The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 19
Capítulo XIX - 16 de Janeiro de 1872


Notas iniciais do capítulo

Antes de mais nada, gostaria de pedir desculpas pelo atraso na publicação. Esse fim de semana foi muito corrido, tanto para mim quanto para minha revisora e no intuito de entregar o melhor trabalho possível a vocês optamos por atrasar um pouquinho a postagem.

Sei que tenho uma porção de comentários pendentes de resposta, peço mil desculpas por isso, mas os últimos meses foram excepcionalmente corridos. Espero conseguir responder todos com o devido esmero e carinho até o final dessa semana. Agradeço desde já a todos os leitores que tem me dado todo o apoio na construção dessa trama, vocês são maravilhosos!

Sem mais delongas, desejo a todos uma boa leitura!



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— Eu ainda não acredito que você realmente fez isso. — o tratador respondeu com a voz surpresa. Sarah era, por natureza, uma pessoa com espontânea, mas aquilo parecia passar de todos os limites que ele houvesse imaginado.

— Eu precisava! Tinha que ver como aquelas pessoas estavam. Imóveis, praticamente soterradas debaixo de tanta neve. Não sei como sobrevivem naquelas condições.

— Seja bem vinda ao meu mundo.  — ele comentou, sem se espantar com a narrativa impressionada da jovem. Não é como se ele jamais tivesse visto aqueles tipos de atrocidade acontecerem em invernos passados.

Olhando para o lado, ele percebeu o olhar desanimado que ela direcionava para as próprias mãos enluvadas. Talvez não devesse ter dito aquilo, afinal de contas. Sarah pertencia a uma outra realidade e fazia um esforço genuíno para conhecer mais de seu mundo humilde e sofrido. Ele reconhecia  o esforço e a admirava bastante por ser capaz de descer do seu pedestal de nobreza, misturando-se com os demais. Aproveitando o momento de distração da jovem, Elliot aproximou-se sorrateiramente e a abraçou por trás, depositando alguns muitos beijos em sua bochecha. Inicialmente, ela se sobressaltou com a ação inesperada do rapaz, tão somente para logo em seguida soltar uma risada tímida.

— Eu estou muito orgulhoso de você, sabia? — ele mencionou enquanto tragava a fragrância de flores que ela exalava.

— Eu não fiz isso para ganhar sua admiração, fiz porque me pareceu a coisa certa a se fazer. — ela respondeu com a voz baixa enquanto encolhia-se e aconchegava-se melhor dentro daqueles braços. Aquele era sem dúvida seu local favorito para estar, sendo um dos poucos onde se sentia plenamente confortável. Naquele apertado espaço, ao alcance das mãos grandes e ásperas de Elliot é que a princesa sentia-se livre para ser ela mesma.

— E é por essa razão que eu estou tão orgulhoso. — o rapaz mencionou em um sussurro, afundando o nariz nos fios úmidos de seu cabelo, descendo o rosto em direção ao pescoço coberto por um fofo cachecol.

— Tem algo que eu gostaria de falar com você. — Sarah mencionou enquanto suspirava profundamente. O assunto era delicado e era necessária uma dose extra de autocontrole para não se deixar levar pelas carícias inebriantes.

— Pode dizer, eu sou todo ouvidos. — Elliot respondeu sem dar muita importância ao apelo de sua companhia. Àquela altura, suas mãos estavam repousadas sobre sua cintura, acariciando-a de maneira possessiva. O tratador estava longe de ser uma pessoa delicada, mas esforçava-se para sê-lo quando estava na presença da jovem. Estavam imersos naquele jogo de concessões mútuas, tornando aquele período algo mágico de ser vivido.

— Desta forma você não dará ouvidos a uma única palavra do que eu disser. — Sarah ralhou enquanto tentava se livrar das mãos grandes que a seguravam ali, mas elas pareciam estar coladas ao tecido de seu vestido. — Elliot, isso é sério. Eu simplesmente amo isso que temos, mas não quero que as coisas continuem dessa maneira.

— Do que está falando?

— Eu não gosto da ideia de viver escondida, me dá a sensação de estar vivendo uma mentira. — ela confessou, percebendo que o bom humor do tratador havia subitamente desaparecido, mesmo antes dela mencionar a parte mais importante. — Eu pretendo contar a minha família que estamos juntos muito em breve.

— Eu não acho que seja uma boa ideia. — Elliot respondeu, após alguns instantes de silêncio. O período foi necessário para processar não só aquelas palavras, mas suas eventuais consequências. — Não acho que o Rei vá aceitar isso tão bem quanto imagina.

— Não seja ridículo, você não conhece Allen como eu conheço. — a princesa retrucou, tentando não se abalar com a forma como seu desejo fora recepcionado. Ela estava esperando algo mais eufórico e caloroso, o que tornou a realidade um pouco mais dura do que de fato era.

— Será que conhece mesmo? — o rapaz questionou retoricamente, não conseguindo disfarçar sua desconfiança.

— Eu não compreendo a razão para tanta desconfiança! — Sarah explodiu ao perceber que não seria agraciada com beijos, abraços e promessas de um futuro promissor. O momento que ela tanto fantasiava agora parecia um pesadelo aos seus olhos. — Allen pode parecer duro e talvez tenha uma porção de defeitos, mas ele jamais faria algo para me ver infeliz.

— Não se trata disso, Sarah. — o tratador tentou retroceder em suas palavras, tentando não parecer tão descontente com aquela revelação. Se por um lado era bom saber que a jovem levava aquele relacionamento a sério, lhe assustava imaginar o que poderia vir em retaliação para eles. — Seu irmão pode até ser uma pessoa generosa como diz, mas não muda o fato de que pertencemos às realidades diferentes.

— Isso nunca fez diferença para você antes… — Sarah abaixou o tom de voz enquanto tentava se afastar dali, dando  alguns passos para trás. Ela não sabia precisar se naquele instante predominava a sensação de ofensa com aquelas palavras ou o sentimento de mágoa pela reação tão distinta da que estava esperando. Dinheiro e classe social eram algo que fazia diferença nenhuma para ela e imaginar que o mesmo não poderia ser aplicado a ele fazia-lhe o estômago dar voltas de nervosismo.

— E não faz, juro a você como não! Mas não quer dizer que não faça para as outras pessoas. — Elliot tentou se explicar e aproximar-se dela novamente ao mesmo tempo, mas a cada passo seu Sarah afastava-se ao menos três.

— Você deveria preocupar-se com o que eu penso e não com qualquer outra pessoa! — a princesa vociferou, seguindo em direção à porteira do armazém. — Fique aí com as suas desconfianças e os seus receios já que é isso que quer! E não ouse me seguir ou irá  se arrepender disso.

Suas passadas apressadas lhe transportaram para a entrada do castelo rapidamente, enquanto as delicadas luvas que vestia eram responsáveis por absorver qualquer lágrima que porventura pudesse surgir no canto de seus olhos. “Como alguém pode ser tão insensível e ingrato assim? Eu sinto que tentar estar com o Elliot é como remar contra o fluxo de um rio”, ela pensou de modo raivoso enquanto tentava se livrar de um novo acesso de lágrimas. Chegando à larga escadaria, Sarah optou por sentar-se em um dos degraus. O excesso de neve que se acumulava durante a noite já havia sido retirado por algum servente, mas a pedra continuava fria como um cubo de gelo. No momento, ela não se incomodou com aqueles detalhes, uma vez que adentrar na casa significaria esbarrar em Evangeline ou Beatrice e ela não estava nenhum pouco inclinada a inventar uma nova mentira para justificar as lágrimas que corriam soltas por seu rosto silenciosamente.

Enquanto tentava acalmar-se, Sarah encarava o manto de neve que encobria o jardim. Era melancolicamente belo e pela primeira vez em toda sua vida aquela panorâmica levou-lhe um gosto amargo à boca. “Eu o amo tanto, mas isso jamais será suficiente para ele. Não importa o quanto eu me esforce, acho que jamais saberei o que Elliot realmente espera de mim”.  Àquela altura, a princesa encontrava-se tão absorta em seus devaneios e questionamentos sem respostas que sequer percebeu as passadas leves e ritmadas que se aproximavam.

— Será que esta dama me concederia a honra de poder sentar ao seu lado? — a jovem ergueu os olhos, encontrando no meio do caminho um  sorriso triste e um olhar compreensivo voltado para si. Em resposta àquele pedido ela meneou a cabeça positivamente. O filho do Conde Avelar sentou-se ao seu lado e imediatamente sacou um lenço de algodão do bolso, o qual ele guiou até as bochechas de sua companhia. — Vamos, enxugue essas lágrimas antes que elas congelem no seu rosto. Qual a razão desta penitência?

— Do que está falando?

— Se sentar -se aqui nesta escadaria fria a uma temperatura negativa não for um meio de auto punição, confesso que não saberei o que pensar. — ele comentou com um meio sorriso, enquanto guardava seu lenço no bolso novamente.

— Não seja bobo, o frio ao menos me acalma.

— Sinto muito por não concordar. Creio que o clima é o único aspecto que me faz sentir saudades de Hallbridge. — Edgar mencionou em meio a uma risadinha, em uma clara tentativa de animá-la. Ela já estava habituada a isso, pois sempre que as coisas pareciam caminhar de modo terrivelmente ruim, o jovem Avelar surgia para tentar amenizar-lhe os ânimos. — Ah, nossa bebida também é muito superior.

— Pare de tentar me fazer rir, estou tentando aproveitar um momento de melancolia. — Sarah ralhou enquanto desferia um simbólico empurrão em seu ombro.

— Acredite em mim quando digo que este é um sentimento que não pode ser aproveitado. Quer falar sobre o que está lhe perturbando? — ele comentou enquanto a observava atenciosamente. Em resposta a sua pergunta a princesa balançou a cabeça negativamente. — Então eu não farei mais perguntas.

— Na verdade, eu que gostaria de lhe perguntar algo. — ela mencionou quando algo lhe veio em mente. Só esperava que seu amigo não se incomodasse em responder a algo tão pessoal.

— Quantas você quiser. — o rapaz respondeu com prontidão, enquanto apoiava uma das bochechas em sua mão esquerda.

— Aviso logo que é bastante pessoal. — a jovem disse enquanto mordia o lábio inferior, incerta se deveria prosseguir com aquilo ou não.

— Fique à vontade. — ele deu os ombros, sem maiores preocupações.

— Como Anya reagiu quando você disse que gostaria de assumir um relacionamento com ela? — a princesa questionou de uma vez, sem mais rodeios ou acabaria desistindo. Ela pôde observar o momento exato em que sua companhia arregalou os olhos, assumindo um ar surpreso. Certamente ele não imaginava que a indagação fosse atingir aquele assunto especificamente. Após alguns instantes de silêncio, ela se arrependeu profundamente de ter entrado naquele assunto. Onde ela estava com a cabeça, afinal de contas? Ela sabia que o rapaz precisava esquecer a burguesa de uma vez por todas e definitivamente ficar retornando àquele assunto não era a melhor maneira de fazê-lo. — Perdoe-me, foi um questionamento impróprio, ignore tudo que eu disse.

— Acho que foi um misto de alegria e temor. — Edgar respondeu, após alguns segundos de reflexão. — Anya sempre foi bastante receosa com o que as pessoas da minha família pudessem pensar, ainda que eu lhe dissesse que a opinião deles não detinha a menor importância. Acredito que da mesma maneira que o ricos temem tornar-se pobres, os humildes temem que um dia sejam obrigados a conviver com os mais abastados. É uma reação natural, creio eu.

Ela refletiu sobre aquelas palavras por um momento. Era difícil acreditar que Elliot temia o reconhecimento daquele relacionamento em função da classe a qual ela pertencia. Não parecia fazer sentido. “Eu sou tão nobre quanto eles, então qual a diferença?”, ela pensava de modo aborrecido. Tornando o rosto para o lado, era impossível não admirar a expressão contemplativa do primogênito da Família Avelar. A face tenra mascarava uma mente conturbada com perfeição e Sarah não conseguia imaginar outra coisa senão a dimensão daquela solidão.

— Você deveria se casar, Edgar. — ela comentou calmamente, após alguns instantes.

— Qual a razão disto? — ele questionou em meio a uma risada baixa e incrédula.

— Eu sinto que você é muito solitário, seria bom se houvesse alguém para lhe servir de companhia, não acha? — ela argumentou na tentativa de fazer aquela proposta soar atraente ao rapaz. Ele merecia um passe livre para a felicidade mais que qualquer outra pessoa que ela conhecesse.

— Mas eu já tenho alguém para me fazer companhia, estou olhando para ela neste exato momento. — a piada singela fez com que ambos soltassem uma risada contida e confidente. — Além do mais, eu não obrigaria uma mulher a casar-se comigo se não fosse realmente necessário. Não sou uma boa companhia.

— Tem razão, você é insuportável. — Sarah mencionou em tom de brincadeira, soltando uma gargalhada ao perceber a expressão ofendida de Edgar com aquela acusação tão aberta. — Não faça essa cara de ofendido, eu apenas concordei com o seu julgamento.

— Na realidade, eu estava esperando que você massageasse um pouco meu ego. — ele comentou com uma expressão chorosa e a princesa respondeu com um olhar caricato, como quem diz: “Somente nos seus sonhos”. — Tudo bem, eu sobreviverei a este golpe impiedoso.

Ambos soltaram uma gargalhada alegre e Sarah sentiu o peito um pouco mais leve. Aquela era a razão pela qual a jovem apreciava tanto a companhia do atual Secretário Real. Apesar das tristezas e decepções que ele carregava consigo, Edgar não deixava de ser uma companhia espirituosa e altruísta. O rapaz ergueu-se do chão gelado, passando as mãos em seus braços numa vã tentativa de aquecer a si mesmo, enquanto informava que já estava na hora de retornar aos seus afazeres.

— Onde você vai agora? — Sarah questionou com curiosidade, enquanto imitava seus movimentos e o seguia em direção à sua morada.

— Ao Gabinete Real. — ele respondeu enquanto subia a larga escadaria em direção ao castelo. — Por que a pergunta?

— Acho que irei com você. Tem um assunto que eu gostaria de tratar com Allen.



A larga cama estava abarrotada de vestidos de todas as cores e joias com tamanhos e formatos dos mais variados que se pudesse imaginar. A cada momento, a pilha de objetos sobre o móvel aumentava e Margot observava o amontoado de itens crescer com curiosidade. Seus olhos brilhavam de excitação sempre que Beatrice abandonava sobre a colcha um par de brincos, mas quando a gatinha fazia menção de brincar com eles, esticando uma de suas patas brancas e felpudas, ela recebia um aviso em tom repreensivo de sua dona e retraía-se novamente, esperando pacientemente por um momento de distração.

Evangeline encontrava-se sentada num banco acolchoado, de costas para a luxuosa penteadeira da Rainha e tecia comentários sobre cada peça que a jovem lhe mostrava. Nos últimos meses, as duas haviam desenvolvido uma amizade muito íntima. Era incrível como seus gostos eram similares.

— Eu não sei se ainda usarei esse vestido um dia. – a jovem rainha comentou enquanto analisava uma peça lilás, adornado seu torso com pequenas pedras de brilhantes. Era uma verdadeira relíquia e deveria ter o valor equivalente a uma casa de campo. – Acha que Sarah gostaria de ficar com ele?

— Esqueça, Beatrice, Sarah precisaria perder cinco quilos ou mais para entrar num vestido desses. – a governanta comentou enquanto balançava as mãos em negativa. – Inclusive, você deveria falar com ela sobre isso. Está engordando demais para o meu gosto.

— Não seja boba, ela está ótima. Na verdade, desde que nos conhecemos acho que nunca a vi tão bem. Saberia me dizer a que se deve esta felicidade repentina?

— Não consigo nem imaginar.

A resposta de Evangeline carecia de veracidade e ela seguiria daquela forma se isso significasse proteger a princesa. Inevitavelmente, a verdade viria à tona, mas se dependesse da governanta ela postergaria esse momento a todo custo. Ela não havia nascido na semana anterior e bem sabia que a razão por trás de toda aquela felicidade tinha nome e endereço certo. “Eu sei que ela é filha de Katherine e que seria inevitável que tivessem aspectos tão semelhantes. Mas justo esse especificamente?”, ela ponderava de modo desgostoso só de pensar no que poderia acontecer quando Allen descobrisse aquele relacionamento espúrio. Ela sabia bem como aquela história terminava e todas as noites rezava para que Sarah criasse um pouco de bom senso antes que fosse tarde demais.

— Evangeline, você se incomodaria de preparar um chá para nós? Hibiscos cairiam bem nesse momento. — Beatrice requisitou de modo amável como de costume.

— De modo algum. Espere-me aqui, volto num instante.

Evangeline prontificou-se a preparar o chá e rapidamente desapareceu dos aposentos reais em direção à cozinha. Em sua pressa, ela acabou por deixar a porta entreaberta, fato este que passou despercebido aos olhos da jovem rainha. Esta dividia sua atenção entre os vestidos que pretendia ou não manter em seu guarda-roupa e em Margot, que insistia em utilizar suas joias como objetos de entretenimento.

Distraída com seus próprios afazeres, Beatrice não reparou no momento em que alguém adentrou no cômodo com passos leves. Margot observava o intruso com curiosidade e a gata cinzenta vislumbrou o momento exato em que sua dona fora surpreendida com uma mão larga que lhe capturou a cintura. Instintivamente, a loira soltou um gritinho assustado, fazendo com que a gata pulasse de sua cama e escapasse pela porta aberta.

— Gilbert, o que está fazendo aqui? — ela questionou com um misto de surpresa e aborrecimento.

— Estava passando pelo corredor e vi a porta aberta. — ele respondeu com simplicidade, como se estivesse a informar as horas. — Achei que pudesse ter algo interessante aqui dentro e acho que acertei, no final das contas.

— Não há nada que possa lhe interessar aqui. — ela respondeu rapidamente enquanto afastava-se do rapaz à sua frente. Instintivamente, a jovem cobria-se com o vestido que tinha em mãos, como se estivesse despida. Na realidade, ela sempre sentia-se despida diante dos olhos famintos do caçula da Família Avelar. — Vá embora antes que Allen chegue e você crie problemas para mim.

— Não é provável que ele apareça, até mesmo porque ele deve estar em seu gabinete esperando por mim. — Gilbert mencionou de modo presunçoso  enquanto aproximava-se novamente de Beatrice, como um caçador analisa sua presa antes de partir para o ataque

— Então, por gentileza, vá encontrá-lo logo! — ela respondeu com impaciência. Havia várias coisas que ela gostaria de dizer a ele, mas sua boa educação sempre falava mais alto.

— “Por gentileza”? Desse jeito parece até que você quer que eu fique. — o rapaz atiçou em meio a uma gargalhada. — Você deveria impor-se um pouco mais, Beatrice. É uma rainha, no final das contas.

— É apenas um título. Eu não tenho poder algum sobre qualquer coisa neste lugar.

— Apenas porque você não quer. — foi tudo que ele disse antes de lhe direcionar uma piscadela provocante, retirando-se do quarto.

Beatrice suspirou aliviada ao vê-lo cruzar a porta do cômodo. Seu pulso estava acelerado e a sensação era semelhante a escapar da morte. Ela não gostaria de sequer imaginar as consequências caso Allen viesse a descobrir que Gilbert andava lhe rondando daquela maneira. “Como é típico dos homens, eu levarei a culpa sozinha e pagarei o preço por algo que não fiz”, ela pensou, de modo aborrecido, enquanto jogava-se sobre a cama, sem incomodar-se com os vestidos que estavam embaixo de si. “Liberdade… eu gostaria de saber qual o gosto da liberdade”.



Sarah e Edgar conversavam amigavelmente enquanto caminhavam em direção ao Gabinete Real. Embora já não estivesse mais tão empolgada em revelar certos aspectos de sua vida pessoal ao seu irmão, ainda havia um assunto a ser discutido com ele na condição de monarca de Odarin. Ela não havia esquecido o estado decadente em que aqueles pedintes se encontravam no dia em que esteve no centro comercial. A imagem retornava a todo instante e ela tinha consciência de que precisava fazer algo mais.

— Você gostaria de um pouco de privacidade? — Edgar questionou logo que pararam diante da porta de carvalho que os separava do Gabinete. — Posso esperar aqui fora de isso a fizer sentir-se mais confortável.

— Na realidade, eu preferiria que você entrasse comigo. — Sarah respondeu, levemente nervosa, o que tornava-se evidente pelas mãos inquietas. Sua mente borbulhava ao tentar imaginar qual seria a melhor maneira de abordar aquele assunto e quais argumentos ela poderia usar para defender seu ponto de vista. No fundo, ela esperava que um debate não fosse necessário.

Edgar riu de maneira contida diante daquelas reações tão honestas e abriu a porta para que ela entrasse primeiro. Ele bem sabia que manter um diálogo com Allen consistia num desafio, já que o jovem monarca era uma pessoa extremamente reclusa em si mesma. O próprio Avelar muitas vezes precisava adivinhar o que se passava na mente dele para conseguir executar seu serviço como Secretário Real, principalmente quando o rei entrava em seu estado de reflexão, permanecendo longas horas em silêncio absoluto.

Allen parecia concentrado na leitura de um documento extenso e levantou os olhos tão somente para verificar de quem se tratava. A imagem de sua irmã ingressando timidamente em sua sala fez com que sua expressão suavizasse levemente. Abandonando o ofício sobre sua mesa, ele questionou em que poderia ser útil à mais nova.

— Eu sei que você deve estar ocupado com uma porção de assuntos, então eu tentarei ser breve. — ela mencionou de imediato enquanto aproximava-se do mais velho. — Allen, eu não viria até aqui se o assunto não fosse importante. Há pouco mais de uma semana eu estive no centro comercial de Odarin e…

— Eu já sei disso. — ele a interrompeu , de imediato, fazendo a princesa praticamente engolir as próprias palavras. — Só não vejo em que esse assunto poderia me interessar.

— Bom… — Sarah tropeçou nas palavras após aquela interrupção, não estava esperando aquele tratamento imediatista. — Talvez não seja de seu conhecimento ainda, mas existem inúmeras pessoas vivendo em situação de miséria em Odarin. Eu sei que estamos enfrentando dificuldades financeiras, mas não imaginei que a situação estivesse tão crítica.

— Novamente: eu já sei disso, mas não vejo a relevância em você vir me relatar tal fato. — Allen respondeu de modo seco e direto. Naquele dia específico ele não estava disposto a ouvir as asneiras da princesa.

— Como não vê a relevância? — a jovem questionou, com o tom de voz levemente acima do normal. Estava estupefata com aquele descaso todo. — Dezenas de pessoas que estão sob a nossa responsabilidade estão passando fome e você não vê a relevância?

— É certo que estamos no meio de uma crise, mas invariavelmente os miseráveis sempre iram existe. É a ordem natural das coisas, você precisa aceitar isso e deixar de tomar ações impulsivas, como gastar o meu dinheiro. — ele respondeu, de modo agressivo, enquanto encostava-se melhor em sua cadeira.

— Seu dinheiro? Será que preciso lhe lembrar de que somos irmãos e temos direitos iguais aqui? — ela esbravejou, sem qualquer controle sobre sua voz ou as palavras que estava usando. Estava tomada por uma raiva cega.

— Não me venha com essa de direitos iguais! Tenho certeza absoluta de que você não quer vir aqui fazer o meu trabalho. — ele a alfinetou bem no local onde sabia que a magoaria. Não era preciso ser muito observador para perceber que Sarah admirava a inteligência e respeitabilidade de Allen.

— Você mudou, Allen. — Sarah mencionou, com a voz levemente embargada, sem conseguir acreditar nas palavras que havia acabado de ouvir. Aquela discussão parecia ser muito pior do que a que tivera mais cedo com Elliot. Aquele definitivamente não era seu dia de sorte.

— E você não? — ele questionou retoricamente.

— É diferente. — ela mencionou em meio a um soluço que escapou contra a sua vontade. — Você costumava me escutar. Você me dava ouvidos.

— E eu continuarei dando, desde que você me proponha algo de relevância. — ele respondeu com rispidez, tomando novamente o antigo documento em mãos, demonstrando que não estava mais disposto a ouvir qualquer palavra proveniente dela.

— Cuidar do seu povo não está na sua lista de relevâncias e prioridades?

— Não. Minha lista de prioridades se resume aos nobres que nos apoiam e nos mantém aqui.

— Ótimo! — ela gritou com fúria. — Cuide de seus nobres e seus bolsos cheios de dinheiro. Mas não me impeça de cuidar das pessoas que de fato necessitam de nós.

Ainda chorosa, ela correu em direção à porta, escapando pelos corredores o mais rápido que pôde. Tudo que ela gostaria naquele momento era chorar suas lágrimas em paz.

Edgar observou aquele diálogo em silêncio, sem crer no que se passava diante de seus olhos. Em quase dez anos de convivência era a primeira vez que ele o via tratá-la daquela maneira tão dura e insensível. Ele tinha certeza de que algo não ia bem dentro da mente conturbada de Allen e o suspiro profundo que ele soltou apenas confirmou o que vinha imaginando.

— Isso foi inesperado. — o filho do Conde Avelar comentou de modo casual. — Sarah tornou-se uma mulher impressionante, você há de reconhecer isto.

— Mais do que isso, está tornando-se atrevida demais para o meu gosto. Além do mais, ela não imagina com quem está lidando.

— Eu não a culpo por isso, ela é jovem e idealista. — o jovem Secretário tentou justificar, no intuito de amenizar a situação.

— E eu sei um método muito eficiente de contornar esse idealismo cego que ela sustenta. — Allen comentou, de modo pensativo, o que apenas atiçou a curiosidade de sua companhia. — Faça-me o obséquio de pedir que Gilbert entre, tenho alguns assuntos a tratar com ele.

— Gilbert está aqui? — Edgar questionou, surpreso com aquele pedido. Ele mesmo não sabia que seu irmão mais novo encontrava-se em Odarin, o que tornava aquela situação ainda mais suspeita. — Não comentou nada sobre sua vinda comigo.

— Chegou hoje pela manhã. — o monarca comentou, de modo vago, sem disposição para entrar em detalhes. — E, por favor, deixe-nos à vontade para conversarmos.

O segundo pedido fez com que as suspeitas de Edgar se intensificassem, mas não havia nenhuma razão para contestar o pedido. Ele mesmo perguntava a cada visita se deveria retirar-se do gabinete para deixar Allen à sós. Nem sempre havia uma razão específica para aquela atitude. Na verdade, ele julgava já saber muito e gostaria de poupar a si mesmo de certas negociatas e jogos políticos. Sem mais nada a acrescentar, ele ergueu-se de sua cadeira e seguiu em direção à porta, encontrando o mais novo do lado de fora, esperando pacientemente sua vez de entrar.

— Você não me disse que viria. — Edgar comentou assim que cruzou a porta. — Tem andado bastante por Odarin ultimamente, não é mesmo?

— Você não sabia? Eu e Vossa Majestade somos melhores amigos agora. — Gilbert respondeu em meio a uma risadinha presunçosa, como lhe era característico.

Sem esperar a resposta para aquela brincadeira, o caçula da Família Avelar adentrou no Gabinete Real e imediatamente sentou-se diante do monarca daquelas terras, questionando de modo solícito em que poderia ser útil.

— Não pretendo tomar muito do seu tempo, pois já tive aborrecimentos demais por hoje, então irei direto ao assunto. — Allen afirmou de modo seguro enquanto debruçava-se levemente sobre a mesa. — Você acha que um casamento com a princesa Sarah é suficiente para me garantir livre acesso aos portos de Hallbridge?

Gilbert sorriu largamente com a pergunta. Havia muito tempo que ele esperava para ouvir aquelas palavras.

— Essa é uma troca que está passível de negociação. Podemos começar?


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Notas finais do capítulo

Deixo aqui a observação para que ninguém abandone a história neste ponto em função da conclusão do capítulo. "The Queen's Path" é recheada de reviravoltas (como já devem ter percebido) então nunca se sabe quando uma determinada situação pode mudar completamente. Lembrem-se: não existem coincidências e nem tudo é o que parece.
Fico no aguardo dos comentários de vocês, um beijo a todos!



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