A Profecia dos Renegados escrita por SBFernanda


Capítulo 3
III. Isaac Whindbourg




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A Profecia dos Renegados

Escrito por Fernanda Barroso

 

III.

Isaac Whindbourg

 

[York — Inglaterra]

Ano da Colheita

 

Isaac Whindbourg, o bruxo que se tornara recentemente o líder do Coven, estava andando de um lado para o outro dentro da sala que se reunia com o resto do grupo. Estava claramente nervoso e agradecia mentalmente por ninguém ter chegado ainda. Abria e fechava a mão e a cada vez que fazia isso, sentia o tecido fino que tinha entre o seu mundo e o mundo dos ancestrais tremular. A cada vez que isso acontecia, ouvia sussurros ansiosos.

Quando aceitou ser o líder do Coven achou que seria uma honra, que estaria seguindo os passos de sua família e reassumindo aquilo que há muito fora deles. Era bem resolvido e bem sucedido no mundo dos negócios. Ele tinha um pequeno, mas muito bem desenvolvido negócio, que fazia muito sucesso na cidade: um pub. Agora, desdobrava-se para conseguir administrar o lugar e atender ao seu povo.

Seu povo.

Pensar naquelas pessoas daquela forma sempre lhe foi reconfortante, mas não naquele dia. Há muito se preparava para A Colheita. Era um evento que acontecia a cada cinquenta anos. O líder, junto com os anciãos do coven, organizava um ritual para colher a magia. Até então, ele apenas soubera que os ancestrais distribuíam seus poderes, de modo a fortalecer o coven. Mas foi na última reunião que descobriu os detalhes.

Os próprios ancestrais lhe contaram como tudo deveria acontecer. E esse era o motivo de tamanho nervosismo. Ele não se sentia mais honrado, não se sentia ansioso por comandar A Colheita, como ficara ao tomar posse como líder.

Agnes enfim chegou, o encontrando daquela forma. Imediatamente se preocupou, mas tentou disfarçar, caminhando até ele e o abraçando no processo. Esperaria que ele dissesse alguma coisa, mas o silêncio se estendeu por longos minutos.

Isaac e Agnes se conheciam desde sempre. Ela, cinco anos mais nova do que ele, começou a fazer parte de seu círculo de amizade quando fez quatorze anos e se tornou uma bela moça loira de olhos azuis e belas pernas. Foi apenas há um ano que eles começaram a se relacionar, mas mantinham o noivado em segredo, já que ela era jovem e ele, o líder do coven.

Agnes era o que os demais chamavam de Primeiro Grau. Ela já havia iniciado seus estudos e passado pelo ritual inicial. Era um membro jovem do Coven. Porém, como Alto Sacerdote, Isaac sabia que os poderes de Agnes poderiam lhe fazer se tornar Alta Sacerdotisa em pouco tempo. Isso se não fosse o que aconteceria naquele dia.

A cada cinquenta anos era feita ‘A Colheita’. Todos os membros do coven se reuniriam para prestar homenagem aos deuses e a seus ancestrais. Eles deveriam seguir o ritual de acordo com o que o Alto Sacerdote e a Alta Sacerdotisa, os líderes do coven, dissessem. Ao final, os ancestrais, junto com os deuses, iriam abençoá-los e distribuir seus poderes, intensificando-os.

O que apenas os Altos Sacerdotes e anciões sabiam era que ‘A Colheita’ nada mais era do que o sacrifício do Primeiro Grau mais forte daquela geração. Não importava se esse poder pudesse ser aproveitado no futuro, seu poder seria absorvido pelos ancestrais e distribuído entre os 12 membros do coven. No final, um novo membro seria escolhido em seu lugar.

E naquele ano, como que brincando com a vida e os sentimentos de Isaac, o Primeiro Grau escolhido era Agnes Ward, sua noiva.

— Precisamos dar um jeito de sairmos daqui. — Ele a abraçou e recebeu um olhar confuso. — Você trouxe tudo o que pedi?

— Trouxe, mas por quê? Achei que iríamos morar juntos e por isso pediu pra eu trazer minhas coisas. Mas, Isaac, não podemos ir antes da Colheita. Você precisa estar aqui.

— Não. Não podemos ficar aqui nem mais um minuto! — Segurando as pequenas mãos, sentiu as próprias temerem e ouviu um baixo sussurro. Assustado, largou as mãos da noiva. — O que tem pra me contar?

— Sabe que às vezes é horrível que seja o Alto Sacerdote? — Um pequeno e carinhoso sorriso lhe apareceu nos lábios. — Eu estava esperando que tornasse tudo oficial para o coven, mas logo não ia dar pra esconder mais. — Agnes então olhou para baixo, levando as mãos ao ventre. Ela estava emocionada apenas de pensar sobre isso. — Estamos esperando um bebê.

O mundo de Isaac desmoronou por alguns segundos naquele momento. Em meio à alegria que tentou lhe tomar com a notícia, veio o desespero maior. Os ancestrais não se importavam em tomar uma vida inocente como a de Agnes, muito menos a da filha dos dois. Eles estavam ansiosos pelo poder que aquele pequeno bebê já possuía no ventre de sua mãe igualmente poderosa.

— Vamos. — Concentrando-se para não abrir uma brecha entre os dois mundos com o toque, Isaac pegou a mão da noiva e a puxou na direção da porta dos fundos. — Agora mais do que nunca precisamos sair daqui. Agora.

— Eu não estou entendendo... Isaac, por quê? Você não está feliz?

— Eu estou. Eu estou. — E de fato, junto ao seu desespero, ele estava feliz. — Mas preciso te tirar daqui.

— Por quê? Você é o líder, precisa estar aqui para A Colheita, tanto quanto qualquer um de nós!

— Eu não posso te matar! — ele gritou. Os dois estava à porta, agora encarando-se. Isaac respirava com dificuldade, enquanto Agnes pareceu surpresa e temerosa. — A Colheita requer o sacrifício do mais poderoso Primeiro Grau. Os ancestrais vão absorver seu poder e nos tornar fortes através dele. Eu não posso ser o responsável pela sua morte, Agnes.

­— Mas... — Mesmo que quisesse, não saberia como dizer qualquer outra coisa.

Sem dizer mais nada, ele a puxou para fora. Não tinha qualquer pertence consigo, nem mesmo os de Agnes, mas sabia que o tempo estava acabando. Logo os demais membros do coven estariam chegando.

Como se lesse seus pensamentos, passando pelos portões e caminhando na direção dele com uma expressão nada boa, estava a Alta Sacerdotisa. Ela era uma mulher de meia idade, o cabelo escuro preso em um coque apertado e os olhos em um azul acinzentado como os de Isaac.

— Vocês pretendem ir a algum lugar agora? Estamos perto do horário e não queremos nos atrasar, não é mesmo?

— Mamãe. — Isaac se sentiu derrotado perante o que aconteceria. Ele teria de virar as costas para seu coven, mas, principalmente, para sua mãe. — Por favor — implorou. É claro que ela sabia.

— Não estamos discutindo a decisão dos ancestrais, não é mesmo, Isaac? Pode ter sido escolhido como o líder, mas não é a voz suprema aqui.

— Mãe, ela está...

— Grávida — o cortou —, eu sei. — O choque em perceber que sua mãe não se sensibilizou nenhum pouco com aquilo foi tamanho que Isaac não conseguiu reagir de imediato.

— A senhora é um monstro! Está disposta a matar seu próprio neto! — Agnes gritou. Ela tinha lágrimas nos olhos e como não segurava mais as mãos de Isaac, passou os braços ao redor do quadril, como se tentasse proteger seu bebê.

— Sou fiel ao meu juramento. Vocês também deveriam ser.

— Desejo sair do coven. Sei que posso, sei que devo avisar a Alta Sacerdotisa e é isso que estou fazendo. — Era a última esperança de Agnes.

— Sinto muito, criança, isso não será mais possível.

— Não me faça lutar contra você, mãe.

O olhar que recebeu de sua mãe fez com que Isaac recuasse. Ela não acreditava em sua força, mesmo sendo o mais forte do coven naquele momento. Ninguém superava a Alta Sacerdotisa.

Enquanto a mulher encarava seu filho com dúvidas e certo escárnio, Agnes encarava a mulher e mexia os lábios sem fazer qualquer som. Um leve vento passou por ela e Isaac, mas quando chegou na senhora a sua frente, esta gritou.

Illana Whindbourg caiu de joelhos. Sua cabeça parecia prestes a explodir e isso a impedia de pensar racionalmente para conseguir contra-atacar. Aquela Primeiro Grau, escolhida para A Colheita, era realmente tão forte quanto os ancestrais lhe disseram. Tamanha foi a pressão que acabou desmaiando.

Isaac apenas puxou Agnes para longe, para os mesmos portões que sua mãe havia entrado. Olhou para trás três vezes e então sumiu de vista. Quando a noiva o olhou, ele tinha lágrimas escorrendo pelo rosto.

— Eu sinto muito...

— Era o único jeito de nós fugirmos. Não temos tempo para pegarmos nada. Preciso que se concentre comigo para nos tornarmos invisíveis ao rastreamento deles, pelo menos por enquanto.

— Tudo bem...

Escondidos em uma ruela entre duas lojas, deram-se as mãos e fecharam os olhos. As palavras saíram juntas pela boca dos dois, mas Isaac foi quem sentiu a constante presença dos ancestrais, tentando impedir seu sucesso.

Com grande esforço, sentiu que o feitiço funcionara. Ele e Agnes corriam pelas ruelas, tentando se manterem longe dos olhos do coven. Subiram em um ônibus que os levaria para Londres e ficaram tensos até sua partida. Quando, por fim, estavam atravessando os limites de York, Agnes se permitiu olhar para trás e dar um breve adeus para sua amada cidade natal.

Em Londres eles haviam sido rastreados, pois haviam traído o coven e atacado a Alta Sacerdotisa. Haviam impedido que o desejo dos ancestrais fosse realizado e como castigo, o poder de todos do coven estava sem controle. Jovens aprendizes morriam, tamanho poder e a insatisfação dos ancestrais recaía sobre eles.

Eles se casaram oficialmente em Londres e partiram no momento seguinte, fugindo das bruxas que os encontraram. Assim, chegaram a Pendle Hill, onde encontraram uma casa e em comum acordo, usaram toda a sua magia para torná-la um lugar seguro para a filha.

Apesar de não ter certeza através de exames, Agnes dizia saber ser uma menina. Ela recebeu todo o poder dos pais, mesmo que ainda no ventre de sua mãe, logo após tornarem a casa um lugar impossível de ser rastreado.


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