The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 33
Capítulo XXXIII - 26 de Novembro de 1872


Notas iniciais do capítulo

Olá meus queridos, tudo bem?
Antes de mais nada, gostaria de me desculpar por não postar semana passada. Muitas provas e trabalhos na faculdade, para não falar da recente crise de anemia que estava me deixando um tanto improdutiva.

Gostaria de deixar um questionamento aqui é muito importante para mim que todos respondam. Ultimamente não tenho ficado 100% satisfeita com a minha escrita. Relendo alguns capítulos, achei que alguns personagens estavam rasos demais ou que alguns fatos pareciam não fazer sentido dentro da história, ao menos não da maneira como escrevi. Algum de vocês tem tido essa mesma impressão ou tem algo que gostaria de acrescentar? Pergunto isso, pois venho resistindo ao ímpeto de deletar a história e rescrevê-la desde o começo, modificando alguns pontos que não estão em agrandando muito. Não quero que vejam isso como uma ameaça nem nada do gênero, tenho convicção de que devo terminar antes de escrever uma eventual segunda versão, mas sou um tanto ansiosa e imediatista, então esse retorno é importante para mim.

Outra coisa que gostaria de perguntar é se algum de vocês ficaria muito aborrecido se as postagens passassem para um período de 10 em 10 dias, ao invés de 7 em 7. Explico: trabalho muito bem com metas, então postar semanalmente estava funcionando super bem. Ocorre que estou chegando ao final do curso, um tanto sobrecarregada de atribuições e acho que alguns dias a mais me ajudariam a entregar um trabalho melhor para vocês. No caso, as postagens ficariam alternadas: uma semana no sábado/domingo e a próxima numa quarta.

Peço gentilmente que respondam a esses questionamentos, seja nos comentários ou via MP, pois eles me darão um norte de como deverei prosseguir. Por ora, era isso que gostaria de dizer. Espero que gostem do capítulo de hoje ~



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/739237/chapter/33

Escorada contra o grande portão de madeira, as feições da jovem de cabelos castanhos transpareciam um misto de seriedade e rigidez, duas características que não condizem com sua personalidade enérgica. Enquanto observava os vastos campos que rodeavam o castelo, que àquela altura já estavam cobertos por folhas amarelas, ela divagava no quanto gostaria de poder pintar aquela paisagem, de modo a imortalizar a beleza no cenário. No entanto, logo se recordou que seus dotes artísticos eram praticamente inexistentes, e os últimos meses ilustraram com bastante propriedade o quão despreparada e imprestável ela era.

Foram dezenas cartas para responder, muitos comunicados oficiais para redigir e outras tantas coisas para deliberar que jamais teria dado conta se não fosse pela ajuda de Edgar. Muito embora ele fosse sempre bastante solicito e fizesse questão de acompanhá-la em todos os seus compromissos, era impossível não perceber o quão exausto estava. Ainda não parecia ter se recuperado da morte de Allen e a maior prova disso residia no fato de que vinha sendo atormentado por constantes pesadelos. Acordava assustado e aos gritos quase todas as noites, levando longos minutos para se acalmar até finalmente perceber que tudo não passava de um sonho ruim. Embora ela mesma não conseguisse compreender, algumas vezes ele balbuciava coisas estranhas, como se julgasse ter sido responsável pelo falecimento do monarca. As cenas lhe partiam o coração e a jovem simplesmente não sabia como reagir, demonstrando mais uma vez sua inaptidão para fazer alguma coisa realmente útil.

Enquanto seu consorte angustiava-se com a estúpida ideia de ter tido alguma culpa pelo óbito de seu irmão, ela não sabia ainda precisar como se sentia em relação à perda de mais um familiar. Seus sentimentos eram confusos e conflitantes na maior parte do tempo. Ainda que seu convívio não estivesse sendo nada amigável nos últimos meses de sua vida, seria impossível não sentir falta daquela figura enigmática. Apesar de tudo, a imagem protetora e generosa do mais velho ainda permanecia viva em sua mente e lhe causava uma espécie de saudosismo difícil de descrever, mas que poderia ser fisicamente comparado a um forte aperto em seu coração.

Naquela manhã, após despertar de um sono nem um pouco relaxante, Sarah teve a urgente necessidade de sair do castelo o mais rápido possível, uma vez que sentia-se estranhamente sufocada dentro daquelas paredes elegantemente ornamentadas, a despeito das dimensões generosas de seu cômodo. Não teve coragem de avisar a Edgar aonde ia, pois ele dormia tranquilamente pela primeira vez em muitos dias. Saiu sem fazer barulho e rumou em direção ao único lugar onde ainda se sentia confortável consigo mesma.

O relincho dos cavalos chamou-lhe a atenção e ela tornou a entrar nos estábulos, sentindo-se invadida por um ligeiro ar de nostalgia. Havia grandes pares de olhos escuros voltados para si, e a jovem se deixou levar pelas melhores lembranças que tinha daquele local, enquanto seus dedos subiam e desciam distraidamente sobre o focinho de um dos animais.

Fazia muito tempo desde a última vez que estivera ali e quase havia esquecido o quanto a presença dos equinos acalmava seu espírito inquieto. Apesar de continuar sendo seu local favorito no castelo, era um tanto doloroso entrar lá e recordar-se de um período em que não havia maiores obrigações. E imaginar que, alguns anos atrás, suas lições de caligrafia eram o maior obstáculo entre ela e a felicidade. “Pequenos pedregulhos subitamente se tornaram montanhas e eu ainda não faço ideia de como escalá-las”, pensou com certa melancolia, enquanto sentia a textura macia do pêlo dos cavalos. Abaixando a cabeça lentamente, Sarah encostou a testa contra a franja do cavalo que acariciava. Àquela altura, já não haviam mais lágrimas para serem derramadas. Tudo que lhe restava era uma estranha sensação de vazio.

Caminhando com passos vagarosos e ainda se sentindo meio sonolento, Elliot adentrou em seu principal local de trabalho enquanto esfregava o rosto sem qualquer delicadeza, forçando-se a despertar apesar do tempo frio. De repente, seus pés pareciam pesar uma tonelada e ele prendeu a respiração por um segundo. Aquilo não passava de uma resposta natural de seu corpo à presença da princesa. Tentando não demonstrar seu próprio incômodo, ele seguiu em direção ao barril onde guardava a mistura para alimentar os equinos, ignorando sua presença tanto quanto possível.

— Até quando pretende fingir que não me conhece? — ela questionou, sem se afastar do animal, logo que se deu conta de que tinha companhia. Mesmo aguardando longos minutos, não houve resposta alguma, deixando-a imediatamente irritada com aquele silêncio constrangedor. — Será possível que você se envergonha tanto assim de ter tido um envolvimento comigo?

— Eu não estou fingindo. — A menina até mesmo pensou em retrucar aquela afirmação, mas o tratador não lhe deu tempo hábil para tal e prosseguiu sua fala, totalmente indiferente aos sentimentos que um dia nutriu com tanto fervor. — Você mesma deixou claro de que não havia nada entre nós quando arbitrariamente decidiu se casar com um nobre qualquer. Não me culpe pelas suas decisões, estou apenas seguindo o seu exemplo.

— Quanto tempo vai levar até que possa me perdoar? — a jovem questionou com impaciência.

— Não acho que algum dia conseguirei perdoá-la por isso — Elliot respondeu, deixando evidente seu descaso enquanto dava os ombros, sequer se dignando a encará-la nos olhos. — Para sincero, não consigo sequer imaginar o que lhe deu a ideia de que eu iria.

— Por céus, o mundo não é movido pelos meus desejos, você sabe bem disso! Acha mesmo que eu gostaria de ter me casado naquelas condições? — Sarah esbravejou, finalmente revelando sua fúria e inconformidade com aquela situação. Estava cansada de receber alfinetadas a cada encontro, principalmente quando ainda nutria alguma esperança de reaver a antiga amizade.  Ela sentia falta de um ombro amigo mais do que tudo, mas não tinha ideia do que fazer para restabelecer os laços perdidos. — Você sabe, melhor que qualquer outra pessoa, de como eu gostaria de ter me casado por amor, e não por imposição.

— Sei? Você não me pareceu nada infeliz quando retornou de viagem. Ouso até mesmo dizer que está bastante satisfeita com a sua escolha — o rapaz retrucou, pela primeira vez deixando um olhar pesado transparecer em seu rosto. Embora não tencionasse admitir em voz alta, intimamente ele sentia falta de sua antiga amiga. Mas, diferentemente da jovem, não lhe parecia tão simples dissociar a imagem de sua companhia de infância da amante apaixonada.

— Não sou obrigada a sacrificar a mim mesma para provar algo a ninguém! — Sua voz soou mais alta do que esperava, o que inquietou alguns cavalos de imediato. O olhar no rosto de Elliot suavizou novamente, retornando à indiferença que tanto lhe machucava. — Eu não desejei nada do que aconteceu, mas não ficarei remoendo meus fracassos somente para acalentar seu coração estúpido.

— Está certa. Quem eu sou, no final das contas? Um mero tratador de cavalos, diante de ninguém menos do que a rainha de Odarin. — Aquelas palavras atravessaram o coração de Sarah como uma flecha, subitamente fazendo-a sentir-se muito pequena e frágil. Ser desprezada já estava sendo algo difícil de suportar, mas receber aquele nível de indiferença, fazendo-o chamá-la por seu cargo oficial era absolutamente insustentável. — Peço perdão pelo meu comportamento, Majestade. Agora, se me dá licença.

Tornando-lhe as costas, Elliot optou por deixar suas funções de lado por um momento, abandonando os estábulos no intuito de esfriar a cabeça. Se ficasse ali por mais tempo, acabaria proferindo mais coisas das quais se arrependeria depois, apesar de todo o seu inconformismo e sua revolta. Mesmo com o distanciamento que enfrentavam, ele sabia exatamente o que precisava dizer para conseguir determinadas reações e, nos últimos tempos, seus esforços pareciam voltados a magoá-la todas as vezes que eventualmente se viam.

Sarah estava longe de ser considerada uma pessoa paciente ou mesmo compreensiva, mas esforçava-se para relevar todo o rancor que vinha recebendo gratuitamente. Tinha esperança de que, em algum momento, o rapaz aliviasse seu coração magoado e pudesse perdoá-la depois de julgar já ter-lhe feito sofrer o suficiente.

Tomada pela sensação de sufocamento de antes, a menina não tardou a concluir que já não podia permanecer ali. Com o olhar zonzo e os pés relativamente cambaleantes, ela caminhou sem rumo, tão compenetrada em seus pensamentos e no bolo que se formara em sua garganta, que sequer percebeu que os ladrilhos de pedra lhe levavam de volta para o castelo. Somente ao esbarrar fortemente contra alguém foi que a jovem voltou a si. Seus olhos se focalizaram na figura de seu consorte, que a encarava com um misto de cansaço e preocupação.

— Finalmente a encontrei! — exclamou com certo alívio, enquanto afagava os ombros de sua companheira para certificar-se de que estava tudo bem com ela. — Evangeline está lhe procurando há um bom tempo.

— Me perdoe, eu precisava de um pouco de ar fresco e não quis acordá-lo — ela justificou, finalmente sentindo seu mal estar se dissipando. Instintivamente, seu corpo pendeu para frente e ela repousou a cabeça sobre o peito do rapaz enquanto agarrava suas vestes com força. O Duque era à última pessoa diretamente ligada a sua família, o único porto seguro que ainda possuía. Perdê-lo seria o mesmo que decretar sua ruína, não tinha nenhuma dúvida quanto a isso.

— Está tudo bem? — Ambos estavam bastante fragilizados com a série de mortes e acontecimentos inesperados que se sucederam. No entanto, era impossível negar que havia uma responsabilidade muito maior sobre ela do que em si próprio. Ele continuaria como Duque e Secretário Real, enquanto Sarah teria de assumir o trono de Odarin, uma assustadora realidade que jamais havia lhe ocorrido pensar.

— Todos esses anos se resumiram em minha ânsia desesperada de voltar para casa. Sempre achei que, retornando para o lugar onde eu nasci, a vida finalmente teria algum sentido. — Seu rosto permaneceu escondido durante toda a sua fala. A jovem não queria revelar as bochechas avermelhadas em função de seu nervosismo incontrolável. — No entanto, nada mudou. Continuo me sentindo a mesma menina ingênua e imprestável de dez anos atrás. Há muitas coisas que eu gostaria de fazer, mas simplesmente não sei como, ou mesmo por onde começar. É uma terrível sensação de impotência e eu não estou sabendo lidar com isso.

— Você vai aprender mais rápido do que imagina, logo estará habituada a todos os procedimentos e formalidades.

— A vida é feita de altos e baixos, mas recentemente tudo que tivemos fomos “baixos” — ela respondeu, em meio a uma ligeira risada amarga. Estava um tanto desacreditada em qualquer possibilidade de melhora em sua vida.

— Escute, sei que esses meses foram uma sucessão de desastres e que tem sido muito difícil lidar com tudo — enquanto falava, Edgar usou as mãos para erguer o rosto da princesa. Para o seu alívio não havia mais lágrimas ali, o que simbolizava um pequenino avanço, mas muito significativo. — Eu não posso prometer que tudo irá melhorar em breve, mas posso prometer que você não estará sozinha.

— Confesso que não sei como agradecer por tudo que tem feito por mim — ela respondeu, enquanto tentava esboçar um tímido sorriso, que foi prontamente correspondido.

Desde a cerimônia de casamento, o relacionamento entre os dois havia se tornado algo praticamente impossível de definir. Eles mantinham fielmente a promessa de cuidar um do outro, colocando-se sempre à disposição nos eventuais períodos de fraqueza. No entanto, um matrimônio não era feito apenas de cuidados e gentilezas. Edgar sempre fora responsável por todas as investidas, tendo ainda o zelo em avaliar quais os momentos adequados para tentar uma aproximação. Todavia, tais gestos se tornaram cada vez mais raros e Sarah estaria mentindo se dissesse que não sentia falta deles. Tinha certeza que se sentiria mais segura se tivesse seu consorte envolvendo-a ocasionalmente.

Num ímpeto de buscar aquilo que lhe faltava, a jovem reuniu toda a coragem e colocou-se na ponta dos pés, elevando ao máximo seu corpo enquanto usava uma das mãos para direcionar o rosto de seu consorte para si. Antes mesmo que o Duque pudesse se dar conta de suas intenções, ela selou seus lábios, sentindo-se extremamente audaciosa por estar tomando a iniciativa, ao mesmo tempo que incerta por não saber precisar como sua atitude seria recebida.

Para sua decepção, o gesto não foi retribuído em momento algum. O rapaz manteve-se imóvel, como se estivesse surpreso demais para esboçar qualquer reação. A falta de carícias delicadas, abraços ou mesmo qualquer menção corresponder o beijo fez com que a menina se sentisse profundamente constrangida, afastando-se poucos segundos depois.

Na realidade, Edgar não se sentia merecedor de tal demonstração de afeto, principalmente quando sabia ter sido ele o causador da provação que Sarah estava sendo obrigada a enfrentar. Para sua angústia, ele não podia compartilhar tais pensamentos, deixando desconcertado com a situação toda.

— Acho que está na hora de voltarmos — limitou-se a comentar, logo após pigarrear sugestivamente, quando finda a tímida carícia. — A cerimônia vai começar em poucas horas e não devemos nos atrasar.

Com certa resignação e acanhamento, Sarah apenas assentiu positivamente, acompanhando-o em sua caminhada de volta ao castelo. Embora já estivesse acostumada aos momentos de silêncio contemplativo, não podia deixar de se incomodar com a falta de diálogo naquela ocasião. Esperava com certa ansiedade qualquer palavra vinda de seu consorte que a fizesse se sentir menos estúpida. “Ele provavelmente deve estar pensando como sou vulgar. Uma imagem realmente adequada nas circunstâncias atuais”, ela pensou ironicamente, sentindo uma súbita vontade de beliscar a si mesma por ser tão impulsiva nas piores ocasiões.

Edgar é meu amigo, e não meu amante. Sinceramente, não sei o que me fez pensar que as coisas poderiam ser diferentes do que são”, ela pensou com melancolia, enquanto aproximava-se cada vez mais da entrada de sua morada. “Creio que não estou sendo justa com ele. Como posso cobrar sentimentos quando eu mesma não tenho certeza do que sinto por ele?”.



Sentada diante da penteadeira que um dia pertenceu à Beatrice, a menina aguarda por uma série de sermões vindos de sua governanta por ter saído antes de um evento oficial tão importante. No entanto, Evangeline limitou-se a dizer que deveriam se apressar e agora cantarolava baixinho uma música indecifrável enquanto tentava domar suas madeixas rebeldes.

Sarah não se recordava de tê-la visto tão calma e despreocupada em toda sua vida. Não ignorava o fato de que Evangeline jamais tivera um relacionamento amigável com seu irmão, embora nunca tenha compreendido a razão para tamanha inimizade. Intimamente, ela se questionava se o súbito bom humor teria alguma relação com o falecimento do mais velho, embora duvidasse muito da possibilidade.

Erguendo o rosto por um instante, a jovem vislumbrou sua própria expressão estampada no reflexo do espelho. Jamais lhe fora permitido o uso constante ou excessivo de maquiagem, e naquela ocasião usava apenas um pouco de pó de arroz disfarçasse as olheiras. Em seu pescoço, trazia um dos presentes mais preciosos que já tinha recebido, e esperava sinceramente que o objeto lhe desse um pouco da força e elegância de sua antiga dona.

— Há pouco mais de um ano tivemos a coroação de Allen. Me recordo bem, na ocasião indaguei a Beatrice se ela não estava nervosa de se tornar a nova rainha de Odarin. Ela disse que não havia motivos para nervosismo, pois era uma formalidade como qualquer outra — comentou, com um ar distraído, enquanto acariciava o colar de pérolas havia ganho da loira em seu aniversário de quinze anos. — Tenho certeza de que ela saberia exatamente o que fazer numa situação como essa.

— Beatrice teria sido uma rainha excepcional — Evangeline respondeu, sua voz soando serena como nunca antes. — Infelizmente, nem sempre as coisas acontecem como esperamos. Onde quer que ela esteja, estará torcendo pelo seu sucesso. Não se preocupe, você não irá desapontá-la.

— Tem estado tão calma ultimamente… Aconteceu alguma coisa que não me contou?

— De modo algum. Estou focada em outros assuntos no momento, não tenho mais tempo disponível para nervosismos desnecessários.

A resposta arrancou uma tímida e fraca risada de Sarah, que logo voltou a afagar as delicadas contas que adornavam seu pescoço pálido. Enquanto isso, a governanta terminava de trançar os cachos castanhos, que logo estariam dispostos num coque alto. Era bem verdade que em outra ocasião estaria uma pilha de nervos, ainda mais considerando que estavam há poucos minutos de uma cerimônia daquele porte. Mas seus dias de aflição pareciam finalmente ter chegado ao fim, fazendo-a sentir-se leve e tranquila, apesar de todas as atribuições extras que assumiu nas últimas semanas.

— Você não sente falta dela? — Sarah quebrou o silêncio, questionando-a de maneira repentina. — De Beatrice, quero dizer. Tive a impressão de que vocês estavam muito próximas nos últimos meses.

— Mas que pergunta, é claro que sinto! Ainda que ela não tivesse uma personalidade tão marcante quanto a de sua mãe, não deixava de ser uma pessoa realmente formidável — a senhora retrucou com rapidez, sem tirar seus olhos do emaranhado de fios diante de si. — Desculpe se não deixo isso transparecer com tanta frequência, acho que depois de tantas perdas, estou me tornando menos sensível a elas. Bom, é para isso que servem as governantas, não é mesmo? Cuidar e educar de tantas gerações quanto a dureza da vida lhes permitir. Meu propósito aqui é exclusivamente servir, não importa a quem.

— E quanto a mim, Evangeline? — a menina indagou, após alguns instantes de reflexão, que utilizou para degustar das palavras que acabara de ouvir. — Qual o meu propósito aqui?

— Governar. — Embora essa não tivesse sido sua intenção, as palavras soaram pesadas e, de algum modo, definitivas sobre a mente da jovem que se preparava para o que seria o maior desafio de sua vida.

Encostando-se melhor em seu assento, Sarah crispou os lábios e não proferiu mais nenhuma palavras. Olhava para seu próprio reflexo no espelho com certo aborrecimento. Apesar de toda a firmeza com que fora respondida, aquela resposta parecia estar muito distante da realidade dos fatos.

— Acredito que todos já estejam presentes no salão, apenas aguardando a sua chegada.

A fala de Edgar preencheu o cômodo inesperadamente. O rapaz adentrou no quarto com uma evidente pressa, dirigindo-se até seu armário para então sacar um pesado casaco azul marinho, adornado com botões e abotoaduras douradas. Era possivelmente sua indumentária mais sofisticada, reservada somente para ocasiões especiais.

— Nós já estamos quase prontas, não há nada com o que se preocupar — Evangeline informou, finalmente terminando seu trabalho com o penteado, não deixando escapar um único fio do local. Em sua humilde opinião, Sarah estava mais bonita até mesmo do que no dia de seu casamento.

— Você está muito elegante — comentou a menina em relação ao seu consorte, ainda tentando quebrar o gelo desde a situação embaraçosa que havia gerado naquela manhã.

— Faz parte da magia da nobreza, aparentar estar tão bem mesmo quando estiver se sentindo muito mal — o jovem Avelar respondeu, sem qualquer nota de humor contida em sua voz.

— “Se não pode ser melhor, ao menos vista-se com mais elegância que eles”, era o que Katherine costumava dizer sempre — a governanta relembrou, logo que percebeu um estranho clima que havia entre os dois. Nenhum deles se incomodou em lhe responder, ocasionando num inquietante silêncio no ambiente, exceto pelos passos de seus ocupantes.

A jovem ergueu-se de seu assento, seguindo em direção a cama, onde havia uma longa túnica de camurça vermelha, com detalhes em arminho e fios de ouro. Apenas encarar diretamente a vestimenta fez com que sentisse um estranho vazio em seu estômago. Aquele era um caminho sem volta e mesmo que ela não tivesse certeza de quantas mudanças teria de enfrentar em sua rotina, sabia bem que jamais seria a mesma depois daquela cerimônia.

— Onde pensa vai? — Sarah questionou de repente, sua voz banhada em receio logo que viu o Duque retirando-se do quarto. — Eu achei que você fosse entrar lá comigo.

— Você se recorda da coroação do seu irmão? Beatrice já estava lá quando ele chegou para a cerimônia — ele retrucou de imediato, como se aquela resposta fosse óbvia. — Estarei lá de qualquer maneira, não precisa se preocupar com isso.

O Duque retirou-se logo em seguida, deixando-a sozinha com sua governanta novamente. A menina encolheu os ombros, sentindo-se insegura e constrangida com aquela situação. Allen não precisava do apoio de Beatrice como ela precisava do de Edgar, achando um tanto insensível de sua parte não considerar esse detalhe antes de abandoná-la sem qualquer cerimônia.

— É muito grande para mim — ela pontuou, enquanto Evangeline tomava em mãos a luxuosa túnica para vesti-la. Recordava-se de como a roupa parecia ter sido feita sob medida para o mais velho, assim como o cargo de monarca. Talvez fosse uma mensagem do destino, evidenciando o quanto ela não servia, em nenhum aspecto, para ocupar aquela função.

— Antes grande do que pequena. Além disso, tem sido usada por séculos em cerimônias como essa, deveria se sentir honrada. Outros reis muito importantes e memoráveis usaram essa túnica antes de você — comentou a senhora, enquanto olhava atentamente para todos os detalhes da vestimenta, certificando-se ao menos três vezes de que estava tudo em seu devido lugar.

Uma pena que eu não esteja à altura de nenhum deles”, Sarah pensou enquanto tornava a sentir algo obstruindo sua garganta. Respirava profundamente, tentando acalmar a si mesma enquanto esforçava-se em abandonar a ideia de esconder-se debaixo da cama até que todos os convidados simplesmente cansassem de esperá-la e indicassem outra pessoa ao trono. “Talvez me considerem memorável daqui há alguns anos. A rainha mais estúpida e despreparada da história de Odarin”.

— Jamais pensei que viveria o suficiente para vê-la se tornar rainha — a governanta disse enquanto sorria ternamente para sua eterna criança. Sentia-se tão orgulhosa quanto uma mãe que via seus filhos indo mais longe do que havia imaginado.

— Eu também não — confessou, incapaz de compartilhar daquela euforia.



Sarah jamais tivera problemas com longos trajetos, mas naquela ocasião específica o chacoalhar da carruagem estava deixando-a nauseada, fazendo-a desejar que pudessem chegar até a Catedral o quanto antes. Ao seu lado, quatro moças a acompanhavam em um silêncio sepulcral. De onde aquelas mulheres saíram ela sequer gostaria de imaginar, lamentando apenas o fato de nenhuma delas ser Evangeline, pois ansiava pela presença de ao menos um rosto conhecido. Todas estavam vestidas de branco, assemelhando-se a um pequeno grupo de fantasmas, em claro contraste com sua túnica vermelha. O término da viagem lhe causou certo alívio, mas que se dissipou logo que ela desceu do veículo e atingiu a entrada suntuosa igreja.

O saguão estava muito mais cheio do que no dia de seu casamento, servindo apenas para deixá-la ainda mais nervosa. O som das trombetas, seguido das notas graves e imperiosas do órgão deixavam-na desnorteada, mas ela tentou ao máximo não deixar transparecer seu incômodo com a altura da música. Havia chefes de estados, membros do clero, nobres, tantos rostos absolutamente desconhecidos que lhe soavam ameaçadores e insatisfeitos com a sua coroação. Bom, eles não eram os únicos.

Sentia um ímpeto de olhar para os lados, mas estava consciente de que seria uma terrível quebra no protocolo e já não poderia se dar ao luxo de agir de maneira subversiva. Não queria deixar margens para críticas, muito embora soubesse que elas viriam de qualquer maneira. Ninguém jamais ousaria criticar Allen, pois sua postura além de impecável, era altiva e inspirava respeito onde quer que fosse. Mas quem era ela na frente de seu irmão? Não tinha dúvidas de todos aguardavam o momento certo para massacrá-la.

Eu mal posso acreditar que estou percorrendo esse caminho novamente”, pensou com desconsolo, caminhando muito mais lentamente do que estava acostumada. Embora as jovens atrás de si cumprissem com o papel de impedir que suas vestes oficiais tocassem o chão, por vezes sentiu seus pés pisarem sobre o manto vermelho, fazendo-a deslizar levemente sobre o chão. Tinha toda sua concentração voltada para não cair no meio da cerimônia, pois se isso acontecesse nunca mais abandonaria seu quarto novamente.

Quando finalmente atingiu o altar, tiraram-lhe a túnica, somente para vesti-la num manto tecido à fios de ouro. Eram tantos olhares pesados sobre si que a fizeram se sentir ainda menor do que já era. Pela primeira vez, conseguiu capturar o rosto de Edgar no meio da multidão, encarando-a intensamente, o que lhe conferiu algumas pequenas doses de confiança para o viria a seguir.

Foram tantos procedimentos que, em determinado momento, fizeram-na pensar que a cerimônia se encerraria somente no dia seguinte. Evangeline lhe dera uma dúzia de aulas sobre cada um deles, mas vivenciar na prática era muito diferente daquilo que se poderia encontrar nos livros. Houve um certo pânico ao ver a pesada coroa sendo levada em sua direção pelas mãos do arcebispo, disposta sobre uma almofada vermelha que ressalta ainda mais a exuberância da peça.

A jovem abaixou o rosto delicadamente para que pudesse ser coroada e não pôde deixar de reparar no desconfortável peso que possuía, talvez uma outra mensagem do destino, mostrando-lhe que suas novas atribuições constituiriam num fardo igualmente difícil de suportar e ao qual ela não fazia ideia de como conduzir.

Todos os presentes ergueram-se naquele momento e entoaram, em coro, um imperioso “Deus salve a Rainha”, deixando-a ainda mais atordoada. Passaram então a tocar o hino de Odarin, ocasião em que ela realizou uma rápida prece, retirando-se logo após receber a benção dos clérigos presentes. As damas de antes a guiaram até à capela da catedral, onde ela se apressou em retirar a pesada coroa de sua cabeça, despindo-se do manto dourado logo em seguida, pois fazia seus braços coçarem.

Uma das moças entregou-lhe uma caixa de veludo em mãos e todas as demais concentraram-se em vesti-la numa túnica similar à primeira, mas, desta vez, numa tonalidade púrpura. Muito embora a coroação tivesse chegado ao fim, ainda precisaria percorrer as ruas de Odarin em uma carruagem aberta para saudar o povo. Esperava sinceramente que não fosse recepcionada debaixo de vaias.

Todas trabalhavam em sincronia e em silêncio, o que somente servia para aborrecê-la ainda mais. Por um instante, se questionou se elas sabiam falar ou se ao menos compartilhavam o mesmo idioma. No intuito de entreter-se enquanto terminavam de ajeitar suas vestes, ela abriu o estojo aveludado e admirou por longos segundos a tiara cravejada de diamantes que pertencera a sua mãe. Beatrice cuidava da relíquia com muito zelo e recorda-se de que tal lembrança chegou a passar pelas mãos de Charlotte lhe causou uma certa revolta no momento. Consolando a si mesma, ela pensou que ao menos agora a jóia estava com sua legítima possuidora.

Pronta para apresentar-se novamente diante da nação que governava, agora oficialmente, Sarah dirigiu-se a porta do cômodo, sendo prontamente acompanhada pelas damas que seguravam a extensão das vestes. Ao passar pela porta, a jovem foi surpreendida pela figura de Edgar, que encontrava-se parado ao lado de fora.

— Você está se saindo muito bem — ele comentou num rápido sussurro, estendendo o braço para a menina enquanto retomava a caminhada. Estava bastante claro que não tinham um único segundo a perder. — O pior já passou, agora vem a parte mais fácil.

— Tem certeza disso? — a mais nova rainha de Odarin questionou, acompanhando seus passos e apoiando-se em seu consorte com um pouco mais de força todas as vezes que acidentalmente deslizava sobre o comprido veludo arroxeado. — Eu preferia participar de uma cerimônia dessas todos os dias de minha vida se isso significasse não ter que me tornar responsável por um país inteiro.

O Duque suprimiu uma risada discreta com aquela resposta. Ambos caminharam em direção à saída da igreja com os rostos sérios e as posturas altivas, sendo recepcionados do lado de fora não só pelos nobres e membros oficiais de antes, mas também por todo o povo, que espremiam-se para tentar capturar ao menos um rápido vislumbre da primeira rainha regente de Odarin.

Se estava nervosa antes, agora Sarah tinha quase certeza de que o bolo em sua garganta era seu coração, que estava prestes a saltar por sua boca. Os incontáveis pares de olhos estavam fixos sobre eles, todos muito curiosos a seu respeito. O que todas aquelas pessoas desconheciam era o fato de que não havia muito para conhecer, pois ela não tinha feitos memoráveis, talentos singulares ou nada de extraordinário para oferecer aquele país.

Com o auxílio do jovem Avelar, ela subiu na carruagem aberta, sem conseguir tirar os olhos de todas as pessoas que se avultavam no entorno da igreja. Podia distinguir os pescadores dos comerciantes, os donos de tabernas dos oficiais do exército. Havia muito nobres, mas seu volume não poderia ser comparado a quantidade de camponeses e mineiros que a analisavam com expressões indecifráveis.

— Eu não compreendo, por que estão todos me olhando dessa maneira? — ela questionou em sussurro, logo que seu consorte ocupou-se seu espaço na carruagem.

— Barrigas vazias geram olhares inquisidores como esses — ele respondeu secamente, após analisar rapidamente do que a menina se referia.

Foi com certo choque que Sarah recebeu aquela notícia. Estivera tão absorta em seu luto e com a cerimônia de coroação, que sequer percebeu que o inverno estava muito próximo de chegar. O reino ainda não havia se recuperado da grave crise econômica e as estações mais frias apenas agravavam a situação de miséria em que a população já se encontrava. Para seu completo desespero, ela se deu conta de que não fazia ideia do que poderia fazer para amenizar a situação.

No início do ano ela estava na cidade, sem se incomodar com um palmo de neve cobrindo o chão, distribuindo casacos de pele para os moradores de rua. Sua medida foi um gesto de solidariedade, ainda que um tanto inócuo, pois o cerne problema tinha muito mais camadas de complexidade e interesses contrapostos envolvidos. Recordava-se de que, na época, chegara a vender algumas de suas joias para que pudesse alcançar mais pessoas com sua caridade.

Agora, muito embora ela tivesse meios de fazer muito mais por aquelas pessoas, não tinha qualquer conhecimento ou ao menos a vaga ideia do que fazer para reerguer um país em crise. “Anos perdidos em aulas e lições que em nada me prepararam para isto”, concluiu com amargura, já se sentindo um verdadeiro fracasso antes mesmo de efetivamente começar a reinar. Com tantos pensamentos em mente, a jovem quase esqueceu-se de acenar para a multidão enquanto a carruagem seguia de volta para o castelo.



O que a impediu de retirar a túnica púrpura e jogá-la para fora da carruagem assim que cruzaram os portões do castelo era o implacável vento outonal, que parecia empenhado em arrastar tudo que pudesse para longe. Sarah simplesmente não via a hora de chegar em seu quarto, para livrar-se da indumentária oficial e ser, por alguns instantes, apenas ela mesma. A única coisa que lhe servia de consolo era o fato da tiara de Katherine não ter um terço do peso da Coroa Real. Se tivesse de usá-la diariamente, certamente iria dormir todos os dias com dores terríveis no pescoço.

— Tudo saiu como o planejado — Edgar comentou, de maneira distraída, logo que a carruagem deixou de sacolejar, parando diante da larga escadaria de sua morada. — Exceto, é claro, pela ausência do baile de coroação. Algumas famílias não ficaram nada felizes em saber que nos recusamos a organizar um.

— Achei que odiasse bailes tanto quanto eu — a jovem rainha retrucou, visivelmente aborrecida com a menção do assunto.

— E odeio, mas não deixa de ser um costume consagrado pelo tempo — o rapaz rebateu, enquanto ajudava-a a descer os degraus da carruagem. — Estou apenas preocupado com as críticas.

— Irão me criticar de um jeito ou de outro, melhor se acostumar com isso — ela concluiu, sentindo um certo alívio por finalmente estar em casa. — Além do mais, não faz sentido organizar um baile nas circunstâncias atuais. Não temos nenhum motivo para celebrar.

O jovem Avelar não tinha como discordar daquele ponto, de modo que apenas assentiu silenciosamente. Estavam prestes a subirem os degraus necessários para atingirem o interior do castelo, quando notaram a repentina aproximação de uma terceira pessoa.

— Aqui, para a mais nova rainha de Odarin — Jacques disse, em meio a um discreto sorriso e com um tom polido. Entregou à menina um buquê de camélias, não sem antes expressar um respeitoso aceno para o Duque.

— Ah, não faça isso! — Sarah exclamou, em súplica. — De todas as pessoas no mundo, eu não suportaria ver você me chamando assim. Por favor, continue me chamando de Sarah, sim?

— Se assim preferir — respondeu o jardineiro, sem se espantar com o pedido. Já esperava ouvir algo do gênero, estava mais do que habituado com a personalidade humilde da jovem.

— Obrigada — ela disse em voz baixa, enquanto esboçava um sorriso discreto, porém sincero. — Elas são lindas. As preferidas da mamãe, não é mesmo?

— São sim. Eram as últimas flores que restaram no jardim. Acho que o inverno começará mais cedo este ano — ele comentou, seu olhar vagando de forma perdida. Então, seu rosto rapidamente voltou-se para o casal à sua frente e se fixaram nas pedras cintilantes da tiara, que um dia pertencera a Katherine. Aquilo era o bastante para saber que seria bombardeado com uma série de lembranças e não poderia reviver aquele passado diante dos dois. Não seriam capazes de compreender suas reações, de modo que o mais certo era voltar para casa. — Acho está na hora de ir, não desejo atrapalhá-los.

Com mais um aceno, o servente afastou-se silenciosamente. Ela gostaria de ter dito algo mais ou talvez até agradecer pelas flores com um singelo abraço, mas certamente Edgar faria perguntas que não desejava responder naquele momento. Mentalmente, a jovem limitou-se em agradecer jardineiro que sempre fizera parte de sua vida, apoiando-a em todos os momentos.

Retomaram a caminhada de volta para a suntuosa morada.

— Pode relaxar agora, amanhã será um dia infinitamente mais tranquilo do que hoje.

— Eu não apostaria nisso, afinal, teremos aquele encontro com os representantes das famílias mais importantes de Odarin — ela respondeu, em meio a um gemido sôfrego, tornando a enterrar o rosto dentro do buquê de camélias.

Àquela altura, atravessavam o Hall Principal em direção aos seus aposentos, mas o som de algum item de porcelana estilhaçando-se chamou a atenção da rainha recém coroada. Apesar das súplicas de seu consorte para que deixasse o evento para lá e seguissem diretamente para seu quarto, Sarah não lhe deu ouvidos. Caminhando na direção oposta, ela abriu as portas que levavam até a sala de jantar, vendo suas suspeitas se concretizarem diante de seus olhos.

Enquanto a antipática ruiva proferia impropérios, Maria encontrava-se ajoelhada no chão, recolhendo os cacos do que um dia havia sido uma xícara. Tinha o rosto baixo, provavelmente no intuito de ocultar a face enrubescida e as lágrimas frustradas diante da humilhação a qual estava sendo submetida.

— Você chama isso de chá? Está simplesmente gelado! Tem a mínima ideia de quem eu sou, para me servir uma porcaria como essa?

— Você não é mais que uma intrusa neste castelo e não admitirei que a  trate dessa maneira! — A jovem estaria mentindo se dissesse que o tom imperioso de sua voz não lhe surpreendera. Por um segundo, parecia estar falando na mesma entonação que seu irmão costumava utilizar. — Sua presença aqui tem apenas me aborrecido, enquanto ela tem servido esta família desde que era pequena. Garanto-lhe que Maria tem desempenhado uma função muito mais importante nesse reino do que você.

— Como disse? — Charlotte praticamente engasgou ao proferir tais palavras. Não parecia acreditar que estava sendo rebaixada daquela forma. Teve o ímpeto de responder à altura, mas os diamantes sobre o cabelo castanho e a túnica púrpura lembraram-lhe de um detalhe: já não estava mais se dirigindo a uma princesa mimada e subversiva, mas sim a rainha que iria governar Odarin dali em diante.

— Eu disse que você é uma intrusa e que a sua presença me aborrece — Sarah aproximou-se com passos precisos, não se intimidando com o fato de que era um palmo menor do que a filha do Conde Avelar. — Já está na hora de voltar para o local de onde nunca deveria ter saído. Não quero mais vê-la em minha casa e não compartilharei mais nenhuma refeição na sua companhia. Arrume suas coisas e volte para Hallbridge imediatamente. Você não é bem vinda aqui.

Proferida aquela ordem, a menina deu meia volta e tornou a caminhar altivamente em direção ao seu quarto, logo encontrando-se com seu consorte no meio do caminho. O Duque observara toda a cena e tinha os lábios crispados. Ele tinha muito apreço por sua irmã mais nova, mas estava igualmente farto de sua prepotência. Se fosse para continuarem em conflito daquela maneira, então seria melhor que a mais nova retornasse para casa, onde poderia falar e agir como bem entendesse.

— Edgar, vai deixar que ela me deporte de volta para Hallbridge sem dizer nada? — a ruiva recorreu, numa última tentativa desesperada de contornar aquela situação. No entanto, seu irmão já tinha uma das mãos sobre o ombro da jovem, e tornou o rosto parcialmente apenas para lhe responder.

— Você ouviu a rainha. Ordens são ordens.

Sem chão diante daquela resposta, não lhe restava outra alternativa senão cerrar os punhos e chorar de frustração. Sua vida tornara-se um pesadelo do dia para noite, em que tudo começou a ruir desde a morte de Allen. Seus planos de casar-se com o rei e tornar-se a próxima rainha foram atirados rio abaixo e ela não sabia como lidar com tudo aquilo. Atirando-se na mesa destinada às refeições, ela deixou que seus soluços angustiados ecoassem pelo salão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Queen's Path" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.