The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 35
Capítulo XXXV - 08 de Dezembro de 1872


Notas iniciais do capítulo

Olá nenéns, tudo bom?

Mais uma vez, gostaria de me desculpar pela falta de postagem na semana passada. Eu estive bem doente, cheguei até mesmo a ir no hospital quatro vezes antes de realmente começar a melhorar. Nesse meio tempo, escrevi esse capítulo, mas talvez pelo cansaço ou falta de inspiração, não ficou exatamente da maneira como eu gostaria, então acabamos ficando sem capítulo por uma semana para que eu pudesse refinar ele um pouco mais.

Quanto a regularidade das postagens, eu ponderei as opiniões dos leitores que me responderam e decidi que realmente vou passar a lançar um capítulo novo a cada 10 dias. Essa medida serve tanto para desafogar um pouco a minha rotina, como trazer um conteúdo melhor e dar um tempo mais razoável para fazer a revisão do texto. Espero que compreendam a minha decisão e aguardo ansiosamente os apontamentos de vocês em relação aos últimos acontecimentos!

Sem mais delongas, desejo a todos uma ótima leitura! ♥



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— Legalidade e moralidade. Eficiência e segurança. Hierarquia e supremacia do interesse público. Esses são os nossos objetivos aqui. Se puder encontrar o ponto de equilíbrio, será capaz de resolver todo e qualquer problema referente à gestão de Odarin.

Caminhando de um lado para o outro do gabinete, Phillip encontrava-se num estado de euforia incapaz de ser contido. O estudo e a dedicação de uma vida inteira, finalmente sendo postos em prática, fazia-o assemelhar-se a uma criança que visita o circo pela primeira vez. Chegava até mesmo a mordiscar os nós dos dedos, um gesto nada elegante e que costumava ser repreendido por sua mãe, mas que sempre o ajudou a raciocinar melhor quando estava excitado demais.

— Pode traduzir o seu discurso para termos práticos? — Sarah perguntou, num tom receoso, mas ainda assim direto. Tinha certeza de que o rapaz deveria estar abismado com a sua imperícia, mas não conseguiria aprender se, primeiramente, não admitisse que desconhecia o mínimo necessário para atuar naquele cargo. — Nossa situação é um tanto emergencial.

— Não pode haver legalidade se as taxas impostas pela Coroa são abusivas e apenas promovem a pobreza. Não há eficiência quando muito se arrecada e mesmo assim o reino continua em crise. Não existe supremacia do interesse público se a oferta de trabalho não é suficiente para empregar a maior parte da população — respondeu de imediato, sem sequer uma pausa para reflexão. Hesitar e titubear não eram características suas, fato este que o fazia sentir-se orgulhoso de si mesmo. — Se quiser consertar as coisas, o melhor a fazer é estabelecer uma ordem de prioridade em cima desses pontos e dissecar seus problemas e eventuais soluções.

O discurso era recitado de maneira calma e ritmada, transmitindo a jovem rainha a segurança que tanto carecia naquele momento. O rapaz tinha intimidade suficiente para não se preocupar em florear sua fala. Exibia para ela um mundo novo, ao qual a menina parecia ávida em explorar. Ela, por sua vez, apressava-se em tomar nota de cada uma das palavras proferidas por seu mais novo Secretário, atenta para não perder nenhum de seus pensamentos, que eventualmente haveriam de ser úteis. Seus olhos cintilavam de admiração, fazendo-a concluir que, se Evangeline tivesse ministrado suas aulas da mesma forma instigante e eloquente como Phillip o fazia, era provável que tivesse tido mais interesse em aprender o que tentavam ensiná-la.

— Sempre tive a impressão de que a nobreza gastava muito além do que era necessário — ela pontuou, enquanto repousava a pena sobre a mesa, dirigindo o semblante preocupado para o jovem Chevalier. — Mas somente depois de ficar responsável pela revitalização do castelo é que minhas desconfianças foram confirmadas. No último inverno, houveram muitas mortes ocasionadas pelo frio e a fome, mas mesmo assim insistiam para que houvesse um novo baile de coroação. Diga-me, como eu poderia fazê-lo, sabendo que só a comida que seria gasta ali seria capaz de alimentar centenas de famílias na cidade no campo? Tudo que fiz foi tentar minorar os prejuízos, mas nenhum representante das famílias fundadoras pareceu minimamente interessado nas minhas razões. Limitaram-se levantar os dedos gordos para acusar-me de não ter apreço pelas tradições.

Em sua voz havia uma pontada de amargura e ressentimento. Apesar do incidente ter ocorrido dias atrás, a dimensão do egocentrismo de sua própria classe ainda a fazia sentir náuseas e asco. Questionava-se como aquelas pessoas poderiam ser tão cegas em relação ao sofrimento de seus semelhantes. Mas talvez essa fosse a resposta para suas indagações: a nobreza parecia ser incapaz de visualizar quaisquer semelhanças com a plebe, como se pertencessem a espécies diferentes, com necessidades bastante distintas.

— Sua iniciativa e intenções são interessantes, mas escolheu um momento inoportuno para aplicá-las. Bailes custam uma fortuna para a Família Real, tem toda razão quanto a isso, mas romper com uma tradição dessa forma acarretará em desconfianças, diminuindo sua credibilidade e deixando-os receosos em relação ao que quer que você planeje fazer. Lembre-se de que, sem o apoio das famílias fundadoras, nada acontece em Odarin. Você detém o poder, mas eles possuem o dinheiro e podem a qualquer momento decidir migrar para um reino vizinho a qualquer momento, onde seus desejos serão atendidos com a maior brevidade possível. Agora, precisamos assegurar que possuímos o apoio dessas famílias, não o contrário.

— Eles também fizeram vários questionamentos sobre assuntos que jamais ouvi falar em toda a minha vida! O que supostamente em deveria fazer numa situação como essa?

— Quando acontecer algo assim, diga que está estudando o caso e que espera poder trazer uma resposta mais concreta na próxima reunião. Isso lhe dará tempo para se situar do real estado das coisas, evitando que você pareça despreparada.

— Em outras palavras, vamos vestir o manto da normalidade quando não temos sequer a menor ideia de onde começar a trabalhar. É uma ideia brilhante, não sei como algo assim não me ocorreu antes.

Aquela havia sido a primeira manifestação de Edgar após horas de observação. Muito embora estivesse no ambiente o tempo inteiro, sua presença havia sido ignorada tanto pela rainha, quanto por seu novo secretário. Após os cumprimentos formais, nenhum deles dignou-se a dirigir-lhe a palavra, ou fazer-lhe qualquer questionamento, ou mesmo indagar qual a sua opinião sobre os assuntos em discussão. Os dois aparentavam estar totalmente entretidos em seu diálogo, de modo que o Duque havia se limitado a assistir aquele pequeno espetáculo como um olhar atônito.

Nada estava ocorrendo conforme seu planejamento, o que por si só era suficiente para lhe conferir doses cavalares de aflição. Estaria mentindo se dissesse que não concordava com boa parte dos apontamentos de Phillip, mas havia uma dúvida crescente semeada em seu íntimo que o impedia de vê-lo como alguém realmente digno daquele cargo. Tanta convicção e conhecimento de causa até então demonstrados pelo rapaz, aliados ao seu ar arrogante e ambicioso, faziam com que o jovem Avelar vislumbrasse uma bandeira vermelha, hasteada bem diante de seus olhos e que simbolizava de maneira expressa: “perigo iminente”.

— Você tem uma sugestão melhor? — Phillip questionou, com as sobrancelhas erguidas e o semblante inalterado. Durante toda a semana havia recebido alfinetadas como aquela e esforçava-se para conter as respostas atravessadas que instantaneamente brotavam em sua mente. Conseguia imaginar o motivo por trás da insatisfação do Duque, o que não necessariamente significava que se importasse.

— Considerando que temos um enorme problema econômico em mãos para solucionar, não creio que nomear uma pessoa para nos dizer o óbvio seja a medida adequada para o momento — ele desafiou, finalmente erguendo-se do estofado central e caminhando em direção ao novo Secretário. — Odarin encontra-se situada no meio de uma crise terrível, precisamos de medidas emergenciais, e não de discursos idealistas e meramente conceituais.

— Eu sinto muito ter de lhe informar que sem conhecimento teórico nós jamais chegaremos a qualquer resultado prático efetivo — retrucou o jovem Chevalier, sentindo-se pessoalmente ofendido ao ver o descaso com o qual o outro referia-se aos seus anos de estudo. — Tanto empirismo talvez sejam a razão pela qual o reino vem lutando para sobreviver apesar da abundância de recursos financeiros.

— O que quer dizer com isso? — Edgar arguiu, com incredulidade. Sabia o que tais palavras significavam, mas lhe custava acreditar que o rapaz estivesse sugestionando que a situação atual resultava de um ato doloso seu.

— Que talvez essa crise seja apenas o fruto de uma má gestão, possivelmente decorrente de uma preparação inadequada para o cargo. Sei que preparações e estudos dessa expertise necessitam de tempo e esforço para serem adquiridos, e é por essa razão que Sarah precisa se familiarizar com essa realidade o quanto antes — afirmou de modo imperioso, ainda com o usual ar presunçoso. — Entretanto, seus protestos me fazem pensar que talvez você não a julgue capaz de realizar tal intento.

— Como ousa fazer insinuações dessa natureza? — A voz de Edgar tornou-se grave e seu semblante ainda menos amigável. Portava uma seriedade que parecia não fazer jus a personalidade usualmente pacífica.

— Peço que me perdoe, mas se insiste em afirmar que minhas impressões estão erradas, preciso confessar que não vislumbro qualquer lógica que possa endossar o seu discurso — Phillip rebateu, dando um passo à frente enquanto se aproximava de Edgar com uma expressão enigmática no rosto.

Sarah observava a cena com atonicidade, o que a fez abrir e fechar a boca não uma, mas diversas vezes. Era como estar diante de dois cavaleiros, empunhando espadas afiadas e movendo-se rápido demais para que seus olhos inexperientes pudessem acompanhá-los. Não deveriam estar discutindo, muito menos atacando um ao outro à nível pessoal daquela maneira, mas não conseguia pensar em nada que fosse convincente o suficiente para fazê-los pararem.

— Eu não preciso da sua lógica. Fique ciente de que jamais diria algo assim em relação a ela. Simplesmente não vejo a menor necessidade de importuná-la com detalhes desse gênero, ainda mais quando acredito que tenho condições de contornar a situação sem os seus apontamentos nenhum pouco elucidativos.

Sua fala soou pesada, fazendo com que o ar do cômodo se tornasse imediatamente tenso. Não suportaria ouvir mais uma única fala daquele homem sem perder o controle e, ainda que estivesse transtornado com aquela tantas insinuações infundadas, não gostaria que a menina o presenciasse assumir aquele estado de nervos, em que não conseguia controlar as próprias palavras que proferia. Tal realização foi responsável por fazê-lo abandonar o Gabinete Real passos apressados e visivelmente furiosos.

Por longos e tortuosos minutos, o silêncio imperou de maneira constrangedora. A rainha permaneceu imóvel em sua cadeira, tentando digerir tudo que tinha escutado. Sentia como se tivesse presenciado um duelo feroz e não tinha nenhuma certeza de qual lado gostaria de ver como vencedor. Não aprovava as sugestões afrontosas de seu secretário na mesma medida em que desgostava da relutância de seu consorte em deixá-la governar. Sua mente estava confusa e tudo que ansiava naquele momento era descobrir a razão que fez com que o jovem Avelar se tornasse tão arredio.

— Você não o consultou antes de enviar aquele comunicado para mim, não foi? — Phillip questionou por mera formalidade, pois já tinha certeza de que seu palpite estava correto.

— Não — respondeu num sussurro, quase envergonhada de si mesma. Tinha se esquecido completamente daquele detalhe, e agora se sentia burra como uma porta por isso. — Eu não achei que fosse ser necessário.

No auge de sua angústia e frustração, ela não havia cogitado a possibilidade de Edgar ofender-se com aquela destituição sumária do cargo que tinha ocupado desde a coroação de Allen. A sensação de estupidez foi instantânea e aquele deslize serviria apenas para aumentar ainda mais o abismo que havia se instaurado entre eles. Queria reaver a cumplicidade de antes, mas seus atos apenas reafirmaram aquela distância.

— Você deveria falar com ele — o rapaz pontuou, após soltar um longo suspiro cansado. Jamais tivera paciência para lidar com situações daquela espécie, sendo essa era uma das razões pelas quais não sentia nenhum apelo por relacionamentos ou casamentos. Era provável que mantivesse o pensamento inalterado até o fim de seus dias e estava absolutamente satisfeito com aquela decisão. — Já temos problemas e mal-entendidos demais para resolver aqui, certamente não precisamos de mais um.

— Depois — a rainha respondeu com convicção, fazendo com seu Secretário erguesse uma das sobrancelhas, assumindo um ar curioso. Não era bem a resposta que ele estava esperando. Considerando sua personalidade passional e impulsiva da menina, ele imaginava que no instante seguinte a veria levantar-se correndo, em busca de seu consorte para esclarecer os fatos. — Conversaremos com calma quando nos recolhermos a noite. Edgar pode esperar, já essas pessoas dependem de mim para sobreviver a mais um inverno rigoroso.

Phillip apenas meneou positivamente, imaginando que depois daquela fala, não haveria nada que pudesse adicionar ao caso. “Lhe falta postura e conhecimento, mas está determinada a fazer as coisas corretamente. Talvez essa missão não seja tão impossível quanto eu imaginei”, divagou enquanto tomava o assento disposto diante da jovem, passando a debruçar-se sobre uma pilha de papéis, imaginando por onde deveria começar.



A despeito do peso que se abatia sobre suas pálpebras, Sarah esforçava-se para manter os olhos abertos, tentando inutilmente absorver as informações do livro aberto diante de si. No entanto, depois de quase duzentas páginas sobre economia, sua mente parecia incapaz de abarcar mais um único pensamento que fosse.

Por vezes, ela direcionava sua atenção para seu Secretário, que diferentemente de si, estava mais aceso e vibrante que a chama de uma vela. Tinha à sua frente a coleção de decretos expedidos durante o breve reinado de Allen. Dizia-lhe que não estaria apto para começar a exercer sua nova função se não conhecesse com precisão a situação em que Odarin se encontrava. Desde de seu primeiro dia naquela função, o rapaz não demonstrou outra coisa senão comprometimento  com o que se propunha a fazer. Sua dedicação era invejável e intimamente a jovem desejou ser tão diligente quanto seu novo Secretário.

— Preciso confessar que a condição dos cofres públicos do reino encontra-se em melhor estado que estive esperando — ele pontuou, finalmente manifestando-se após quase duas horas de silêncio sepulcral.

— Isso é uma boa notícia, certo? — a menina questionou, com um raio de esperança parecendo iluminar seu rosto.

— Talvez sim, talvez não. — O rapaz deu os ombros, relutante em nutrir falsa esperanças tão prematuramente. Gostava de ser objetivo e preciso, de modo que não ergueria uma bandeira da salvação antes de ter certeza do que iria fazer. — Só podemos conferir esse tipo de rótulo à uma informação dependendo do que pretendemos fazer com ela.

— Por favor, diga-me que tem um plano em mente, pois nada de útil me ocorre no momento — a rainha praticamente implorou, sentindo todo o cansaço e tensão acumulados acertarem-lhe como uma marretada.

— Vamos acabar articulando alguma coisa, eventualmente. Tenho algumas ideias, mas pretendo ponderá-las um pouco mais — enquanto falava, Phillip inclinou em direção ao chão, onde havia uma pilha consideravelmente grande de livros seus dispostos ao lado da mesa em que trabalhavam. Seus olhos ágeis percorreram cada um dos títulos, duas vezes seguidas. Não encontrar o que procurava fez com que ele murmurasse um praguejo, que imediatamente chamou a atenção de Sarah. — Maldição, como pude esquecer justamente esses?

Com impaciência e aborrecimento, o jovem Chevalier ergueu-se de seu assento num salto rápido. Seu movimento súbito fez com que ela despertasse de repente, sentindo certo pânico em ser deixada para trás apossar-se de seus ossos.

— Espere, onde pensa que vai? — questionou de imediato, sua voz soando mais esganiçada e desesperada do que gostaria.

— Tem alguns livros muito importantes que eu gostaria de lhe mostrar, mas tenho quase certeza de que esqueci de colocá-los em minha mala. Perdoe-me pela interrupção de nossos trabalhos, mas receio que terei de ir buscá-los na cidade. Além disso, você parece exausta, de modo que imagino que seja prudente encerrarmos por hoje.

— Compreendo — ela respondeu, um tanto aliviada com a certeza de que ele estaria de volta em breve. — E a que horas pretende retornar?

— Por que está me fazendo essa pergunta? — indagou o rapaz, já com uma das mãos sobre o trinco da porta. Portava uma expressão confusa, e até mesmo surpresa.

— É que nos últimos meses temos sido praticamente só Edgar e eu nesse castelo. Ele vinha requisitando as refeições somente quando tinha fome, mas agora que você está aqui, imagino que seja adequado questioná-lo a que horas gostaria de jantar.

Sarah mexia nervosamente os dedos, tendo consciência de havia feito algo que não era adequado, embora não soubesse precisar o quê. Ela percebeu o momento em que Phillip afastou-se da porta e retornou para a mesa onde estavam trabalhando juntos instantes atrás. Trazia um semblante sério e seus passos pareciam bastante decididos.

— Você não precisa fazer esse tipo de pergunta ou mesmo pedir permissão para praticar certos atos — ele afirmou com a voz baixa, quase numa confidência. Tinha os punhos apoiados sobre a mesa e o corpo ligeiramente inclinado na direção da jovem. — Você é a rainha, pode e deve fazer as coisas da forma como lhe agradar mais. Cabe aos demais tão somente lhe obedecer, compreende? Seus dias de abaixar a cabeça e requerer concessões acabaram, e quando finalmente tiver assimilado esse fato, finalmente passará a agir como a governante que almeja ser.

A menina permaneceu imóvel durante longos segundos, presa debaixo daquele olhar penetrante vindo de seu Secretário. Havia um mudo entendimento de que, quanto mais tempo eles permanecessem estáticos ali, maior seria a probabilidade daquela mensagem ser internalizada por ela. Imaginando que deveria fazer algo, Sarah limitou-se em assentir positivamente e logo se viu sozinha dentro de seu gabinete.

As palavras do jovem Chevalier ressoavam em sua mente, como um eco distante, mas muito nitidamente presente. Sua realidade mudara da água para o vinho em um piscar de olhos e sabia que adequar seu comportamento ao novo cargo resultaria num desafio tortuoso e diário. Quantas vezes teve sua voz silenciada pelos mais velhos, principalmente por seu irmão? Quantas vezes seus desejos foram reprimidos por não estarem de acordo com os costumes ou a “boa educação”? Ordenar ao invés de ser ordenada seria como inverter sua própria existência, mas ela precisava fazê-lo.

Erguendo-se de seu assento, ela decidiu deixar sua sala para trás, assim como o trabalho atinente ao seu cargo. Ainda refletia sobre as palavras de Phillip e, sem que se desse conta, seus pés a conduziram até seu quarto por mera força do hábito. A porta do quarto fora aberta distraidamente, mas ela sequer chegou a adentrar no ambiente. O local estava vazio, sem o menor sinal de seu consorte. Fazia muitas horas desde a última vez que haviam se visto e constatar sua ausência deixou-a receosa de imediato.

Tentando acalmar os próprios ânimos, Sarah partiu em busca de Edgar, percorrendo todos os cômodos onde imaginava que ele pudesse estar. O estúdio de música, a saleta para visitas, a sala de jantar, em nenhum desses lugares havia sequer o rastro do Duque, o que apenas fazia sua ansiedade aumentar. Por fim, dirigiu-se à biblioteca, o último canto onde iria procurá-lo antes de acionar a Guarda Real. Sem qualquer cerimônia, a jovem invadiu o largo cômodo de maneira ruidosa. Seus passos apressados eram barulhentos e se Evangeline a visse naquele momento, era certo de que receberia um belo sermão acerca de seus modos. No entanto, não havia tempo para pensar naquilo, de modo que o devaneio rapidamente escapou de sua mente.

Avançava pelos corredores, mas todos estavam como sempre estiveram: abarrotados de papel mofado e sem nenhuma presença humana. Dirigia-se à última fileira de estantes com uma agonia crescente em seu peito.

Foi com profundo alívio que seus olhos capturaram a imagem de seu consorte, sentado de forma desleixada sobre o parapeito da janela. Sua cabeça encontrava-se apoiada contra a vidraça e tudo lhe indicava que ele estivesse parcialmente desacordado.

— Finalmente encontrei você! — ela exclamou com alegria, finalmente diminuindo a velocidade de seus passos enquanto aproximava-se dele.

Edgar não havia efetivamente adormecido, mas permanecera imóvel por tanto tempo, numa espécie de estado de latência, que quase acreditou que estivesse realmente desacordado. Suas pálpebras se moveram pela primeira vez em horas em função do barulho excessivo causado pela menina. Constatar a presença de sua companheira não pareceu animá-lo nenhum pouco, de modo que o rapaz continuou inerte, apenas aguardando o inevitável momento em que ela o alcançaria.

A falta de reação por parte de seu consorte fez com que Sarah não soubesse ao certo como reagir. Estava aliviada de tê-lo encontrado e ver que nada terrível havia lhe acontecido, mas receber nada mais do que um olhar apático era frustrante. Não havia se esquecido do desentendimento de horas atrás, mas esperava ao menos uma recepção minimamente calorosa.

— Não o vi em nosso quarto e fiquei preocupada, imaginando que algo pudesse ter acontecido — ela arriscou, colocando-se de pé diante do Duque. Somente então pôde perceber a garrafa de vinho de pendia displicentemente em uma de suas mãos, fazendo com que crispasse os lábios, visivelmente incomodada. — Será que podemos conversar por um instante?

— Sobre o quão maravilhada você está com a eloquência dos discursos do seu novo Secretário Real? — ele retrucou com a voz baixa, em tom de deboche. Afora isso, havia algo em sua fala que a jovem julgou ser uma pontada de mágoa, ocasionando um rubor envergonhado em sua face. — Sabe, me entristece ver que você sempre insinuou que esse meio a enjoava, mas agora que efetivamente faz parte dele, parece estar encantada com todo o poder que possui.

— Não! Edgar, isso tudo é muito novo para mim e ainda não tenho ideia de como transitar nesse tipo de ambiente com a naturalidade que Allen costumava ter. Dê-me algum tempo e eu irei aprender a fazê-lo! — Sua voz saiu esganiçada, temerosa de que aquelas ideias absurdas encontrassem solo fértil na mente de seu consorte. — Me desculpe, eu estava nervosa naquele dia, apenas fiz a primeira coisa que julguei ser benéfica na ocasião…

— Nervosa? Longe disso, você desrespeitou e afrontou todos os nobres ali presentes com muita autoridade. Nenhuma pessoa no mundo poderia julgar aquilo como o ato sobressaltado.

A resposta atravessada a fez mordiscar o lábio inferior de maneira ansiosa, sentindo-se como uma criança pequena que recebe um sermão de seus pais por alguma brincadeira inadequada. No entanto, era muito pior que isso. Ainda que soubesse que parte daquela indiferença se desse em função do degradante efeito do álcool, não podia deixar de sentir algum ressentimento com aqueles apontamentos diretos.

Enquanto ponderava uma resposta, seus olhos involuntariamente recaíram sobre o vinho e a visão lhe causou profundo aborrecimento. Quando estavam em Newreen, achava que poderia fazê-lo abandonar o terrível vício, mas bastou retornarem para Odarin e antigo tormento de seu consorte recomeçou. Nos últimos tempos, estava bebendo ainda mais do que antes, sendo poucas as vezes que o encontrava sem que o cheiro de vinho ou conhaque estivesse acompanhando-o. Chegava até mesmo a cogitar o quão rechaçada seria se mandasse destruir todas as bebidas existentes no castelo. Era o tipo de ideia que merecia ser amadurecida,se isso pudesse impedi-lo de destruir a si mesmo daquela forma.

Suspirando profundamente, a menina tentou ignorar o assunto, concentrando-se em resolver as pendências mais urgentes.

— Eles bem que mereceram, me desrespeitaram primeiro — ela rebateu com a voz baixa, sem muita certeza de suas palavras. Segurava ambos os braços, como se tentasse proteger a si mesma de uma ameaça invisível, mas que instintivamente sabia estar presente.

— Então esse é o seu plano? — ele questionou, em meio a uma risada de pura incredulidade. — Bater de frente com todos aqueles que não concordam com você, sem minimamente ponderar as consequências?

— Será que não compreende que eu não tenho ideia de como agir? — ela gritou em resposta, sentindo algo dentro de si explodir repentinamente. — Você me diz para abaixar a cabeça e aceitar tudo que os nobres dizem, mas Phillip acha que devo me impor, pois só assim serei respeitada como a governante que sou! Eu não faço ideia de como agir e se vocês dois permanecerem em confronto dessa forma, não chegaremos a lugar algum!

— Faça como preferir, Sarah. Afinal de contas, você é a rainha — o jovem Avelar balançou as mãos, em um gesto de desistência. Não tinha ânimo para sustentar uma discussão como aquelas, ainda mais com alguém tão teimosa quanto a menina à sua frente. — Imagino que não faça muito sentido para alguém na sua posição receber conselhos e direcionamentos de alguém como eu.

— Você está sendo injusto comigo — a rainha proferiu, de maneira pesada. — Está me abandonando justamente quando mais preciso do seu apoio e das suas diretrizes...

— Será que precisa mesmo? — ele respondeu, enquanto a encarava com o olhar vazio, sem ânimo ou emoção evidentes. — Se quer minha opinião, continue como está. Ouça o que Phillip tem para lhe dizer, se acha que ele pode acrescentar-lhe qualquer coisa que seja útil.

Sem saber o que poderia falar diante de tamanho descaso, ela se manteve em silêncio, analisando seu consorte com um misto de raiva e pesar. Estava ali, diante de si, um enorme abismo que apenas aumentava a cada momento. Embora dialogassem, era como se falassem idiomas distintos. Não conseguiam mais estabelecer uma comunicação amigável ou com a cumplicidade de antes.

Resignada e sem mais nada para acrescentar, Sarah cogitou empregar uma tímido afago, chegando a erguer uma das mãos na direção do cabelo claro de  Edgar, mas desistiu logo em seguida. Não fazia sentido empregar um gesto de carinho quando tudo que saia de seu coração naquele momento era mágoa e decepção. Com passos tímidos e silenciosos, ela se retirou da biblioteca, apesar de toda a relutância em partir e deixá-lo para trás.

 

— O que está acontecendo? Por que não está respondendo nenhuma de minhas cartas?

A voz estridente de Florence ecoava pela casa como uma trombeta defeituosa. Phillip rezou durante todo o percurso do castelo até sua antiga morada para que não a encontrasse lá, mas ao ver que seu singelo pedido não fora atendido apenas reforçou sua ideia de que não havia ninguém num plano superior que efetivamente zelasse pelo seu bem estar.

— Estou abarrotado de tarefas, como deve imaginar. Além disso, responder suas cartas com anseios desesperados por fofocas acerca da vida pessoal da rainha não se encontram na minha lista de prioridades — respondeu o rapaz, sem lhe conferir muita atenção. Tinha as duas mãos apoiadas numa de suas estantes de livros e seus olhos varriam as prateleiras de maneira ágil, em busca dos exemplares de que tanto necessitava. O único revés de possuir livros demais é que acaba tornando-se impossível encontrá-los justamente quando mais se precisa deles.

— Quanta grosseria! Não seja tão exagerado, fui bastante delicada e perguntei como estava em todas as minhas correspondências — retrucou a Baronesa, aproveitando a desatenção do mais novo para fechar o semblante, evidenciando seu desagrado com a falta de comunicação com a corte.

— Sua preocupação é realmente tocante, peço desculpas pela minha negligência diante de seus cuidados maternais — Phillip devolveu com ironia, abandonando a segunda prateleira e dirigindo-se para a terceira, ainda sem encontrar o que buscava. — Sarah está fazendo um ótimo trabalho, você ficaria impressionada.

— Faz-me rir! — Florence exclamou, não conseguindo conter uma risada de deboche. — Seu pai comentou conosco todos os disparates proferidos por essa moça logo em sua primeira reunião. Eu sempre soube que ela muito esperta, mas afrontar as famílias fundadoras dessa forma é um desrespeito sem precedentes.

Revirando os olhos para si mesmo, o jovem Chevalier sequer deu-se ao trabalho de refutar o comentário maldoso. Seu semblante se iluminou assim que os livros que desejava finalmente cruzaram seu campo de visão. Eram três volumes grossos e um tanto surrados, mas que continham informações valiosas. Uma última conferida na prateleira e já se sentia pronto para retornar ao castelo. Seria uma longa noite de estudos e ele estava mais do ansioso para começar.

O filho mais novo do Barão não se incomodou em esboçar qualquer gesto de despedida ou mesmo responder às perguntas inconvenientes e oportunistas de sua mãe. Estava farto daquele ambiente funesto e seu ímpeto era de afastar-se dali o mais rápido do possível. Torcia para que nunca tivesse que residir em definitivo naquela casa novamente, pois não possuía nenhuma boa lembrança do local. Exceto, talvez, pela possibilidade de conhecer a princesa. Ele não tinha muita certeza disso ainda.

O Secretário Real aproximou-se apressadamente de sua carruagem, pronto para retornar, até que uma imagem em meio a multidão de transeuntes lhe chamou a atenção. Delia caminhava lentamente, aparentando estar distraída com esses próprios pensamentos. Trazia consigo uma robusta bolsa de palha, com muitos tipos de grãos e verduras, provavelmente suas provisões para o inverno. Phillip jamais havia cozinhado ou feito compras daquela espécie em sua vida, mas não precisava de muito conhecimento de causa para saber que a quantidade era insuficiente para quatro pessoas se alimentarem decentemente durante os meses seguintes. Imaginava o quão difícil deveria ser para a moça sustentar três crianças que sequer eram suas e, intimamente, ele admirava seu esforço. Muitas mulheres já teriam se arriscado em caminhos mais duros e menos dignos, mas a ruiva parecia resoluta em crer que somente o fruto de seu trabalho duro seria o bastante.

Como um estalo, uma ideia inusitada brotou em sua mente e o rapaz não conseguiu conter um meio sorriso, imaginando que seria recebido com alguma agressividade, mas que usando os estímulos certos, conseguiria fazê-la ceder a concordar consigo e aceitar sua oferta. “Hora de testar até onde vai meu poder de persuasão”, pensou enquanto acomodava seus livros dentro da cabine da carruagem, para então caminhar em direção a camponesa que descia a rua, seguindo na direção de sua própria casa.

— Voltando do mercado? — ele questionou em voz alta, e percebeu um certo estremecimento no corpo da moça ao ouvir sua voz, o que fez com que seu sorriso sarcástico se enlarguecesse um pouco mais. Apesar disso, ela não parou de caminhar e continuou como se não tivesse o escutado. — Precisa de ajuda com as compras?

— Eu preferiria morrer de fome — Delia respondeu, praticamente cuspindo as palavras no chão, sem nem ao menos diminuir o ritmo de suas passadas.

— Será que prefere mesmo? — A pergunta retórica e presunçosa fez com que ela retivesse sua caminhada por um instante, tornando o rosto em sua direção, confusão quanto a real intenção por trás daquelas palavras. — Tenho uma proposta para você.

— A resposta é não — devolveu a camponesa de imediato, sem pensar duas vezes, retomando seus passos. Afora o fato de tê-la ajudado a ingressar no baile de coroação de Allen - algo que atualmente ela preferiria que ele não tivesse feito -, nada que tivesse partido daquele homem lhe trouxera outra coisa senão aborrecimento.

— Recentemente minha família perdeu uma de nossas criadas e a vaga tem estado desocupada desde então. Não há muito trabalho, se comparado com o que já está habituada a fazer, além da remuneração ser bastante razoável — o rapaz continuou, sem dar ouvidos à sua negativa inicial. Segurava as mãos atrás das costas, numa pose elegante e a expressão em seu rosto se assemelhava a de uma cobra, prestes a atacar. — É o tipo de oferta que não há como recusar.

— Eu, trabalhando para você? — A ruiva não conseguiu conter uma ligeira risada de deboche. Não tinha como ele estar falando sério, haveria de ser mais uma de suas intervenções de péssimo gosto.

— Para ser preciso, estaria trabalhando para minha família e não para mim diretamente. Além do mais, eu já não moro mais com eles.

— Esqueça, eu já lhe disse que preferiria morrer de fome! — a jovem exclamou com impaciência.

— Não seja tão orgulhosa, estamos no meio de uma recessão, com meses rigorosos à vista e estou aqui humildemente lhe oferecendo uma oportunidade de ouro. Compreendo que não simpatize com a ideia de pronto, mas imagino que existem outros aspectos aos quais você gostaria de considerar antes de responder, não concorda? — Mais uma vez, a camponesa interrompeu sua viagem, desta vez aparentando estar paralisada em função das palavras que acabara de ouvir. Dirigindo um olhar receoso para Phillip, ela percebeu o ar de vitória que ele carregava e, imediatamente, o significado que as palavras carregavam. — A proposta acabou de se tornar mais interessante, não é mesmo?

A sobrancelhas da jovem estavam juntas e seu conflito interno era mais do que evidente. Não mentiu quando dissera que preferiria morrer de fome, mas estava sendo egoísta ao pensar somente em si ao recusar sumariamente aquela oferta. Tinha três crianças pequenas para cuidar e um trabalho fixo certamente seria a saída ideal para cuidar deles com mais algum conforto.

Embora viesse evitando o assunto, não poderia enganar a si mesma por muito tempo. A intensa carga de trabalho do verão havia gerado bons frutos, mas, ainda assim, o inverno sempre era uma temporada conturbada. Quando estava com Marco, o rapaz fazia questão de ajudá-la para que nada lhe faltasse. Agora, suas visitas se tornavam cada vez mais raras, pois a condição de sua mãe piorava paulatinamente. Elliot, da mesma forma, encontrava-se empenhado em seu trabalho no castelo, além de auxiliar seu pai nos serviços de jardinagem. Manter os pequenos alimentados e bem vestidos estava lhe custando mais do que poderia ter imaginado e o encargo vinha se tornando difícil de suportar sem o auxílio dos dois rapazes.

Ela não queria aceitar. Mas estaria ignorando as necessidades de sua família se não o fizesse. Assumira uma responsabilidade e tinha que honrá-la até o fim. Com os lábios crispados, a jovem tornou a olhar para o inconveniente rapaz que somente a atormentava nos últimos meses. Estava em pé diante de si, aguardando pacientemente por sua resposta, oferecendo-lhe aquilo que preveniria o sofrimento dos órfãos que residiam consigo. Resignada, soltou um suspiro cansado, antes de responder em voz baixa:

— Quando devo começar?


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