dormir, a não ser que você tenha uma ideia melhor.

— Não é disso que estou falando. O que eu quero saber, o que você vai fazer da sua vida, continuar morando aqui ou voltar para cidade e para a sua empresa?

— Não posso continuar aqui para sempre, Júlia. Tenho compromissos e responsabilidades das quais não posso fugir por mais tempo, tenho que regressar em breve. Além disso, não sou homem de viver assim, dessa maneira bucólica e despreocupada, não combina com a minha natureza. Preciso dos desafios e emoções, viver cada dia com uma expectativa diferente. Sinto falta de toda aquela adrenalina do meu dia-a-dia.

— Mas, não foi assim que você achou que estava morrendo?

— Eu posso tentar desacelerar um pouco mais, me preservar. Mas, não posso lutar contra a minha natureza, sou um homem de negócios, gosto do que faço, dos desafios.

— Mesmo que isso tenha feito você perder sua família e sua saúde? – Júlia falou, sem pensar, depois se arrependeu do que havia dito, quando ele a espreitou, porém já era tarde, o que está feito, está feito, não dava para voltar atrás.

— Na vida sempre temos que fazer escolhas, Júlia. Muitas vezes, precisamos deixar sonhos e pessoas pelo caminho, abrir mão de algumas coisas para ter outras.

— Parece um preço muito alto a pagar.

— Sim, pode ser um preço alto, mas, muitas vezes, temos que fazer isso, porque essa é a forma que gosto de levar minha vida – Agora ele que se virou para ela, ficando face a face - Não foi exatamente o que você fez, Júlia?

— Eu?

— Sim, Júlia. Você largou seu noivo praticamente na porta da igreja, seu casamento perfeito, mas em compensação se descobriu, aprendeu mais sobre si mesma. Você acha que valeu a pena? Pois, mesmo assim, eu sinto que você ainda está dividida se volta ou não para aquela vida que deixou para trás – Júlia sentiu um nó na garganta ao ouvir aquilo de Mauro.

— Você tem razão, Mauro. Eu me sinto balançada, afinal, eu e Leandro tivemos uma longa história e íamos nos casar. Ele está disposto a recomeçar tudo do zero - Júlia se defendeu, sentando na cama, puxando o lençol para se cobrir, sentindo-se estranhamente exposta.

— E você, o que disse para ele? – Mauro sentou-se na cama, a encarando, se sentindo estranhamente incomodado com aquela situação.

— Às vezes, eu acho que tomei a decisão certa de terminar com tudo, outras vezes, ainda não sinto pronta resolver isso. Eu não planejei nada disso, do que está acontecendo comigo agora, como conhecer você e tudo mais, apenas aconteceu.

— Aconteceu porque você estava disposta a isso, Júlia. Mesmo sem querer, você procurou por novas experiências e eu acho que tem todo o direito de fazer isso.  Mas, por que não termina logo com esse noivado de uma vez por toda? Por que vive nessa indecisão?

— Eu não sei ainda o que eu vou fazer – Júlia respondeu, desconcertada, sentindo o seu rosto queimado.

— Júlia, posso ajudá-la a analisar as suas opções. A primeira opção é a mais fácil, mas nem sempre a melhor, você volta, se casa e vive a vida que planejou. Ou você termina com tudo e muda toda a sua vida, essa segunda opção é mais difícil, pode ser bem dolorosa, terá que está preparada para enfrentar vários obstáculos e opiniões adversas, mas se você conseguir, poderá ser bem mais feliz.

— Por que você está me dizendo isso?

— Porque você começou, eu fiz minhas escolhas e sei as consequências delas, sei o que posso ganhar e perder e acho que você precisa fazer as suas. Eu tentei mudar, mas não consegui, preciso voltar à minha vida como era antes. E você? A data do seu casamento se aproxima, você vai seguir com ele ou não? Decida-se, Júlia! Agora, vamos dormir.

Mauro virou de costas para ela e se acomodou no travesseiro, porém Júlia permaneceu ali parada, sentada na cama, com o lençol puxado até o pescoço, sem saber o que fazer, se deveria ficar ou ir embora. Naquele momento, Júlia desconfiou que aquele seria um recado de Mauro, que ele pretendia voltar a sua vida como era antes e ela teria que seguir em frente.

— Por favor, Júlia. Não fique magoada comigo, às vezes, eu falo demais. Vamos dormir, estou cansado – Mauro se voltou para ela, outra vez, a voz mais suave, um tanto arrependido pelo que havia dito.

— Não, Mauro, acho que você tem razão, eu preciso tomar uma decisão.

— Por favor, Júlia, mas não agora no meio da noite!

— Mas tem que ser a qualquer momento. Leandro me deu um ultimato, ele quer uma resposta.

— Você falou com ele, Júlia? Quando? – Prontamente, Mauro se sentou na cama e olhou para ela.

— Quando fui até em casa hoje à noite, o telefone tocou e era ele, pediu para eu me decidir.

— E você?

— Como eu disse, ainda não sei.

— Você precisa se decidir, Júlia. Dar um rumo a sua vida, se quiser ficar com o seu noivo volte para ele, ou acabe de uma vez por todas com essa história. Deixe seu noivo ir, como você fez com o garoto do circo -  Mauro a encarou por alguns segundos, depois se virou de lado - Vamos dormir, Júlia. Boa noite! – E ficou quieto e parado, fingindo que estava dormindo, mas sentindo algo queimar dentro dele, ele estava com ciúmes, mas, não teve coragem de confessar nem para si nem para ela, depois de algum tempo, acabou adormecendo.

— Boa noite, Mauro – Júlia falou, baixinho.

Entretanto, Julia continuou a fitar o teto, percebendo a noite passar lentamente, não conseguia fechar os olhos, na sua cabeça vinham momentos que viveu com Leandro e da sua vida atual, sem ele, como se colocasse em uma balança.

Ela gostava de estar com Mauro, mas mal se conheciam. E se envolvesse demais? E se ele fosse embora, voltando para sua antiga vida de homem de negócios, a deixando para trás? Iria sofrer e não queria aquilo.

Assim, logo que amanheceu, saiu da casa de Mauro, deixando um bilhete sobre a mesa, queria se afastar um pouco para pensar, sozinha. O começo da manhã estava bem fresco, Júlia foi envolvida pela tênue bruma e pelo silêncio, quebrado por ocasionais barulhos dos pássaros, um canto de galo e algum cachorro latindo, caminhando pela rua de terra e pensando que fizera da sua vida, depois que fugiu e se escondera, naquela cidadezinha do interior. Ela havia estado na cama com dois homens distintos, praticamente desconhecidos, sendo assim que a faria ser diferente de Leandro, que flagrou transando com uma mulher no apartamento dele? Ela teria feito isso só para se vingar do seu noivo? Ou ela estaria em busca de algo diferente na sua vida? E como poderia julgar Leandro agora? Estavam quites? Toda aquela parte da sua história parecia tão distante.

 Enquanto se aproximava da casa onde estava hospedada, Júlia avistou um carro parado bem em frente, que mesmo de longe pode reconhecer de imediato. Estancou, surpreendida, no meio do caminho, pois ainda não estava preparada agora para esse encontro, principalmente, depois que acabara de sair da cama de outro homem. Porém, mais cedo ou mais tarde, teria que encará-lo novamente, não tinha mais opções, tinha que ser agora. Por isso, decidida, pisando forte, continuou seu caminho até ele.

Ao se aproximar do carro, viu que Leandro dormia, profundamente, dentro dele, no banco de carona reclinado, usando seu paletó como coberta, devia estar bem desconfortável para um homem grande como ele. Júlia limpou a janela, embaçada pelo sereno frio da madrugada, inclinou-se e deu algumas batidinhas de leve no vidro, para não o assustar. Mas, Leandro deu um pulo ao despertar, erguendo-se, parecendo confuso, sem saber aonde estava, até notar a presença de Júlia do outro lado da janela, sorriu para ela, que se afastou para ele abrir a porta e sair.

— O que você está fazendo aqui, Leandro?

— Oi, Júlia. Eu vim vê-la, precisava muito falar com você.

— Como me descobriu aqui? – A voz dela tinha um tom aborrecido.

— Eu pesquisei o telefone que ficou gravado no meu celular, descobri esse endereço, mas cheguei de madrugada, por isso dormir no carro.

— Mas, nosso prazo era até domingo!

— Eu sei, Júlia. Mas não aguentava mais, precisava falar com você logo. Não podia esperar para reencontrá-la.

— Vamos entrar.

 Júlia convidou tirando a chave do portão do bolso da calça e o abriu. Leandro achou estranho, ela estar do lado de fora da casa àquela hora do dia, mas não perguntou nada sobre isso.

Ao ouvir barulho dentro da casa, Maria, a caseira, veio correndo.

— Bom dia. Quer que eu prepare o café, Júlia? – ela perguntou, olhando de canto de olho para Leandro, parado ali no meio da sala, junto a Júlia, vestido um terno todo amarrotado, com a cara de quem acabou de acordar.

— Bom dia, Maria. Esse é Leandro. Por favor, pode preparar o café da manhã para nós.

Quando a caseira se afastou na direção da cozinha, Júlia se voltou para Leandro, com o olhar firme, pediu, apontando para o sofá.

— Já que está aqui, Leandro, sente-se! Precisamos conversar sobre nós dois.


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