The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 13
Capítulo XIII - 11 de Maio de 1871


Notas iniciais do capítulo

Antes de mais nada, gostaria de explicar aos meus leitores a razão pela qual não houve capítulo na semana passada. Foram dias realmente atípicos e além de não conseguir finalizar o capítulo 13 à tempo, participei de um concurso no domingo, que tomou praticamente meu dia inteiro, fora outros empecilhos menores.

Para recompensá-los, um capítulo fresquinho com muitas novidades para vocês (algumas que já vem sendo bem esperadas). Espero que gostem, boa leitura!



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Maria agradeceu mentalmente quando desceu com a última mala. Mesmo não tendo passado mais que dois meses hospedada na casa da Família Chevalier, Sarah havia comprado roupas suficientes para uma vida inteira. A empregada sequer imaginava como a governanta fazia para manter o quarto de hóspedes impecavelmente arrumado. Ao terminar a árdua tarefa de trazer todos os pertences da princesa do segundo andar para o térreo, seu trabalho naquela casa estava encerrado. Agora, ela poderia seguir até sua própria morada e organizar suas coisas, para que pudesse levá-las de volta ao castelo. Trava-se de um sonho prestes a se tornar realidade e ela mal conseguia conter sua excitação.

Evangeline despediu-se da empregada e passou a certificar-se de que nada havia sido deixado para trás. Tudo estava em ordem e ela seguiu até a poltrona onde a princesa estava para lhe informar que despacharia aquelas coisas todas para o castelo. Sarah meneou positivamente, sem muito ânimo e então dispensou a presença da governanta. Evangeline franziu o cenho diante daquela falta de reação, mas nada disse. Havia vários dias que a jovem agia de modo melancólico, quase depressivo. Todas as vezes que lhe questionavam a razão de todo aquele desânimo, ela permanecia em silêncio.

Eu sabia que nada de bom poderia resultar dessas amizades, mas ela me escuta?”, Evangeline pensou, bastante aborrecida com aquela situação enquanto orientava que Gaspar retirasse as malas da sala e as levasse até o castelo de Odarin.

Sentada de modo desleixado sobre uma poltrona próxima à janela, Sarah observava as gotículas de chuva deslizarem pelo vidro. Havia sido uma manhã bastante chuvosa em Odarin, mas ainda que o tempo não estivesse tão melancólico naquele reino montanhoso, o mesmo não poderia ser dito do estado espiritual da princesa.

Desde a discussão com Elliot ela carregava consigo o sentimento de inconformidade, incapaz de aceitar que seu amigo de infância preferisse um pequeno grupo de órfãos e uma camponesa qualquer em detrimento da possibilidade de retornar ao antigo lar, onde ambos nasceram e puderam se conhecer. Em uma de suas inspeções no castelo, ela até mesmo procurou Jacques para contar-lhe o que havia acontecido e o que ela poderia fazer. O jardineiro escutou-lhe com atenção, mas no final das contas não pôde fazer nada que pudesse ajudá-la. O tratador de cavalos já não era mais uma criança e ele já não tinha mais qualquer gerência sobre as escolhas dele.

Entretida naquele debate mental, Sarah sequer reparou quando Phillip desceu as escadas da casa e desejou-lhe uma boa tarde. Ele seguiu em direção a sua estante de livros e assim que tomou um exemplar em mãos, sentou-se numa poltrona próxima para iniciar sua leitura diária. No entanto, após terminar a primeira página ele percebeu que seu cumprimento não fora respondido, só então dando-se conta de que havia algo de errado com sua hóspede.

— Dias chuvosos são perfeitos para se passar lendo, mas essa sua cara fechada está arruinando o meu momento. — ele apontou em tom de brincadeira, mas não obteve a reação esperada. Ao invés de retrucar ou mesmo atirar uma almofada nele, Sarah restringiu-se em abaixar a cabeça, ocultando seu rosto no braço da poltrona.

Soltando um suspiro profundo, o rapaz agora sentia-se incumbido de melhorar ao menos um pouco o humor da princesa. Não que ele estivesse preocupado com ela ou com o que quer que estivesse tirando-lhe a vivacidade de seu olhar. Ele não conseguiria se concentrar em sua leitura sabendo que a moça diante de si estava a transpirar infelicidade.

— Vou lhe agraciar com quinze minutos do meu precioso tempo de estudo. Vamos, o que precisa? — ele questionou enquanto fechava seu exemplar temporariamente. Sarah tornou o rosto em sua direção e dirigiu-lhe um olhar sério. Não sentia-se inclinada a conversar com quem quer que fosse. — Diferentemente do que você pode pensar, eu não tenho o dia inteiro disponível. Uma opinião, um apontamento, um conselho amoroso, ande, peça o que quiser.

— Eu não quero nada. — ela respondeu de modo seco, voltando a encarar a vidraça molhada. — Não de você, pelo menos.

— Ah, então se trata de um problema com outra pessoa, não é mesmo? — arriscou, sentindo-se como um verdadeiro conselheiro no processo, embora ele mesmo estivesse levando a situação na brincadeira. — Por acaso andou discutindo com alguém?

Sarah tornou a olhar para o caçula da Família Chevalier, com uma expressão que poderia ser traduzida num “Como sabe?”, o que arrancou um tímido sorriso por parte do rapaz, que percebeu ter dado um tiro certeiro. As pessoas de sua família eram relutantes em aceitar, mas Phillip era um ótimo conselheiro, talvez pelo ar imparcial evidente em cada mínimo julgamento seu, ou então em razão das leituras excessivas, que não se restringiam aos livros acadêmicos.

— Eu discuti com um amigo muito querido e agora não sei como consertar a situação. — ela finalmente revelou em meio a um suspiro. Àquela altura, qualquer tipo de ajuda seria bem vinda.

— Senti uma pontada de remorso? — ele questionou de modo retórico. — Acho que alguém disse algo além do que deveria, não foi isso?

Ainda que a princesa reconhecesse seu próprio excesso, ela limitou-se em enterrar o rosto novamente em um dos braços, desta vez com vergonha de si mesma. Para quem estava sempre a criticar Evangeline por suas palavras duras e insensíveis, ela não havia agido de modo diferente. Era certo que se envergonhava da cena que havia feito, mas seu orgulho e relutância em admitir aquilo conseguiam ser ainda maiores.

— Os infortúnios da vida tornam-se ainda mais pesados quando envolvem aqueles a quem nós amamos. — ele comentou em voz baixa, proferindo aquelas palavras mais para si do que para a jovem sentada a sua frente. Quando Sarah ergueu os olhos, perguntando-lhe o que ele havia dito, o rapaz apenas meneou a cabeça em negativa. — Não é nada, eu estava apenas divagando. Ouça, muitas vezes deixamos que o coração fale mais alto que a razão. Sentimentos são intensos por si só e se você permitir que eles ditem o sentido da vida, jamais terá um momento de paz. Independentemente do obstáculo, você é quem deve tomar as rédeas da situação.

— As coisas não são tão fáceis como o seu discurso faz parecer. — ela respondeu em meio a um resmungo.

— Eu não disse que era fácil. Mas não deixa de ser necessário. Você é uma princesa, Sarah. Aja como uma.

A jovem ergueu a cabeça pela primeira vez desde que iniciara aquele diálogo, olhando-o com atenção. Phillip parecia muito certo daquilo que dizia e a firmeza de suas palavras lhe trouxe uma sensação de confiança da qual ela carecia já havia um certo tempo.

Antes que ela conseguisse formular uma resposta para aquele belo discurso, Evangeline surgiu novamente na sala, chamando-a para que pudessem partir.

— Já está na hora, Sarah. As malas já foram despachadas e seria bom que saíssemos agora, enquanto não chove novamente. — a governanta explicou enquanto aguardava junto à porta.

— Peça para Gaspar preparar os cavalos, me juntarei a vocês em um instante. — a princesa ordenou, fazendo com que Evangeline se retirasse para acatar aquela ordem.

A princesa ergueu-se de sua poltrona com um ânimo muito diferente daquele que portava quando havia afundado ali logo cedo, após o desjejum.  Ela sentia-se confiante e tinha a certeza de que poderia resolver aquela situação, desde que se esforçasse naquele sentido. Seria difícil admitir seu excesso, mas no fundo ela reconhecia que Elliot merecia um genuíno pedido de desculpas.

Àquela altura, Phillip já direcionava sua atenção ao livro que estava em suas mãos, tornando a procurar a página em que havia interrompido sua leitura. Ela se aproximou do rapaz, dirigindo-lhe um um sorriso amigável, que não esboçava há dias.

— Obrigada pelos conselhos, Phillip. Durante essas semanas em que estive aqui você foi um ótimo amigo e eu sou muito grata por  isso.

— Não vá chorar de saudades. — ele respondeu do mesmo modo irônico habitual enquanto acenava com uma das mãos em sinal de despedida.

Sarah não pôde deixar de rir daquela despedida incomum, mas que muito combinava com a personalidade do caçula. Desejando um tímido “até logo”, ela seguiu até a porta, sentindo-se pronta para retornar ao castelo de Odarin, dessa vez em caráter definitivo.



— Aconteceu alguma coisa? Você parece diferente. — Evangeline apontou no exato momento em que a carruagem cruzava os portões do castelo. Sarah dirigiu-lhe um olhar curioso, sem compreender a dimensão daquela pergunta. — Quero dizer, foram duas semanas de melancolia e infelicidade intermitentes, mas agora você parece estar mais animada. Ouso até dizer que aparente estar mais leve.

— Phillip me lembrou de algumas coisas das quais eu jamais deveria ter me esquecido. — ela respondeu em meio a um sorriso confiante e a governanta julgou a resposta como suficiente.

A aproximação do sucessor mais novo da Família Chevalier não passou despercebida aos olhos de Evangeline. Muito embora não soubesse precisar se aquela amizade era de fato espontânea ou se era pautada nos interesses da baronesa, ela sentia-se intimamente satisfeita com o resultado obtido. Dos três filhos do Barão Chevalier, Phillip parecia ser o mais adequado e ela alegrava-se do fato de sua menina finalmente estar dando sinais de envolvimento com alguém que tivesse descendência nobre. Em outras palavras, alguém suficientemente digno para desposar uma princesa como ela.

Em poucos minutos a cabina parou de chacoalhar, indicando-lhes que haviam chegado ao seu destino final. Sarah foi a primeira a abandonar o veículo e admirou-se da mudança que o jardineiro conseguiu empregar naquele lugar, mesmo em tão pouco tempo. O aspecto de abandono havia desaparecido por completo. As trepadeiras já não estavam mais presentes, a grama aparentava ter sido milimetricamente aparada. Dado o curto período, ainda não havia flores para colorir a entrada do castelo, mas a terra com aspecto recém mexida indicava-lhe que não tardaria muito para que elas começassem a brotar.

— Por mais que eu deteste dizer isso, a aparência deste lugar está infinitamente melhor. Me admira que Jacques tenha conseguido dar conta de tudo isso sozinho. — a governanta mencionou enquanto examinava a fachada de modo minucioso. Depois do último sermão que recebera da princesa, ela fazia um esforço para se policiar e ponderar seus comentários acerca do velho jardineiro. Não que estivesse inclinada a um relacionamento pacífico com ele. Ela apenas prezava sua relação com a jovem mais do que o que rivalizava com Jacques.

— Eu nem quero imaginar o quão difícil foi revitalizar esta parte. — Sarah comentou, ainda boquiaberta com a entrada de sua antiga casa. Exceto pela ausência da vivacidade das flores, estava tudo como antes, era como se ela jamais tivesse saído de lá. — Evangeline, trate de arrumar nossos pertences. Eu preciso vê-lo agora.

Com aquilo em mente, a jovem sequer esperou uma resposta antes de sair caminhando em busca de Jacques. Rodeando o castelo, ela pôde perceber que ainda havia muito a ser feito. Algumas janelas precisavam de reparos, ao passo que as paredes, mesmo que agora livres das plantas, ainda precisavam ser lavadas. O interior certamente ainda demandaria alguns dias, mas tão logo ela soube que as restaurações necessárias para a manutenção do castelo estavam encerradas, optou de imediato pelo seu retorno. A cada dia que passava na casa da Família Chevalier, menos paciência ela tinha para lidar com a baronesa e seus dois filhos mais velhos, extremamente inconvenientes.

Após aproximadamente uma hora de busca, a princesa não havia sido capaz de localizar o jardineiro em lugar algum. Já havia checado toda a extensão do jardim, o pátio, o antigo depósito e  não obteve êxito em nenhuma de suas tentativas. Prestes a desistir, ela recordou-se de um lugar onde ele possivelmente poderia estar. “Talvez ele tenha ido buscar alguma ferramenta nos estábulos. Recordo-me que era bastante comum ele guardar algumas coisas lá, que também poderiam ser úteis ao velho Earnshaw. Espero ter mais sorte desta vez”, ela pensou enquanto corria ansiosamente em direção ao estábulo.

Quando finalmente encontrou a pequena edificação avermelhada, Sarah diminuiu o passo até parar de correr. Se sua morada já não trazia mais consigo o aspecto de abandono, o mesmo não poderia ser dito do antigo estábulo, que costumava guardar em seu interior os cavalos mais caros e de  linhagem nobre do reino. A madeira avermelhava estava bastante desbotada e até mesmo fofa em algumas partes, dada a alta umidade de Odarin. Naquela parte a grama ainda se encontrava bastante alta, evidenciando como o jardineiro havia priorizado as partes mais visíveis do castelo.

De certa forma, lhe doía ver os estábulos daquela maneira. Uma parcela de sua infância havia se passado dentro daquelas paredes, sentada sobre as divisórias das baias de cada cavalo. Além disso, foi lá que ela e Elliot se conheceram, quase que por um acaso do destino. Em uma de suas fugas, ela refugiou-se dentro dos estábulos, na esperança de que Evangeline não a encontrasse tão cedo. Qual não fora sua surpresa ao encontrar um menino, de idade semelhante à sua, discutindo tolices com um cavalo de tom amarelado? Viraram amigos quase que instantaneamente.

Puxando o ar tanto quanto o vestido apertado lhe permitia, ela reuniu coragem para adentrar na extensa edificação. Ainda tinha que procurar o jardineiro, no final das contas.

— Jacques, você está aí? — ela questionou em voz alta enquanto empurrava a porteira pesada, que se mexeu com lentidão.

O interior do local estava ainda mais deteriorado que o exterior. As portinholas usadas para evitar a fuga dos cavalos estavam absolutamente enferrujadas. Não havia mais feno ou mesmo tonéis para armazenar a mistura alimentícia que Earnshaw preparava para os cavalos. O ambiente estava escuro e aparentemente vazio. Não fosse o bastante, o tempo nublado não ajudava em nada a iluminar o ambiente.

Ela caminhava lentamente, temerosa com o que pudesse encontrar no interior dos estábulos. O incidente com o cervo ainda estava bem vívido em sua mente e ela não desejava passar por uma situação semelhante. Quanto mais adentrava, mais difícil tornava-se de enxergar ou mesmo identificar possíveis obstáculos. Depois de caminhar alguns passos, Sarah acabou por tropeçar em algo, mas conseguiu equilibrar-se a tempo de evitar uma queda. Tornando o rosto em direção ao chão, ela percebeu que havia tropeçado nas pernas de um homem, sentado junto à porteira de uma das baias. Ele cobria o rosto com o braço e parecia estar cochilando. Retirando o braço que lhe obstruia a visão, ele precisou piscar algumas vezes antes de reconhecer quem havia o acordado de seu descanso pós almoço de maneira tão brusca.

— Ah, é só você. — Elliot comentou com desinteresse enquanto se levantava e batia a poeira das calças.

— Quem mais você esperava que fosse? — ela questionou de modo aborrecido pelo susto que o rapaz havia lhe dado. Não parecia ser o tipo de local ideal para tirar uma soneca.

— Jacques. Anthony. Marco. Qualquer um que não fosse você. — ele respondeu com descaso, caminhando em direção à entrada dos estábulos, abrindo mais os portões e permitindo que a claridade do dia invadisse o local, ainda que de forma tímida.

— Sinto muito decepcioná-lo então. — Sarah respondeu enquanto cruzava os braços, incomodada com o tratamento que estava recebendo. Ela não parecia ter sido a única a remoer a discussão por todos aqueles dias. Após alguns segundos sem obter qualquer resposta, ficou claro que daquela maneira ela jamais conseguiria reestabelecer o diálogo com seu amigo de infância. Sem saber como abordá-lo, arriscou uma pergunta casual. — Afinal de contas, o que está fazendo aqui?

— Eu não sei o que lhe deu na cabeça em achar que Jacques poderia restaurar todo o jardim que circunda o castelo em menos de três meses. Também não sei o que deu na cabeça dele de aceitar uma tarefa suicida como essa. — Elliot apontou, dando claros sinais de incômodo com aquela situação e, principalmente, com a abordagem despretensiosa da princesa. Não era possível que ela tivesse esquecido todas as asneiras que havia dito na última vez em que se viram. — Eu resolvi ajudá-lo antes que ele morresse tentando cumprir essa tarefa impossível. Mas não se iluda: estou fazendo isso por ele, e não por você.

A resposta atravessada fez com que a princesa mordesse o lábio inferior com nervosismo. Sarah se arrependia de sua própria ingenuidade e sabia que agora devia um pedido de desculpas também ao jardineiro. Elliot a encarava diretamente, com rispidez. Ela não estava habituada àquele tratamento por parte de ninguém e a situação era bastante desagradável.

— Às vezes eu repreendo Evangeline pela forma como ela se dirige a algumas pessoas, mas esqueço de que no fundo nós somos bastante parecida. — ela comentou enquanto soltou uma breve risada sem graça. — Eu confesso que me excedi em nossa última conversa e peço desculpas por isso. Será que você consegue me perdoar?

O pedido foi proferido em um tom de voz completamente diferente daquele que ela vinha utilizando, o que pegou o tratador de cavalos desprevenido. Elliot não esperava por aquilo e ele precisou de alguns segundos para processar o que havia acabado de ouvir. Sarah sempre havia sido uma pessoa demasiadamente espontânea. Se estava com raiva, ela agia de modo agressivo. Se estava triste, era incapaz de ocultar sua própria infelicidade. Se estava alegre, não havia ninguém que pudesse conter sua euforia. Olhando-a diretamente nos olhos, estava claro o quanto ela era honesta em suas palavras. Ainda assim, ele não sabia como responder àquilo sem que parecesse idiota.

O silêncio por parte do rapaz era demasiadamente torturante para a princesa e depois de alguns minutos, não havia mais sentido esperar por qualquer resposta. Aceitando aquele tratamento frio e distante, não se sentindo sequer digna  para olha-lo nos olhos, Sarah abaixou a cabeça e optou por retirar-se do local. Ela havia compreendido perfeitamente aquela resposta muda e reconhecia que às vezes era preciso saber a hora de desistir.

Elliot observava Sarah afastando-se a passos lentos. Ainda apoiado em uma das baias vazias, ele esfregou os olhos com vigor, como se tentasse despertar de um sonho ou delírio. “O que diabos você está pensando? Não faça nenhuma besteira que possa se arrepender depois”, ele pensou, balançando a cabeça numa vã tentativa de afastar aqueles pensamentos depreciativos. Estava agindo como um tolo, tinha certeza disso.

Erguendo o olhar novamente, ele observou a figura da princesa tornar-se pequenina a medida que se distanciava. A visão lhe trouxe um sentimento de nostalgia e ao mesmo tempo de angústia, tão forte que estava difícil respirar. Era como se seu próprio corpo estivesse a comprimir os pulmões, tornando o ar escasso e lhe dando a sensação de ansiedade. Impossível não se recordar daquele fatídico 12 de Maio. A imagem da pequenina princesa sendo arrastada por Evangeline para fora dos estábulos havia lhe causado certa aflição naquele tempo, mesmo que ele jamais tenha sido capaz de explicar o porquê daquela reação. Tudo que sabia era que este desconforto retornava e que estava presente quase todas as vezes em que eles eram obrigados a se despedirem. Logo a realização do porquê daquela reação o acertou como um forte tapa e por um momento ele se sentiu estúpido por não ter reparado antes.“Agora sei porque me sinto dessa forma. Eu apenas não quero que ela vá”.

Percebendo a dimensão do erro que havia acabado de cometer, Elliot pôs-se a correr enquanto gritava pelo nome da princesa e para seu alívio ele conseguiu cobrir a distância já percorrida por ela em pouco tempo. Ao ouvir seu nome sendo chamado ao longe, Sarah parou de andar e tornou o rosto para trás, tentando compreender o que se passava. Não esperava que o rapaz já estivesse bem atrás de si, o que causou um espanto imediato. Quando abriu a boca para questionar o que ele necessitava, ela foi imediatamente surpreendida com um beijo rápido e invasivo.

Sem conseguir raciocinar, ela empurrou o rapaz de imediato, ainda que sua força não fosse suficiente para afastá-lo mais que alguns mínimos centímetros. O espaço possibilitou que ela visse o rosto de Elliot demasiadamente rubro, tornando evidente seu embaraço. Quando este fez menção de afastar-se, ela o segurou pela gola da blusa que usava debaixo do colete surrado.

— Me desculpe! — ela exclamou de modo exasperado, sem conseguir precisar porque estava se desculpando. — Eu só não estava esperando por isso.

Aquele esclarecimento fora proferido em um tom de voz baixo e tímido, mas ela sustentou a postura e o encarava diretamente nos olhos. Sem a urgência de antes e sem utilizar-se de qualquer discurso, ele roçou os dedos nas bochechas rosadas à sua frente do modo mais tênue que conseguiu. Tinha consciência de que seus dedos eram ásperos em decorrência dos trabalhos manuais que executava todos os dias, mas não conseguia afastar sua própria mão. Elliot a encarava com certa devoção, algo que até então ele se esforçava para ocultar. A carícia era cuidadosa, como se ela fosse feita de uma porcelana muito delicada, prestes a quebrar a qualquer movimento brusco.

Após finalmente conseguir regular a respiração e não enxergar mais quaisquer sinais de resistência, ele tornou a abaixar o rosto até que ficasse na mesma altura que ela. Sarah tinha os olhos fixos nos seus, quase hipnotizada, como se estivesse diante de um predador. Elliot, por sua vez, não conseguia desviar os olhos de seus lábios. Apesar do contato anterior ter sido rápido e brusco (graças à sua imbecilidade e pressa desmedida), havia sido suficiente para reparar como eram macios. E como ele gostaria de sentí-los entre os seus novamente.

Cansada de esperar, Sarah tomou a iniciativa de dar um passo àfrente e acabar com o curto espaço que os separava. A situação agora era completamente distinta da anterior. A princesa sentiu quando os braços fortes do tratador seguraram seu corpo pequeno e esguio. A sensação era de acolhimento e ela imediatamente permitiu-se relaxar dentro daquele abraço, soltando o peso do corpo sobre as pernas, deixando que Elliot servisse de apoio e a mantivesse de pé.

O beijo era levemente desajeitado, dada a inexperiência dos dois, mas não carecia em nada daquela sentimento inocente e quase ingênuo que os envolvia há muito tempo, ainda que somente agora tivessem se dado conta daquilo. Após alguns breves momentos, o rapaz tentou aprofundar aquele íntimo contato, mas fora novamente repelido pela princesa, que afastou os lábios, mesmo sem qualquer intenção de encerrar aquele abraço. Agora Sarah encontrava-se incapaz de encará-lo nos olhos por conta de seu embaraço. Desta vez, partiu de Elliot a iniciativa de levar a mão até seu queixo, erguendo-lhe o rosto ao mesmo tempo em que afastava levemente seus lábios, aproximando-se mais uma vez para beijá-la. A sensação de tê-la ali, ao alcance de suas mãos e de seus lábios era demasiadamente reconfortante e prazerosa para que eles perdessem tempo fazendo qualquer outra coisa.

As sensações que o rapaz lhe proporcionava eram completamente novas para ela. De início, ela tentou imitar os movimentos da língua de Elliot, incerta de como aquele ato funcionava. Não tardou para que descobrissem juntos o ritmo ideal para os dois, potencializando o efeito daquele contato.

Uma voz ao longe tornava-se mais audível a cada momento e quando Sarah finalmente reconheceu aquele chamado, separou-se imediatamente, levemente aterrorizada com a possibilidade de Evangeline encontrar-lhe naquela situação. Ela ergueu a saia do vestido, pronta para deixar o tratador para trás e ir de encontro à sua governanta antes que ela a encontrasse. No entanto, quando fez menção de afastar-se, fora impedida pela mão forte e áspera de Elliot, que a segurava pelo antebraço.

— Solte-me, preciso encontrar Evangeline antes que ela me encontre! — Sarah disse de modo agoniado, sentido que a governanta aproximava-se cada vez mais do local em que estavam.

— Prometa-me. — a jovem não entendeu a extensão daquele pedido e franziu  cenho para que ele entendesse que ela necessitava de mais informações. — Prometa-me que o que aconteceu agora não foi apenas um impulso ou uma reação natural. Dê-me essa garantia e eu a deixarei ir.

Sarah arregalou os olhos, estupefata com aquela realização. Como pudera ser tão cega? Como pudera ignorar o sentimentos que aquele rapaz (justo seu melhor amigo) nutria por ela por tanto tempo? Sentia-se injusta em ter que deixá-lo daquela forma e precisava garantir-lhe de que sentia o mesmo. Soltando a saia do vestido que trajava, ela precisou colocar-se na ponta dos pés para alcançar o rosto de Elliot. Optou por sussurrar ao pé do ouvido: “Não foi uma reação natural. Eu sinto o mesmo”. Depositando um rápido beijo em seus lábios, ela afastou-se dali o mais rápido que pôde, indo de encontro à voz de Evangeline.

O tratador ficou praticamente imóvel após aquele singelo ato, ainda que extremamente significativo para ele. Elliot observou sua princesa afastar-se, mas desta vez não havia qualquer angústia em seu peito. Pelo contrário, ele se sentia leve enquanto aquele morno sentimento tomava conta de si.

Assim que encontrou Evangeline, ela tratou de puxá-la de volta para o castelo. Não havia a menor necessidade dela saber com quem a princesa estava minutos atrás.

— Achei que não fosse retornar mais! — Evangeline comentou enquanto caminhava ao lado da princesa. O riso estampado em seu rosto não havia passado despercebido pela governanta. — O que deu em você hoje? Estava péssima pela manhã, mas agora está radiante. Daria a vida para saber o que Phillip disse para você.

A confissão de sua antiga companheira a fez soltar uma gargalhada divertida. Era certo que sem o incentivo dele ela não teria tido sequer forças para se levantar daquela poltrona. No entanto, seu estado de felicidade atual não tinha qualquer relação com o filho da baronesa.

Naquele momento, seu sorriso mais verdadeiro pertencia a outra pessoa.


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Notas finais do capítulo

Essa era uma das cenas que eu estava mais ansiosa em mostrar para vocês! Espero que tenham gostado, aguardo a todos nos comentários :)



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