The Queen's Path escrita por Diamond


Capítulo 10
Capítulo X - 09 de Abril de 1871


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos, tudo bom com vocês? Antes de mais nada, queria agradecer aos lindos comentários que venho recebendo, eles são muito importantes para mim! Quando tenho um dia difícil ou estou com dificuldade em escrever alguma cena, volto até eles e releio todos. Vocês são os melhores ♥

Espero que estejam curtindo a leitura do mesmo modo que eu curto a escrita. Aproveito para dizer que estou sempre aberta às sugestões de vocês, quanto alguma cena ou aprofundamento de um personagem específico. Sabem a cena ~sensual~ da Charlotte e do Allen? Foi feita a pedido de uma leitora, a Milla Moura. Então, se eu conseguir encaixar, terei o maior prazer de "presenteá-los" nesse sentido.

Sem mais delongas, desejo a todos uma ótima leitura! :)



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Sarah olhava para todos os lados, deslumbrada com a exuberância das peças da loja. Tapetes estavam expostos por toda parte, alguns contavam com figuras geométricas, outros com arranjos de flores e os mais caros pareciam verdadeiros livros de gravuras, contando histórias com princípio, meio e fim. Do outro lado do estabelecimento havia ainda com um pequeno espaço que servia como antiquário. Quadros, vasos, relógios, estátuas e candelabros estavam espalhados pelo ambiente e ela precisou redobrar a cautela ao cruzar essa área, com medo de esbarrar em algum item frágil.

— Eu vou querer este. — ela proferiu, apontando para a peça de tapeçaria diante de si. Tinha o fundo negro, adornado com lírios brancos e rosas vermelhas, formando um contraste bastante luxuoso ao seu ver. Ficaria muito bonito na sala de visitas.

— Uma escolha excelente, Alteza. — comentou o dono da loja, que a acompanhava em todos os locais, fazendo questão de exaltar os itens mais caros do estabelecimento. — O que acha deste outro? Levou meses até que o artesão o finalizasse, é a reprodução perfeita de um Quarto de Milha.

— Vou levar este também! — ela informou com entusiasmo, enquanto observava o bordado do cavalo, tão perfeito e delicado que parecia estar diante de um verdadeiro equino.

— Perfeitamente, Alteza.

Duas palmas foram mais que suficiente para chamar um dos empregados da loja, que retirou as peças da parede com a maior cautela, enrolando-o e levando-o até os fundos da loja, onde ele seria preparado para entrega em poucos dias.

Sarah continuou vagueando pela loja, apontando todos os itens que gostaria de adquirir. Suas escolhas eram sempre elogiadas pelo dono, que a acompanhava como um abutre. Evangeline observava tudo de pé, próxima a porta. Já haviam reunido pessoas o suficiente para trabalhar na reconstrução, estando Anthony encarregado de comandar os trabalhos. No entanto, revitalizar a residência da Família Miglidori incluía redecorá-lo, tarefa que vinha ocupando os últimos dias das das duas e que se estenderia por mais alguns. Depois, caberia a princesa organizar a maior festa já vista no continente. Não bastasse a reinauguração do castelo e o retorno da Família Miglidori ao trono, era chegada a hora de realizar a cerimônia de coroação de Allen, adiada por tantos anos devido à situação política do reino.

Enquanto a observava, Evangeline sentia-se orgulhosa, em parte por si mesma e pelo belo trabalho que havia feito nos últimos dezoito anos, mas em grande parte pela dama que Sarah havia se tornado. Eram momentos raros os que a jovem aprontava alguma criancisse. Na maior parte do tempo ela sustentava uma postura elegante, acompanhada pela fala polida e o sorriso tenro, que parecia estar carimbado em seu rosto, demonstrando gentileza com todos à sua volta. O tratamento despendido trazia algumas exceções, como os dois filhos mais velhos da Baronesa Chevalier. Os dois estavam cercando-a todos os dias, convidando-lhe para um passeio, oferecendo-lhe sua companhia e cobrindo-a de presentes. Todas as vezes em que presenciava uma cena dessas, a governanta fazia esforço para não achar graça, mal sabiam eles que aquela era a pior abordagem possível para chegar ao coração da princesa. Mas ela jamais revelaria tal segredo, eles que dessem um jeito de perceber aquele detalhe por si mesmos. “Edgar Avelar sequer se esforça nesse sentido e ainda assim está a séculos a frente de vocês, pobres criaturas”, ela pensou em meio a uma risada contida, recordando-se da última cortada dada pela princesa ao primogênito Martin, que fora capaz de silenciá-lo pelo resto do desjejum.

Não seria a governanta a tocar neste assunto, mas Sarah já se encontrava com dezoito anos. Não tardaria até que os pretendentes começassem a aparecer e gostando deles ou não, logo deveria casar-se com algum deles. Como era costume da época, a escolha do consorte não cabia a princesa, mas sim ao representante de sua família. Evangeline rezava todos os dias para que o carinho que a menina nutria pelo irmão servisse de algo e o fizesse escolher alguém que, no mínimo, estivesse a altura dela não só em hierarquia, mas também em caráter. Detestaria ter de ver sua pequena sofrer.

Após a morte de sua amada Katherine, não restavam motivos para que ela permanecesse no castelo. Não fosse a recém nascida, ela teria partindo sem mágoas e sem arrependimentos. Mas quem poderia prever o rumo das coisas? O destinou tirou Katherine de sua vida em troca da infanta. “Eu não me arrependo das decisões que tomei. Faria tudo novamente, se necessário fosse”, ela pensou em meio a um devaneio, sendo acordada ao sentir uma mão pequenina repousar sobre seu ombro.

— Evangeline, o que se passa? Estou lhe chamando já faz alguns minutos. — Sarah constatou enquanto dirigia-lhe um olhar preocupado.

— Não passa nada, estiva apenas distraída, perdoe-me por isso. — ela respondeu de imediato, recompondo a postura. — Já escolheu tudo que gostaria de levar?

— Sim, mas foram muitos artigos, acho que me empolguei um pouco. — ela respondeu em meio a uma risadinha. — Por gentileza, faça um inventário de tudo que adquirimos e proceda com o pagamento. Gostaria que tudo fosse entregue diretamente no castelo dentro de um mês.

— Como desejar, Alteza. — respondeu o dono da loja, mais do que satisfeito com as vendas que havia feito. Se quisesse, poderia fechar a loja ao final do dia e só retornar alguns meses depois.

— Enquanto faz isso, estarei lhe esperando lá fora, gostaria de tomar um pouco de ar fresco. — ela comentou de modo despretensioso. A loja era fechada e tinha coisas demais em seu interior, o que a deixava levemente claustrofóbica. De sua governanta ela recebeu um olhar desconfiado. — Não se preocupe, estarei lhe esperando na calçada o tempo todo.

Dito aquilo, a Evangeline sacou uma bolsa recheada de moedas de ouro e seguiu o proprietário, tomando nota de tudo aquilo que a princesa havia encomendado. Sarah seguiu para o lado de fora, respirando aliviada por estar longe de todos aqueles objetos quebráveis. O estabelecimento ao lado era uma padaria simples, mas que ostentava diversos doces e pães em seu mostruário, fazendo a jovem sentir vontade de experimentar todas aquelas delícias. Ela teria passado mais tempo admirando a guloseimas se um som delicado e harmônico não lhe chamasse a atenção. Virando-se, ela vislumbrou uma igreja bastante suntuosa. Sentada na escadaria, uma moça que não aparentava ser muito mais velha que ela tocava uma flauta de olhos fechados, enquanto uma pequena platéia encontrava-se de pé, apreciando a melodia.

As pessoas não passavam mais que um minuto ou dois ouvindo a música e logo retornavam aos seus afazeres. Quando faziam menção de se afastarem, dois garotos surgiam diante da pessoa, estendendo-lhe um saco meio surrado, exigindo o “pagamento” daquela atração simples, porém bastante habilidosa. Algumas pessoas os agraciaram com uma brilhante moeda de prata, mas a grande maioria atirava duas moedas opacas de bronze dentro do saco muito a contragosto. Sarah achava aquela situação um tanto quanto engraçada, ninguém dava conta da presença das duas crianças até que eles praticamente brotassem do chão. Finda a última melodia, a pequena multidão se dispersou e a princesa achou por bem entregar sua contribuição pelo pequeno espetáculo.

— Você é muito habilidosa com a flauta, estou impressionada! — ela agraciou a artista enquanto atirava uma gorda moeda de ouro dentro do saco, pagamento até então nunca visto pelas duas crianças. Os dois trocaram um olhar recheado de cumplicidade e puseram-se a correr no mesmo instante, sem tempo para agradecimentos.

— Perdoe-os, são apenas crianças e se empolgam facilmente com as coisas. — a jovem artista respondeu enquanto guardava sua flauta dentro de uma bolsa de veludo esverdeado, dirigindo então um genuíno sorriso de agradecimento. — Obrigada pela contribuição, não imagina como é importante para nós.

— Não precisa me agradecer, você fez por merecer. — Sarah comentou enquanto aproximava-se ainda mais, sentando-se ao lado dela. — Então, você é artista?

— Não, flauta é apenas um passatempo antigo, Dimitri e Gregory que sugeriram a ideia de arrecadar dinheiro com isso. Não é muito, mas ajuda em alguma coisa.

— São seus irmãos? — Sarah questionou, sentindo sua curiosidade infantil aflorando novamente. Desde o incidente do poço ela não havia reencontrado Elliot em nenhum outro momento. Além do mais, longe de Beatrice e Edgar, não havia ninguém interessante com quem a menina pudesse trocar algumas palavras.

— Não exatamente. Não somos parentes de sangue, mas definitivamente formamos uma família. Eles são órfãos, cuido deles desde que cheguei aqui. — ela reconheceu em um tom de voz baixo, parecendo animada e orgulhosa de si mesma. — A propósito, o meu nome é Delia, e o seu?

— Sarah. — a princesa sentiu que o nome era familiar, mas não se recordava onde o tinha escutado. Estava um tanto surpresa com a revelação. A moça não parecia ser tão mais velha que ela e mesmo assim tomava de conta de dois órfãos. Simpatizou com a figura instantaneamente. — Perdoe-me a pergunta indiscreta, mas como consegue arcar com os custos de duas crianças?

— Na verdade, são três. Afora Dimitri e Gregory, ainda há Rosetta. Você não tem idéia como eles comem! — ela exclamou enquanto levava a mão a testa em um gesto engraçado, arrancando um risinho de Sarah. — Quando penso que comprei a comida de um armazém inteiro, eles já comeram tudo! É desesperador às vezes, mas sempre damos um jeito. Além da flauta, também sei lavar, passar, cozinhar, limpar e costurar.

— E você faz todas essas coisas todos os dias? — ela questionou de modo estupefato, estava até mesmo boquiaberta. Recebeu como resposta um animado menear de cabeça por parte de Delia. — Como consegue tempo para fazer tudo isso?

— Acordar bem cedo e dormir bem tarde é um ótimo começo. — Delia respondeu, bastante entusiasmada de ver alguém tão empolgada com a narrativa de sua rotina. — Eu não posso deixar as crianças sozinhas, então quase sempre faço essas coisas em casa. Passamos nas estalagens recolhendo as roupas a serem lavadas e depois de as colocar no varal, eu costuro para um loja de vestidos. As crianças me ajudam com tudo, são realmente prestativos.

— Ah, sabia que reconhecia seu nome de algum lugar! — um estalo fez com que Sarah recordasse da conversa que tivera com Maria. — Uma amiga me falou de seus vestidos, é uma grande admiradora. Acredito ter visto alguns na vitrine de uma loja, eram realmente impecáveis.

— Que bom que gostou! Eu posso mostrar alguns para você, caso tenha interesse.

As duas passaram longos momentos conversando, sem sequer se dar conta da passagem do tempo. Durante o diálogo, elas descobriram que tinham uma porção de coisas em comum, como a paixão por cavalos e guloseimas doces.

Evangeline demorou mais que o esperado para inventariar todos os itens comprados e quando saiu da loja olhou para os lados sem identificar Sarah. Arrependeu-se de imediato de ter permitido que a menina se afastasse daquele modo. Felizmente, ela logo avistou a princesa sentada a escadaria na igreja, a conversar com alguém. Soltou um suspiro levemente cansado. Ela não estava na calçada como prometera, mas também não estava fora de sua vista, já que a igreja ficava a alguns metros do antiquário em que estavam.

— Bom, é um começo. — Evangeline disse consigo mesma enquanto seguia em direção à princesa, com sua agenda em mãos. Quando já estava bem próxima, as duas jovens tornaram-se conscientes da presença da governanta.

— Evangeline, bem na hora! — Sarah exclamou enquanto se levantava num salto. — Acabei de conhecer esta moça, seu nome é Delia. Pode não parecer, mas ela é uma verdadeira artista, toca flauta como jamais vi alguém tocar.

Evangeline estava prestes a retrucar, mas emudeceu ao ver a suposta artista sentada. O rosto pálido, o cabelo levemente ondulado, as bochechas rosadas e os lábios cheios chamaram a atenção da governanta de imediato, que acabou soltando sua agenda no chão, tamanha era sua surpresa. Não fossem os fios ruivos e um conjunto de discretas sardas sobre o nariz, a jovem seria idêntica à sua amada milady. Ela a encarou por um longo período, que ocasionou em um silêncio constrangedor.

— Evangeline, tem certeza de que está tudo bem com você? Está tão aérea hoje. — Sarah questionou, genuinamente preocupada com o bem estar de sua governanta.

— Estaria tudo ótimo se você não estivesse desperdiçando nosso precioso tempo. Ande, venha logo! — tomando a princesa pelo braço, ela abaixou rapidamente para reaver a sua agenda e logo se afastaram dali.

Sarah somente teve tempo de virar parcialmente o corpo e acenar para sua mais nova amiga. Delia acenou de volta em meio a uma risada. Era uma menina bastante engraçada. Ela não esperava que algum dia fosse encontrar alguém com a personalidade energética como ela, além de tantos gostos em comum. Era como ter uma irmã, ainda que ela fosse filha única.



— Evangeline, aquilo não foi nada educado, sabia disso? — a princesa ralhou com sua governanta.

— Ora Sarah, faça-me o favor. Não precisa gastar sua cota de educação diária com artistas de rua. — a mais velha retrucou enquanto cruzava os braços, de modo aborrecido. Ela não sentia necessidade em revelar os reais motivos de seu descontentamento.

— Diga-me quem está agindo como uma criança agora. — a jovem retrucou, ainda que sem ânimo para prosseguir com aquela conversa.

Caminharam por longos minutos em silêncio, cada uma compenetrada em seus próprios pensamentos. Quando já estavam mais afastadas do centro comercial, Sarah avistou uma casa que muito lhe chamou a atenção. Não era nada luxuosa, pelo contrário, as paredes de pedra que haviam sido tomadas por plantas trepadeiras, dando-lhe um ar rústico e campestre. Ela aproximou-se de uma pequena placa à frente da casa, que indicava tratar-se de uma botica. Fazia alguns anos desde que ela havia visto uma e possivelmente encontraria algo interessante lá dentro.

— Evangeline, veja isto! — Sarah chamou sua atenção, esquecendo-se momentaneamente da briga de minutos atrás. — É casa de um boticário, vamos dar uma olhada. Talvez eu veja algo interessante.

A governanta deu-lhe os ombros, apenas seguindo-a para dentro da edificação rústica. A porta se abriu e chocou-se contra um pequeno sino, provavelmente instalado no intuito de chamar algum empregado para atender o recém chegado cliente. O piso de madeira era inesperadamente brilhante, muito bem encerado. Do mesmo modo eram as largas prateleiras, cheias de vidros com os mais variados tamanhos e cores. Sarah deslumbrou-se de imediato com o ambiente e bem sabia que poderia passar o restante do dia lendo aqueles rótulos sem se entediar.

Pouco depois de adentrarem no local, Evangeline teve um acesso de espirros, mal tendo tempo de respirar entre um e outro. Tinha o olfato bastante sensível e a venda misturava variados aromas, tornando demasiadamente penoso ao seu nariz processar todos aqueles odores.

— Desisto, é impossível ficar aqui dentro! — ela exclamou com impaciência entre um espirro e outro. — Estarei lhe esperando do lado de fora, mas por favor não demore.

De imediato ela atravessou a porta, saindo da botica. A princesa sentiu-se levemente aliviada por isso. O humor de Evangeline estava terrível desde que chegaram a Odarin, mesmo que o comportamento de Sarah estivesse beirando o impecável. Teriam de para conversar em um outro momento, já que não lhe agradava ver sua amiga infeliz daquele modo, ainda mais sem que soubesse a razão daquela irritação toda.

Estava a observar uma das prateleiras quando ouviu passos ao longe, mas não se incomodou com aquilo e continuou a examinar os vidros.

— Bom dia senhorita, em que posso ajudá-la? — uma voz simpática surgiu aos fundos da casa e a princesa não fez questão de olhar quem seria seu interlocutor.

— Estou apenas de passagem, não desejo nada específico. — ao dizer isto, ela agarrou uma pequena garrafa azulada e só então dirigiu-se ao atendente. — Para que serve isto?

Ela não obteve qualquer resposta para sua pergunta, fazendo-a repetí-la em um tom de voz mais alto, mas mesmo assim sem receber qualquer retorno. Virou-se de modo impaciente, pois detestava ser ignorada e percebeu que atrás de si havia um senhor que a encarava de modo assustado. Mas não se tratava de um senhor qualquer, Sarah reconheceria aquele rosto mesmo que tivesse passado cem anos longe de sua terra natal. Suas pernas se moveram de modo automático e antes que ela pudesse perceber, já estava abraçada aquele homem que deveria beirar os cinquenta anos de idade.

— Você não é capaz de imaginar como senti sua falta! — ela exclamou de modo entusiasmado e carinhoso, antes de se afastar e segurá-lo pelas mãos. — É muito bom vê-lo novamente, meu querido Jacques.

O antigo jardineiro não esboçava qualquer reação senão espanto. Ele parecia ainda estar tentando processar o que se passava. Reconheceu a menina de imediato (ainda que já não se  tratasse mais de uma menina), mas era incapaz de expressar em palavras o que estava sentindo. Era um misto de surpresa, felicidade, e principalmente de alívio. Foram oito longos anos sem sequer saber se a irreverente princesa continuava viva e se retornaria ao antigo lar.

— Não vai dizer nada? — ela questionou impaciente, mas sem qualquer aborrecimento. Tratava-se de um incentivo para que ele dissesse algo, sua ansiedade estava consumindo-a por dentro.

— Perdoe minha rudeza, princesa. — ele comentou em um tom de voz baixo e incerto, mas educado como sempre. — É que estou um tanto quanto surpreso. Para ser sincero, não tenho muita certeza do que posso falar.

— Um “seja bem vinda” ou “estou feliz que tenha voltado” é um ótimo começo. — ela sugeriu em meio a uma risada alegre.

— Você cresceu. — ele apontou enquanto ainda a observava. Sarah sempre tivera uma estatura diminuta, não chegando sequer a atingir a cintura do antigo jardineiro quando fugiu da revolução. Agora media poucos dedos a menos que ele.

— Sim, evidentemente, mas não o suficiente para que você não me reconhecesse mais, não é mesmo?

— Mas é claro, eu jamais a esqueceria. — ele respondeu de imediato, quase esquecendo-se de quem estava diante de si era um membro da realeza e não uma camponesa ou empregada qualquer. A afirmativa fez com que o coração da jovem se aquecesse, tornando-se impossível conter o sorriso estampado em seu rosto. — Mas por gentileza, deixe-me perguntar: o que a trouxe até aqui?

— A princípio, eu apenas achei que se tratasse de uma casa curiosa a deste boticário, mas agora estou certa de que foi o destino que me trouxe até aqui. — Sarah comentou de modo empolgado, até se dar conta de algo. — Espere, esta é a sua casa? Você é o boticário?

— Por céus, não. Eu jamais teria instrução suficiente para o ofício. — ele tratou de esclarecer. — Eu sou apenas seu assistente. Ele me convidou quando soube que eu sabia cultivar plantas.

— E não poderia ter escolhido alguém melhor. — ela comentou, até se dar conta de que não poderia perder aquela oportunidade. — Estamos voltando para casa. Não só eu, mas Allen também. Em poucas semanas o castelo estará revitalizado e tudo voltará a ser como antes. Mas você bem sabe um pátio daquele tamanho precisa de alguém experiente para cuidar de tudo. O que acha de ter seu antigo cargo de volta?

— Deixar de ser assistente de um boticário para voltar a cuidar de um jardim imenso como aquele? — Jacques questionou de modo retórico, mas a pergunta fez com que o sorriso da princesa desaparecesse, ainda que ele não soubesse precisar o porquê.

O questionamento fez com que Sarah percebesse como aquele era um pedido estúpido e egoísta. Jacques já não era tão jovem e após tantos anos lidando com o pesado trabalho de cuidar de um jardim daquela proporção, atuar como assistente de um boticário era uma oportunidade única. Além de uma profissão bem mais valorizada, ele deveria aprender coisas novas todos os dias, tratando-se de um trabalho bem menos solitário que o anterior. Estava óbvio para ela que ele jamais aceitaria uma proposta estapafúrdia como aquela e por um momento ela se sentiu constrangida de ter falado aquilo. No entanto, diante de seu silêncio, ele continuou falando.

— Não há nada que eu gostaria mais nesta vida, princesa. — ele comentou em meio a um sorriso discreto, mas verdadeiro.

— Tem certeza disso? — Sarah perguntou, agora incerta daquela resposta. Conhecendo-o, era provável que estivesse tentando agradá-la em razão de sua posição. Mas ela não gostaria que as coisas ocorressem daquela forma. — Você deve aprender muitas coisas aqui, além de ter mais contato com as pessoas.

— Tem razão quanto a isto, mas essas coisas não me enchem os olhos. Não levamos nada dessa vida, mas podemos deixar um legado para trás. Eu gostaria de poder deixar um glamuroso jardim como legado. — ele comentou de modo tímido, mas seguro de suas palavras. As estações passariam, mas suas flores perdurariam mesmo após sua morte e o pensamento, apesar de ser um tanto mórbido, o alegrava internamente.

A resposta fez com que a princesa voltasse a sorrir. Estava prestes a prosseguir com a conversa quando fora interrompida pelo sino da porta. Evangeline não adentrou, temerosa quanto a um novo acesso de espirros e assustou-se ao ver o antigo jardineiro ali.

Seus olhos se cruzaram e Sarah podia jurar que podia ver faíscas de tensão entre os dois. Achava de que depois de tantos anos a governanta pudesse ter deixado suas animosidade para trás, mas estava enganada. Jacques jamais deixaria aquilo abalá-lo e sempre a tratava com cortesia, apenas de não receber nada similar em nenhuma de suas tentativas.

— Como vai, Evangeline? — ele perguntou de modo educado, sem esperar uma resposta no mesmo nível. Em momentos como aquele ela costumava perder o tom e deixar que sua personalidade original aflorasse.

— Estava ótima até alguns segundos atrás. — a governanta respondeu com a rispidez já esperada. — Que significa isto, Sarah? Não sabia que seu interesse nesta casa envolvia um empregado velho.

— Evangeline! — a jovem ralhou, chamando-lhe a atenção, mas a outra não lhe deu ouvidos. Assumindo uma postura de deboche, ela passou a proferir os costumeiros insultos.

— Na realidade, muito me admira encontrá-lo em um local como este. Achei já tivesse morrido.

— Evangeline, chega! — Sarah falou num tom de voz, mais alto, fazendo com que a governanta engolisse as próprias palavras. — Não vou admitir que diga esse tipo de coisa gratuitamente. Se não tiver nada de bom a dizer, ordeno que cale-se!

As palavras duras espantaram a todos os presentes. Nem mesmo a própria Sarah podia acreditar que havia falado daquela maneira com aquela que a havia criado. Apesar de surpresa consigo mesmo, não estava arrependida. Ela jamais gostou do modo como a governanta tratava o jardineiro, mas quando mais nova não tinha autoridade para impedir a situação. Agora as coisas seriam diferentes.

A própria Evangeline não podia acreditar no que se passara ali. Talvez ela tivesse passado dos limites, é verdade, mas não esperava por receber aquele tipo de retaliação da mais nova. Ela encarou a jovem à sua frente. A postura ereta, a expressão dura, o tom de voz de voz prepotente. A governanta via uma verdadeira governante naquela figura, no entanto, não conseguia visualizar a doce menina com quem havia convivido por todos esses anos. “Céus, o que foi que eu fiz?”, ela pensou, antes de afastar-se da porta em silêncio, deixando que a mesma fechasse lentamente.

— Perdoe-me por isto. Evangeline tem estado insuportável desde que retornamos, não sei o que se passa com ela. — a princesa comentou quando viu-se sozinha com o antigo jardineiro novamente. — Achei que ela fosse ficar feliz de voltar, mas vejo que me equivoquei.

— Não se preocupe com isso. Eu não a culpo pelo seu estado de nervos. — Jacques comentou, sem demonstrar estar abalado com as ofensas que tinha ouvido. Sarah estranhou aquela afirmação e isto ficou evidente em seu rosto.

— Que quer dizer com isto?

— É provável que o castelo lhe traga memórias ruins. A revolução, a morte de sua mãe, estas coisas. — ele comentou. Sabia que aquelas eram razões superficiais e que havia motivos reais para que o humor da governanta estivesse denso e intolerante daquele modo. Era pesado o fardo que Evangeline carregava e Jacques sempre fora compreensivo com ele, mesmo sem receber nada de bom em troca.

Sarah ponderou aquelas palavras por um momento, mas achou melhor não comentar nada a respeito. Era um assunto que deveria ser tratado posteriormente. Depois de acertar os detalhes de seu retorno ao castelo de Odarin, Sarah se despediu com mais um abraço, que fora timidamente correspondido desta vez.

Ao sair da botica, ela encontrou Evangeline sentada em um banco de pedra bem próximo da residência. Tinha o rosto enterrado entre as mãos. A mais nova sabia que ela não chorava, mas deveria estar se sentindo bastante frustrada, ou pelo menos era o que ela esperava. Aproximando-se, ela disse em um tom de voz baixo, porém decidido.

— Ouça uma coisa, Evangeline. — o prelúdio chamou a atenção da governanta, que ergueu os olhos para encarar a jovem. — Não tenha dúvidas do quanto sou agradecida pelo que fez e continua fazendo por mim, todos os dias. Você sabe o quanto é querida e respeitada por mim. Mas também gostaria de esclarecer algo. Eu amo cada servente que fez parte da minha infância, sem exceção. Goste ou não, eu trarei todos eles de volta a minha rotina e se você fizer algo para tentar impedir isto, juro como não a perdoarei.

A mensagem fora transmitida de modo impessoal, mas traduzia os sentimentos da princesa naquele momento. Ainda estava furiosa pelo modo como a governanta havia atacado Jacques, dizendo-lhe coisas terríveis que jamais deveriam ser proferidas a ninguém. Além disso, não suportava mais o fato ter de esconder seus atos, principalmente de uma pessoa em quem depositava toda a sua confiança.

Não era uma tarefa fácil para Sarah transmitir seus desejos daquela forma impositiva, mas não lhe restava outra saída. Ela não iria se esconder mais. Evangeline não tinha condições de responder qualquer coisa, de modo que apenas meneou positivamente, antes de se levantar e seguir a princesa de volta ao centro comercial, onde Gaspar as aguardava para retornarem a casa da Família Chevalier.

Durante o trajeto de volta, Evangeline percebeu porque se incomodava com aquele jeito de agir de Sarah. Katherine costumava agir da mesma maneira, sua vontade era soberana e não havia nada no mundo que pudesse mudar seus planos mirabolantes uma vez que estivessem prontos. Jamais conseguiu fazer com que a milady escutasse seus conselhos ou suas opiniões e a imposição de sua vontade sobre a jovem era uma tentativa frustrada de se fazer ouvir.

A expressão de reprovação de Katherine brotou em sua mente e reinou durante todo o trajeto de volta. Aquilo lhe causou uma tristeza inigualável ao coração, mas ela nada disse. Ao menos não em voz alta. “Não olhe para mim deste modo, você faria a mesma coisa”, Evangeline pensou, aborrecida consigo mesma e com a falecida rainha.


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