The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 22
Capítulo XXII - 21 de Março de 1872


Notas iniciais do capítulo

Olá meu amados leitores, tudo bem? Antes de mais nada, queria desejar um feliz Ano novo para vocês e aproveitar para agradecer cada elogio, cada correção e cada apontamento. Todos foram extremamente importantes para mim e eu só tenho a agradecer.

Sei que todos devem estar pensando: "Mas que capítulo gigantesco é esse?". Então, apesar de haver palavras suficientes para dividi-lo em dois, fiquei muito receosa de que isso fosse quebrar o ritmo da narrativa, de modo que optei por deixá-lo assim mesmo, grandão. Peço desculpas pelo exagero e espero, do fundo do coração, que vocês gostem.

Sem mais, desejo uma ótima leitura a todos!



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Pentear aquele emaranhado de fios castanhos mais uma vez fazia com que Evangeline se sentisse um tanto velha. Há quanto tempo ela estaria ali, à serviço daquela família,  executando as mesmas tarefas diariamente, com a mesma atenção e zelo de quando começou? Quase trinta anos? Uns poderiam jurar que não, mas para ela o tempo passava demasiadamente rápido, principalmente esses últimos. Era difícil de acreditar que: a menina travessa que ela vira nascer e crescer estava prestes a se casar.

Após finalmente conseguir desembaraçar o cabelo da princesa, a governanta passou a trabalhar num delicado penteado que não fosse exagerado demais, mas que cumprisse o papel de exaltar a beleza jovial do rosto de Sarah.

— Evangeline. — a jovem chamou-lhe a atenção após longos minutos de silêncio. Nenhuma palavra havia sido dita durante toda a manhã, salvo por um desanimado “bom dia” ao ser acordada. — Como foi o casamento da mamãe? Ela estava ansiosa? Nervosa? Ou estava alegre?

— Eu não sei dizer, Sarah. Ainda não trabalhava para a Família Miglidori quando milady Katherine se casou com o seu pai. Dizem que ela estava radiante, não com o casamento em si, mas com a prospecção de tornar-se rainha. — tão logo as palavras saíram de sua boca, a governanta deu-se conta de que havia dito mais do que o necessário, em um deslize incomum. — Mas você sabe como as pessoas dizem o que querem. Não tenho como lhe informar com precisão.

— Mas ela foi feliz?

Por um instante, a senhora parou o que fazia e encarou a princesa de cima para baixo. Naquele momento a jovem sempre tão decidida não parecia mais do que uma criança assustada, arriscando qualquer diálogo bobo para manter a mente longe de seus próprios medos infantis. Por um instante, Evangeline sentiu pena de ver aquela menina ser praticamente jogada dentro de um relacionamento que já estava fadado ao fracasso.

Parando para pensar na resposta para aquele questionamento, a governanta fez uma rápida digressão mental por toda a história de Katherine, ou ao menos a parte em que participou ativamente. Era óbvio que não havia sido feliz em seu casamento, visto que o relacionamento com o rei Henrique se resumia a discussões acaloradas, trocas de farpas e, por vezes, abusos violentos. No entanto, apesar de todos os reveses que o destino havia reservado para sua milady, Katherine descobriu sua própria maneira de ser feliz, ainda que aquilo contrariasse todas as regras que lhe eram diuturnamente impostas. A antiga rainha transgrediu a todas sem remorso e se permitiu, ainda que por um curto período, viver aquela espécie de felicidade sem quaisquer arrependimentos. Seu desejo de viver intensamente foi realizado, o que acabou por levá-la à sua ruína. Mas essa era uma parte das memórias de Evangeline que deveriam permanecer trancadas em seu coração.

— À sua própria maneira, posso lhe assegurar que Katherine foi plenamente feliz. — a governanta respondeu ao mesmo tempo que voltava a trançar o cabelo da jovem diante de si. — Agora deixe de ocupar essa cabecinha com besteiras, ainda temos muito a fazer nessa manhã.

Sarah guardou dentro de si as demais perguntas que havia formulado e teve de imaginar outro meio para distrair-se de seu próprio nervosismo. O silêncio voltou a imperar no interior do cômodo por longos minutos.

Em um determinado momento, pôde-se ouvir do lado de fora do quarto uma voz doce que requisitava permissão para entrar. Após a devida concessão, Beatrice adentrou com um sorriso no rosto, esbanjando elegância e possivelmente trajando o vestido mais belo que tivera a oportunidade de adquirir. Os tons esverdeados que se assemelhavam aos de uma esmeralda bem lapidada e serviam apenas para realçar o dourado de seus cachos, ao menos os dois únicos que se encontravam soltos adornando seu rosto pálido.

— Ainda não está vestida, Sarah? Desse jeito vai se acabar se atrasando, os convidados logo começarão a chegar. — ensaiando um gesto gracioso com a mão esquerda, Beatrice abriu passagem para que duas empregadas entrassem no quarto. Estas seguiram imediatamente em direção ao majestoso vestido de noiva. — Elas irão te auxiliar na hora de vestir-se. Vou verificar se tudo está em ordem no salão de festas. Estamos todos esperando por você, não se atrase!

Tão subitamente quanto havia aparecido, a senhora daquele castelo desapareceu pelos corredores, absorta em seus próprios afazeres. A loira parecia ainda mais empolgada que o no dia anterior e a princesa sentia-se intimamente péssima por não poder compartilhar daquele sentimento. Parecia até mesmo que os papéis habituais haviam se invertido.

As duas empregadas auxiliavam a princesa em vestir-se silenciosamente e por vezes se entreolhavam de modo nervoso. O temor das duas era plenamente justificável, uma vez que estavam executando aquele serviço diante dos olhos vigilantes e exigentes de Evangeline. A governanta observava o trabalho com um visível incômodo estampado no rosto. Ver outras pessoas executando o suas tarefas não estava em sua lista de momentos favoritos e ela fazia um enorme esforço para não soltar observações irritadas. Entretanto, algumas escaparam sem que ela pudesse evitar, o que serviu para deixar as duas criadas ainda mais nervosas.

Era certo que quatro mãos são mais ágeis do que duas e elas foram hábeis em fechar a interminável fileira de botões do vestido de Sarah em poucos minutos. No entanto, prender a tiara de diamantes no cabelo perfeitamente escovado da princesa enquanto arrumavam o longo véu de noiva pareceu mais complicado e desafiador, deixando-as levemente perdidas ao se questionarem qual seria a melhor maneira de fazer aquilo.

— Cuidado, desse jeito vão rasgar o véu da  princesa! — a governanta dava palpites a todo momento, o que claramente deixava as serventes mais atrapalhadas ainda. — Chega, parem com isso! Saiam daqui, estão fazendo tudo errado! Eu me encarregarei disso sozinha.

Evangeline proferiu aquelas palavras com impaciência e enxotou as duas empregadas como se fossem insetos inconvenientes. Ela reconhecia a melhor das intenções naquela oferta de Beatrice, mas se havia algo que a governanta não era capaz de suportar era ver alguém tomar para si suas responsabilidades. Ela desempenharia suas funções até o fim de seus dias sem admitir intervenções de terceiros. A cena toda fez com que Sarah esboçasse um sorriso que durou poucos segundos. Seria impossível não reconhecer todo o zelo e devoção de Evangeline e ela seria eternamente grata, apesar do mau humor constante que acompanhava aquelas características tão nobres.

Findado todos os preparativos, a princesa dirigiu-se até o espelho de seu quarto, contemplando seu reflexo, em silêncio, por longos minutos. Na superfície daquele objeto era possível vislumbrar uma jovem dama trajando um belíssimo vestido de noiva, do branco mais puro que se poderia encontrar em Odarin. Seu rosto estava estampado dentro daquelas vestes impecáveis, de olhos arregalados e bochechas coradas, e, mesmo assim Sarah não era capaz de reconhecer a si mesma naquela imagem. Seus dedos tocaram o reflexo frio diante de si, mas nem mesmo o gesto foi capaz de auxiliá-la. “Essa não sou eu”, ela pensou com resignação.

— Vamos, os convidados já devem estar todos lá.

Sarah assentiu e afastou-se do espelho com passos vagarosos. Antes de sair do quarto, ela olhou para trás uma última vez e seus olhos foram capazes de capturar um último vislumbre da jovem dama em vestes de casamento. “Definitivamente não sou eu”.



Evangeline fez questão que a princesa descesse da carruagem primeiro para que pudesse segurar o volumoso véu até a entrada do salão onde a cerimônia seria realizada. Ela jamais permitiria que o véu de branco puríssimo fosse arrastado no chão, maculando a imagem virginal que rodeava a jovem noiva. Sarah descia os degraus de apoio do veículo com cuidado, sendo prontamente auxiliada por Gaspar no último deles, que era um pouco mais espaçado que os demais do próprio chão.

Na ocasião seus olhos percorreram todo o jardim. Aquela era uma área pouco explorada por ela, uma vez que se encontrava do lado oposto dos estábulos e do vilarejo do serventes. Ela pôde sentir o pesado olhar de alguém sobre si e não tardou a identificar o autor daquele gesto. Um figura distante encontrava-se em pé debaixo de um dos muitos pinheiros centenários do jardim. Haviam muitos sentimentos conflitando para tomar conta da mente do tratador de cavalos. Raiva, tristeza, revolta, injustiça e decepção. Este último parecia prevalecer entre os demais e estava claramente estampado em seu rosto.

Sarah meneou a cabeça negativamente, enquanto lamentava-se mentalmente pela enésima vez apenas naquele dia. “Não me olhe dessa forma… você sabe que eu não tive escolha”, sua consciência praticamente gritava e o apelo mudo fora plenamente captado por Elliot, o que não apaziguava em nada sua própria frustração.

— Me perdoe… — ela emitiu a frase em um sussurro inaudível. O rapaz acabou por distanciar-se, desaparecendo em meio as árvores que adornavam o luxuoso jardim.

— Não vá chorar agora, você não quer entrar na cerimônia com o rosto vermelho e inchado. — a governanta advertiu enquanto lhe despertava de seus devaneios.

Acatando aquela orientação sem contestar, ambas se puseram a caminhar em direção à entrada do salão, onde toda a corte de Odarin e dos reinos vizinhos aguardavam ansiosamente sua chegada. Allen a esperava pacientemente na porta, com a mesma expressão impassível que lhe era característica. Quando a jovem se apresentou diante dele, o monarca esboçou um sorriso discreto, elogiando-lhe as vestes de sua irmã. Sarah não se sentiu minimamente inclinada a respondê-lo e não o fez. Ela gostaria de ter tido tempo para pensar em uma solução alternativa para a crise de Odarin, mas tudo foi feito com tanta urgência que não seria exagero dizer que o casamento lhe fora imposto por Allen. Aquela atitude fragilizou bastante a imagem do mais velho em sua mente. Ela se questionou muitas vezes onde estava a proteção que ele costumava lhe conceder.

— Aqui está, Sarah. — a voz calma e contida pertencia a um terceiro e a princesa surpreendeu-se ao tornar o rosto e encontrar com o antigo jardineiro. Ela havia esquecido que o velho amigo questionou-lhe se poderia encarregar-se de seu buquê de noiva. Ela não entendeu a razão para tal pedido e ao buscar uma justificativa, Jacques disse que gostaria de ter a honra de cultivar as flores que seriam usadas em seu casamento. — Um buquê de camélias brancas, elas são...

— As favoritas da mamãe. — ela interrompeu-o no meio da frase, hipnotizada pelas pétalas das flores, que portavam o mesmo tom de branco que seu vestido. — Você disse outro dia. Muito obrigada, Jacques.

A princesa agradeceu com um sorriso fraco no rosto. O jardineiro retribuiu o gesto e observou o momento em que ela adentrou no largo salão ao lado de Allen. Segurando braço do primogênito, ambos caminharam juntos sobre o tapete vermelho que lhe indicava um caminho sem volta, uma decisão que não comportava arrependimentos futuros.

Beatrice havia lhe instruído uma dúzia de vezes que ela deveria manter o olhar erguido, sempre na direção de seu noivo durante toda a cerimônia (afinal,  as tradições determinavam que a partir daquele momento só lhe caberia olhar na direção em que seu consorte estivesse), mas logo nos primeiros passos Sarah falhou miseravelmente em cumprir aquela tarefa. O som da marcha nupcial invadia seus ouvidos como tiros de um canhão, fazendo com que ela olhasse para os lados durante todo o percurso, visivelmente atordoada. Inicialmente a princesa não reconheceu os rostos que se encontravam próximos da entrada, mas a medida que avançava o nível de importância dos nobres aumentava e logo ela pôde reconhecer algumas pessoas no meio da multidão atenta. Os membros da Família Chevalier a encaravam com seriedade, visivelmente aborrecidos com o fato de nenhum deles ter tido a sorte de ingressar para a Família Real. Phillip não acompanhou o desconforto dos demais membros de sua família e direcionava para Sarah um olhar compassivo. A Família Avelar estava logo a frente. Gilbert portava uma expressão carrancuda ao passo que Charlotte sustentava um sorriso provocante. A ruiva piscou para a noiva e movimentou os lábios em uma mensagem muda, transmitindo-lhe um irônico: “Seja bem vinda a família”.

O trajeto chegava ao fim e Sarah acabou se render ao momento que tanto tentou adiar. Erguendo o rosto, ela finalmente encarou os olhos esverdeados de Edgar, que denunciavam a mais profunda tristeza e melancolia ainda que esboçasse um tímido sorriso, apenas para agradar a platéia. A princesa abandonou o braço de seu irmão e sua mão direita foi imediatamente capturada pelos dedos delicados de seu futuro consorte. Ele apertava sua mão com mais força que o necessário, como se silenciosamente tentasse lhe transmitir um pouco de coragem. Além disso, o excesso contido naquele ato singelo impediria que os convidados reparassem no fato de que suas mãos tremiam.

O Bispo pôde enfim iniciar a celebração daquele casamento. Entretanto, as palavras por ele proferidas pareciam chegar aos ouvidos da jovem em um idioma completamente desconhecido. Sarah sentia-se zonza e prestes a passar mal. Sua mente estava focada em refrear o ímpeto de sair correndo o mais rápido possível daquele ambiente. Não havia escapatória, ficar era seu dever perante o povo de Odarin. Somente quando houve silêncio e os olhares pesados recaíram sobre ela é que a jovem percebeu que estava na hora de recitar o texto tantas vezes ensaiado por ela e por Beatrice. Firmados os votos, houve a troca de alianças e Edgar inclinou-se em sua direção, tocando os lábios de Sarah com rapidez, apenas para cumprir com as formalidades. O gesto não durou mais que um segundo, mas foi suficiente para que ela compreendesse a razão dos tremores do jovem Avelar. O beijo foi rápido e tinha gosto de bebida alcoólica, denunciando que seu consorte encontrava-se em estado ébrio antes mesmo do início da cerimônia.



O salão principal estava tão cheio de nobres quanto no dia da coroação, ainda que aparentassem estar muito mais animados do que naquela ocasião. Casamentos sempre marcam datas importantes e comemorações memoráveis. A orquestra parecia mais do que feliz em atender a este novo chamado da Família Real, que não poupou moedas de ouro para que se fizessem presentes, encarregados de disfarçar com sua música alta o desânimo que afligia os dois consortes.

Diferentemente dos convidados, os serventes pareciam estar vivendo um péssimo momento de suas carreiras simplórias. O jovem Avelar já havia ingerido sozinho uma parcela considerável da adega real e era de se espantar que ainda conseguisse manter-se acordado. Os empregados tentavam a todo custo evitar a área onde ele e a princesa recebiam vãs felicitações dos nobres com seus respectivos presentes ostensivos, mas o filho do Conde (agora elevado ao status de Duque em função do matrimônio) tinha os olhos atentos a qualquer atitude mais evasiva, ocasião em que ordenava veementemente que retornassem e lhe servissem um pouco mais de vinho ou champanhe. Sarah observava a cena atenciosamente, em silêncio, imaginando até que ponto aquela situação poderia se prolongar. Ao perceber que seu companheiro não parecia nenhum pouco disposto a parar por iniciativa própria, julgou conveniente intervir quando tiveram alguns instantes à sós.

— Edgar, não acha que está na hora de parar? Bebendo desse jeito vai acabar passando mal. — ela sugeriu em um sussurro, de modo que as demais pessoas presentes não pudessem ouví-los.

— Quem se importa? — ele retrucou de imediato, sem se dar conta de como a fala havia soado rude aos ouvidos da princesa.

— Eu me importo! — ela respondeu com a voz um tom acima do habitual, juntando as sobrancelhas em protesto perante aquela atitude debochada. — Céus, Edgar, onde você está com a cabeca? O fato de eu ter sido forçada a me casar com você não tem nenhuma relação com a nossa amizade. Eu continuo me importando e não quero que você sofra. Ao menos, não mais que o inevitável.

As palavras o atingiram em cheio e o jovem Avelar a encarou silenciosamente por alguns instantes. Sarah tinha razão, onde ele estava com a cabeça? De todas as pessoas ardilosamente envolvidas naquele casamento, ela seria a última a carregar consigo qualquer culpa. No fundo, eles eram as vítimas do impiedoso jogo de Allen, que agia de modo tão profundo na vida das pessoas como se tentasse assumir o papel de um Deus onipotente e soberano.

— Tem toda razão, desculpe-me por isso. — Edgar mencionou após alguns segundos de reflexão, empregando uma discreta carícia sobre as costas da mão de Sarah. — Acho que estou descontando do minhas frustrações na pessoa errada.

— Creio que não posso culpá-lo no final das contas. Por favor, chega de bebidas por hoje, está bem? — a jovem recebeu como resposta um fraco menear positivo. Mentir não era do feitio do rapaz e ela sentiu que poderia confiar naquele gesto de concordância. — Escute: tenho um assunto urgente em mãos que eu gostaria de resolver o quanto antes. Você se incomoda?

— De forma alguma. — ele respondeu prontamente enquanto balançava a mão esquerda em negativa, ao passo que a direita ocupava-se em afastar a taça de vinho para um canto distante de mesa. — Faça o que tiver de fazer, eu ficarei bem.

Sarah duvidava muito daquela afirmação, mas não tinha como ficar ali e certificar-se de que ele ficaria, de fato, bem. Haviam outros assuntos que demandavam sua atenção naquele momento. Outras pessoas, para ser específica.

Erguendo-se de sua cadeira, a jovem se afastou da mesa e tentou sair despercebida do salão, ou ao menos tanto quanto uma pessoa trajando um vestido de noiva poderia passar despercebidamente. A tarefa não foi tão difícil quanto imaginava, uma vez que todos os convidados pareciam embalados pela animada música da orquestra enquanto absortos em seus dramas pessoais. Ela cruzou com poucas pessoas no Hall Principal e para cada reverência que recebia dedicava não mais que um breve aceno, sem interromper sua caminhada apressada para tal.

Ela tinha pressa e como todas as pessoas que tem pressa julgou ter demorado muito para chegar aos estábulos, ainda que não tenha levado mais que poucos minutos. Petruchio não encontrava-se em sua baia, denunciando o fato de Elliot não se encontrar nos arredores do castelo. Pipo por sua vez esticava o focinho da direção da princesa, no intuito de receber sua dose de carícias diárias. Infelizmente, Sarah não dispunha de tempo para perder com carícias e adentrou na baia de modo afobado, realizando todos os preparativos necessários antes de montar nele.

A terra ainda estava úmida em função da chuva do dia anterior e certamente a barra de seu vestido estava arruinada para sempre. Ela sabia que horas mais tarde Evangeline teria um ataque de nervos ao perceber o estrago que havia feito. Não que a princesa estivesse incomodada com aqueles detalhes. Certificando-se de que a sela estava bem presa na barriga de Pipo, ela montou sobre ele e seguiu em direção à saída dos estábulos. Sua pressa fez com que ela quase atropelasse o pobre jardineiro. Passado o susto inicial e os reiterados pedidos de desculpas por parte de Sarah, ele explicou que aproximava-se do local no intuito de alimentar os cavalos, um singelo favor requisitado por seu filho naquela manhã.

— Elliot lhe pediu isso? — ela questionou em tom de dúvida, tentando compreender o que aquilo poderia significar. — Preciso muito falar com ele. Saberia me dizer onde ele está?

— Tudo que disse esta manhã é que iria para a cidade e não tinha data certa em mente para retornar. — Jaques mencionou enquanto tentava regular a respiração. Aquele havia sido um belo susto. — Sarah, permita-me dar-lhe um conselho: não vá até a cidade. Deixe-o sozinho, é o melhor que pode fazer agora.

— Desculpe, Jacques. — ela respondeu sem pestanejar. Não se tratava de uma resposta meramente polida, pois Sarah de fato sentia muito por todo o sofrimento que estava causando. — Este é um assunto que não pode esperar.



Toda a classe alta de Odarin fazia-se presente no castelo, de modo que as ruas do centro comercial estavam ligeiramente mais calmas. Seus transeuntes denotavam muito simplicidade fosse nas vestes ou no modo de agir, atributos estes que muitas vezes eram ofuscados por chapéus extravagantes e vestidos vultuosos.

O dia havia amanhecido claro e brilhante, mas a medida que as horas avançavam o céu tornava-se cinzento, prenunciando que uma forte chuva se aproximava. Os mais espertos apressavam o passo de sua caminhada para chegar em suas casas o quanto antes. Entretanto, alguns não esboçavam pressa alguma, uma vez que não tinha para onde ir muito menos uma pessoa especial que os estivesse esperando. Elliot estava inserido nesta última categoria.

O tratador de cavalos jamais fora dado à bebidas. O álcool sempre lhe pareceu uma válvula de escape para homens fracos e sem qualquer dignidade. Mesmo nas raras comemorações que participou em sua vida, ele se absteve de sequer experimentar aquelas bebidas que lhe pareciam tão traiçoeiras. Era muito resoluto em seus princípios. Mas Elliot havia mudado. Ele já não era o mesmo rapaz de antes e as três garrafas de rum repousadas ao lado de seus pés denotavam isso perfeitamente.

Ver Sarah casando-se já era algo terrível por si só e seu peito doía todas as vezes em que se recordava imagem da jovem adentrando no salão onde a cerimônia seria realizada. Estava tão linda e ao mesmo tempo tão infeliz. Ele não necessitava de mais provas do que aquela para ter certeza de que Edgar Avelar jamais seria capaz de fazê-la feliz. Muito pelo contrário, ele destruiria seu espírito infantil e brincalhão e parecia já ter começado a fazê-lo. “De todas as pessoas do mundo, por quê justamente ele?”, ele pensou com amargura.

Não foram poucas as vezes em que o rapaz havia flagrado o Secretário Real absorto em seu próprio vício e a falta de dignidade com a qual ele parecia encarar a própria existência lhe parecia suficiente para que ele não fosse digno da princesa. Mas ele era ainda pior. Elliot sabia que nada de bom poderia advir de uma pessoa sem qualquer escrúpulos como ele.

Parecendo desgostoso com o rumo que sua própria vida havia tomado, ele deu um longo gole na garrafa de rum que dançava de modo desastrado entre seus dedos. Sua expressão contorceu-se numa careta e seu organismo parecia insistentemente rejeitar o álcool de baixa qualidade, fazendo-o ficar zonzo e o estômago dar voltas. No entanto, o ato trazia-lhe algum alívio, pois o ardor em sua garganta o distraía momentaneamente da falta de ar em seus pulmões. Sarah estava longe de suas mãos. Ele já não poderia mais alcançá-la.

Com a rédea atada a uma das colunas da taberna, Petruchio observava atentamente seu dono com austeridade. Elliot não sabia dizer se este era um dos efeitos do álcool, mas o equino parecia compreender toda a situação e, com isto, dirigia-lhe um olhar de manifesta reprovação. Sua expressão enigmática parecia dizer: “Você não vai terminar essa garrafa de rum, vai?”. O tratador o encarou de volta com uma expressão desafiadora e verteu o restando do conteúdo em sua boca, bebendo tudo em um único gole. O ato descuidado o levou a um acesso de tosse. Seus pés se moveram de maneira desajeitada, fazendo com que ele derrubasse as garrafas empilhadas ao seu lado.

Tentando recobrar o controle da situação, ele soltou um praguejo e ergueu-se subitamente, debaixo dos atentos olhos de Petruchio, que relinchava em protesto. Elliot cambaleou até apoiar-se no lombo do animal e demorou muito mais tempo que o necessário somente para desfazer o simples nó que prendia as rédeas dele. Livre para movimentar-se, o cavalo caminhava lentamente de modo a permitir que seu ébrio dono pudesse acompanhá-lo. Não haviam quaisquer condições para que ele cavalgasse normalmente, de tal forma que só lhe restava utilizá-lo como apoio para que não fosse ao chão.

Petruchio seguiu por um caminho que lhe era muito familiar e o tratador deixou-se levar sem contestar. Naquele momento, o cavalo certamente estaria muito mais consciente de seus atos que ele próprio. Em um vislumbre o  rapaz percebeu que estava sendo guiado até a casa de Delia e aquilo o fez suspirar aliviado. Se havia alguém no mundo que poderia compreender sua dor naquele momento seria a ruiva. Àquela altura o céu já derramava algumas gotas frias sobre o chão.

— Mas o que foi que houve com você? — Delia perguntou com espanto logo que saiu pela porta de casa. Ela permaneceu debaixo da soleira da porta, no intuito de evitar a chuva. — Elliot, você está bem?

O rapaz não respondeu aquela pergunta. Muitas respostas passavam por sua mente, umas irônicas e amargas, outras sinceras e tristonhas, mas ele não conseguia escolher uma que lhe representasse melhor. Afastando-se de seu cavalo, ele cambaleou em direção à entrada da casa. Cada passo era uma incerteza e em determinado momento seus pés deixaram de trabalhar propriamente, o que o teria levado ao chão, se Delia não o tivesse segurado antes disso.

— Eu não acredito que de todas as pessoas do mundo estou vendo logo você cambaleando como um ébrio, fedendo a rum barato. — ela ralhou com o rapaz enquanto esforçava-se para manter o equilíbrio. O tratador era demasiadamente alto e ela tinha dificuldades de sustentar os dois corpos sozinho. — Vai me dizer o que houve ou não?

— Sarah… — ele respondeu de modo embargado e a ruiva não soube dizer se era por conta da bebida ou se ele estava prestes a chorar. — Hoje foi o casamento da Sarah…

— Ah, Elliot… — a camponesa suspirou tristemente, compreendendo agora a razão de tudo. — Mesmo depois de tudo que lhe contei, você ainda achava que poderia viver um “felizes para sempre” com ela? Quanta bobagem…

Aquelas palavras duras desencadearam uma reação inesperada no tratador de cavalos. Nunca em sua vida ele havia se sentido tão pequeno, tão frágil e suscetível às injustiças do mundo. A saudade de sua menina travessa misturada a certeza de que jamais teria ela em seus braços novamente fez com que ele se desfizesse em lágrimas, um choro tão desesperado que o fez convulsionar algumas poucas vezes.

Não havia nada de reconfortante que pudesse ser dito. Aquela dor era uma velha conhecida sua e os anos lhe ensinaram que todo o seu otimismo e força de vontade não eram suficientes para lutar contra certas injustiças. Diante disto, ela se limitou a permanecer de pé, servindo-lhe de apoio enquanto desenhava uma carícia maternal em suas costas. Em um determinado momento Elliot segurou a cintura da jovem com força, sentindo que precisava ainda mais de apoio do que lhe era fornecido. Ela sentiu as lágrimas mornas molharem o tecido de seu vestido, mas isso não a incomodou. Delia poderia não ter nada de bom para dizer, mas isso não significava que ela não estaria ali durante todo o tempo que ele precisasse.

A chuva tornava-se mais forte naquele momento e Petruchio olhava com curiosidade para trás, torcendo o seu pescoço ao fazê-lo. Há alguns metros dali, montada sobre o torso de Pipo, Sarah observava a cena em silêncio, mal se dando conta de que suas próprias lágrimas se camuflavam em meio aos pingos grosseiros de chuva.

Quando deixou sua própria festa de casamento para trás, a princesa tencionava dizer-lhe que o matrimônio era uma mera formalidade e que ela não tinha razões para deixar de viver por conta disso. Ela poderia perfeitamente conciliar o relacionamento dos dois com seus deveres reais. Sarah diria tudo aquilo na certeza de que eles superariam esse obstáculo juntos. No entanto, naquele momento e diante daquela cena lhe parecia muito claro que Elliot não partilhava do seu pensamento.

Ela estava ali, debaixo da chuva, contrariando tudo que fora ensinado, todos os costumes e para quê? No primeiro obstáculo mais rigoroso ele seguiu sem remorso algum para os braços de outra pessoa. Para os braços de sua única amiga. Era certo que uma punhalada não teria lhe doído tanto.

Sarah fora até ali pois tinha muito para dizer. Agora que já não havia mais nada para ser dito, ela puxou as rédeas de Pipo para a direita, fazendo-o dar meia volta, retornando em direção ao castelo.



— Eu daria a vida para saber onde a princesa se meteu! — Evangeline proferiu com impaciência. Como uma pessoa conseguia desaparecer usando um vestido de noiva sem que fosse vista por ninguém? Simplesmente impossível!

— Por que não pergunta para Edgar? Tenho certeza de que eles estavam juntos da ultima vez que os vi. — Beatrice sugeriu enquanto fazia uma varredura pelo salão, sem conseguir localizar qualquer pessoa trajando vestes brancas.

— Já o questionei ao menos uma dúzia de vezes e ele disse que não sabe. — a governanta respondeu ainda inconformada. — Não é possível que todos esses anos não tenham sido suficientes para ensina-lo de que basta uns segundos de distração para que Sarah desapareça no ar.

O discurso irritado de Evangeline foi interrompido pela aproximação de um Marquês, que fez uma polida reverência para Beatrice. Pedindo desculpas pela intromissão, o fidalgo questionou a jovem rainha onde se encontrava Vossa Majestade, pois tinha assuntos importantes para tratar com ele. A loira desculpou-se por sua ignorância, não sabendo dizer ao certo onde seu consorte estava. Ela ainda sugeriu que ele poderia estar reunido a outros nobres no intuito de não soar tão alheia ao mundo a sua volta, o que arrancou um sorriso desapontado do Marquês, que repetiu a reverência antes de se afastar.

— Esta deve ser a terceira pessoa que me questiona onde Allen se encontra e eu não tenho nada convincente para dizer. — Beatrice mencionou em um sussurro, visivelmente aborrecida com aquela situação. — Todos devem achar que sou uma tola!

— Allen sumiu de vista sem lhe dizer nada? Isso é bastante incomum. — a governanta mencionou com um ar misterioso, rezando intimamente para que o desaparecimento de Sarah não ter nenhuma relação com o sumiço de Allen. No dia do casamento… não, ele não se arriscaria tanto.

Elas conversaram por mais alguns momentos e logo uma das criadas do castelo surgiu furtivamente pelo salão, sussurrando ao ouvido da governanta que a princesa havia sido localizada saindo dos estábulos em direção ao castelo. Evangeline dispensou-a com um gesto e seguiu em direção ao Hall Principal para recebê-la (e muito provavelmente fazer uma dezena de perguntas que a fariam se arrepender de sumir daquela maneira).

Beatrice suspirou aliviada de ver que a princesa havia sido encontrada. Entretanto o desaparecimento de Allen ainda a preocupava. Não que algum dia ele tenha necessitado do aval de sua rainha para fazer qualquer coisa, mas quando tratava-se de alguma reunião importante ele costumava avisá-la caso alguma outra pessoa surgisse em sua procura.

Não vale a pena ficar pensando no que pode ou não ter acontecido. Já está tarde e estou muito cansada de todos os preparativos desta festa”, ela pensou enquanto afastava-se do salão silenciosamente em direção aos seus aposentos. Uma empregada a seguiu por alguns corredores, questionando se ela necessitava de algo antes de deitar-se. A jovem rainha informou-lhe que não precisava de mais nada, dispensando-a logo em seguida. A prospecção de poder jogar-se na cama e ter uma noite relaxante de sono lhe soava tentadora e fez com que ela abrisse a porta de uma vez do quarto de uma vez, sem qualquer cerimônia.

Beatrice não era tola como às vezes aparentava ser. Ela guardava muitas coisas dentro de si mesma, suportando as intempéries e os sofrimentos sozinha, em silêncio e quase sempre com um sorriso doce no rosto. Inconscientemente, tais atitudes lhe tornavam um vulcão adormecido ainda que ativo, esperando apenas o estopim para entrar em erupção e mostrar toda a sua fúria.

Ela adentrou no quarto esperando encontrá-lo vazio e paralisou junto a porta diante da cena que se passava ali. O caso extraconjugal de Allen com Charlotte não lhe passava despercebido e ela jamais havia perturbado sua mente com quaisquer pensamentos referentes a eles. Entretanto, conhecer e ver são duas ações muito distintas. Assistir a ruiva cavalgar sobre o colo de seu consorte, em seu quarto, sobre a sua cama e ainda por cima usando as suas jóias era a definição precisa do que poderia ser considerado o estopim.

A jovem rainha encontrava-se de queixo caído, em estado de choque e sua mente custava a processar que a filha do Conde Avelar tivera a audácia de usar os seus anéis e pulseiras para macular o ambiente que era destinado somente a ela. Os gemidos de Charlotte ecoavam pelas paredes e não facilitava nada para sua mente enevoada. Em toda sua existência Beatrice nunca se sentiu tão atingida pela falta de escrúpulos de alguém.

— Saia daqui. — Allen ordenou em uma voz baixa e rouca, não lhe dirigindo sequer um olhar para isso. A fala alertou Charlotte de que não estavam sozinhos e a imagem em choque de sua eterna rival fez com que a ruiva esboçasse um largo sorriso.

— Estou pegando emprestado, espero que não se importe, querida. — a frase veio seguida de uma gargalhada e seria impossível precisar ao que exatamente ela estava se referindo: ao quarto, às jóias ou ao seu marido.

Sentido o ar faltar dentro daquele cômodo, Beatrice saiu de modo tão súbito quanto havia entrado. Ainda lhe parecia difícil processar aquela imagem. A jovem surpreendeu-se de não verter uma lágrima sequer com aquela situação. Ela não se sentia triste ou envergonhada. Em seu íntimo, ela estava furiosa.

Seus pés puseram-se em ação e refizeram o caminho de volta para o salão de festas. A caminhada afastou alguns detalhes de si, ainda que um deles permanecesse muito vivo em sua memória: a expressão de satisfação de Charlotte. A música alta invadiu seus ouvidos novamente e a jovem rainha se viu fisgando taças de vinho, uma após a outra, não levando mais que alguns segundos para beber cada uma delas. Nem mesmo a taça abandonada por Edgar horas atrás lhe passou despercebida. Após apenas um quarto de hora ela já conseguia sentir o corpo mais leve e a mente vazia. “Então é por isso que Edgar aprecia tanto essas bebidas”, ela pensou ao fisgar uma taça de champanhe de um dos serventes.

Inconscientemente, Beatrice balançava o corpo de um lado para o outro enquanto bebia e analisar o salão. Tudo parecia tão diferente: as cores estavam mais vivas e brilhantes, as vozes estridentes pareciam distantes ao passo de que seu coração parecia pulsar no ritmo imposto pelas notas musicais. Era uma sensação estranha e excitante ao mesmo tempo, a rainha sentia que naquele momento ela seria capaz de fazer qualquer coisa. Do outro lado do amplo espaço um rosto chamou-lhe a atenção e ela pensou em um lampejo: “Chegou a hora de você se divertir Beatrice, apenas para variar um pouco”.

Se havia algo que a loira sabia fazer como ninguém no mundo era esbanjar elegância. Com essa certeza em mente, ela cruzou o salão com uma segurança ímpar, jamais demonstrada em toda sua  vida e ela se sentiu muito bem ao fazê-lo. Sempre lhe ensinaram que uma princesa deve ser delicada e discreta, mas baseada naquela experiência ela pôde ver como aquela orientação não sustentava qualquer fundamento. Sua caminhada atraiu diversos olhares, inclusive o de uma pessoa em questão, que não tardou a vir ao seu encontro.

Percebendo que agora estava sendo seguida, ela prosseguiu em direção a um dos muito corredores do castelo, que levava a uma fileira interminável de quartos de hóspedes, o que era muito conveniente. Subitamente ela parou de caminhar e fingiu interesse em um vaso de porcelana disposto no meio do corredor, permitindo que sua companhia a alcançasse.

— Você parece alegre. — Gilbert comentou enquanto se aproximava, portando seu costumeiro sorriso de canto. — Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu. — foi tudo que Beatrice disse antes de espalmar as mãos no rosto do rapaz à sua frente.

O caçula da Família Avelar não era tão alto quanto o primogênito, de modo que Beatrice não teve dificuldade em puxá-lo para perto, selando seus lábios. O filho do Conde se sobressaltou com aquela reação, mas deixou quaisquer questionamentos de lado ao sentir o gosto de álcool através daqueles lábios. Sua noite não seria tão terrível assim, no final das contas.

Ele sentia-se amargurado desde que fora informado que havia sido arbitrariamente substituído pelo seu irmão mais velho na aliança Odarin-Hallbridge. Edgar já tinha todas as regalias que um nobre poderia ter, de modo que não lhe parecia justo que fosse ele a ganhar o título de Duque daquele reino. No entanto, a maré parecia virar em seu favor naquele momento e ele teve a certeza de que não estava delirando ao empurrar Beatrice contra a parede, retribuindo o beijo com ainda mais afinco.  “Que se dane a princesa agora. Eu tenho aqui, ao alcance das minhas mãos a rainha de Odarin”.

Beatrice afastou-se por um instante no intuito de recuperar o fôlego. Por alguma razão que lhe era desconhecida Allen jamais a beijava, de modo que ela desconhecia as sensações que aquele ato poderiam ocasionar. Ela sempre imaginou como seria em função dos romances que costumava ler. A realidade lhe soava muito melhor que sua imaginação.

Gilbert não perdeu um segundo sequer e avançou em direção a pele alva da jovem rainha, que contrastava tanto com a sua levemente queimada do Sol. Seu vestido não revelava muito, o que irritou o rapaz que estava ávido por mais contato. Esticando a mão direita, ele conseguiu girar o trinco, abrindo a porta de um dos muitos quartos de hóspedes. Dando um passo para trás, ele apontou sugestivamente para o cômodo.

— As damas primeiro. — ele mencionou em meio a um sorriso obsceno.

Beatrice olhou para a porta aberta e pareceu hesitar por um segundo. Não se tratava de uma vingança ou ao menos, não era essa sua intenção. O tratamento que Allen lhe direcionava variava entre a indiferença e a hostilidade, diferentemente da atenção especial que Charlotte recebia. Depois de presenciar a expressão de deleite no rosto da ruiva, era impossível não sentir uma pontada de inveja. Afinal, ela jamais tivera a oportunidade vivenciar algo assim e perguntava-se qual seria a sensação. Possivelmente, a experiência seria ainda melhor que a do beijo.

Com aquele objetivo em mente, ela se aproximou novamente de Gilbert, colocando-se na ponta dos pés para sussurrar um pedido em seu ouvido.

— Desde que você faça com que eu me sinta desejada. — ela disse em tom baixo e a frase arrancou um arrepio imediato do rapaz. Aquilo soava como música para os seus ouvidos.

Agarrando-a pela cintura e erguendo-a dos chão, os dois praticamente giraram juntos para dentro do quarto. O último som audível do lado de fora consistia no barulho da chave interna ao ser girada duas vezes, garantindo que eles não seriam interrompidos até o dia seguinte.

Aquele era um desejo que ele teria muito prazer em atender.



Evangeline dobrava o vestido de noiva com extremo cuidado no intuito de guardá-lo dentro de sua caixa, sendo esta apenas uma formalidade desnecessária visto que ele provavelmente estava arruinado para sempre. A peça estava ensopada e cheia de manchas de terra na saia, resultado de umas das fugas inesperadas de Sarah. Tal como pretendia, ela encheu a jovem de questionamentos quando a encontrou no Hall Principal. No entanto, não demorou muito para que a jovem se atirasse dentro de seus braços, chorando de modo desesperado. O que obviamente desesperou a governanta na mesma intensidade.

Terminado de guardá-lo, a governanta virou-se para a princesa no intuito de dizer-lhe qualquer coisa quando a vislumbrou portando o mesmo ar depressivo de antes. Sarah já trajava suas vestes de núpcias, que consistia num vestido de tecido fino, que descia até a altura de seus calcanhares. O longo e volumoso cabelo castanho estava preso em uma trança lateral. A princesa estava mais do que bela para sua primeira noite, excepcionando-se pela expressão de profunda tristeza estampada em seu rosto. Além disso, as lágrimas não haviam cessado desde sua ida a cidade.

— Sarah, não acha que já chorou o suficiente por hoje? — Evangeline questionou de maneira severa, ainda pensando na fuga empregada mais cedo. A dureza de sua fala fez com que mais lágrimas surgissem, fazendo-a arrepender-se de ser tão rígida com a jovem naquela ocasião, quando ela estava visivelmente abatida. — Pare de chorar querida, senão seus olhos ficaram vermelhos e inchados. Não é a visão ideal para um dia de casamento, não acha?

Enquanto proferia aquelas palavras num tom mais delicado, a governanta dera a volta na cama trazendo consigo um lenço de algodão, no intuito de usá-lo para enxugar o rosto da sua eterna menina. Seu tom de voz havia suavizado e pessoalmente ela se sentia de coração partido em ver a princesa naquele estado.

— Não posso fazer isso Evangeline, simplesmente não posso. — Sarah respondeu com a voz embargada pelo choro. — Edgar é um bom amigo e não duvido que ele será o melhor Duque que este reino já teve, mas… Ainda assim, não posso fazer isso. Eu não o amo.

Dito isto, as lágrimas retornaram com o dobro de intensidade e a jovem utilizou o lenço de Evangeline para afundar o rosto. Já não bastava casar-se contra a sua vontade, a cena da cidade permanecia muito viva em sua mente. Ela se questionava a todo momento a razão que levou Elliot a brincar com seus sentimentos daquela maneira. Desde a primeira vez que os viu juntos ela desconfiou que havia algo entre eles, mas as palavras doces do tratador geralmente sussurradas em seu ouvido eram mais do que efetivas para dissuadi-la de qualquer ideia. Como fora tola!

Espiando o relógio, a governanta constatou que passava um pouco das seis horas da tarde, o que ainda daria algumas horas para que a princesa pudesse se recompor. Ela permaneceu silente por alguns minutos, deixando que a outra aliviasse seu coração das mágoas que estavam-na sufocando. Sarah ia se acalmando aos poucos e sua companheira aproveitou a oportunidade para buscar algo guardado num armário próximo.

Evangeline voltou com uma garrafa na mão, preenchida por um líquido vermelho escuro, similar à cor de sangue. Sentando-se no diante de Sarah, ela entregou a garrafa enquanto lhe confidenciava com a voz baixa e terna:

— Encontrei isto certa vez no castelo e imaginei lhe poderia ser útil alguma vez na vida. Ajudou a sua mãe na noite de núpcias dela.

— A mamãe? — a menina perguntou incredulamente enquanto piscava repetidas vezes, tentando clarear a vista irritada pelo choro excessivo. — Acha que isto vai ajudar em alguma coisa?

— Não tenho dúvidas quanto a isso. — respondeu a governanta com confiança, enquanto se levantava e seguia em direção a porta. — Tome um pouco desta bebida e você passaria a noite até mesmo com o lorde mais velho e asqueroso que pudesse encontrar naquele salão.

Com a mão sobre o trinco, Evangeline parou por alguns segundos e suspirou profundamente. Se questionava quantas mulheres já haviam sido vítimas daquela bebida traiçoeira. Ela mesma tivera uma única experiência, que lhe fora mais traumática que qualquer coisa na vida. Não daria algo assim nas mãos de Sarah se não soubesse da necessidade da menina e também não confiasse no caráter de Edgar. Além do mais, estavam casados e não haveria muito a ser feito de todo modo. Ela virou levemente a cabeça para trás, bem a tempo de ver a princesa vertendo o primeiro gole do perigoso líquido avermelhado.

— Fique bem, meu anjo. — dito isto em voz baixa, ela se retirou do aposento.



O relógio apontava quinze minutos para às onze horas quando Edgar finalmente adentrou o quarto. Seus ouvidos zumbiam levemente por conta da música alta que ainda tomava de conta do salão. Muitos convidados não faziam a menor menção de irem embora ou ao menos se recolherem à um dos incontáveis quartos de hóspedes, mas para ele a festa já havia terminado a muitas horas e ele permaneceu apenas por uma questão de formalidade. Havia a bebida também, mas desde que Sarah chamou-lhe a atenção ele evitou novas taças, permitindo que ele se recompusesse ao menos um pouco.

— Achei que fosse retornar para a festa depois de resolver suas pendências, mas creio que não a vi desde que saiu. — ele comentou casualmente enquanto retirava as diversas camadas de roupa, entretendo-se especialmente com o nó do lenço que estava atado ao seu pescoço.

— Sinto muito. — Sarah respondeu timidamente. — Tratava-se de um  assunto inadiável, perdoe-me por ter interrompido as comemorações.

Edgar pensou em responder que ela não havia interrompido nada, o que não era uma de suas gentilezas gratuitas, mas sim a verdade. Os convidados mal notaram a ausência da princesa, de tão entretidos que estavam com a comida, bebida e a música ensurdecedora. No entanto, algo na voz da jovem estava diferente do normal. Ele virou para o lado esquerdo do quarto, ainda sofrendo para desatar o nó do lenço.

A princesa estava sentada na beirada da cama, com os joelhos recolhidos sobre o lençol. Ele podia claramente observar o contorno de seu corpo através do fino tecido de suas vestes, denunciando de pronto os seios fartos. Uma vela na cabeceira iluminava fracamente seu rosto, conferindo-lhe um ar de mistério. Apesar de todos esses detalhes visuais, nenhuma dessas coisas lhe chamava a atenção. Com o olhar atento, ele pôde perceber uma garrafa praticamente vazia abandonada sobre a cabeceira, com não mais que um fio de líquido vermelho como conteúdo.

Ele sabia exatamente o que aquilo significava. Na verdade, qualquer homem que se prezasse conheceria aquela garrafa e seu conteúdo à léguas de distância. Nas tabacarias era conhecido como “a bebida da primeira noite”. Como já era prática comum entre os nobres, os casamentos aconteciam quase sempre por motivos financeiros ou políticos. As damas serviam como moeda de troca e valiam até países inteiros, em alguns casos. Muito raramente se tinha conhecimento de algum casamento entre a nobreza que tivesse uma motivação sentimental. Por esta razão, alguém brilhantemente havia criado aquela bebida de gosto adocicado para auxiliar a noite de núpcias de muitas dessas damas. Algumas tornavam-se dependentes para o restante de suas vidas, outras não utilizavam o recurso por mais que algumas semanas. Era o tipo de artigo que nunca faltava nos armários das prostitutas e cortesãs. O fato é que um ou dois copos eram mais que suficientes para garantir a noite do casal. Vendo que a garrafa encontrava-se praticamente vazia gerava um misto de sensações em Edgar. Ele estava curioso, intrigado e, principalmente, muito excitado.

Finalmente livre do lenço, ele se aproximou da princesa. Os detalhes visuais de antes estavam ainda mais nítidos agora que estavam frente a frente. A jovem o acompanhava com o olhar durante o pequeno trajeto, mas logo o desviou, passando a encarar os nós de seus dedos. Apesar de cabisbaixa, ele ainda podia reparar que seu rosto encontrava-se corado. Edgar acabou por sentar-se com alguns palmos de distância entre eles, dado o fato dele ter optado pela extremidade inferior da cama. Sarah não o encarava e também não proferia uma palavra sequer, o que atiçava ainda mais sua curiosidade.

Levando uma das mãos em direção ao rosto dela, o rapaz ensaiou uma breve carícia antes de permitir que os dedos escorressem até o cabelo, trançado de modo descuidado, o que lhe dava um ar ainda mais infantil. Ele deslizou a mão pelos nós da trança, entretido com seus próprios pensamentos e surpreendeu-se ao ver a menina reduzir a distância entre eles, arrastando-se sobre a cama até que estivessem muito próximos. Finalmente Sarah ergueu o rosto. Seus olhos brilhavam de antecipação, a boca encontrava-se entreaberta e a respiração estava ofegante.

Edgar ponderou muitas noites seguidas no que deveria fazer quando este fatídico momento chegasse. Ele jamais a forçaria a consumar aquele casamento contra sua vontade, ainda que assim ditassem os costumes da época. No entanto, a situação agora mudava de figura. Na situação em que Sarah se encontrava seria necessário chegar às vias de fato ou ela sequer conseguiria dormir.

Ainda raciocinando sobre o que deveria fazer, Edgar surpreendeu-se levemente ao vê-la se aproximar até que não houvesse mais distância a ser preenchida entre eles. O beijo era inicialmente superficial e casto. A iniciativa de aprofundá-lo partiu de Sarah, para seu espanto. Após alguns segundos o momento fora interrompido por uma risada baixa do mais recente Duque de Odarin, que passou a esconder o rosto na manga de sua camisa, tentando inutilmente abafar a risada.

— Do que você está rindo? — a princesa questionou em um tom incerto, temerosa de que estivesse fazendo qualquer coisa errada.

— Você está completamente bêbada. — Edgar respondeu sem conseguir conter sua risada baixa.

— E o que tem demais? — ela questionou com impaciência e irritação. — Você está quase sempre bêbado também.

— Isso é bem verdade, sou obrigado a admitir. — ele respondeu com um sorriso confiante no rosto, numa tentativa de conter seu riso. Não era justo fazer aquilo com a menina em sua primeira noite, mas a situação era demasiadamente inesperada e ele não podia deixar de achar tudo aquilo hilário.

Edgar abriu a boca para tentar justificar-se, pois não gostaria de causar qualquer mal entendido. No entanto, a princesa não lhe deu permissão para tal. Em um movimento rápido, ela fez com que seus lábios se unirem novamente e o rapaz aceitou prontamente o beijo daquela vez. Não era um beijo apaixonado (não havia como ser), mas não deixava de ser intenso e cheio de volúpia. Sem qualquer aviso, Sarah ergueu-se sobre os joelhos para então sentar sobre o colo do rapaz de fios dourados. Ela passou os braços por seu pescoço, impedindo que se separassem um centímetro que fosse, enquanto ele explorava as curvas de seu corpo de maneira delicada e ao mesmo tempo necessitada, ainda que o vestido branco servisse de intermediário ao seus toques.

Partiu de Sarah a iniciativa de finalizar o beijo. Ainda sentada em seu colo, ela concentrou-se em desabotoar os botões da camisa de Edgar. O rapaz a observava, seus dedos trêmulos lutando para retirar os botões de suas respectivas casas. Apesar da visão que tinha diante de si, sua mente vagueava longe. “É quase uma ironia do destino elas serem tão parecidas”, o Duque pensava enquanto sua blusa escorregava pelos ombros levemente bronzeados. Sem muita delicadeza daquela vez, ele a empurrou para trás e a princesa teve as costas recepcionadas pelo macio colchão. Rapidamente, o rapaz deitou-se sobre ela, retomando o beijo de antes com ainda mais voracidade.

Inicialmente, ela manteve-se imóvel, concentrada apenas em corresponder ao beijo. No entanto, não tardou até que ela decidisse abrir as pernas lentamente, de modo a acomodá-lo melhor naquele local. No calor do momento, Sarah por vezes movimentava o quadril ansiando por mais contato naquele local, fazendo com que este esbarrasse na ereção de Edgar, obrigando-o a suspender o beijo por segundos para que pudesse suspirar profundamente, tentando não perder o controle sobre si mesmo.

Depois de perder a noiva, Edgar estivera com muitas outras mulheres, mas nenhuma havia sido capaz de provocá-lo daquela maneira. A jovem não parecia se encontrar em melhor situação, já que estava temporariamente livre de qualquer pudor, o que a fazia gemer baixinho ao sentir as mãos do rapaz massageando seu seios.

Os minutos avançavam rapidamente e ela podia sentir o calor que emanava do corpo de Edgar aumentar gradativamente. Sua mente estava vazia, já não se lembrava de mais nada do que havia acontecido naquele dia, sendo este apenas um dos efeitos colaterais do líquido avermelhado. Da mesma forma como não era capaz de pensar em qualquer momento pretérito, ela não conseguia prospectar o que faria na manhã seguinte. Nada disso parecia importar. Tudo que gostaria era de concentrar-se para apaziguar aquela chama que a consumia naquele momento.


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